Notas de Concerto (I): Tchaikovsky: Sinfonia Nº 6, Op. 74, “Patética”

Notas de Concerto (I): Tchaikovsky: Sinfonia Nº 6, Op. 74, “Patética”

Tchaikovsky, Pyotr Ilyich (1840 – 1893): Sinfonia Nº 6, Op. 74 em Si menor “Patética”
I. Adagio – Allegro non troppo
II. Allegro con grazia
III. Allegro molto vivace
IV. Finale – Adagio lamentoso

A Sinfonia N° 6 de Tchaikovsky, Op. 74, também conhecida como Pathétique ou Patética, foi composta em 1893, tendo sido a última obra do compositor. Também foi a última obra que ele regeu, precisamente na estreia da mesma em São Petersburgo em dia 28 de outubro de 1893, poucos dias antes da sua morte. Por influência da língua inglesa, hoje, no Brasil, a palavra Patético significa digno de pena, mas não pensem que isto sirva à Sinfonia Nº 6 de Tchaikovsky. Ele chamou a obra de Pathétique, em francês. Só que, em francês, pathétique significa comovente, tocante, pungente, perturbador, emocionante, eloquente, trágico, dramático. O título da sinfonia em língua russa, Патетическая (Pateticheskaya) significa também “apaixonado” ou “emocional”, mas é uma palavra que também refletiria um toque de sofrimento. Tchaikovsky considerou chamar a sinfonia de Программная (Programmanaya ou “Uma Sinfonia Programática”), mas concluiu que isso encorajaria a curiosidade sobre o programa, que ele não queria revelar.

O que é uma música programática? Música programática, música de programa ou música descritiva é aquele tipo de música que tem por objetivo evocar ideias ou imagens extra-musicais na mente do ouvinte, representando musicalmente uma cena, imagem ou estado de ânimo. Pelo contrário, entende-se por música absoluta aquela que se aprecia por si mesma, sem nenhuma referência particular ao mundo exterior à própria música. Exemplos de música programática? Ora, as mais famosas talvez sejam As Quatro Estações de Vivaldi e a Sinfonia Pastoral de Beethoven.

Mas voltemos à questão do título da Sinfonia. A lenda diz que ela se chamou de Vida por alguns dias. Na manhã seguinte à estreia, Tchaikovsky encontrou seu irmão mais novo, Modest, sentado a mesa do café matinal, tendo em sua frente a partitura da Sinfonia. Eles queriam remetê-la ao editor Jurgenson, em Moscou, naquele mesmo dia, mas o compositor ainda não encontrara um título. Não queria designá-la apenas como N° 6 e, como disse, havia abandonado a intenção de intitulá-la como Sinfonia Programática.

— Por que “programática” se não pretendo explicar nenhum significado?

Ele pensou em “Sinfonia Trágica”, porém, este também não o agradava.

Seu irmão acabou indo embora, enquanto Piotr Ilitch permanecia indeciso. De repente, no meio da escada, ocorreu a Modest a palavra em francês Pathétique, e ele retornou para fazer a sugestão. E Tchaikovsky aprovou. Ficou Pathétique!

Imediatamente, Tchai escreveu na partitura o título pelo qual a Sinfonia ficou sendo conhecida.

Intermezzo. Minha relação com a Patética iniciou nos anos 70, quando eu tinha uns 13 anos e conheci o álbum Elegy, do Nice, grupo que Keith Emerson teve antes do Emerson, Lake & Palmer (ELP). Neste disco, eles tocaram todo o terceiro movimento da Patética numa versão para teclado, baixo e bateria. Naquela época, eu era um ouvinte contumaz da Rádio da Ufrgs, que até hoje tem programação de música erudita (ainda bem). Então, quando ouvi a Sinfonia pela primeira vez na Rádio da Ufrgs, logo pensei: “Olha só, isto é do Nice”… Tá bom.

Fim do intermezzo.

Há muitas lendas na música erudita, mas podemos quase garantir que o programa da Patética fazia referência à própria vida do compositor, que não foi muito fácil. Na verdade, Tchaikovsky se inspirou na ideia de criar uma obra com um conceito de programa que permaneceria um mistério para os ouvintes. O compositor insinuou que o programa seria subjetivo, ou seja, carregaria um código de experiências pessoais. Na mesma direção, um site russo diz que o primeiro título que Tchaikovsky deu à Sinfonia seria Vida, com 4 divisões:

  • Parte I – Reflexão sobre a vida e a morte.
  • Parte II – O mundo poético do herói lírico.
  • Parte III – O Scherzo do Mal, uma zombaria do destino ou uma celebração da vida, na qual uma pessoa é um elo extra.
  • IV – o desfecho trágico.

O primeiro movimento é um paroxismo de dor, de esperança, de alegria, de sofrimento. Tudo tem a intensidade das paixões da adolescência. Hoje, chamaríamos este movimento de bipolar… É tudo insegurança e instabilidade emocional. A valsa do segundo movimento é feliz e otimista, como se pudéssemos escapar ao destino. Sim, é uma valsa que soa como valsa, mas que possui tempo irregular (5 em vez de 3). Então, se você tentar dançá-la ou mesmo imaginar-se dançando, identificará certo desconforto por trás de toda aquela alegria. O explosivo terceiro movimento chega como uma marcha desenfreada para nos levar à euforia. A força rítmica e a orquestração brilhante convidam o público a aplaudir antes do final da Sinfonia. Ele tem aquela mola que nos faz levantar para aplaudir, só que a Sinfonia segue. E segue com tons de morte, como se Tchaikovsky antecipasse o copo de cólera que o matou dali a dias. Assim como no início da Sinfonia, o timbre do fagote domina o cenário. Como um coração, a pulsação feita pelos contrabaixos propõe a inevitabilidade da morte.

Ouvindo a Sinfonia, a mudança constante e bastante acentuada de humor, tanto entre as partes quanto dentro delas, permite-nos experimentar vários estados psicológicos, desde um sentimento absoluto de inspiração até um colapso completo. e confusão.

Se a Sinfonia Patética foi estreada em 28 de outubro de 1893, Tchaikovsky morreu em 6 de novembro, isto é, 9 dias depois. Morreu depois de beber água não fervida durante uma epidemia de cólera. Alguns falam em descuido, outros em suicídio.

Apresentação: Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA)
Quando: 01/10/2022 às 17h
Regência: Manfredo Schmiedt
Solistas: Leonardo Winter (flauta piccolo)
Direção Artística: Evandro Matté
Participação Especial: Coro Sinfônico da OSPA

Abaixo, a Patética completa com a hr-Sinfonieorchester (Frankfurt Radio Symphony Orchestra) sob a regência de Lionel Bringuier. A gravação é de um concerto realizado em 15 de novembro de 2013 na Alte Oper Frankfurt.

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Beethoven, o surdo imortal que escrevia para o futuro

Beethoven, o surdo imortal que escrevia para o futuro
Sua surdez era trágica do ponto de vista social. No plano artístico, apenas impediu uma carreira como pianista.

Publicado em 16 de dezembro de 2012 no Sul21

Ludwig van Beethoven (16 de dezembro de 1770 – 26 de março de 1827) foi um compositor cuja existência foi tão adequada a romances e filmes que as lendas em torno de sua figura foram se criando de forma indiscriminada, às vezes paradoxalmente. Sua surdez, por exemplo, contribuiu muito para popularizá-lo e para que fosse lamentado. Victor Hugo dizia que sua música era a de “Um deus cego que criava o Sol”, mas quem o conhecesse talvez reduzisse o tom de piedade. Beethoven era uma pessoa absolutamente segura de seu talento – não mentiríamos se o chamássemos de arrogante – e tinha certeza da imortalidade de sua obra. Com toda a razão. Ele tinha a perfeita noção de que criava um conjunto espetacular de obras musicais, que alicerçava uma Obra, noção que inexistia ao tempo de Bach, o qual tratava suas composições como se fossem sapatos a serem entregues ao consumidor. A surdez representava uma tragédia muito mais do ponto de vista social, das relações amorosas e das de amizade, além prejudicar de forma fatal sua carreira de grande pianista, mas nunca foi encarada por ele como um obstáculo no plano da criação.

Aos 31 anos, Beethoven já ouvia muito pouco, mas seguiu compondo até a morte, aos 56 anos | Arte de
Aos 31 anos, Beethoven já ouvia muito pouco, mas seguiu compondo até a morte, aos 56 anos | Arte de Sergio Artigas (http://artigas.deviantart.com/art/Ludwig-van-Beethoven-07-152989423)

Com isso, não estamos dizendo que ele não tenha sofrido muito com o progressivo ensurdecimento. Sofreu a ponto de ter pensado em suicidar-se. Era 1802, Beethoven tinha 31 anos – idade com que Schubert morreu – e pensava em matar-se. Ao que se sabe, nunca fez uma tentativa, mas, se a fizesse e fosse bem-sucedido, talvez ainda assim estivéssemos falando dele.

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Louco por Beethoven

Pois pensei ter ouvido as 32 Sonatas para Piano de Beethoven em dois dias. Foram mais de dez horas de música. Não indico tal empreitada a quem não conheça as sonatas, pois acho que a falta de convivência com elas pode causar uma massa de milhares de notas sem maior sentido. Por que fiz isso? Ora, Beethoven escreveu sonatas durante toda sua vida e pensei que seria interessante ouvir a evolução de sua linguagem através delas.

Foi uma boa idéia, não me arrependo. Para fazer a maratona, escolhi a versão do estupendo pianista ucraniano Emil Gilels (1916-1985), que gravou a quase integral para a Deutsche Grammophon. Fiz excelente escolha de pianista, mas… a versão de Gilels tem apenas 29 sonatas e as 15 Variações e Fuga sobre o tema de Prometeus da Eroica. Ele estava completando a série quando faleceu. Dei-me conta da incompletude da série quando notei a falta da transcedental Sonata Nº 32, Op. 111, sobre a qual tinha escrito aqui, referindo ao famoso capítulo 8 de Fausto de Mann. Para minha sorte, as outras duas sonatas faltantes acrescentariam pouco ao mosaico. Estão lá a nº 29, a imensa Hammerklavier — premiada pela revista Gramophone como a melhor gravação do ano de 1984 –, a Moonlight, a Patética, a Appassionata, a Waldstein, a 13ª e as últimas, com exceção da 32ª.

Gilels teve uma morte bem ao estilo da guerra fria. Já fora vítima de um ataque cardíaco em Amsterdam em 1981, mas o ocidente, auxiliado por Sviatoslav Richter, atribuiu sua morte a um médico incompetente do Hospital do Kremlin, que teria errado o conteúdo de uma injeção… Acredite quem quiser.

Para descrever a evolução do compositor através das sonatas seria preciso escrever um livro. Apesar de Beethoven ter morrido em 1827, sua evolução parece ultrapassar seu ano de morte: vem desde a virada do século XVIII para o XIX, impregnado que estava de seus contemporâneos de juventude: Haydn e Mozart; entra decidido no romantismo com obras fortes e grandiosas — expressão às vezes paroxística de um romantismo muito bem compreendido por sua época — e, paradoxalmente, avança em direção ao século XX, tornando-se modelo e norte para os compositores que o sucederam, ao menos até o início do século XX. “Entenderão depois”, dizia Beethoven a quem criticava esta fase “inacessível”. Torna-se um espantoso criador de arquiteturas que, se foram melhor apresentadas nos últimos quartetos, também o foram nas sonatas. Estamos diante de uma culminância da arte ocidental. Sim, o homem foi um monstro só comparável a Bach, deixando Brahms, Mozart e Bartók empatados no segundo lugar de meu panteão particular.

Gilels talvez tenha a melhor versão das sonatas. As clássicas versões de Arthur Schnabel e Wilhelm Kempf estão no mesmo patamar esta turma póstuma só é derrotada quando o italiano Maurizio Pollini — que não tem a integral delas — ataca as chamadas últimas sonatas e algumas românticas, como a Waldstein. Todos tem suas manias e eu não fujo à regra. Quando quero analisar um pianista tocando Beethoven, vou direto à Waldstein. Visceralmente romântica, radicalmente contrastante, obriga o pianista a passar da obsessão furiosa do primeiro movimento para a lenta solenidade do movimento central que dará lugar a um delicado final. Ninguém, mas ninguém supera Maurizio Pollini nestas variações assombrosas, talvez inconcebíveis, de humor. E a segunda melhor gravação que ouvi desta sonata vem de um irlandês que gravou uma importante integral das sonatas pela Telarc e do qual se fala muito pouco no Brasil: John O’Conor.

A Hammerklavier (Pianoforte) e a Op.111 de Pollini também são imbatíveis. Imaginem que Beethoven indicou que sua sonata Op. 106 tinha de ser tocada no piano, pois muitos ainda utilizavam o cravo!

Não conheço todas as integrais. Ouvi as citadas e mais a de Arrau, que não acrescenta muito. Vou parar por aqui porque me deu vontade de ouvir a Waldstein com o Pollini, ao vivo. Fui.

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