Bruckner: A história do inseguro mestre Anton

Bruckner: A história do inseguro mestre Anton

Por José Carlos Fernandes, no Observador.pt
(Copiado aqui só para não perder esta joia).

O maestro Daniel Barenboim gravou pela terceira vez as nove sinfonias de Bruckner. O que tem a música do compositor austríaco que justifique tamanha atenção?

Quem vagueie pelo final da letra B das discotecas, físicas ou online, deparar-se-á com uma apreciável abundância de gravações das sinfonias de Anton Bruckner (1824-1896). Porém, o compositor nem sempre gozou deste prestígio: levou anos a ganhar confiança em si mesmo como compositor e mais anos ainda a afirmar-se no meio musical vienense. Mesmo quando logrou obter algum reconhecimento, nunca deixou de ser alvo de ataques ferozes na imprensa musical, algumas das suas sinfonias foram desfiguradas pelos seus discípulos e outras nem chegaram a ser executadas durante a vida do compositor.

Nos nossos dias, apesar da profusão de gravações, continua a reinar alguma má vontade contra Bruckner entre alguns sectores da crítica, que menoriza as suas obras em termos que raramente são aplicados a outros compositores canónicos.

Um campónio de Ansfelden

Anton Bruckner não partiu de uma posição favorável para vir a ser um grande compositor: foi o primeiro dos 11 filhos de um mestre-escola na vilória de Ansfelden, perto de Linz, e viu sete irmãos morrer na infância; seguiu-se-lhes o pai e Anton, então com 13 anos, foi enviado para o mosteiro de Sankt Florian, onde foi menino de coro e recebeu treino como organista.

Biblioteca do mosteiro de Sankt Florian

Estudou para mestre-escola em Linz e, aos 17 anos, tudo indicava que iria seguir a carreira paterna. O posto de assistente para que foi nomeado em Windhaag sujeitava-o a constantes humilhações do seu superior e era tão mal remunerado que, para equilibrar as finanças, tocava violino e piano nos bailes populares ou desempenhava tarefas mais humildes, como espalhar estrume nos campos agrícolas. As condições eram francamente melhores em Kronstorf, onde esteve em 1843-45, prosseguindo a instrução musical com o organista local. Em 1845, com 21 anos, regressou, como professor de órgão, a Sankt Florian – o mosteiro era afamado por possuir um dos maiores órgãos do mundo, com 103 registos e 7300 tubos. Passaria aí a década seguinte, dividindo-se entre o ensino e o estudo afincado, que lhe permitiu, mediante vários exames, obter qualificações para ensinar a níveis mais elevados.

O maior dos dois órgãos do mosteiro de Sankt Florian, construído em 1770-74 e baptizado em 1930 como “Bruckner Organ”

Após ser nomeado oficialmente organista de Sankt Florian, em 1851, começou a alimentar sonhos mais altos e, a partir de 1855, passou a ir a Viena uma vez por semana para ter aulas com Simon Sechter, um eminente professor de composição (que, por coincidência, fora também o escolhido por Schubert para aperfeiçoar os seus conhecimentos, duas semanas antes de falecer). Em 1856 foi nomeado organista da catedral de Linz e em 1861 fez a estreia pública como maestro, dirigindo uma Ave Maria de sua lavra (a segunda, pois compusera outra em 1856). Nesse mesmo ano, estreou na Catedral de Linz a sua primeira obra de maturidade, a Missa n.º 1.

Este reconhecimento não fez muito para atenuar a sua insegurança: nesse mesmo ano de 1861, deu por terminados os estudos com Sechter, apenas para iniciar novos estudos com Otto Kitzler, primeiro violoncelo da orquestra da ópera de Linz e nove anos mais novo do que Bruckner, que já ia nos 37 anos – o que levaria o maestro Wilhelm Furtwängler a comentar que, com a idade com que “Schubert e Mozart já tinham terminado as suas obras, Bruckner ainda andava a fazer exercícios de contraponto”.

Bruckner continuaria a estudar com Kitzler até 1868.

Mudança para Viena

Só em 1868 resignou ao posto de organista na catedral de Linz e se mudou para Viena, ocupando o lugar de professor no conservatório da cidade, que vagara com a morte de Sechter. Porém, a mudança para Viena esteve longe de corresponder às suas expectativas: o cargo no conservatório era mais mal pago do que o de organista em Linz, o posto de organista da corte não era remunerado e não passava de um título vazio e o posto que almejava na Universidade de Viena foi-lhe sucessivamente negado – só em 1875 acabou por ser-lhe atribuído o cargo de professor de harmonia e composição, mas este trabalho só a partir de 1877 seria remunerado.

Entretanto, após vários anos a produzir exclusivamente música sacra, começara as experiências no género sinfónico: a Sinfonia em fá menor, conhecida hoje também por n.º 00 ou Studiensymphonie, foi composta em 1863, aos 39 anos, como um exercício para Kitzler e raramente é tocada.

A Sinfonia n.º1 foi iniciada em 1865 e estreada em Linz em 1868; mas a confiança vacilou com a sinfonia seguinte, terminada em 1869, mas que Bruckner declarou inválida – só estrearia em 1924 e é conhecida como n.º 0, ou “Die Nullte”.

A n.º 2, dedicada a Liszt e estreada em 1873, foi o primeiro sucesso de Bruckner.

A n.º 3 foi dedicada a Wagner e é referida, por vezes como “Wagner-Symphonie”, apesar de Bruckner ter feito uma “limpeza” das abundantes citações wagnerianas entre a composição, em 1873, e a estreia, em 1877, que foi um fiasco: o público foi abandonando a sala, restando no fim 25 pessoas (entre as quais um rapaz de 17 anos chamado Gustav Mahler), o que levou Bruckner a empreender nova revisão.

A insegurança, motivando sucessivas revisões das partituras, assombrou toda a carreira de Bruckner como sinfonista e nem sempre conduziu a melhores resultados. Quando, duas décadas após a estreia em Linz, Bruckner se dispôs a rever a Sinfonia n.º 1 para uma apresentação em Viena, para agradecer à Universidade a atribuição do grau de doutor honoris causa, o maestro Hermann Levi suplicou-lhe que não alterasse uma nota, mas Bruckner foi em frente – e, todavia, quase todos os maestros de hoje preferem tocar a primeira versão.

Para piorar tudo, três alunos seus – os irmãos Josef e Franz Schalk e Ferdinand Löwe – decidiram tornar a música de Bruckner mais acessível ao gosto médio e prepararam novas edições de várias das suas sinfonias e persuadiram Bruckner a dar-lhes aprovação oficial. Foram estas edições adulteradas que estiveram em uso até à década de 1920, quando os musicólogos as desautorizaram e advogaram o regresso às versões do compositor. Mas este regresso não tem nada de simples, uma vez que Bruckner fizera sucessivas revisões, o que leva a que hoje coexistam diferentes versões de cada sinfonia – esta disputa musicológica divide-se essencialmente entre as edições preparadas pelo musicólogo Robert Haas nos anos 30 e as do seu rival Leopold Nowak nos anos 50, que acusava Haas de ter introduzido alterações a seu bel-prazer, embora existam outras edições, cabendo a cada maestro escolher aquela que entende corresponder mais fielmente às intenções do compositor.

Grandes blocos em bruto

Josef e Franz Schalk e Ferdinand Löwe tinham, no seu limitado entendimento, razões para tentar “normalizar” as sinfonias de Bruckner, pois estas eram diferentes de tudo o que se ouvira até ali. Como escreve Gerald Abraham, em The concise Oxford history of music, “Bruckner orquestrava como o organista que era: por grandes blocos de som, alternando entre naipes orquestrais como se fossem combinações de registos de órgão, incluindo até as pausas de que o organista necessitava para fazer as mudanças de registo”. A vasta arquitectura das suas sinfonia é erguida com blocos ciclópicos, onde os metais desempenham papel proeminente, e caracteriza-se por cortes abruptos, que os Schalk e Löwe tentaram disfarçar, aproximando Bruckner da fluidez wagneriana – ora, Bruckner, embora tivesse uma devoção ilimitada por Wagner não pretendia compor como ele.

Nas duas magras páginas que o guia de música clássica da Third Ear dedica a Bruckner, Stephen Chakwin define-o, certeiramente, como um “Ansel Adams composer”. A analogia que está subentendida é que as sinfonias de Bruckner são o equivalente sonoro das fotos que o fotógrafo americano realizou nas paisagens selvagens do Oeste americano, sobretudo em Yosemite, e que realçam o carácter bravio, inóspito e rude das grandes formações rochosas. As sinfonias de Bruckner estão por lapidar, não porque o compositor não soubesse como o fazer, mas porque as pretendia assim, altaneiras e agrestes como uma cordilheira.

“Moon and Half Dome”, Yosemite Valley, ca. 1950, por Ansel Adams. Um análogo visual da música de Bruckner: austera, escarpada, inóspita e monumental

Mas, ao longo da história da música, bem como das restantes artes & letras, sempre houve e sempre haverá a tendência para as pessoas “sensatas”, sejam eles amigos ou editores, tentarem expurgar, ou, pelo menos, atenuar, o que há de estranho, bizarro e idiossincrático nas obras, tendo, por vezes em mente a adequação ao que imaginam ser os gostos, os interesses e as capacidades intelectuais do seu público, e não percebendo que, ao fazê-lo, descartam o que a obra tem de mais original, vital e duradouro.

No fogo cruzado da “Guerra dos Românticos”

Entretanto, em Viena, Bruckner, apesar de desfrutar de uma situação material mais confortável, caíra inadvertidamente no meio de uma acesa disputa estética que opunha brahmsianos a wagnerianos. Bruckner até começara por estabelecer amizade com Eduard Hanslick, o influente crítico da revista vienense Neue Freie Press, mas a admiração de Bruckner por Wagner nunca poderia ser aceitável para o crítico, de gosto conservador, que defendia Brahms e cujo ensaio Sobre o belo na música (1854) abria com um ataque a Wagner.

Hanslick tinha uma pena vitriólica e escreveu coisas tremendas sobre Bruckner: “Interminável, desorganizada e violenta, a Sinfonia n.º8 alonga-se numa duração detestável […] Não é de excluir que o futuro pertença a esta tenebrosa mixórdia, mas será um futuro de que não quero fazer parte”.

A Sinfonia n.º 3 mereceu-lhe esta definição: “a Sinfonia n.º 9 de Beethoven faz amizade com as valquírias de Wagner e acaba espezinhada sob os cascos dos seus cavalos”.

Max Kalbeck, correligionário de Hanslick e crítico no Wiener Allgemeine Zeitung, comparava, em 1883, a música de Bruckner ao chinfrim de uivos e rosnidos produzido por “matilhas de lobos na Noite de Walpurgis [o equivalente germânico da Noite das Bruxas]” e deixava um vaticínio similar ao de Hanslick: “Se o futuro for este caos musical, que soa como os ecos devolvidos por uma centena de escarpas, espero que esse futuro fique muito longe de nós”.

Gustav Dömpke, outro aliado de Hanslick, escrevia, a 22 de Março de 1886, no mesmo Wiener Allgemeine Zeitung: “Arrepiamo-nos, repugnados com o odor a putrefacção que assalta as nossas narinas e que emana deste contraponto apodrecido. A sua imaginação é tão irremediavelmente mórbida e retorcida que algo como uma progressão de acordes regular ou uma estrutura periódica não existem para ele. Bruckner compõe como um bêbedo”.

O extremar de posições entre wagnerianos e brahmsianos levou Bruckner a suspeitar que Brahms estaria por trás dos ataques desferidos por Hanslick e os seus apaniguados – como se Hanslick precisasse de tal incentivo. Consta que Bruckner terá chegado a pedir ao imperador austríaco que fizesse com que Hanslick deixasse de escrever coisas desagradáveis sobre ele.

Mas a reacção adversa não se cingiu aos brahmsianos nem a Viena e, um pouco por todo o mundo “civilizado” surgiram críticas virulentas a Bruckner. Em 1885, a revista nova-iorquina Keynote reagia assim à estreia da Sinfonia n.º 3: “Causa surpresa que qualquer editor com dois dedos de testa tenha concedido a dignidade da publicação impressa a esta partitura, surpresa só comparável à ideia de punir o público inocente com a sua execução, pois não é possível conceber nada mais inane e cansativo do que esta caldeirada de detritos sortidos […] A orquestração é, de fio a pavio, absolutamente pueril e a ausência de construção sensata ou capacidade inventiva atestam a imbecilidade musical do Sr. Bruckner”.

O também nova-iorquino Tribune, em 1886, descrevia assim a Sinfonia n.º 7: “Polifonia ensandecida […] A linguagem orquestral é uma espécie de volapuk musical […] Um fiasco. Talvez seja julgada bela daqui a 25 anos, mas não é bela hoje. A música abateu-se como chumbo sobre o público, do qual um terço saiu da sala após o II andamento”.

Outro crítico norte-americano viu em Bruckner “a maior ameaça musical viva, um Anticristo tonal […] [A expressão do seu rosto] pode revelar a modesta alma de um banal Kapellmeister, mas tudo o que compõe é alta traição, revolução e assassínio. A sua música pode emanar a fragrância de rosas celestiais, mas está envenenada com o enxofre do Inferno”.

Números, raparigas e cadáveres

Mesmo quem não partilhava de opiniões tão extremadas, tinha escasso apreço pelas sinfonias de Bruckner. A Filarmónica de Viena começou por recusar executar as suas três primeiras sinfonias; a Sinfonia n.º 4 foi bem recebida, mas a n.º 5 (completada em 1878) só foi executada, numa versão mutilada por Franz Schalk, em 1894, numa ocasião a que Bruckner não pôde assistir, devido às enfermidades que o atormentaram nos últimos anos de vida.

 Sinfonia n.º 6, terminada em 1881, só seria estreada em 1899 (em mais uma versão abastardada), após a morte do compositor. A estreia da n.º 7, sob a direcção de Hermann Levi, foi um sucesso, mas o maestro não ficou agradado com a Sinfonia n.º 8 e foi arranjando pretextos para não a estrear, o que conduziu o compositor a um esgotamento nervoso. Levi transferiu a responsabilidade da estreia para um seu protegido, Felix Weingartner, que voltou a adiar sucessivamente a execução da obra – a estreia só teve lugar a 18 de Dezembro de 1892, sob a direcção de Hans Richter, e embora parte do público tenha deixado a sala, acabou por ser bem acolhida.

Se muitas das resistências a Bruckner no meio musical vienense resultavam da incompreensão da sua música, o carácter do compositor também não ajudava. A vida no meio cosmopolita, as viagens pela Europa (para ouvir óperas de Wagner em Bayreuth, ou dar recitais de órgão em França e em Londres) e o convívio com figuras como Wagner e Liszt pouco fizeram para lhe abrir a sua mentalidade provinciana ou libertá-lo do sotaque rural. As suas roupas eram deselegantes e provincianas e assentavam-lhe mal e as suas competências sociais eram limitadas. Quando Hans Richter ensaiava a sua Sinfonia n.º 4, Bruckner não encontrou melhor forma de exprimir o seu orgulho e satisfação do que meter à força uma moeda na mão do maestro, para que fosse beber uma cerveja à sua saúde.

A sua profunda fé católica assumia frequentemente a forma de beatice: se a meio de uma aula de contraponto, ouvia soar o Angelus numa igreja, ajoelhava-se para rezar, para perplexidade dos alunos.

Seria um eufemismo descrever como “desajeitado” o seu relacionamento com o sexo feminino: Bruckner tinha uma fixação em raparigas adolescentes, mantendo nos seus diários uma longa lista daquelas que lhe agradavam; porém, as suas intempestivas propostas de casamento conduziam invariavelmente à recusa e ao afastamento (numa ocasião os avanços feitos a duas alunas foram tão intrusivos que acabou por ser alvo de um processo disciplinar – a partir de então passou a ensinar só rapazes). Embora tenha continuado a propor casamento a adolescentes para lá dos 70 anos, acabou por permanecer solteiro – a única resposta positiva que obteve veio de uma empregada de quarto de hotel de Berlim, que acabou por recuar perante a exigência de conversão ao catolicismo imposta por Bruckner.

A obsessão de Bruckner por raparigas só tinha par na sua “numeromania”: contava sistematicamente tudo o que se lhe deparava, folhas de árvores, janelas de casas, cataventos em telhados e compassos em partituras. Embora os diagnósticos a esta distância no tempo sejam falíveis, parece certo que sofria de uma desordem obsessivo-compulsiva.

Com a idade, a necromania veio juntar-se ao catálogo de obsessões: vasculhava os jornais em busca de notícias sobre homicídios e execuções, fez fotografar o cadáver da mãe e colocou no seu gabinete a foto da falecida, que, em vida, não tivera direito a tal atenção. Ia a funerais de pessoas que não conhecia e quando, em 1868, o corpo embalsamado do Imperador Maximiliano regressou a Viena (fora executado no México) para ser sepultado, Bruckner não faltou à cerimónia.

Corpo embalsamado de Maximiliano I do México, foto de François Aubert

O mesmo aconteceu quando os restos de Beethoven e Schubert foram trasladados para o cemitério central de Viena (há relatos de que terá acariciado e beijados os seus crânios e que na excitação para o fazer terá deixado cair uma lente do seu pince-nez para dentro do caixão). Não é de estranhar que tenha deixado instruções para ser embalsamado após a morte.

Desde novo que Bruckner sofria de “melancolia” – aquilo a que hoje se chamaria depressão – a ponto de por várias vezes ter considerado o suicídio. Numa carta a um amigo confessava “um sentimento de completo abandono e perda […] Vivo em permanente frustração e sou demasiado sensível”. Os banhos frios nas termas de Bad Kreuzen não atenuaram estas inclinações, que foram agravando-se com a idade.

Em 1891 começou a compor a Sinfonia n.º 9, mas o esgotamento nervoso causado pelos adiamentos da estreia da n.º 8, ao longo de 1892, desgastou a sua saúde física e mental. As mãos tremiam-lhe tanto que muito do tempo que passava à secretária, a compor, eram gastos a limpar os borrões que se iam multiplicando. Estava consciente de que não lhe restava muito tempo. “Será a minha última sinfonia […] Só peço a Deus que me deixe viver até a terminar”. Quando Mahler o visitou, confidenciou-lhe: “Tenho que acabá-la, ou então farei uma triste figura quando comparecer perante o Criador e ele me perguntar. ‘Então, meu rapaz, o que fizeste com o talento que te concedi para que me cantasses e glorificasses? Até agora vi poucos resultados’”.

Bruckner morreu em 1896, com 72 anos, e foi sepultado em Sankt Florian, perto do órgão de que fora titular. Deixou incompleta a Sinfonia n.º 9, que só estreou em 1903, em mais uma versão adulterada pelos seus alunos. Apesar de várias tentativas para reconstruir um IV andamento a partir dos esboços deixados pelo compositor, a obra é hoje executada com apenas três andamentos. A ideia de substituir o IV andamento pelo Te Deum (composto em 1884), que alguns autores atribuem a Bruckner, é destituída de sentido e não é praticada.

A discografia das sinfonias (em 2017)

A partir da década de 1960, as sinfonias de Bruckner têm vindo a despertar a atenção de maestros, orquestras, editoras e salas de concertos. Há gravações integrais das nove sinfonias (esporadicamente também da n.º 0 e da n.º 00) por:

Riccardo Chailly & Deutsches Symphonie-Orchester Berlin (Decca, gravações de 1985-2002);

Bernard Haitink & Concertgebouw Orchestra (Philips/Decca, 1963-1972);

Eliahu Inbal & Orquestra Sinfónica da Rádio de Frankfurt (Teldec/Warner);

Herbert von Karajan & Filarmónica de Berlim (Deutsche Grammophon, 1975-1980), antecedido de um ciclo incompleto com a Filarmónica de Berlim (EMI/Warner) e seguido por outro ciclo incompleto com a Filarmónica de Viena (Deutsche Grammophon);

Georg Solti & Orquestra Sinfónica de Chicago (Decca, 1979-1995);

Stanislaw Skrowaczewski & Orquestra Sinfónica da Rádio de Saarbrücken (Oehms Classics);

Georg Tintner & Real Orquestra Nacional Escocesa ou Orquestra Sinfónica Nacional da Irlanda (Naxos);

Günter Wand & Orquestra Sinfónica da Rádio de Colónia (RCA/Sony, 1974-1981), mais ciclos incompletos com a Filarmónica de Berlim (RCA/Sony) e com a Orquestra Sinfónica da Rádio do Norte da Alemanha (RCA/Sony).

Somam-se a este acervo gravações parciais por Karl Böhm (Decca), Sergiu Celibidache (EMI/Warner), Christoph von Dohnányi (Decca), Carlo Maria Giulini (Deutsche Grammophon), Otto Klemperer (EMI/Warner) e, em instrumentos de época, Philippe Herreweghe (Harmonia Mundi). E isto para nos ficarmos só por maestros de primeiro plano.

Eugen Jochum, um dos mais eminentes brucknerianos, gravou mesmo o ciclo integral por duas vezes: primeiro com a Symphonieorchester des Bayerischen Rundfunks (Orquestra Sinfónica da Rádio Bávara) e a Filarmónica de Berlim (Deutsche Grammophon, 1958-1967) e depois com a Staatskapelle Dresden (EMI/Warner, 1975-1980).

O maestro e pianista israelita (nascido na Argentina) Daniel Barenboim foi mais longe: depois de gravar as nove sinfonias com a Orquestra Sinfónica de Chicago (Deutsche Grammophon, 1972-1981) e com a Filarmónica de Berlim (Teldec/Warner, 1990-1997), voltou à carga com a Staatskapelle Berlin, em concertos ao vivo realizados em 2010 (Sinfonias n.º4-9, na Philharmonie de Berlim) e 2012 (Sinfonias n.º1-3, no Musikverein de Viena). O registo começou por estar disponível apenas sob a forma de download, através da Peral Music, a editora digital fundada por Barenboim, e cujo nome alude ao seu nome de família – Barenboim vem do alemão Birnbaum, que significa “pereira”.

Esta terceira integral foi agora disponibilizada em formato físico pela Deutsche Grammophon, sob a forma de uma caixa com nove CDs.

O registo das Sinfonias n.º 4-9, na Philharmonie de Berlim, em seis noites consecutivas de Julho de 2010, foi editado em formato vídeo (DVD ou Blu-ray) pela Accentus Music (como caixa de seis discos ou como discos isolados).

Apesar de nem sempre ser fácil estabelecer comparações entre leituras, devido ao recurso a diferentes edições (Haas, Nowak, etc.), é audível que a abordagem de Barenboim tende a polir e homogeneizar o som, atenuando os contrastes abruptos, efeito que é reforçado por uma imagem sonora um pouco difusa.

Os naipes da Staatskapelle Berlin soam perfeitamente integrados, o que alguns verão como positivo, mas que poderá parecer menos apelativo a quem entenda que as arestas e rugosidades são parte essencial das sinfonias de Bruckner e que os metais devem soar claramente recortados contra a restante textura orquestral.

Solti, Karajan e Jochum são, em geral, mais acutilantes e dramáticos nos trechos mais agitados, mas Barenboim oferece excelentes leituras dos trechos mais serenos. Nos finais das Sinfonias n.º 2 e n.º 6, Karajan é mais trágico e exaltado. No I andamento da n.º 4, Jochum & Staatskapelle Dresden oferece mais ênfase e articulação mais definida, embora no andamento seguinte as diferenças se esbatam.

Na n.º 8, a mais longa e imponente das sinfonias, Barenboim oferece uma leitura algo desvitalizada e flácida.

Tratando-se da terceira incursão nestas obras, esperar-se-ia que Barenboim tivesse algo de novo para revelar, porém traz-nos apenas mais uma interpretação de bom nível, que dificilmente se imporá como alternativa às versões de referência já existentes. Todavia, poderá ser apelativo para quem ache que as sinfonias de Bruckner soam melhor se forem amaciadas e polidas.

Um retrato de Bruckner

Para línguas de anjos

Salvo um quinteto de cordas composto em 1879 e mais uma ou outra peça ou fragmento de música de câmara escrito como exercício durante a sua longa aprendizagem, a obra de Bruckner resume-se às sinfonias e à música sacra. Esta consiste em oito missas (incluindo um Requiem), um Te Deum e meia centena de motetos e salmos, mas parte das missas e motetos são obras “de aprendizagem” ou “de circunstância”, que raramente são tocadas.

A Deutsche Grammophon reeditou há poucos meses uma caixa económica com as gravações realizadas por Eugen Jochum com o Coro e a Orquestra Sinfónica da Rádio Bávara ou com o Coro da Deutschen Oper de Berlim e a Filarmónica de Berlim, entre 1965 e 1972.

Os quatro CDs contêm o essencial das obras sacras da maturidade de Bruckner, que correspondem às obras que se implantaram no repertório corrente: as Missas n.º 1 (1864), n.º 2 (1866) e n.º 3 (1867), uma dezena de motetos e salmos (os mais consagrados, como Locus isteOs justi ou Vexilla regis) e o Te Deum.

A música sacra de Bruckner é mais convencional do que as suas sinfonias, mas nem por isso as três missas “de maturidade” e o Te Deum deixam de estar entre o que de melhor se produziu no género no século XIX.

Te Deum começou a ser composto em 1881 e concluído em 1884 e foi dedicado “à glória do Senhor”, em jeito de acção de graças pelo sucesso alcançado pela sua Sinfonia n.º 4. Foi estreado em versão integral, com orquestra, apenas em Janeiro de 1896 (foi a última vez que Bruckner assistiu à execução de uma obra sua) e o autor tinha-o em grande apreço – “se apresentar a partitura do meu Te Deum ao Criador, ele julgar-me-á com benevolência”. O musicólogo Jean Gallois dizia ser o Te Deum “a obra bruckneriana por excelência” e Mahler, que a dirigiu várias vezes, riscou, no seu exemplar da partitura, a indicação “Para coro, solistas e orquestra” e escreveu “Para línguas de anjos, bem-aventurados, corações atormentados e almas pacificadas pelo fogo”.

Estas versões de Jochum têm sido o padrão pela qual as outras têm sido avaliadas, mas, face ao padrões actuais de qualidade sonora, deixam algo a desejar. Salvo o Te Deum, registado na acústica generosa da Jesus-Christus Kirche, de Berlim, soam secos, baços e distantes.

O problema é mais notório nos motetos, que resultam morosos, sem detalhe e sem vida, sobretudo quando postos em confronto com o CD inteiramente preenchido com motetos de Bruckner gravado pelo Coro da St. Mary’s Cathedral, de Edimburgo, com direcção de Duncan Ferguson, para a Delphian.

A abordagem de Duncan, com um coro muito mais pequeno, as partes de soprano confiadas a crianças (rapazes e raparigas) e a vantagem de uma acústica reverberante, traz uma frescura e intensidade que faz a versão de Jochum soar amarelecida e murcha.

Também nas missas Jochum enfrenta hoje concorrência séria, de Matthew Best (Hyperion) e, mais ainda, de Philippe Herreweghe (Harmonia Mundi).

Embora não tenham envelhecido tão bem como os dois registos integrais das sinfonias, os registos de música sacra por Jochum para a Deutsche Grammophon não deixam de ter méritos, nomeadamente um bom leque de solistas, em que avultam Edith Mathis, Maria Stader, Ernst Haefliger ou Karl Ridderbusch, e o baixo custo.

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A Sinfonia Nº 1 de Brahms

A Sinfonia Nº 1 de Brahms

Mas voltemos a Brahms. Sei, há Beethoven, Mozart, Bruckner, Mahler e Shostakovich, mas, no meu sentir, esta sinfonia é a melhor que conheço. Brahms era visto como o sucessor de Beethoven e estava muito preocupado em ser digno da tradição sinfônica do mestre. Tão preocupado que preparou sua primeira sinfonia ao longo de mais de 20 anos. Sua composição iniciou-se em 1854 e sua finalização só ocorreu em 1876.

O maestro Hans von Bülow apelidou-a de “A Décima de Beethoven”, o que é apenas uma frase de efeito. Não pretendo desconsiderar que há uma citação da Nona de Beethoven no último movimento, porém os fatos obrigam-me a encarar isto como uma demonstração de gratidão a seu antecessor, ao qual tanto devia – ou, corrigindo, ao qual tanto devemos… Depois de anos e anos como ouvinte, afirmo tranquilamente que, até mais do Beethoven, o que há aqui é Schumann, principalmente na forma inteligente como foram desenvolvidos os elos entre os movimentos que parecem brotar logicamente um do outro. No mais, a Primeira de Brahms é uma derivação autêntica, exclusiva e original do estilo empregado por Brahms em sua música de câmara. Ademais, Brahms – que estreava sua sinfonia 49 anos após a morte de Beethoven – aborda o gênero de forma diversa, dando, por exemplo, extremo cuidado à orquestração e chegando a verdadeiros achados timbrísticos no segundo movimento e na introdução ao tema do último tema: aquele esplêndido solo de trompa, seguido da flauta e do arrepiante trio de trombones. Tais cuidados orquestrais evidentemente não revelam um compositor maior que Beethoven, apenas revelam que o tempo tinha passado, que Brahms já tivera contato com as orquestrações de Rimsky-Korsakov, Berlioz, Wagner, Liszt (os dois últimos eram seus inimigos), que Mahler tinha 16 anos de idade e que a Sinfonia Titan estaria pronta dali a 12 anos…

Em sua primeira sinfonia, Brahms resolveu apresentar todas as suas armas como compositor. A solidez da intrincada estrutura do primeiro movimento (Un poco sostenuto – Allegro) vem diretamente de alguns outros notáveis “primeiros movimentos” de sua música de câmara. Sua complicada estrutura rítmica e aparente rispidez causa certo desconforto a ouvintes mais acostumados a gentilezas. Sua estrutura não é nada beethoveniana, os temas são mostrados logo de cara, sem as lentas introduções nem os motivos curtos e afirmativos de nosso homem de Bonn. Afinal, estamos ouvindo nosso homem de Hamburgo! Se o primeiro movimento demonstra toda a maestria do compositor ao lidar com diversas vozes e linhas rítmicas, o próximo é um arrebatador andante (Andante sostenuto) que parece pretender mostrar “vejam bem: além daquilo que ouviram, eu também faço melodias sublimes”. A melodia levada pelo primeiro violino ao final do andante é belíssima e inesquecível. O terceiro movimento (Un poco Allegretto e grazioso) nos diz que “além daquilo que ouviram, eu também faço scherzi divertidíssimos, viram?”. Claro que não chegamos à alegria demonstrada nos scherzi de Bruckner, porém, para um sujeito contido como Brahms, a terceira parte da sinfonia chega a ser uma galinhagem.

O último movimento é um capítulo à parte. É a música perfeita. Há a já citada introdução de trompas e trombones, mas há principalmente um dos mais belos temas já compostos. No romance Doutor Fausto, de Thomas Mann, o personagem principal Adrian Leverkühn vende sua alma ao demônio em troca da glória e da imortalidade como compositor. Feito o negócio – num dos mais belos capítulos já escritos: o diálogo entre Adrian e o Demônio –, Adrian vai compor e… bem, sai-lhe uma peça muito parecida com o tema a que me refiro. Ele o abandona. Seria este um sinal de Mann, indicando que seu personagem partiria do ponto mais alto existente para a construção de uma obra estupefaciente? Creio que sim, creio que sim, meus queridos sete leitores. Mas, sabem?, não vou gastar meu latim descrevendo o tema que aparece aos 5 minutos do último movimento da sinfonia para ser transformado e retorcido até seu final.

Afinal, ele está aqui. A sinfonia completa está. Sim, neste maravilhoso blog. Trata-se da versão de Claudio Abbado.

Não é música para diletantes leigos como eu. Porém, como a ouço há anos, posso avaliar como deve ser difícil equilibrar a rigidez formal e a imaginação melódica de uma sinfonia que – inteiramente dentro da tradição de contrastes das sinfonias – parece pretender abarcar o mundo, mostrando-se ora imponente, ora delicada; ora jocosa, ora séria.

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Beethoven, o surdo imortal que escrevia para o futuro

Beethoven, o surdo imortal que escrevia para o futuro
Sua surdez era trágica do ponto de vista social. No plano artístico, apenas impediu uma carreira como pianista.

Publicado em 16 de dezembro de 2012 no Sul21

Ludwig van Beethoven (16 de dezembro de 1770 – 26 de março de 1827) foi um compositor cuja existência foi tão adequada a romances e filmes que as lendas em torno de sua figura foram se criando de forma indiscriminada, às vezes paradoxalmente. Sua surdez, por exemplo, contribuiu muito para popularizá-lo e para que fosse lamentado. Victor Hugo dizia que sua música era a de “Um deus cego que criava o Sol”, mas quem o conhecesse talvez reduzisse o tom de piedade. Beethoven era uma pessoa absolutamente segura de seu talento – não mentiríamos se o chamássemos de arrogante – e tinha certeza da imortalidade de sua obra. Com toda a razão. Ele tinha a perfeita noção de que criava um conjunto espetacular de obras musicais, que alicerçava uma Obra, noção que inexistia ao tempo de Bach, o qual tratava suas composições como se fossem sapatos a serem entregues ao consumidor. A surdez representava uma tragédia muito mais do ponto de vista social, das relações amorosas e das de amizade, além prejudicar de forma fatal sua carreira de grande pianista, mas nunca foi encarada por ele como um obstáculo no plano da criação.

Aos 31 anos, Beethoven já ouvia muito pouco, mas seguiu compondo até a morte, aos 56 anos | Arte de
Aos 31 anos, Beethoven já ouvia muito pouco, mas seguiu compondo até a morte, aos 56 anos | Arte de Sergio Artigas (http://artigas.deviantart.com/art/Ludwig-van-Beethoven-07-152989423)

Com isso, não estamos dizendo que ele não tenha sofrido muito com o progressivo ensurdecimento. Sofreu a ponto de ter pensado em suicidar-se. Era 1802, Beethoven tinha 31 anos – idade com que Schubert morreu – e pensava em matar-se. Ao que se sabe, nunca fez uma tentativa, mas, se a fizesse e fosse bem-sucedido, talvez ainda assim estivéssemos falando dele.

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Ospa: Drago e Asterix arrasam no dia da assinatura do contrato

Foi um excelente concerto, pena a falta de um café no local, o Auditório Dante Barone, da Assembleia Legislativa. A noite começou com o bom gosto de não haver discursos. Foi uma surpreendente renúncia num dia em que a Ospa tinha assinado o contrato para o repasse das verbas necessárias para a construção de sua Sala Sinfônica. Já houvera discursos pela manhã no Palácio Piratini, claro, mas a gente sabe como alguns políticos gostam de falar e refalar. Acho que o Assis Brasil não aderiu 100% à classe, o que não deixa de ser um raro caso de belo conservadorismo. Outra surpresa foi o grande público. O que não faz um estacionamento próximo, não? Ali na UFRGS a coisa é duríssima para estacionar. Talvez o simples fato de estarmos na frente de uma praça, com todo seu entorno “estacionável”, tenha trazido um grande público. E havia um programa popular, equilibrado e de bom nível, mesmo que eu esteja de saco cheio de ouvir Quadros de uma Exposição.

O solista era o extraordinário Alejandro Drago que… bem… Já tocara o solo introdutório da Tzigane sábado em minha casa. Fazer o quê? E o regente era novamente o uruguaio Federico “Asterix” García Vigil. Ou seja, a margem de erro era mínima.

Alejandro Drago e Alexandre Constantino em Oblivion, de Astor Piazzolla, na minha casa. Te mete!

Não sou nada apaixonado pela Introdução e Rondó Caprichoso, Op. 28 de Camille Saint-Saëns, mas é claro que uma execução convincente mata muitas restrições. Já a Tzigane de Ravel é uma peça espetacular, cheia de virtuosismo, originalidade, liberdade e sensualidade. Se você estava nas redondezas e perdeu este concerto… Olha, só tenho a lamentar. É uma peça de aproximadamente dez minutos, talvez simples para a orquestra, mas o solista Drago e leitura compreensiva de Asterix fizeram toda a diferença. Foi um momento para se guardar bem na memória e confesso que meus olhos ficam marejados com a lembrança das retomadas rítmicas da peça que Ravel escreveu orginalmente para piano e violino, mas que cuja melhor versão é a ouvida ontem. Quem perdeu o concerto… E a entrada era franca, tchê!

Após o intervalo (e ainda sem café), veio Quadros de uma Exposição, de Mussorgsky, na versão orquestral de Ravel. É uma grande e exigente orquestração. A Ospa saiu-se maravilhosamente, com destaque para os metais — não sei o nome do trompetista que arrasou ontem. A obra ficou muito popular a partir dos anos 70, com dois discos best sellers: a versão algo abusiva do grupo de rock progressivo Emerson, Lake & Palmer e o disco da DG com Karajan e a Filarmônica de Berlim desta mesma versão dos Quadros e com um complemento igualmente matador — o Bolero de Ravel. Foi um dos discos mais vendidos da história da Deutsche Grammophon.

Agora, olhem esta foto e me digam que não é o Asterix:

Federico García Vigil: a alegria do gaulês platino

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