Crítica gonzo ao On The Road (Na Estrada) de Walter Salles

Eu gosto dos filmes de Salles e costumo defendê-lo em rodas de amigos, mas creio que Na Estrada — adaptação do célebre On the road ,de Jack Kerouac — , tenha tantos defeitos que… Olha, amigo Salles, desta vez vou ter que atacar. Antes gostaria de citar algo curioso: a produção, de fria recepção no Festival de Cannes, foi coberta por um estranho silêncio, os comentadores davam pistas de sua decepção, mas negavam-se a falar mal dela. Agora os compreendo. O filme não é ruim nem bom, tem antes o efeito de uma ducha de água fria, de uma mulher que nos alega estar com dor de cabeça, de um homem que alega cansaço — o filme promete e não cumpre. Após a sessão, eu olhei para minha filha Bárbara. Ela me fazia uma careta interrogativa e a mais terrível das acusações (que repasso a Salles):

— Tu não tinhas me avisado que o filme tinha 3 horas.
— Não dura 3 horas, dura 137 minutos. É que é chato mesmo.

Chato. Exatamente. Os atores realizam boas atuações, o filme é muito bonito e aí temos o primeiro problema. Salles não se afastou de seu elegante cinema de belas imagens, mesmo contando uma história onde as amizades, amores e parcerias são submetidos a alongamentos que rompem quaisquer fibras. E eram um bando de drogados, alguns com objetivos, outros não. Então, o drama deveria ser contado sob som e fúria e, quando há fúria, a fotografia não precisa ser de propaganda de cigarro. Salles cometeu o pecado mortal de não conseguir ser visceral como Kerouac exige e contou uma história fora do tom, tornando a música incompreensível e deixando os personagens meio bobos em meio daquilo que deveria ser — e é no livro — um decisivo drama existencial. Como se não bastasse, há o tamanho da história: o romance de Kerouac é uma verdadeira avalanche narrativa com fatos e opiniões e, bem, não cabe no filme.

Ou seja, o principal ingrediente do On the Road original era sua forma narrativa e esta não recebeu resposta. Como os encontros entre os personagens são espaçados por meses e nunca há um conflito latente para precipitar-se no próximo, depois de 90 minutos a gente pensa que o filme acabará a qualquer momento numa daquelas interrupções. Quando achamos e até desejamos que a cena do estacionamento seja a final, Dean resolve ir para o México e o filme segue por mais mais meia hora… A gente fica meio desesperado. Isto é, estrutura do filme faz com que pensemos “agora acaba, agora acaba”. Sai daí a sensação de “três horas” da Bárbara.

A única ilha de perfeição do filme tem nome e cena. O nome é Kirsten Dunst, que faz uma papel menor em Na Estrada, e a cena é aquela em que ela rompe com Dean Moriarty após mais uma bebedeira com Sal Paradise. Sozinhos num quarto, com um bebê no berço e outro na barriga, Dunst quase salva o filme. É mesmo uma excelente atriz, mas que só pode exercer seu papel num quarto, sem paisagens e em enorme conflito. A cena está tão fora do padrão do filme que não encontrei fotos dela no mar de fotografias de divulgação. Mas é a coisa mais Kerouac de Na Estrada.