Inter 2 x 3 Olimpia: a mais doída das derrotas

Hoje à noite, às 21h30, no Beira-Rio vazio pela pandemia, o Inter enfrentará o Olimpia do Paraguai por uma vaga nas quartas-de-final da Libertadores da América. Há 32 anos, um Beira-Rio lotado viu a mesma decisão, só que ela valia uma vaga na final. Daquela vez, tínhamos vencido o primeiro jogo em Assunção por 1 x 0. Desta vez, o primeiro jogo foi 0 x 0. Pois bem, aquele dia decisivo de 1989, mais exatamente o 17 de maio de 1989, foi o dia mais triste de minha vida do ponto de vista futebolístico.

Eu assisti ao jogo pela TV. Estava trabalhando no interior do estado e vi a partida sozinho, num quarto do Rigo Hotel, em Santa Rosa. Só não chorei porque não sou disso, mas, nossa, que tristeza!

Podíamos empatar e estivemos duas vezes com o empate na mão, em 1 x 1 e em 2 x 2. Para piorar, quando do 2 x 2, houve um pênalti a nosso favor. Nilson, que era perfeito batendo pênaltis, mudou seu estilo de cobrança e errou. Logo o Olimpia fez 2 x 3 e a decisão foi para os pênaltis. Não lembro de jogo mais cruel. E  sensacional, também. Tivemos várias vezes a classificação à disposição e a vimos escapar.

Nunca vi colorados tão tristes, arrasados mesmo. Em Santa Rosa, no dia seguinte, parecíamos uns atropelados. E eu tendo que me concentrar no trabalho. 0 x 0, classificado; 0 x 1, pênaltis, 1 x 1, classificado; 1 x 2, pênaltis; 2 x 2, classificado; pênalti a nosso favor, erramos; 2 x 3, pênaltis.  O jogo foi um carrossel de emoções e, nos pênaltis…

E, nos pênaltis, tínhamos infinitamente o melhor goleiro — Tafffarel, um especialista em pegá-los. Almeida, o goleiro do time paraguaio, era uma piada. Mas eles bateram 5 cobranças perfeitas — uma delas executada pelo próprio Almeida — e Leomir, até hoje bruxo e auxiliar de Abel, naquela época um volante reserva, errou a sua.

Não houve roubo. Eles nos venceram com lisura. Só que foi um rigoroso, violento e inesquecível massacre psicológico. Algo para não esquecer nunca mais. Abaixo, coloco o compacto do jogo. Depois, um texto do jornalista Carlos Corrêa sobre aquele dia. Sofram vocês agora!

E hoje, nada de pênaltis, tá? Vamos ganhar nos 90, pelamor.

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Por Carlos Corrêa, no Correio do Povo

Jogadores do Inter ficaram inconsoláveis após eliminação na Libertadores de 1989 | Foto: Roberto Santos / CP Memória

Já era madrugada. Em uma churrascaria no bairro Menino Deus, Abel Braga e Luiz Fernando Záchia haviam chegado há pouco para um dos piores jantares de suas vidas. Ambos mal comeram. Ninguém deu um pio na mesa. Horas antes, ambos haviam participado da pior derrota da história do Beira-Rio. Em questão de 90 minutos, uma noite que tinha tudo para ser festiva transformou-se em uma das memórias mais dolorosas dos 50 anos do estádio, uma procissão silenciosa de mais de 70 mil colorados nos arredores da avenida Padre Cacique. Não foi apenas uma derrota, foram duas em uma. Pelas semifinais da Copa Libertadores de 1989, o Inter recebia o Olimpia com a vantagem de ter vencido o jogo de ida por 1 a 0, com um gol de bicicleta de Luís Fernando. Bastava empatar em casa para ir à final. Mas a noite de 17 de maio de 1989 era uma daquelas em que nada daria certo para os colorados. Derrota por 3 a 2 no tempo normal. Derrota por 5 a 3 nos pênaltis. Eliminação. Frustração. Dor.

Há, inegavelmente, mérito dos paraguaios na classificação. Para quem vivenciou aquela partida, no entanto, a derrota começou muito antes do árbitro chileno Hernan Silva apitar o início. Mais precisamente, assim que terminou a partida no Paraguai. “Talvez fosse melhor se tivéssemos perdido a partida lá. Porque entre os jogadores, os dirigentes, a imprensa, a confiança era altíssima. O jogo lá poderia ter sido mais, era para ter sido 2 a 0 ou 3 a 0. Já estávamos pensando no Mundial. Não era nem na final da Libertadores, com o Nacional de Medellín, a gente já estava pensando no Milan”, admite o ex-centroavante Nilson.

Os relatos neste sentido não são isolados e comprovam que o clima de festa era incontrolável. Por mais que o discurso oficial fosse de respeito ao adversário, o jogo da volta era tratado no Beira-Rio como uma mera burocracia antes de encarar os colombianos na decisão. “Teve um dia, antes da partida, em que eu estava subindo a escadaria, indo para a concentração e passa por mim outro dirigente, me dizendo: ‘Estou fretando o avião para a Colômbia’. Ali eu senti medo, porque esse tipo de coisa chega aos jogadores”, relata Záchia, à época vice de futebol. De fato, chegou, por mais tentativas que o técnico Abel Braga tenha feito para que o clima de soberba não tomasse conta do vestiário. “Não tem como, a gente acabava pensando. Com todo aquele papo de Tóquio, chegou um momento em que eu me vi pensando: ‘Caramba, se a gente chegar lá, o Baresi vai me marcar’”, conta Nilson.

Nem o atacante e nem o Inter chegaram a Tóquio naquele ano. E não demorou muito a partir do início da partida para que jogadores e torcida percebessem que aquela noite ficaria para a história e por motivos nada felizes. Logo aos oito minutos, o Olimpia escapou em um contra-ataque e Mendoza fez 1 a 0. Tudo parecia não passar de um susto, afinal a reação veio rápida e aos 11 os anfitriões empatavam, com Dacroce. Só que o jogo colorado não encaixava. E os paraguaios, sem nada a perder, ameaçavam mais e mais. Até que aos 37, o zagueiro Aguirregaray errou na saída de jogo e Amarilla colocou os adversários novamente na frente. “São coisas do jogo. Parece que não era para ser”, resigna-se o ex-goleiro Taffarel. Mas ainda havia espaço para reação. E ela veio no começo do segundo tempo, quando aos sete minutos Luís Fernando, o mesmo que fez o gol no Paraguai, cabeceou para deixar tudo igual novamente.

O empate classificava o Inter e tudo ia bem. Na verdade, tudo ficaria ainda melhor quando Nilson foi derrubado aos 22 minutos e a arbitragem assinalou pênalti. Naqueles poucos instantes, a espera por Tóquio era só uma questão de tempo, um protocolo a ser cumprido. Cobrador oficial, o centroavante botou a bola embaixo do braço e se encaminhou para a marca da cal. “Eu estava bem. É curioso, porque nunca ninguém vinha falar comigo nessa hora. E aquele dia o Heider veio e falou: ‘Bate do jeito de sempre que não tem erro’. Eu sempre batia do lado esquerdo. Mas aquele dia era como se tivesse uma voz no meu ombro dizendo para eu mudar de canto. Bati cruzado e o goleiro pegou. Eu nunca batia cruzado. Se eu batesse como batia sempre, ele nem tinha aparecido na foto”, lembra o ex-jogador. Da frustração ao silêncio foram exatos 90 segundos, tempo para o Olimpia puxar outro contra-ataque, Neffa chutar, a bola desviar em Leomir, enganar Taffarel e ir para as redes: Olimpia 3 a 2. “Foi um troço sui generis. A gente perde o pênalti, tem um escanteio, eles lançam da defesa e fazem o gol. Aquilo ali derruba qualquer um”, observa Záchia.

Nilson x Almeida | Foto: Roberto Santos / CP Memória

Nem Taffarel salvou

Apesar da derrota no tempo normal, ainda restava a esperança dos pênaltis. E ela não era pouca por uma razão com nome e sobrenome: Cláudio Taffarel. Aquela semifinal da Libertadores de 1989 foi uma das raríssimas ocasiões em que o notório pegador de pênaltis não defendeu nenhuma cobrança. Não era para ser. “Sempre achei que a gente fosse passar. Eu só pensava que o Taffarel ia se consagrar”, conta Nilson. Por ter perdido a penalidade no tempo normal, o técnico Abel Braga preferiu preservar o centroavante e não escalou ele entre os cinco cobradores. “Eu me sentia bem, pedi para bater, mas o Abel disse que se eu errasse de novo, a torcida ia me matar. Ainda argumentei que se a gente não passasse, iam me matar igual. E aí ele disse: ‘Não vou fazer isso contigo, vai bater o Leomir’”. O Olimpia acertou suas cinco cobranças. O Inter não chegou à quinta, porque Leomir errou a sua. O Inter estava eliminado da Copa Libertadores.

Não por acaso, Záchia define aquela noite até hoje como um velório. Houve protestos no Portão 8, mas a decepção dos torcedores era muito mais evidente nos silêncios de quem da arquibancada olhava o gramado sem entender o que havia acontecido. “Quando terminou o jogo, caiu a ficha. Ficamos até muito tarde, muito tarde mesmo. E nem era para evitar a torcida ou alguma coisa assim, era tristeza mesmo. Você olhava o vestiário e era todo mundo jogado nas banheiras com uma cara horrível”, revela Taffarel. O trauma de ficar no quase na Copa Libertadores só viria a ser superado 17 anos depois, com o título de 2006. Ainda assim, aquele jogo com o Olimpia permanece como uma cicatriz. E como a pior derrota do Inter dentro do Beira-Rio.

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  1. Baita texto. E são 32 anos. Eu tava nesse jogo. Fomos eu, meu pai, mãe e irmão. Eu lembro muito claramente a saída do Beira-Rio. Todo mundo descendo a rampa em um SILÊNCIO SEPULCRAL. Naquele dia meu pai me olhou na saída e disse: “tô muito velho pra isso”. E não retornou mais ao Beira-Rio. Ele voltou a ir em um jogo em 2005, pq era aniversário de um amigo e ele celebrou nas então suítes do Beira. Depois consegui levar ele em um Inter x Figueirense no qual perdemos por 3 a 2. E por último arrastamos ele em um dia dos pais pro estádio. Esse Inter x Olímpia literalmente aposentou o velho do campo. Que noite dura.

  2. Tá loco. A caminhada do beira rio ao mercado público para pegar o ônibus pro São Geraldo foi a coisa mais fúnebre que eu vi na vida. Centenas de colorados caminhando sem dizer uma palavra. De vez em qdo saia um pqp e um chute em alguma coisa. Nem Pro Mazembe foi assim.

  3. Eu estava no Beira Rio. Creio ter sido a derrota mais dolorida. O jogo foi realmente sensacional e o maior público que vi na história do gigante. Eu tinha 12 anos. Brabo foi a flauta dos rivais na escola no outro dia

  4. Também estava no Beira Rio neste dia, tinha 10 anos, quase 11. Fui com meu pai, tio, pai do meu tio. Foi realmente fúnebre. Eu ainda me recuperava do penalti perdido pelo Zico contra França de Platini. Fiquei com trauma de penalti, nem olhei em 1992 o penalti contra o Fluminense.

  5. Que bela descrição de um dia tão triste. Minha filha mais velha era recém nascida. Tinha cólicas na hora do jogo. Lembro quando ela acalmou. Terminou o jogo. Ela dormindo no meu colo e eu arrasado. Tirei forças da paternidade para seguir tendo gosto pela vida. Que dia infeliz.

  6. A lembrança que tenho ao sair do estádio e descer a rampa é exatamente essa mencionada em comentários acima: parecia um cortejo fúnebre, a multidão caminhando em silêncio e atordoada. Depois da vitória em Assunção com aquele golaço de bicicleta do Luiz Fernando Rosa Flores, a torcida estava de salto alto, foi ao Gigante não para torcer em um jogo tenso, mas para comemorar a classificação que não veio. Provavelmente essa quebra de expectativa colaborou para agravar o trauma coletivo.

  7. como torcedor do Bahia da “geração 88”, lembro perfeitamente desse timaço do Inter. aliás, vcs nos eliminaram nas quartas dessa Libertadores, num 0x0 q nós do lado de cá até hoje choramos q deveria ter sido adiado por conta do dilúvio q caía e do gramado impraticável. mas enfim, divirjo. não assisti às semifinais do Inter na época, mas fiquei tocado pelo seu relato. essa grandeza trágica é o q faz a mágica do futebol (pouco importa se na Premier League ou na Série D, dá na mesma)…

  8. Eu fui o último a sair da arquibancada superior naquela noite. Mas deixa eu colocar mais uns elementos na descrição da tragédia. O Paulo Santana, no Jornal do Almoço daquele dia, disse, com aquele jeito dele: “Eu vou me trancar em casa, vou fechar as janelas porque sei que o Inter será campeão da Libertadores”. Na rampa da superior, antes do início do jogo, eu ouvia no radinho a outra semifinal, pois eu queria saber quem iríamos enfrentar na final. A derrota, depois da vitória com um gol de bicicleta do Luís Fernando Rosa Flores no jogo de ida, fora de casa, era inimaginável. E o Santana, macaca véia, sabia que a única coisa que podia nos tirar a classificação era o salto alto. Nós éramos ingênuos o bastante na época para não sabermos disso. E caímos. Time e torcida, juntinhos.

    O texto tá ficando longo, mas tenho que adicionar outros elementos. O Inter tinha um baita time e tínhamos um dos melhores cabeças de área que eu já vi jogar, o Norberto. Pra chegar na nossa zaga, tinha que passar por ele. Mas o Luís Carlos Winck, um dos melhores laterais direitos da história do Inter, havia se lesionado e não tínhamos ninguém à altura para substituí-lo. Num jogo antes do Olímpia, talvez contra o Bahia, o Abel colocou um guri de 16 ou 17 anos, um tal de Chiquinho, que entrou totalmente apavorado e teve que sair já no intervalo. O Abel, então, resolveu inovar. Tirou da cabeça de área o “anjo” Norberto e o deslocou para a lateral direita, ainda por cima deixando-o contrariado. E colocou no meio o Bonamigo, que viera do Portoalegrense e estava fora de forma e voltando de lesão. Trocou duas posições ao invés de uma e foi essa invenção o fator individual mais importante a nos desclassificar.

    Que bom que o Abelão aprendeu com os erros e nos levou à glória eterna de vencer o Barcelona numa final mundial. Sempre me pergunto se isso teria sido possível caso tivéssemos conquistado o título da Libertadores em 89.

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