A Viagem de James Amaro, de Luiz Biajoni

A Viagem de James Amaro, de Luiz Biajoni

Diferentemente de suas novelas iniciais, as ótimas e sacanas Sexo anal: uma novela marrom, Bucet@: uma novela cor-de-rosa e Boquete: uma novela vermelha, A Viagem de James Amaro é muito mais sombria e introspectiva. E interessante. Também há sexo nela, mas o cerne está na amizade entre dois personagens que, bem… não transam: James e Alex.

Tudo começa com um rompimento do mulherengo James Amaro, que decide sumir por uns tempos. Quando James prepara sua viagem comprando coisas num supermercado, dá de cara com um amigo de escola. Descobre que o amigo está em sérias dificuldades financeiras. Propõe-lhe resolver temporariamente a questão e o convida para viajarem juntos. Seria uma oportunidade de botarem o papo em dia… E Alex Viana acaba aceitando a proposta. O que parecia um projeto nostálgico e despretensioso logo se revela um percurso onde aparecerão identidades, culpas, amores e até um crime piedoso.

O texto é cru e realista, talvez mais provocativo do que o dos livros citados acima. Há uma cena — que não cabe contar em resenha — que abre um abismo entre os viajantes. É um momento surpreendente, no qual Biajoni lança uma ponte de cordas sobre o abismo. É algo que balança e dá medo, mas parece segura o suficiente.

Há muito jazz sofisticado no livro, mas que não consegue iluminar os personagens. Apesar de curto, o livro dá a Biajoni espaço suficiente para expor lentamente os dramas de cada um. Não sei se podemos chamar A Viagem de James Amaro de um romance de estrada. Afinal, a viagem de James acaba sendo uma descida e volta do inferno — ou àquilo que ele considerava ser o inferno.

Recomendo.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Herbert Blomstedt, de 98 anos, retorna à sua primeira orquestra

Herbert Blomstedt, de 98 anos, retorna à sua primeira orquestra

Herbert Blomstedt retornará em março à Orquestra Sinfônica de Norrköping (Suécia), onde foi maestro principal de 1954 a 1962.

A orquestra publicou esta nota:

É com imensa satisfação que anunciamos o retorno do lendário maestro Herbert Blomstedt à Orquestra Sinfônica de Norrköping em março de 2026, mais de 70 anos após sua estreia como maestro titular. Em dois concertos, nos dias 25 e 26 de março de 2026, ele regerá a orquestra nas Sinfonias nº 3 e nº 4 de Brahms. Blomstedt, agora com 98 anos e um dos maestros mais importantes do mundo, possui uma relação única e duradoura com a orquestra onde sua carreira internacional teve início.

Quando iniciou sua carreira como maestro principal da Orquestra Sinfônica de Norrköping em 1954, aos 27 anos, ele lançou as bases para uma reputação internacional que mais tarde o levou a orquestras de destaque em Dresden, Leipzig, Nova York e muitas outras.

“Estamos muito felizes em receber de volta o maestro Blomstedt em Norrköping, onde tudo começou”, diz Sofia Winiarski, diretora artística.

Blomstedt em 2025

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

A hilariante ligação das manhãs

A hilariante ligação das manhãs

Tem um amigo meu, artista plástico, gay — e, sei lá por que, mas quando o gay nasce engraçado é sempre MUITO ENGRAÇADO –, que gosta de fazer a crítica das postagens (fotos) dos escritores e concertistas gaúchos. E dos seus colegas artistas, claro. Basta que a pessoa publique nas redes e lá vem ele. Nelas, ele usa um nome aleatório do tipo João Silva, pois diz que “essa gente é muito rancorosa”. Mas não sei quem poderia exercer um profundo e minucioso rancor se ele jamais comenta e ainda usa nome falso.

O fato é que ele me liga quase todos os dias para fazer novos comentários, os quais chegam a um nível de detalhamento que eu jamais alcançaria. Ultimamente, ele manda os links para as imagens antes de ligar. Meu telefone apita várias vezes e depois ele liga, perguntando se eu já cliquei. Nunca dá tempo. Já lhe disse que seria melhor ele fazer um concurso para a PF, pois também faz delações.

Por exemplo, dia desses, entregou um escritor que fez uma referência — não nominal — a mim em uma crônica de um site obscuro. E uma referência totalmente equivocada, segundo ele, que também tinha lido o livro em questão. Mas o principal é a critica que ele faz às “indumentárias” (termo dele) e à decoração das “moradias dos artistas”. Olha essa roupa! Miraste a estampa do tapete que não combina com a parede? Olha o que tem em cima da cama! Atrás do gato! Não, do lado esquerdo!

Eu tenho ataques de riso com meu José Simão particular. Hoje, ele estava especial e falsamente (acho) sagaz, fazendo a análise psíquica das cores de algumas roupas. E tudo isso para um daltônico como eu! E não pensem que os homens estão livres, pelo contrário! Sou um privilegiado por receber estas análises que mereceriam divulgação, não fosse “o fraco que alguns têm por processos”.

Ele me mandou esta foto. Disse que era “fidedigna”.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Uma faceta de Erico Verissimo no dia de seus 120 anos

Hoje é o dia dos 120 anos de Erico Verissimo. Ele foi o escritor me convenceu que este negócio de literatura era mesmo interessante. “O Continente”, primeiro volume de “O Tempo e o Vento”, me pegou de jeito. Tinha 15 anos e não era muito de ler, era só de jogar futebol da manhã à noite, para desespero de minha mãe e de minhas roupas.

Ele também demonstrou que a música era algo que ocuparia um grande espaço em minha vida. O tal “Solo de Clarineta” era o solo do Quinteto de Brahms para Clarinete e Cordas. Alguém em “O Senhor Embaixador” dizia que não conseguia mais ouvir Bartók, pois a primeira metade do século XX europeu estava ali. E está mesmo. Se lembro bem, o Eugênio de “Olhai os Lírios do Campo” toca Chopin ao piano, e peças de compositores como Beethoven e Schubert são citadas. Não lembro de nada do romence “Música ao Longe”, mas o título denuncia. A gênese de “O Tempo e o Vento” foi um tio de Erico sentando sobre (e quebrando) alguns de seus discos e simplesmente pedindo desculpas. Ops.

Em romances como “Clarissa” e “Caminhos Cruzados”, a música surge como sinal de sensibilidade e refúgio íntimo. Personagens escutam rádio, tocam piano, comentam concertos ou canções populares. A música é desejo de transcendência e sinal de classe social.

Já em “Incidente em Antares”, a música ganha tons irônicos e críticos: bandas, hinos, músicas oficiais e populares contrastam com o absurdo da situação, reforçando a sátira. O som do poder entra em choque com o caos moral da cidade.

Erico escreve com o ouvido. Sua prosa tem ritmo, alternância de andamentos, pausas, crescendos. Ele alterna vozes, repete motivos, cria variações. Nesse sentido, sua literatura é musical não só no conteúdo, mas na forma.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Futebol argentino

Futebol argentino

Há dois livros de títulos um tanto incorretos (capas abaixo) e que são incríveis.

Neles, Alejandro Fabbri documenta uma outra face do glorioso futebol argentino, revelando subornos e manipulações — dirigentes e árbitros envolvidos em propinas e arranjos de resultados, especialmente para evitar rebaixamentos –, violência — revoltas de hinchas agressivos, tentativas de linchamento de árbitros e a pauleira generalizada nas arquibancadas e campos — e a cumplicidade política — as negociatas com o poder e o silêncio que manteve as irregularidades escondidas por décadas, demonstrando que esses problemas têm bem raízes profundas.

Olha, são livros deliciosos e inacreditáveis. Árbitros voltando para o estádio montados a cavalo nos anos 20 a fim de fazer a torcida voltar para a arquibancada, torcedores preparando uma forca para um juiz (que foi salvo no último momento sendo levado para o hospital com graves ferimentos e comoção cerebral), corrupção generalizada, uma beleza. Tchê, são histórias inauditas e que dão o que pensar sobre a importância do futebol para nossos vizinhos. Brasil, o país do futebol? Só na linda música do meu xará Nascimento.

(Se alguém quiser os livros, melhor ir à Argentina. Mesmo lá, custam uma fortuna. Aqui nem se fala. Tive a sorte de comprá-los quando não eram raros).

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Tá pensando que tudo é futebol?, de Franciel Cruz

Tá pensando que tudo é futebol?, de Franciel Cruz

Penso que o título deste livro de Franciel Cruz não seja irônico ou casual. Claro, são crônicas sobre futebol, mas também sobre aquilo que gira em torno dele: a infância, o humor, a pobreza, a sociedade maluca de nosso país. Tá pensando que tudo é futebol? fala do futebol como raiz de identidade e contradição. A pergunta provocativa do título — que parece vinda de alguém que detesta o ludopédio — pode ser alterada para o futebol está em tudo ou tudo pode ser futebol. Mais do que um livro de curiosas crônicas sobre o esporte ganha densidade ao se tornar um mapa de esperanças, ilusões e decepções — como aqueles que existem fora das quatro linhas.

Escrevi acima “curiosas crônicas”, pois boa parte do interesse do livro repousa sobre sua forma. A linguagem barroca + coloquial + erudita de Franciel acaba quase sempre criando expressões inusitadas, que apontam tanto para a glória de alguns acontecimentos como para a mais áspera das autodepreciações. É sua voz. A leitura provoca muitas risadas, algumas tristes. Como na música de Gil, Franciel está sempre rindo e sempre cantando, com humor e ironias refinadas.

Tá pensando que tudo é futebol? é um livro que pega o futebol e o transforma em literatura de carne e osso. Tem humor, alguma raiva, ternura e poesia, mostrando que cada crônica é sobre o Brasil — com suas manias, suas feridas, suas esperanças improváveis. O futebol vira espelho da política, da amizade e da desilusão. Vira vida, enfim.

Para conseguir o livro, só com o autor, parece.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Música e literatura

Música e literatura

Relendo uma longa entrevista de László Krasznahorkai que até traduzi com a ajuda do Google (não sou tradutor, nem venham), notei não apenas a forte presença da música em sua vida — foi pianista de jazz, cantor de rock e é hoje um devoto do barroco, além de inimigo do romantismo –, como a influência da mesma em sua escrita.

Ele diz que escreve mentalmente muitas páginas até passá-las para o computador. Mas são muitas páginas mesmo, umas 30. Quando elas formam uma espécie de música, ele resolve se valem a pena. OK, é o jeito dele. A estrutura de Sátántangó é semelhante à do Cânon Caranguejo utilizado por Bach na Oferenda Musical. Isso sou eu quem está dizendo, não Lázsló.

Thomas Mann era um sujeito que poderia ter sido músico. Conhecia teoria musical como poucos e seus livros são como obras de Brahms ou Franck. Me parabenizei quando soube da admiração de Mann por ambos. Quem leu A Montanha Mágica deve lembrar de que alguém no sanatório chama a música de “politicamente suspeita”. Deve ter sido Settembrini, claro. O método de escrita de Mann era o de uma ou duas páginas por dia que eram relidas no dia seguinte antes de chegarem as uma ou duas do novo dia, jamais três.

Escrevo isso para expor minha total admiração pelos escritores-músicos. Dificilmente deixo de gostar de alguém que ama a música. Ian McEwan é membro importante deste time. Ele sempre fala naquele que considero o melhor lugar do mundo, o Wigmore Hall. No site do Wigmore há um poema de McEwan falando da sala.

(Certa vez, eu estava na fila de entrada do Wigmore, quando as pessoas começaram a olhar discretamente para mim. Depois de passar a mão no rosto, tratei de revisar minha roupa para ver se não havia algo de muito errado nela. Durante a revisão, me virei pra trás e vi que McEwan estava bem atrás de mim. Eu disse apenas “Sorry”, a palavra que os ingleses mais falam).

Não esqueçam que Mário de Andrade era musicólogo, que Machado sempre falava em música e a família Verissimo pai, filho e neto eram/são tarados por música. Enfim, são muitos os exemplos que me ocorrem. Por que larguei de ler Boris Vian?

Claro que na minha posição de livreiro só falo mal de escritores bem mortos, dos vivos só falo bem ou me calo. A suscetibilidade da raça é algo tão veemente que me dá medo. Mas sabem, em quase todo escritor que gosto acabo descobrindo música. Isso se dá quando Gustavo Melo Czekster escreve um romance sobre a du Pré, quando vejo o José Falero com um cavaquinho, quando descubro que Thomas Bernhard poderia ter sido um grande cantor lírico mas que uma doença o impediu, etc.

Sabem o que me fez pensar em todas essas coisas acima, antes mesmo de revisar a entrevista do László? O livro “A música na obra de Erico Verissimo — polifonia, crítica social e humanismo”, de Gérson Werlang, que, dizem, receberá uma espécie de relançamento aqui na Livraria Bamboletras, no dia 17 de dezembro, dia dos 120 anos de nascimento do Erico.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Antes de abrir a livraria

Antes de abrir a livraria

Antes de abrir a livraria, respondendo a alguns contatos:

— Olá! Bom dia, tudo bem? 😊 Eu me chamo X., sou escritora/jornalista e estou à frente do projeto Mapa das Livrarias de Rua de Porto Alegre, junto com minha amiga, a artista visual X. Vocês aceitam responder a 2 perguntas para que eu possa incluir no Mapa? Obrigada!

— Boa tarde! Sim, claro!

— Obrigada por toparem:
Perguntas:
1 – Qual o tempo de existência da livraria?

2 – Se a Bambo fosse indicar um livro ao seus leitores, aquele que melhor lhe representa, qual seria?

— Respostas:
1. A livraria tem 30 anos.

2. Bem, os livros que nós mais vendemos nos últimos quatro anos foram “Os Supridores”, “O Infinito em um Junco”, “Manual da Faxineira”, “O Avesso da Pele”, “Pessoas Decentes”, “Mas em que mundo tu vive”, “O Mestre e Margarida” e “A Contagem dos Sonhos”. Talvez o somatório destes livros seja como os leitores nos veem. E somos orgulhosos desta lista.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Dom Casmurro para uma russa

Dom Casmurro para uma russa

Alguns de vocês sabem que leio livros em voz alta para a Elena Romanov. Faço-o sempre à noite, desde que não esteja alcoolizado — coisa raríssima atualmente — ou que o Inter não tenha perdido — fato cada vez mais rotineiro.

Mas o que interessa é que ontem terminei de ler o primeiro Machado de Assis da moça. Não li Helena, claro, fui direto a Dom Casmurro. De maneira geral, ela gostou dos capítulos curtos, reclamava quando eu decidia parar e hoje de manhã disse que era tudo muito triste. É mesmo. Pessoalmente, li o livro pela terceira vez e, também pela terceira vez, me surpreendi que uma coisa levada naquele tom de conversa possa esconder tamanha tristeza.

Mas acho que ela não se importou com isso. Afinal, os russos são os mestres da desgraça. Lembro que uma vez ela me mostrou uma camiseta russa onde havia um Dostoiévski ornamentado por uma frese mais ou menos assim: “Se a sua vida está uma m., se você não vê perspectivas, se não há um meio de sair do buraco, abra um romance russo: lá, tudo estará pior.”

Abaixo, o sósia do Jeferson Tenório.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!