O louco de palestra (por Vanessa Barbara)

O louco de palestra (por Vanessa Barbara)

Em dezembro passado, o escritor gaúcho André Czarnobai, o Cardoso, publicou um diário na piauí intitulado “Pasfundo calipígia”. Salvo engano, foi a primeira vez em que se utilizou em letra impressa o termo “louco de palestra”. Imediatamente, a expressão ganhou densidade acadêmica e popularizou-se nos redutos universitários nacionais, encorajando loucos latentes e chamando a atenção da saúde pública para o problema.

O louco de palestra é o sujeito que, durante uma conferência, levanta a mão para perguntar algo absolutamente aleatório. Ou para fazer uma observação longa e sem sentido sobre qualquer coisa que lhe venha à mente. É a alegria dos assistentes enfastiados e o pesadelo dos oradores, que passam o evento inteiro aguardando sua inevitável manifestação, como se dispostos a enfrentar a própria Morte.

Há inúmeras categorias de loucos de palestra, que olhos e ouvidos atentos podem identificar em qualquer manifestação de cunho argumentativo-reflexivo, com a palavra franqueada ao público.

Há o louco clássico: aquele que levanta, faz uma longa explanação sobre qualquer tema, que raramente tangencia o assunto em debate, e termina sem perguntar nada de específico. Seu único objetivo é impressionar intelectualmente a plebe, inclusive o palestrante oficial. Ele sempre pede licença para “fazer uma colocação”.

Há o louco militante, que invariavelmente aproveita para culpar a exploração da classe dominante, mesmo que o tópico do debate seja arraiolo & bordado.

Há o louco desorientado, que não entendeu nada da palestra – e não vem entendendo desde a 2a série, quando a professora lhe comunicou que o Sol é maior que a Terra – e, depois de circunlóquios labirínticos, faz uma pergunta óbvia.

Há o que faz questão de encaixar no discurso a palavra “sub-repticiamente”: é o louco vernaculista.

Uma criteriosa tipificação do objeto de estudo não pode deixar de registrar o louco do complô, que, segundo integrantes do próprio complô, é “aquele que acredita que toda a imprensa se reúne de madrugada com o governo ou a oposição para pegar a mala de dinheiro”.

Ou o louco adulador, que gasta os trinta segundos que lhe foram franqueados para dizer em dez minutos como o palestrante é divino. O louco deleuziano, que não sabe o que fala, mas emprega muito a palavra “rizoma”. E o louco pobre coitado, que pede desculpas por não saber se expressar, o que não o impede de não se expressar durante minutos intermináveis.

Depois de falar “Gostaria de fazer uma colocação”, todos podem usar a expressão “na chave de…”. Como nessa típica colocação: “O jornalismo entendido na chave da sociologia é sem dúvida uma ocupação rizomática, em termos de vir-a-ser.” São poucos os que dizem que algo acontece por causa de outra coisa. É sempre “por conta” da qualquer coisa em questão.

No entender de Cardoso, é raro não haver um louco à espreita quando ele está palestrando (ou painelando, ou debatendo, ou mesmo plateiando). O mais recente de que ele tem lembrança manifestou-se num encontro de blogueiros com editores, em São Paulo. Na ocasião, um camarada que até então ouvia tudo com atenção – mas em silêncio – pediu a palavra. “Em primeiro lugar, queria dizer que não sou blogueiro, não leio blogs, não entendo nada dessas coisas, mas também tenho direito a uma opinião”, afirmou, à guisa de apresentação.

E prosseguiu, o celerado: “Sou médico comunitário, organizo saraus na periferia e quero dizer que discordo de tudo que todo mundo falou aqui. Está todo mundo puxando o saco da Companhia das Letras.”

E disse mais: “O blog da editora está muito feio. Não tem cara de blog. Tem mais cara de site, e além disso acho que ninguém quer ler sobre os bastidores de como são feitos os livros.”

Em poucos minutos, ele invalidou audaciosamente tudo o que havia sido postulado até então. É o louco de palestra majestático, que ouve a conferência com ar de superioridade e acha tudo uma grande e gorda estultice.

Um bom louco de palestra é sempre o último a falar, pois passa o tempo todo digerindo o que foi dito. Só então ele pode dar alguma declaração desvinculada do tema, equivocada, mal-intencionada ou apenas incompreensível. Para o jornalista Matinas Suzuki, o tipo contempla com desprezo o que se discute, aguarda pacientemente a sua vez e, então, discorda com virulência. “Me corrijam se eu estiver errado”, ele diz a certa altura, só para parecer democrático. “Concordo com tudo o que vocês disseram, mas ao contrário”, prossegue. Ou ainda: “A minha colocação engloba a do companheiro e vai além”, num típico comentário condescendente de loucos de assembleia.

Há que se distinguir o maluco de palestra do desvairado de assembleia estudantil ou sindical. Nesta última, não há palestrante; todos têm o direito de incluir o nome na lista de oradores e falar, sem a necessidade de se ater forçosamente a um tema.

Segundo uma enquete com personagens da época, um dos mais célebres representantes dessa categoria, na década de 70, era o Gilson, um estudante do curso noturno de economia na Universidade de São Paulo. Era um gordinho trotskista que tinha a voz fina e usava um bigode ralo. O outro era o Reinaldinho, da ciências sociais, que, qualquer que fosse o assunto, dava sempre um jeito de encaixar a frase: “O concreto é a síntese de múltiplas determinações.” É verdade. Até Marx sabia disso. Mas repetir o conceito em todas as assembleias da usp dos anos 70 nem Engels aguentaria.

Embora essas duas categorias de louco (palestra vs. assembleia) se diferenciem por motivos óbvios, existe a possibilidade de infiltração de loucos de palestra numa típica assembleia estudantil/sindical. O infiltrado, em regra, é aquele que toma o microfone à revelia de todos e anuncia: “Questão de ordem!”, ainda que a alegação não proceda. Daí em diante, a performance é livre.

São assim os loucos de palestra: audazes, imprevisíveis, implacáveis, destituídos de noção ou sentido. Cardoso também se lembra de um debate em Curitiba, quando “um senhor moreno, grisalho, com uma sacola ecológica atravessada no peito e toda a pinta de quem pratica ioga, anunciou que ‘a internet é como uma vaca mágica, de onde cada um extrai o leite que deseja’”.

Infelizmente, é só isso que ele se lembra daquela longa e bizarra colocação.

Há quem se depare com um louco contemplativo, que é dos mais difíceis de lidar. Sobretudo na primeira mediação de sua vida. Foi o que ocorreu com o escritor e editor Emilio Fraia, que, nervoso e pautado por dezenas de papéis amarelos, conduziu um debate entre o cineasta Hector Babenco e o escritor William Kennedy, no dia 11 de agosto, em São Paulo.

“Primeiro, a moça levantou a mão e disse: ‘Eu tenho uma pergunta’”, contou Emilio Fraia com a pungência de quem luta contra um quadro de estresse pós-traumático. “Então, ela disse não saber por que estava ali. Viu que haveria uma palestra e entrou.” A moça era de Minas, estava há quatro dias num quarto de hotel, sozinha. “Mas gostei muito do que o senhor Kennedy falou, de ter sido recusado por treze editoras antes de publicar. Sou artista plástica.”

Nesse instante, começaram os apupos da plateia: “Pergunta!” Intrépida, ela não fez caso: “Tenho um trabalho baseado em cores e…” Apupos, apupos.

Ao término do arrazoado, Fraia não conseguiu esboçar reação. Ficou vermelho. Paralisado. “Até que a palestra encerrou-se por si só. Foi o fim, nada mais poderia acontecer após aquela intervenção”, relata.

Outra recente ocorrência de louco contemplativo deu-se numa palestra da escritora Fred Vargas, no Rio de Janeiro, acerca do caso Cesare Battisti. Um sujeito pediu a palavra e falou vinte minutos sobre a sua militância no Nordeste, nos anos 50, sem pronunciar nem uma vez o nome do Battisti.

Com esse tipo de maluco em vista, o cartunista Laerte Coutinho confessou imaginar o que restaria daquela experiência para o sujeito, o louco propriamente dito. “Acho que tudo se reduz à sua própria intervenção”, filosofou Laerte. E emendou uma teoria: dos debates, o louco de palestra deve se lembrar tão somente da sua performance. “Lembra aquela vez, em Curitiba, quando eu levantei a mão e comparei a internet a uma vaca mágica?”, diria o sujeito, satisfeitíssimo, numa reunião de um hipotético Grupo Unificado de Apoio aos Loucos de Palestra, o gulp.

O que poucos sabem é que a origem do louco de palestra remonta à história do pensamento. “Acho que ele surgiu pela primeira vez na Ágora grega: a democracia está cheia de loucos de palestra”, postula o editor Milton Ohata.

Na peça As Nuvens (423 a.C.), o dramaturgo Aristófanes, por exemplo, faz chacota dos sofistas – os loucos de palestra mais insignes da Grécia Clássica. Naquele tempo, já existiam “profetas, quiropráticos, mocinhos cabeludos, poetas ditirâmbicos, astrólogos, charlatões, impostores e muitos outros mais”, diz o texto. Gente que se rendia ao arrebatamento do discurso e à volúpia da articulação, um bando de consumados tratantes, palavrosos e descarados. Tais como Cairefonte, discípulo de Sócrates, que levantou certa vez a mão e perguntou ao mestre qual das duas era a teoria certa: “O mosquito, ao zumbir, se utiliza da boca ou justamente do contrário?”

Na antiga Palestina, talvez durante o Sermão da Montanha, devia haver loucos de palestra prontos para agir. Uma das perguntas lançadas ao Filho de Deus, e omitida dos registros canônicos, teria sido: “E aí, o que está achando de Cafarnaum?”

Especulações à parte, uma coisa é certa: foi um louco de palestra fariseu que abordou o Messias com uma pergunta mal-intencionada, e que recebeu como resposta: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.” Uma reação divina ao interlocutor maledicente.

O que nos leva ao difícil papel do mediador. É sabido que, diante de um louco de palestra, ele tem poucas opções. Uma é dirigir-se a uma rota de fuga predeterminada, levando os braços ao ar e abandonando o público à própria sorte. A segunda é a solução escolhida por Emilio Fraia: a completa e resignada paralisação, seguida de conclusão precoce do seminário e aceitação da ruína. Numa variante pouco mais elegante, o mediador pode emitir um constrangido “Fica aí a pergunta”, e encerrar a palestra com certo ar de mistério.

A terceira saída é se fingir de louco e ignorar a intervenção por completo. A tática é defendida por oradores calejados como o jornalista Humberto Werneck. Durante um papo sobre seu livro O Santo Sujo, em Belo Horizonte, um rapaz pediu a palavra e não fez pergunta alguma – divagou sobre coisas que ninguém entendeu. “Acho que era doidinho, e não fiz mal em esperar que esvaziasse a piscina verbal. Levou vários minutos. O cara terminou sem ponto de interrogação. Agradeci a participação e fui ao perguntador seguinte”, conta, sem constrangimento.

A quarta e última reação possível é a mais artística e profissional de todas. No domínio dessa técnica estão mediadores experientes como o crítico de arte Alberto Tassinari. Ele diz ter muita paciência quando um louco desses se pronuncia, “pois sempre bate em algum lugar respondível e o diálogo fica tremulando entre sua racionalidade intrínseca e sua irracionalidade que vem de fora, fora de hora e quase inutilizando tudo”.

O professor Samuel Titan Jr., da usp, é do mesmo time. “Meu louco favorito começa pedindo para fazer uma colocação e embarca imediatamente na autopromoção, que pode ser pseudoacadêmica, pseudoliterária ou de fundo ressentido (nas variantes de raça, sexo, classe, opção sexual ou todas as anteriores)”, revela, com a sabedoria advinda da experiência.

Nesses casos, ele recomenda que a única saída para se livrar da situação é “responder alguma coisa que não tenha nada a ver com o que ele disse e que tenha alguma coisa a ver com o que você tinha tentado dizer, tudo isso olhando no olho da criatura e usando cá e lá umas palavras difíceis, que é pra ver se o bicho se intimida – em geral, nem um pouco”.

É preciso encarar essas coisas filosoficamente, pondera Titan, que há poucos meses teve que enfrentar um belo exemplar da espécie.

O episódio ocorreu em 25 de março, na Casa do Saber, em São Paulo, num debate sobre ensaísmo. Estavam presentes o arquiteto Guilherme Wisnik, o artista plástico Nuno Ramos, Matinas Suzuki Jr. e, como mediador, Samuel Titan Jr.

A gravação em vídeo do colóquio é uma verdadeira obra-prima tragicômica. Por um feliz acaso, a câmera permanece focada nos quatro palestrantes durante a longa peroração de uma moça da plateia, que deve ter tomado fôlego antes de se levantar. Cada um dos intelectuais supracitados reage à sua maneira, coçando a cabeça, esfregando o nariz, olhando pra cima e tentando desesperadamente manter a compostura diante de ocorrência tão alarmante.

A intervenção se dá em dois tempos. No primeiro, que dura quase cinco minutos corridos, a moça expõe a sua verve: “A minha pergunta é sobre lugares e fronteiras”, inicia, num tom didático que pressupunha prévia reflexão sobre o tópico. “Eu vejo o ensaio como um espírito livre do pensamento expresso na forma escrita. Então acho que ele merecia um lugar de destaque, mas pelo que eu vejo da discussão, do debate entre vocês, há uma questão do lugar e das fronteiras, quando se fala num lugar chamado ‘entre nós’, ou quando se fala no Brasil, no mundo e, indo mais além ainda dessas fronteiras, na própria realidade.”

Dominado por um compreensível reflexo instintivo, Nuno Ramos passa a beber água compulsivamente. Samuel Titan alterna vigorosas coçadas de cabeça a uma distraída extração da pele ao redor das unhas. No coração de todos, a esperança de que a pergunta não tardará. A moça prossegue: “Eu vejo o ensaio como esse espírito livre do pensamento escrito porque ele vai além do pensamento escrito, chegando na realidade, com toda essa liberdade de conexões intertemas, e não só temas intelectuais ou conceituais ou acadêmicos, mas os próprios acontecimentos da realidade.”

Curiosamente, os quatro palestrantes decidem apoiar-se no cotovelo esquerdo, recostam-se nas cadeiras e cruzam os braços, como que tentando se defender da avalanche de conceitos que lhes são atirados impiedosamente.

E a moça vai em frente: “Então vejo uma maneira de resolver esses dilemas, essas questões que foram apresentadas, e me atendo ao que foi debatido entre vocês, que os ensaístas deveriam eles mesmos se colocar como espíritos livres.”

Sublinhe-se que ela faz referência à discussão e promete se ater ao que foi debatido, como se procurasse despistar a audiência. Dito isso, segue em frente: “Criar como que uma onda, o ensaio como uma pedra que cai na água e gera ondas não só daquilo a que ele se propõe, mas indo além. Indo além da própria subjetividade de quem escreve, ou do próprio arsenal de conhecimento acadêmico restrito, então o próprio ensaio brasileiro precisa adotar a postura de quebrar essa fronteira e se colocar como um ponto de convergência de forças que estão presentes no mundo hoje, tanto politicamente, como literariamente, cientificamente, artisticamente.”

Depois daquela peroração sem perguntas, Samuel Titan interrompe a moça e faz o que pode para encaminhar o debate. Os palestrantes comentam uma suposta “zona de conforto” no ensaísmo brasileiro, termo que a moça citou a esmo, dentro de um contexto só dela. O debate parece que vai engrenar. Que nada: num momento de deslize do mediador, a moça da plateia leva a melhor e consegue retomar o raciocínio: “Tenho visto coisas riquíssimas”, ela interrompe, e torna a abusar de advérbios: politicamente, literariamente, cientificamente.

É o segundo momento de sua dissertação, quando, em resumo, ela conclui que é preciso cultivar um ensaio “que também se dilui, também luta sub-repticiamente. Tem que haver uma coragem de sair da zona de conforto, quebrar essas fronteiras pra conseguir criar novas fronteiras, realmente fazer diferença na realidade”. Assim é encerrada a sua fala e, com ela, o debate.

De tanto ver Nuno Ramos bebendo água temeu-se que ele pudesse ter uma congestão.
A lenda é difusa, mas deve ter ocorrido nos anos 60, durante uma aula do professor Bento Prado Jr., na rua Maria Antônia. Terminada a explanação, em que o docente citou o filósofo Plotino várias vezes, um aluno respeitosamente levantou a mão e disparou: “Com licença, professor. Esse Plotino aí não seria o Platão, não?” Ao que o mestre respondeu: “Não, cretão.”

Como prova de que os tempos mudam, mas os loucos continuam, o escritor Antonio Prata relembra um doido recente da usp. Sua alcunha: Santo Agostinho. “Era um cabeludo, barbudo, meio sujão, sempre chegava com uns jornais que a gente não sabia se estava lendo ou se tinha dormido com eles”, descreve. O sujeito tinha lido uma única coisa na vida: Santo Agostinho. “E não importava qual fosse a aula, não importava quanto tempo ele tivesse que esperar, em alguma hora ele achava a ligação. Não fazia uma pergunta, ele vomitava: “Professor, professor, isso aí que você está falando de – Descartes – Platão – Adorno – neo-liberalismo – assentamento – greve – filtro solar – não tem a ver com aquele conceito do Santo Agostinho?”

É o louco monotemático, de tendência obsessivo-compulsiva.

Vale observar que nem as grandes personalidades estão imunes ao ataque verbal de um desatinado espectador. Conta-se que, durante uma reunião da esquerda latino-americana em Paris, na época das ditaduras militares, um louco de palestra investiu contra o escritor Mario Vargas Llosa. Da plateia, um barbudão levantou e vociferou: Mientras Obregón se moria en la selva por el pueblo peruano, tu, que hacias?

O público silenciou. Sem se abalar, Vargas Llosa respondeu que dava aulas de literatura espanhola numa universidade. E devolveu a pergunta: Y tu, que hacias?

Yo tenía la hepatitis, disse o barbudão.

Uma categoria popular é a do louco lírico. “É o cara que, a todo custo, quer ler um poema, um conto, o primeiro capítulo de um romance. Já aconteceu de pegarem o microfone da minha mão e saírem soltando o verbo”, disse o escritor Marcelino Freire. Para ele, os poetas são os piores: estão sempre pedindo a voz.

O cartunista Laerte aprecia em particular o louco superespecialista, que conhece o seu próprio trabalho melhor que você, e aponta incoerências e contradições no que acabou de ser dito. Esse tipo pode trazer proventos vantajosos e é até possível forjar um deles para atuar em sua própria palestra – o sujeito levanta a mão e diz que certamente naquele trecho você fez uma referência velada à noção de witzelsucht tal qual é discutida em Heidegger. Gênio, grande pensador, você emite um “arrã” de modéstia e segue para a próxima pergunta.

Para o crítico Rodrigo Naves, que ministra um curso livre de história da arte em São Paulo, os doidos mais comuns são os carentes, que se põem a falar de seus problemas afetivos, existenciais, mercadológicos. “Tem um oriental que já vi se pronunciar em três ocasiões diferentes”, conta, ele mesmo um ocasional louco de palestra, do tipo agressivo, se bem que em recuperação. Houve uma vez em que Naves se ergueu da cadeira e, indignado com a opinião do palestrante, disse: “Não, não, não, não. Não, não, não”, como só um bom profissional do ramo conseguiria exprimir.

Há um subgênero de louco latente que, no entender do jornalista Elio Gaspari, é aquele que vai para as conferências, ouve tudo com atenção, mas o negócio dele é a comida oferecida ao final do evento. “Conheci um elegantíssimo, nos Estados Unidos, que ia de terno jaquetão. A piada era que um dia ele faria uma pergunta recitando todas as palestras que ouvira”, conta.

O mais recente registro formal de um louco de palestra ocorreu no último dia 10 de agosto, após um bate-papo com os cartunistas Gilbert Shelton e Robert Crumb, em São Paulo.

A intervenção abilolada saiu nas páginas do Estado de S. Paulo, registrada por Jotabê Medeiros: “Um maluco gritou lá de cima do mezanino perguntando qual seria a personalidade morta que Crumb elegeria para tomar uma cerveja consigo.” Crumb retrucou: “Não tomo cerveja com gente morta. Na verdade, nem tomo cerveja.” Em outro momento da noite, o cartunista pediu que um fã dominasse seus ânimos. “‘Shutupfuckoff!’, rosnou, e o menino riu.”

Bem-aventurado é o louco anônimo, o louco voluntário, o que se levanta indômito no meio da palestra e parte rumo à consagração. Amaldiçoadas sejam as perguntas por escrito, as regras contra a manifestação do público, o apupo impaciente, a placa de aplausos obrigatórios, as pessoas que jogam tomates em quem está atrapalhando o andamento da coisa.

Amaldiçoado seja o antropólogo Claude Lévi-Strauss, que no livro Minhas Palavras agradece aos alunos por suas reações “mudas, mas perceptíveis” que lhe permitiram desenvolver o pensamento sem grandes atropelos.

Viva aquele que comparece a palestras apenas para matar o tempo, e que ainda assim não perde a chance de se expressar, pois que é interessado em dividir suas opiniões com os outros seres. Viva a falta de noção, de vergonha e de respeito às autoridades presentes.

Todos têm um louco de palestra dentro de si, esperando para aflorar. Somos apenas reprimidos pelos grilhões da compostura, da sanidade mental e da idade adulta, o que nos impossibilita de protagonizar, em conferências, grandes momentos da história da argumentação humana – como quando, na Flipinha de 2005, um ouvinte de 5 anos de idade levantou a mão e perguntou ao escritor Luis Fernando Veríssimo: “Você gosta de suco de uva?”

.oOo.

Vanessa Barbara é jornalista e escritora.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Trevas ao meio-dia, editorial da Carta Capital sobre a Veja, por Mino Carta

Encontrado aqui.

Por que a mídia nativa fecha-se em copas diante das relações entre Carlinhos Cachoeira e a revista Veja? O que a induz ao silêncio? O espírito de corpo? Não é o que acontece nos países onde o jornalismo não se confunde com o poder e em vez de servir a este serve ao seu público. Ali os órgãos midiáticos estão atentos aos deslizes deste ou daquele entre seus pares e não hesitam em denunciar a traição aos valores indispensáveis à prática do jornalismo. Trata-se de combater o mal para preservar a saúde de todos. Ou seja, a dignidade da profissão.

O Reino Unido é excelente e atualíssimo exemplo. Estabelecida com absoluta nitidez a diferença entre o sensacionalismo desvairado dos tabloides e o arraigado senso de responsabilidade da mídia tradicional, foi esta que precipitou a CPI habilitada a demolir o castelo britânico de Rupert Murdoch. Isto é, a revelar o comportamento da tropa murdoquiana com o mesmo empenho investigativo reservado à elucidação de qualquer gênero de crime. Não pode haver condão para figuras da laia do magnata midiático australiano e ele está sujeito à expulsão da ilha para o seu bunker nova-iorquino, declarado incapaz de gerir sua empresa.

O Brasil não é o Reino Unido, a gente sabe. A mídia britânica, aberta em leque, representa todas as correntes de pensamento. Aqui, terra dos herdeiros da casa-grande e da senzala, padecemos a presença maciça da mídia do pensamento único. Na hora em que vislumbram a chance, por mais remota, de algum risco, os senhores da casa-grande unem-se na mesma margem, de sorte a manter seu reduto intocado. Nada de mudanças, e que o deus da marcha da família nos abençoe. A corporação é o próprio poder, de sorte a entender liberdade de imprensa como a sua liberdade de divulgar o que bem lhe aprouver. A distorcer, a inventar, a omitir, a mentir. Neste enredo vale acentuar o desempenho da revista Veja. De puríssima marca murdoquiana.

Não que os demais não mandem às favas os princípios mais elementares do jornalismo quando lhes convém. Neste momento, haja vista, omitem a parceria Cachoeira-Policarpo Jr., diretor da sucursal de Veja em Brasília e autor de algumas das mais fantasmagóricas páginas da semanal da Editora Abril, inspiradas e adubadas pelo criminoso, quando não se entregam a alguma pena inspirada à tarefa de tomar-lhe as dores. Veja, entretanto, superou-se em uma série de situações que, em matéria de jornalismo onírico, bateram todos os recordes nacionais e levariam o espelho de Murdoch a murmurar a possibilidade da existência de alguém tão inclinado à mazela quanto ele. E até mais inclinado, quem sabe.

O jornalismo brasileiro sempre serviu à casa-grande, mesmo porque seus donos moravam e moram nela. Roberto Civita, patrão abriliano, é relativamente novo na corporação. Sua editora, fundada pelo pai Victor, nasceu em 1951 e Veja foi lançada em setembro de 1968. De todo modo, a se considerarem suas intermináveis certezas, trata-se de alguém que não se percebe como intruso, e sim como mestre desbravador, divisor de águas, pastor da grei. O sábio que ilumina o caminho. Roberto Civita não se permite dúvidas, mas um companheiro meu na Veja censurada pela ditadura o definia como inventor da lâmpada Skuromatic, aquela que produz a treva ao meio-dia.

Indiscutível é que a Veja tem assumido a dianteira na arte de ignorar princípios. A revista exibe um currículo excepcional neste campo e cabe perguntar qual seria seu momento mais torpe. Talvez aquele em que divulgou uma lista de figurões encabeçada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, apontados como donos de contas em paraísos fiscais.

Lista fornecida pelo banqueiro Daniel Dantas, especialista no assunto, conforme informação divulgada pela própria Veja. O orelhudo logo desmentiu a revista, a qual, em revide, relatou seus contatos com DD, sem deixar de declinar-lhes hora e local. A questão, como era previsível, dissolveu-se no ar do trópico. Miúda observação: Dantas conta entre seus advogados, ou contou, com Luiz Eduardo Greenhalgh e Márcio Thomaz Bastos, e este é agora defensor de Cachoeira. É o caso de dizer que nenhuma bala seria perdida?

Sim, sim, mesmo os mais eminentes criminosos merecem defesa em juízo, assim como se admite que jornalistas conversem com contraventores. Tudo depende do uso das informações recebidas. Inaceitável é o conluio. A societas sceleris. A bandidagem em comum.

Capa da revista:

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Aforismos, de Karl Kraus

Não sou nada original: sou mais uma pessoa que não acredita no politicamente correto. Principalmente no âmbito artístico, é algo que não funciona. Fico pensando no que seria uma versão politicamente correta do Monty Python… É possível? Sim, mas perderia toda a graça. O politicamente correto acaba com o humor e muitas vezes destrói a arte. Por exemplo, dois recentes filmes dramáticos, ambos candidatos ao Oscar, viram uma criancice em suas cenas finais em razão do politicamente correto: Tudo pelo Poder, onde a “consciência” do malvadinho recebe uma chamada na última cena, e Os Descendentes, onde os adúlteros são punidos. Esses filmes poderiam até ser muito bons se mantivessem algum ponto de contato com a realidade. Na realidade, sabemos, quase sempre os bons se ralam, dando lugar aos arrivistas. Fico imaginando a versão PC de Lolita, mas deixa pra lá.

Karl Kraus (1874-1936) não pisa na linha que separa o correto e o incorreto, Kraus vive dentro do incorreto de tal maneira que até este comentarista fica meio sem jeito. Os primeiros aforismos deste volume — que tem excelente tradução de Renato Zwick e luxuosa edição da Arquipélago — são um quase só de ataques à mulher. No início, a gente estranha, depois acha engraçada a misoginia de Kraus. Não se trata de hipérboles, ou seja, de  intensificar algo até o inconcebível. É uma misoginia tão pensada, inteligente, antiquada e terrível que apenas pode ser suportada da mesma forma com que se admira Nelson Rodrigues e tantos outros autores que viviam em sociedades que aceitavam a misoginia e o machismo. Para a contemporaneidade, a genialidade de Kraus vem logo a seguir, quando ataca todo e qualquer ser humano e intelectual e jornalista e político. O mau humor de Kraus manifesta-se principalmente contra seu país de adoção, a Áustria. Aliás, a Áustria também é objeto do ódio de outro gênio indiscutível do século XX, o grande Thomas Bernhard. Com efeito, deve ser um país habitado por um povo repugnante, mas produz bons artistas. Kraus, obviamente, era um colecionador de inimigos.

Os aforismos do livro da Arquipélago foram selecionados em três coletâneas que Kraus publicou em vida: Ditos e Contraditos (1909), Pro Domo et Mundo (1912) e De Noite (1919). As coletâneas tiveram origem na virulência que o autor demonstrava nas páginas do Die Fackel (“A Tocha”) — revista que fundou e da qual foi praticamente o único redator durante quarenta anos. Paradoxalmente, Kraus, um dos maiores escritores satíricos em língua alemã do século XX, trabalhava na imprensa, apesar de odiá-la minuciosamente. Odiava como ninguém a estupidez e a ignorância dos jornalistas de seu tempo. Seus temas são a política, a filosofia, a imprensa e o papel do artista na sociedade.

São pequenos textos e frases furibundas e geniais. Seu autor insiste que todos os aforismos devem ser lidos mais de um vez. É horrível ter que dar razão a alguém tão arrogante, mas o fato é que na segunda leitura cada um dos aforismos ganha significado duplo ou triplo. Fazer o quê? Há muito que aprender com as frases curtas de exatidão milimétrica e múltiplo sentido de Kraus.

A seguir, alguns petiscos:

.oOo.

A relação dos jornais com a vida é mais ou menos a mesma das cartomantes com a metafísica.

.oOo.

A expressão “laços de família” tem um ressaibo de verdade.

.oOo.

A vida de família é uma invasão da vida privada.

.oOo.

Muitos têm o desejo de me matar. Muitos, o desejo de ter dois dedos de prosa comigo. Daqueles a lei me protege.

.oOo.

As penas servem para intimidar aqueles que não querem cometer crimes.

.oOo.

Não há criatura mais infeliz sob o sol do que um fetichista que anseia por um sapato feminino e precisa se contentar com uma mulher inteira.

.oOo.

Eles tratam a mulher como se fosse um refresco. No entanto, não admitem o fato de as mulheres sentirem sede.

.oOo.

Formação é aquilo que a maioria recebe, muitos passam adiante e poucos possuem.

.oOo.

Propostas para que essa cidade volte a conquistar minha simpatia: mudança de dialeto e proibição de reprodução.

.oOo.

Não ter pensamentos e ser capaz de expressá-los — eis um jornalista.

.oOo.

Preciso estar outra vez entre os seres humanos. Pois neste verão, em meio às abelhas e aos dentes-de-leão, minha misantropia degenerou gravemente.

.oOo.

Muitos talentos conservam sua precocidade até idade avançada.

.oOo.

Não tenho mais colaboradores. Eu tinha inveja deles. Eles afastam os leitores que eu mesmo quero perder.

.oOo.

O que distingue Berlim e Viena ao primeiro olhar é a observação de que lá se consegue um efeito ilusório com o material mais desprovido de valor, enquanto que aqui, na produção do kitsch, se emprega apenaas material autêntico.

.oOo.

Quando o pecado se atreve a avançar, ele é proibido pela polícia. Quando se esconde, recebe um alvará.

.oOo.

A ética cristã conseguiu transformar heteras em freiras. Infelizmente, ela também conseguiu transformar filósofos em libertinos. E graças a Deus, a primeira metamorfose não é assim tão confiável.

.oOo.

A sexualidade mal recalcada causou perturbações em muitas casas; a bem recalcada, no entanto, perturbou a ordem do universo.

.oOo.

Ao sadio basta a mulher. Ao erotista basta a meia para chegar à mulher. Ao doente basta a meia.

.oOo.

“Não se permitir mais ilusões”: é então que elas começam.

.oOo.

Devemos ler todos os escritores duas vezes, os bons e os ruins. Uns serão reconhecidos, e ou outros, desmascarados.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Karl Kraus dixit:

Formação é aquilo que a maioria recebe, muitos passam adiante e poucos possuem.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Merval Pereira, o estilista da ABL

Ontem, no aeroporto Antonio Carlos Jobim, comprei O Globo, o qual me pareceu a coisa mais parecida com um jornal dentre as ofertas. Além de encontrar um montes de erros, inclusive em manchetes, deparei-me com meu primeiro texto de Merval Pereira, a mais recente aquisição da Academia Brasileira de Letras. O parágrafo inicial é de apenas uma frase. Deixo-vos em companhia dela. Meus sete leitores me deixariam feliz se quisessem deitar suas opiniões nos comentários.

Do momento em que um jovem vendedor ambulante de frutas e verduras se imolou em praça pública no interior da Tunísia, em protesto contra os desmandos das autoridades, até hoje, um ano depois, quando seu gesto continua desencadeando manifestações populares na região que já derrubaram nada menos que três ditadores, e levaram às urnas, pela primeira vez em eleições democráticas, vários países, houve uma “reinvenção da liberdade”, valor central da condição do homem moderno.

Proust e Bernhard ficariam certamente envergonhados

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico

A parábola do taxista e a intolerância. Reflexão a partir de uma conversa no trânsito de São Paulo. A expansão da fé evangélica está mudando “o homem cordial”?

Por Eliane Brum

O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada…”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.

– Você é evangélico? – ela perguntou.
– Sou! – ele respondeu, animado.
– De que igreja?
– Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.
– Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?
– Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
– Legal.
– De que religião você é?
– Eu não tenho religião. Sou ateia.
– Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.
– Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.
– Deus me livre!
– Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
– (riso nervoso).
– Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?
– Por que as boas ações não salvam.
– Não?
– Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.
– Mas eu não quero ser salva.
– Deus me livre!
– Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.
– Acho que você é espírita.
– Não, já disse a você. Sou ateia.
– É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.
– Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?
– É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto…

O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse? (Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)

Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:

– Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.
– Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.
Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa.

A parábola do taxista me faz pensar em como a vida dos ateus poderá ser dura num Brasil cada vez mais evangélico – ou cada vez mais neopentecostal, já que é esta a característica das igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo – no mundo contemporâneo, bem sublinhado – mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre elas, a de que é possível ser católico – e não praticante. O fato de você não frequentar a igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminado na cultura, entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e passageiros.

Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam com nomes cada vez mais imaginativos pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que quiser – assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se relacionar com a cultura. Está mudando a forma de ser brasileiro.

Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as neopentecostais – e não falo aqui nenhuma novidade – são constituídas no modo capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem, pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.

É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de uma maneira bastante inteligente, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado, encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.

Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil – em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é bem mais difícil – quando não impossível – converter um ateu. Para quem não acredita na existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria como vender gelo para um esquimó.

Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.

Já conhecia a “Bola de Neve” (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu site), mas nunca tinha ouvido falar da “Novidade de Vida”. Busquei o site da igreja na internet. Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o que não venha de Deus. Tolerar “coisas erradas” é o mesmo que “criar demônios de estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.

Ainda que o crescimento evangélico no Brasil venha sendo investigado tanto pela academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” – não no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo senso comum.

Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo – e, portanto, também de não credo – determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, no século XXI, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear mulheres virgens – ou com vontade de voltar a ser – em busca de príncipes encantados, na “Igreja Celular Internacional”, nada mais me surpreende.

Se Deus existe, que nos livre de sermos obrigados a acreditar nele.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Civilidade (a respeito do câncer de Lula)

De Ricardo Ramos Filho, no Facebook:

Tenho lido com muito incômodo algumas manifestações sobre a saúde do ex-presidente Lula. Gente que sugere que se trate pelo SUS. Aqueles que me conhecem sabem que não votei nele e que sou muito crítico às suas posições, mas embrulha-me o estômago perceber todo esse ódio. Política para mim é debate de ideias e nunca desejo de morte. Por trás dessas manifestações existe um comportamento mau, insensível e pouco ético. Como seres humanos, eu e ele, torço para que se recupere bem.

Ricardo Ramos Filho é neto de Graciliano. Não surpreende, né?

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Citação de John Waters que mudará sua vida

Desde que eu vi Serial Mom (Mamãe é de Morte), me apaixonei por John Waters. Vi depois outros filmes, todos piores — ou menos interesantes, para ser mais exato. Serial Mom é calculadamente ruim. Ser ruim faz parte da comédia. Com absoluta certeza, ele MANDA seus atores atuarem como canastrões. Johnny Depp, Melanie Griffith, Christina Ricci e principalmente Kathleen Turner, que não costumam ser tão ruins, estiveram medonhos com ele. Como Waters, verdadeiro rei do trash, também escreve, temos coisas como a que eu encontrei ontem na net.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O mais genial dos chargistas: El Roto

Todas as charges foram copiadas do El País da Espanha. El Roto é Andrés Rábago (1947) e tem 15 livros só de seus trabalhos gráfico.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

A rejeição à senilidade ou Clint, eu te amo

“É preciso estar faminto e curioso com a vida para que a sua mente não seja levada a um estado de senilidade. Olho para o trabalho de Manoel Oliveira, que tem 103 anos e ainda parece um homem de 60. Quando o encontrei em um evento, anos atrás, tive vontade de perguntar: ‘Qual a sua dieta, senhor? Que uísque o senhor bebe?”.

“O corpo se queixa, às vezes as costas doem, mas não me sinto muito diferente hoje em termos de energia para trabalhar do que há 40 anos, quando rodei o meu primeiro filme. Sinto que ainda tenho muito a fazer”. E sumariza seu eterno engajamento com a vida. “Se você desfruta do que está fazendo e continua aprendendo, permanece vivo. Os anos não significam nada. É preciso estar ativo, ocupado. Não estou pronto para sentar perto de um rio, com uma cerveja na mão, pensando no passado. Ainda há muito por conquistar”.

“Quando você envelhece, pode tornar-se introvertido e ficar nostálgico por coisas que fez ou não durante a vida ou tentar crescer e tornar-se um ser humano melhor. Sempre estive aberto à mudança e em sincronia com a evolução do mundo. Penso que os 60 e 70 podem ser os melhores anos desde que você mude ou evolua. Quando você alcança essa idade, aprendeu tanto e sua perspectiva se aprofundou tanto que somente um bobo não se beneficiaria desse conhecimento”.

Clint Eastwood, na revista Alfa de julho

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Hoje, 50 anos

A Terra é azul e eu não vejo nenhum deus daqui de cima.

YURI GAGARIN — 12 de abril de 1961

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Hoje, os 70 anos da morte de Virginia Woolf

Meu querido Leonard.

Tenho a certeza de que estou enlouquecendo novamente: sinto que não posso suportar outro desses terríveis períodos. E desta vez não me restabelecerei. Comecei a ouvir vozes e não consigo me concentrar. Por isso vou fazer o que me parece ser o melhor.

Deste-me a maior felicidade possível. Foste em todos os sentidos tudo o que qualquer pessoa podia querer. Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes até surgir esta terrível doença. Não consigo lutar mais contra ela, sei que estou a destruir a tua vida, que sem mim poderias trabalhar. E trabalharás, eu sei. Como vês, nem isto consigo escrever como deve ser.

Não consigo ler.

O que quero dizer é que te devo toda a felicidade da minha vida. Foste inteiramente paciente comigo e incrivelmente bom.

Quero dizer isso — toda a gente sabe. Se alguém pudesse ter-me salvo, esse alguém terias sido tu. Perdi tudo menos a certeza da tua bondade. Não posso continuar a estragar a tua vida. Não creio que duas pessoas pudessem ter sido mais felizes do que nós fomos.

V.

Virginia Woolf em 1902

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Ode ao Biscoito

Eu lamentei muito o fim do Biscoito. É uma baita perda num país em que a imprensa tradicional é uma coisa cujo bom senso manda ignorar. Eu concordo com tudo o que a Fal escreveu abaixo, mas, sabem?, eu não discordava tanto do Idelber quanto ela. Talvez ele me seduzisse de tal forma com a qualidade de seus textos que já vinha louco prara concordar. Das muitas pessoas que conheci através da rede, o Idelber e seus filhos — que passaram 3 ou 4 dias hospedados lá em casa — foram dos mais especiais. Porém, cá pra nós, duvido que ele suma assim, quase totalmente. Ele não iria nos deixar sem seus textos, maravilhosos textos. Pois como escreve o animal! E também, a seu modo, a Fal, que apenas vi uma vez.

Por Fal Azevedo, roubado do Amálgama

Era 14 de março, estava de trabalho até a raiz dos cabelos, tinha não um, mas dois livros do Dani olhando feio pra mim ali da estante e exigindo resenha e tive que parar tudo pra processar essa novidade: o Idelber fechou o blog. Não, dessa vez ele não botou o blog pra nanar. Ele fechou o blog. Baubau.

*

Quer dizer, de novo vem o Idelber me tirar do sério.

*

Master Idelber. Então, que ele fazia esse blog, o Biscoito Fino e a Massa. Uns textos sobre futebol. Pra mim, chatíssimos, né, que acho futebol chatíssimo. Quem ama futebol, venerava os textos do Idelber. E eu lia cada um daqueles textos, do começo ao fim, detestando o futebol, não dando a mínima pra que diabo fez o Guarani, mas amando aquele entusiasmo desvairado. E os textos, claro. Lindos textos, tremendamente bem escritos. Sobre futebol, valha-me, mas lindos. Uns textos cacete sobre política, porque, ahhhww, política partidária neste porto tropical me torra o saco. E sabe o quê? Eu lia aqueles textos sobre política do começo ao fim. Concordando, não concordando, dizendo baixinho que ele era um gênio, gritando pra minha mãe “Ouve o que esse cretino disse agora, mã!”, eu lia. Porque o Idelber tem isso: você lê. Puta da cara ou amando loucamente, você lê aquele texto bem construído, bem ligadinho, bonito, fluido e fica passada. Você não concordou com uma linha dos 400 parágrafos, mas o texto arrebata você. Ou você concorda com tudo e quer mandar tatuar na testa e ainda assim, no meio da crise de paixonite, o texto é tão bem feito, que permite a você distanciamento suficiente para dizer: que puta texto.

*

Mas vai daí que não são uns textos flutuando no espaço, né, os textos eram o Idelber. Era ele ali. E concordando ou não, você tinha que dizer: esse cara tem coragem. A coragem das próprias convicções. Gosto de gente assim, sempre gostei. Gostei de ler o Biscoito desde o começo, por isso, sempre foi assim. Se o Idelber acha que é azul, ele acha que é azul e sai da frente.

*

Ele vai fazer falta, ele, os muitos eles que são o Idelber, fazem falta na minha tela mesmo quando estão lá. Imagine quando não estão. O Idelber cego pelas causas. O Idelber resmungão (meu favorito). O Idelber noveleiro, o Idelber boboca.

*

Mais do que o boleiro ou adorador do PT, tem o Idelber crítico literário. Tremendo, tremendo. O Idelber escritor. Sensacional (Alegorias da Derrota é meu livro-totem há tantos anos). O Idelber queridinho.

*

Quando fui falar num bendito encontro literário em Beagá, Idelber e Ana foram ouro sobre o azul comigo. Eu estava apavorada. Apavorada tipo, tendo crise de choro no banheiro, e eles não foram nada menos que uns amores. Quando meu marido morreu, Ana disse as coisas mais lindas, Idelber disse as coisas mais lindas. Sempre senti falta desse Idelber no blog. Sempre. Não é o estilo dele e meu marido adorava o Biscoito exatamente por isso (‘Bi, isso é blog de macho’, dizia meu doce Alexandre), mas eu sempre senti falta do Idelber-Idelber no Biscoito. Me fazia falta ler sobre o Idelber. Compras no supermercado, se os filhos tinham ligado, que-que ele usa no cabelo. Porque eu sou esse tipo de leitor. Quero saber a marca do chá do cara e se ele tem medo de trovão.

*

O que mais lamento não é a perda do blog. É de saber do Idelber. Ele é o blog. Já mandei e-mail dando dura, mas qual, ninguém me obedece nessa blogosfera.

*

Nunca tive saco pros discursos, pras brigas e pras intrigas palacianas do Biscoito Fino e, caras, aquilo era um vendaval de emoções. O pau tava sempre cantando. Nunca tive saco nenhum pros comentaristas-salvadores-do-mundo que apareciam por lá, aqueles seres superiores que não peidam, e acho a educação do Idelber com a grande maioria, por si só, uma demonstração de educação que vi poucas vezes na vida. Por outro lado fiz grandes, grandes amigos ali na meiuca dos comentaristas do blog dele, pessoas parecidas comigo, pessoas diferentes de mim, pessoas queridas, que Idelber me deu de presente.

*

Nunca li um texto do Idelber sem concordar e discordar, às vezes no mesmo parágrafo, às vezes na mesma frase. Nunca.

*

Já fiz parte duma mesa literária com ele (com muito orgulho), duma mesa de bar (mais orgulho ainda), já abracei o Idelber, ri das piadas dele e sempre admirei a construção do pensar dele, a forma como ele concatena as ideias, a fúria com que ele defende as coisas que defende (já me apavorei também, com essa mesma fúria, e dei um passo para trás, e é assim mesmo, quando a gente ama).

*

Sinto e sentirei falta do amor adulto que o Idelber desperta em mim. Esse tipo tão raro de admiração de parte a parte, que diz: “Nós não concordamos o tempo todo e se na mesma cidade estivéssemos, capaz que eu desse com o cardápio na sua testa depois da batatada que você disse, mas nós nos gostamos e está tudo bem”. Tipo estranho de gostar esse, porque é seu primeiro e mais infantil gostar: seu irmão. É só pro seu irmão que você pode dizer as coisas mais terríveis e ouvir as coisas mais assombrosas e seguir amando e sendo amado. E descobri agora, velhinha, que é também o amor da maturidade.

*

Meses depois de o Alexandre morrer (ou anos depois, vivo num mundo completamente a parte, meu tempo é diferente do tempo do planeta), empacotei uns livros dele pro Idelber. Todos os livros de futebol do Alê. E o livro que ele tinha no criado-mudo, bem ao lado da cabeça dele, no momento em que morreu. Uma edição capenga de Moby Dick, nosso livro preferido. Pareceu tão, tão correto, que os livros do Alê, os livros que ele mais gostava, fossem parar nas mãos do Idelber. Ainda parece.

*

E se vocês querem saber, assisti muita sessão da tarde, li muito livro da Alcott e, por isso, carrego aquela esperança tola no coração, aquela fantasia adolescente, de que o Idelber vai aparecer a qualquer momento aqui no umbral do meu Apart Hotel do Conde Drácula, com uma rosa entre os dentes, usando uma daquelas batas malucas, blogando de novo, prontinho pra me irritar. Se ele lesse esse treco, riria das minhas fantasias burguesas decadentes, claro, mas não ligo. Sou grata a todas as vezes que tive que espanar o pó dos neurônios pra concordar com ele ou que tive que dar todinho pros meus pobres neurônios pra discordar dele. Sou grata a toda a leitura à qual ele me obrigou, dele, dos textos de referência, dos comentaristas, de outros blogs. Amar o Idelber foi, e é, um exercício de inteligência (no meu caso da pouca inteligência que tenho), todos os dias. E a gente ama. Simplesmente.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Às vezes penso o mesmo

Vou ler este livro, imagina se não. O tema do pai que aceita tirar o filho da escola para educá-lo vendo filmes é maravilhoso. O post abaixo, com foto, título e tudo, foi retirado daqui. (Acho que a blogosfera portuguesa é melhor que a nossa, a amplitude de assuntos é maior. Fazer o quê?)

Hoje em dia, quando vou ao cinema, estou sempre a prestar atenção a tantas coisas, ao marido que fala com a mulher umas filas mais à frente, a alguém que acaba as pipocas e atira o balde para o corredor. Estou atento à montagem, aos maus diálogos e aos maus actores; às vezes, vejo uma cena com muitos figurantes e dou por mim a pensar: serão actores de verdade, estarão a gostar de ser figurantes ou tristes por não estar na ribalta?

Por exemplo, aparece uma rapariga no centro de comunicações no início de ‘007 – Agente Secreto’. Tem uma ou duas falas, mas nunca mais volta a aparecer no ecrã. Pergunto-me o que terá acontecido a todas aquelas pessoas que aparecem nas cenas de multidões, nas cenas de festas: o que é que acabaram por fazer na vida? Terão desistido de representar e escolhido outra profissão qualquer?

Todas estas coisas perturbam a maneira como vejo um filme; antigamente, podiam disparar uma pistola ao meu lado que não me teriam desconcentrado das imagens que se desenrolavam no ecrã à minha frente. Por isso revejo filmes antigos – não apenas para os ver novamente, mas também na esperança de voltar a sentir o mesmo que da primeira vez.

David Gilmour, no livro “O Clube do Cinema” (Pergaminho, 2011)

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Alex Castro dixit:

Eu comemoro bastante datas, elas só tem que ter algum significado. O nascimento de um cara que provavelmente nem existiu e, se existiu, não nasceu nesse dia e, existindo ou não, deu origem a uma religião assassina… bem, não acho motivo de celebração.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

O Mundo Perfeito

Citação sem nenhuma relação com fatos que tenham ocorrido recentemente e apenas retirada de A Origem das Espécies, blog do escritor português Francisco José Viegas.

Eu bem os compreendo. O mundo seria perfeito, mas não é. Não vai ser. Pensamos que basta dar o exemplo, ler, ouvir música, oferecer livros, sermos honestos – e generosos, educados, prestáveis, interessados, tolerantes. Com isso o mundo seria melhor. Mas não basta, infelizmente não basta. Com isso, os adolescentes das escolas seriam pessoas melhores, não usariam aquela gramática de grunhos, não faltariam às aulas, não desdenhariam dos professores que se esforçam e lhes ensinam a diferença entre o culto e o inculto, o cru e o cozido, o bem e o mal, o frio e o quente. Mesmo dos outros, que não acreditam que existe um bem e um mal. O mundo seria perfeito. As famílias seriam honradas, pacíficas, passeariam ao domingo, fariam piqueniques, todos ajudariam a arrumar a cozinha e dormiriam a horas. Os nossos filhos leriam Dickens e Eça – ou, na pior das hipóteses, arrumariam os livros nas estantes. Eu bem os entendo – mas não basta. É necessário ser cruel, é preciso usar a autoridade quando não se quer, é indispensável dizer não quando até poderíamos dizer sim, pensar no que significa, de facto, a palavra exigência. A vida não é fácil. Não nos basta sermos o que somos; é sempre necessário sermos perversos e sentirmos culpa.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Como dizia José Paulo Paes:

Para bom entendedor, meia palavra bos-.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

"O Sétimo Selo": Bergman usa o cinema para reflexão

André Setaro
Publicado originalmente no Terra

Ingmar Bergman (14/07/1918 – 30/07/2007), um dos maiores pensadores do cinema, morreu há três anos, com 89 anos de idade completados poucas semanas antes de seu passamento. A coluna lembra o genial cineasta através de seu belo “O sétimo selo”.

Não apenas um cineasta, mas um autor completo, um pensador que se vale do cinema para refletir suas angústias, suas dúvidas, refletir sobre a condição humana, Ingmar Bergman é um dos maiores realizadores cinematográficos de todos os tempos. Houve uma época, nos idos dos 60 e 70, que o seu nome despertava imensa curiosidade e, por causa dela, formou-se um verdadeiro culto ao diretor, que alguns chamaram de bergmania. Se na primeira fase de sua carreira não conheceu o sucesso nas bilheterias, considerado pelos exibidores um cineasta maldito, a partir dos meados dos anos 60 um mercado se abriu para suas obras. Principalmente na sua “fase psicanalítica” – “Cenas de um Casamento”, “Face a Face”, “Sonata de Outono”… Os filmes de Bergman que mais aprecio, no entanto, exceção se faça a “A Paixão de Ana” (1970), e, também a “O Silêncio”, são aqueles da primeira fase, notadamente “O Sétimo Selo” “Morangos Silvestres”, “A Fonte da Donzela”, “Noites de Circo”, “Mônica e o Desejo”, “Sorrisos de uma Noite de Verão”, “Juventude”, entre outros. No frigir dos ovos, entretanto, posso dizer que admiro a todos os seus filmes.

“O Sétimo Selo”, obra-prima da primeira fase do cineasta, ainda que produzido em 1956, somente em 1976, vinte anos depois de sua realização, foi lançado no Brasil através da distribuidora “Cinema 1” e, aqui na Bahia, apresentado neste mesmo ano no antigo cine Nazaré da Praça Almeida Couto. Já “Morangos silvestres” obteve estréia ainda na segunda metade do decurso dos 50, conseguindo grande impacto e estupefação na época de seu lançamento Alegoria tragicômica em forma de mistério medieval, com um desenvolvimento livre do imaginário da Idade Média, “O sétimo selo” ( “Det sjunde inseglet”) tem sua fábula estruturada na volta de Antonius Blok (Max Von Sydow) à Suécia após dez anos de luta na cruzada e o jogo que estabelece com a Morte num tabuleiro de xadrez. Antonius e seu lacaio Jons (Gunnar Blornstrand) se dirigem, por uma longa jornada, ao castelo onde moram, e, no caminho, contemplam uma terra arrasada pela peste. Este itinerário de Blok, do erro inicial à Verdade final, é conduzido com extrema maestria por Ingmar Bergman, que se utiliza, aqui, do cinema, como um veículo “filosofante” e reflexivo acerca da condição humana. No percurso, Blok e Jons encontram vários personagens, mas apenas um casal de artistas mambembes se constitui num remanso de paz e tranquilidade, longe da mesquinharia e da hipocrisia dos outros. Blok, entretanto, continua o jogo de xadrez com a Morte (impressionante caracterização de Bengt Ekerot), mas esta, de repente, ganha partida. Vencedora, precisa levar consigo todos os personagens, deixando na vida somente o casal de cômicos (Bibi Andersson e Nils Poppe), o único capaz de desfrutá-la de maneira pacífica e feliz.

“O Sétimo Selo”, antes da consagração definitiva que se daria, um ano depois, em “Morangos silvestres”, já coloca Bergman, no panorama internacional, como um dos grandes cineastas do século XX. Trata-se de um filme, a rigor, gnoseológico em que se estuda a origem e a possibilidade do conhecimento por parte do homem. Por autor, os filmes de Bergman se constituem, na verdade, em variações sobre um mesmo tema. Em todos eles, presentes: a incomunicabilidade dos seres, a angústia do estar-no-mundo, a inevitabilidade e o mistério da morte, os tormentos da relação amorosa… “O sétimo selo” volta às raízes do cinema nórdico de Victor Sjostrom e Mauritz Stiller, à floração sueca, quando a natureza tinha uma forte influência no comportamento das personagens. Assim, “Det sjunde inseglet” pertence à série de filmes que Bergman realizou e que possuem um “decór” histórico, ainda que o fato de a ação localizada na Idade Média não tira a esta obra magistral seu caráter contemporâneo. O homem que Bergman estuda é o homem do aqui e do agora.

Veja-se o caso dos dois protagonistas principais, o Cavaleiro e seu lacaio, que formam, a seu modo, um binômio no qual se debate o tema das fontes das possibilidades de conhecimento – não somente o conhecimento de Deus mas de tudo aquilo que escapa à constatação estrita dos sentidos. Elementos de mistérios – a bruxa, a peste, a procissão penitencial.., simbolismos e participações insólitas, como a personagem da Morte, criam, em “O sétimo selo”, um clima tenso ao qual contribuem uma planificação e uma iluminação ( do artista Gunnar Fischer antes de Bergman trabalhar com o iluminador Sven Nykvist) cuidadas com esmero.

Em “O Sétimo Selo”, como a afirmar a condição de autor do cinema moderno, Bergman mostra uma constância temática e estilística, um universo ficcional próprio e um estilo – que faz o artista! – pessoalíssimo. À guisa de um pequeno exemplo, que se veja alguns personagens secundários, os quais, vêem se repetindo nos filmes de Bergman de filme a filme: o casal dos artistas ambulantes (presentes desde Noites de Circo até O Rosto”; a controvérsia estabelecida entre o ferreiro e sua mulher – contraponto e complemento. Nas palavras do ensaista Claude Beylie (no indispensável “As obras-primas do cinema, Martins Fontes): “A mensagem é clara. Continuamos ameaçados pela peste, que se chama, hoje, guerra nuclear, e, diante deste perigo, não há outro recurso além dos corações puros. Bergman opõe ao fanatismo e à intolerância, “O leite da ternura humana”. No entanto, seu filme nada tem de dogmático. Ele joga o jogo da ingenuidade iconográfica, desenvolve livremente o imaginário medieval. Faz-nos pensar em Durer, nas xilogravuras de Hans Beham, na “dança macabra” de Orcagna. A reflexão filosófica é irrigada sem cessar por um onirismo límpido e, até, por traços de humor, notadamente através do personagem do escudeiro.”

André Setaro é crítico de cinema e professor de comunicação da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Dez falsos motivos para não votar na Dilma

Por Jorge Furtado

Tenho alguns amigos que não pretendem votar na Dilma, um ou outro até diz que vai votar no Serra. Espero que sigam sendo meus amigos. Política, como ensina André Comte-Sponville, supõe conflitos: “A política nos reúne nos opondo: ela nos opõe sobre a melhor maneira de nos reunir”.

Leio diariamente o noticiário político e ainda não encontrei bons argumentos para votar no Serra, uma candidatura que cada vez mais assume seu caráter conservador. Serra representa o grupo político que governou o Brasil antes do Lula, com desempenho, sob qualquer critério, muito inferior ao do governo petista, a comparação chega a ser enfadonha, vai lá para o pé da página, quem quiser que leia. (1)

Ouvi alguns argumentos razoáveis para votar em Marina, como incluir a sustentabilidade na agenda do desenvolvimento. Marina foi ministra do Lula por sete anos e parece ser uma boa pessoa, uma batalhadora das causas ambientalistas. Tem, no entanto (na minha opinião) o inconveniente de fazer parte de uma igreja bastante rígida, o que me faz temer sobre a capacidade que teria um eventual governo comandado por ela de avançar em questões fundamentais como os direitos dos homossexuais, a descriminalização do aborto ou as pesquisas envolvendo as células tronco.

Ouço e leio alguns argumentos para não votar em Dilma, argumentos que me parecem inconsistentes, distorcidos, precários ou simplesmente falsos. Passo a analisar os dez mais freqüentes.

1. “Alternância no poder é bom”.

Falso. O sentido da democracia não é a alternância no poder e sim a escolha, pela maioria, da melhor proposta de governo, levando-se em conta o conhecimento que o eleitor tem dos candidatos e seus grupo políticos, o que dizem pretender fazer e, principalmente, o que fizeram quando exerceram o poder. Ninguém pode defender seriamente a idéia de que seria boa a alternância entre a recessão e o desenvolvimento, entre o desemprego e a geração de empregos, entre o arrocho salarial e o aumento do poder aquisitivo da população, entre a distribuição e a concentração da riqueza. Se a alternância no poder fosse um valor em si não precisaria haver eleição e muito menos deveria haver a possibilidade de reeleição.

2. “Não há mais diferença entre direita e esquerda”.

Falso. Esquerda e direita são posições relativas, não absolutas. A esquerda é, desde a sua origem, a posição política que tem por objetivo a diminuição das desigualdades sociais, a distribuição da riqueza, a inserção social dos desfavorecidos. As conquistas necessárias para se atingir estes objetivos mudam com o tempo. Hoje, ser de esquerda significa defender o fortalecimento do estado como garantidor do bem-estar social, regulador do mercado, promotor do desenvolvimento e da distribuição de riqueza, tudo isso numa sociedade democrática com plena liberdade de expressão e ampla defesa das minorias. O complexo (e confuso) sistema político brasileiro exige que os vários partidos se reúnam em coligações que lhes garantam maioria parlamentar, sem a qual o país se torna ingovernável. A candidatura de Dilma tem o apoio de políticos que jamais poderiam ser chamados de “esquerdistas”, como Sarney, Collor ou Renan Calheiros, lideranças regionais que se abrigam principalmente no PMDB, partido de espectro ideológico muito amplo. José Serra tem o apoio majoritário da direita e da extrema-direita reunida no DEM (2), da “direita” do PMDB, além do PTB, PPS e outros pequenos partidos de direita: Roberto Jefferson, Jorge Borhausen, ACM Netto, Orestes Quércia, Heráclito Fortes, Roberto Freire, Demóstenes Torres, Álvaro Dias, Arthur Virgílio, Agripino Maia, Joaquim Roriz, Marconi Pirilo, Ronaldo Caiado, Katia Abreu, André Pucinelli, são todos de direita e todos serristas, isso para não falar no folclórico Índio da Costa, vice de Serra. Comparado com Agripino Maia ou Jorge Borhausen, José Sarney é Che Guevara.

3. “Dilma não é simpática”.

Argumento precário e totalmente subjetivo. Precário porque a simpatia não é, ou não deveria ser, um atributo fundamental para o bom governante. Subjetivo, porque o quesito “simpatia” depende totalmente do gosto do freguês. Na minha opinião, por exemplo, é difícil encontrar alguém na vida pública que seja mais antipático que José Serra, embora ele talvez tenha sido um bom governante de seu estado. Sua arrogância com quem lhe faz críticas, seu destempero e prepotência com jornalistas, especialmente com as mulheres, chega a ser revoltante.

4. “Dilma não tem experiência”.

Argumento inconsistente. Dilma foi secretária de estado, foi ministra de Minas e Energia e da Casa Civil, fez parte do conselho da Petrobras, gerenciou com eficiência os gigantescos investimentos do PAC, dos programas de habitação popular e eletrificação rural. Dilma tem muito mais experiência administrativa, por exemplo, do que tinha o Lula, que só tinha sido parlamentar, nunca tinha administrado um orçamento, e está fazendo um bom governo.

5. “Dilma foi terrorista”.

Argumento em parte falso, em parte distorcido. Falso, porque não há qualquer prova de que Dilma tenha tomado parte de ações “terroristas”. Distorcido, porque é fato que Dilma fez parte de grupos de resistência à ditadura militar, do que deve se orgulhar, e que este grupo praticou ações armadas, o que pode (ou não) ser condenável. José Serra também fez parte de um grupo de resistência à ditadura, a AP (Ação Popular), que também praticou ações armadas, das quais Serra não tomou parte. Muitos jovens que participaram de grupos de resistência à ditadura hoje participam da vida democrática como candidatos. Alguns, como Fernando Gabeira, participaram ativamente de seqüestros, assaltos a banco e ações armadas. A luta daqueles jovens, mesmo que por meios discutíveis, ajudou a restabelecer a democracia no país e deveria ser motivo de orgulho, não de vergonha.

6. “As coisas boas do governo petista começaram no governo tucano”.

Falso. Todo governo herda políticas e programas do governo anterior, políticas que pode manter, transformar, ampliar, reduzir ou encerrar. O governo FHC herdou do governo Itamar o real, o programa dos genéricos, o FAT, o programa de combate a AIDS. Teve o mérito de manter e aperfeiçoá-los, desenvolvê-los, ampliá-los. O governo Lula herdou do governo FHC, por exemplo, vários programas de assistência social. Teve o mérito de unificá-los e ampliá-los, criando o Bolsa Família. De qualquer maneira, os resultados do governo Lula são tão superiores aos do governo FHC que o debate “quem começou o quê” torna-se irrelevante.

7. “Serra vai moralizar a política”.

Argumento inconsistente. Nos oito anos de governo tucano-pefelista – no qual José Serra ocupou papel de destaque, sendo escolhido para suceder FHC – foram inúmeros os casos de corrupção, um deles no próprio Ministério da Saúde, comandado por Serra, o superfaturamento de ambulâncias investigado pela “Operação Sanguessuga”. Se considerarmos o volume de dinheiro público desviado para destinos nebulosos e paraísos fiscais nas privatizações e o auxílio luxuoso aos banqueiros falidos, o governo tucano talvez tenha sido o mais corrupto da história do país. Ao contrário do que aconteceu no governo Lula, a corrupção no governo FHC não foi investigada por nenhuma CPI, todas sepultadas pela maioria parlamentar da coligação PSDB-PFL. O procurador da república ficou conhecido com “engavetador da república”, tal a quantidade de investigações criminais que morreram em suas mãos. O esquema de financiamento eleitoral batizado de “mensalão” foi criado pelo presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo, hoje réu em processo criminal. O governador José Roberto Arruda, do DEM, era o principal candidato ao posto de vice-presidente na chapa de Serra, até ser preso por corrupção no “mensalão do DEM”. Roberto Jefferson, réu confesso do mensalão petista, hoje apóia José Serra. Todos estes fatos, incontestáveis, não indicam que um eventual governo Serra poderia ser mais eficiente no combate à corrupção do que seria um governo Dilma, ao contrário.

8. “O PT apóia as FARC”.

Argumento falso. É fato que, no passado, as FARC ensaiaram uma tentativa de institucionalização e buscaram aproximação com o PT, então na oposição, e também com o governo brasileiro, através de contatos com o líder do governo tucano, Arthur Virgílio. Estes contatos foram rompidos com a radicalização da guerrilha na Colômbia e nunca foram retomados, a não ser nos delírios da imprensa de extrema-direita. A relação entre o governo brasileiro e os governos estabelecidos de vários países deve estar acima de divergências ideológicas, num princípio básico da diplomacia, o da auto-determinação dos povos. Não há notícias, por exemplo, de capitalistas brasileiros que defendam o rompimento das relações com a China, um dos nossos maiores parceiros comerciais, por se tratar de uma ditadura. Ou alguém acha que a China é um país democrático?

9. “O PT censura a imprensa”.

Argumento falso. Em seus oito anos de governo o presidente Lula enfrentou a oposição feroz e constante dos principais veículos da antiga imprensa. Esta oposição foi explicitada pela presidente da Associação Nacional de Jornais (ANJ) que declarou que seus filiados assumiram “a posição oposicionista (sic) deste país”. Não há registro de um único caso de censura à imprensa por parte do governo Lula. O que há, frequentemente, é a queixa dos órgãos de imprensa sobre tentativas da sociedade e do governo, a exemplo do que acontece em todos os países democráticos do mundo, de regulamentar a atividade da mídia.

10. “Os jornais, a televisão e as revistas falam muito mal da Dilma e muito bem do Serra”.

Isso é verdade. E mais um bom motivo para votar nela e não nele.

x

(1) Alguns dados comparativos dos governos FHC e Lula.

Geração de empregos:
FHC/Serra = 780 mil x Lula/Dilma = 12 milhões

Salário mínimo:
FHC/Serra = 64 dólares x Lula/Dilma = 290 dólares

Mobilidade social (brasileiros que deixaram a linha da pobreza):
FHC/Serra = 2 milhões x Lula/Dilma = 27 milhões

Risco Brasil:
FHC/Serra = 2.700 pontos x Lula/Dilma = 200 pontos

Dólar:
FHC/Serra = R$ 3,00 x Lula/Dilma = R$ 1,78

Reservas cambiais:
FHC/Serra = 185 bilhões de dólares negativos x Lula/Dilma = 239 bilhões de dólares positivos.

Relação crédito/PIB:
FHC/Serra = 14% x Lula/Dilma = 34%

Produção de automóveis:
FHC/Serra = queda de 20% x Lula/Dilma = aumento de 30%

Taxa de juros:
FHC/Serra = 27% x Lula/Dilma = 10,75%

(2) Elio Gaspari, na Folha de S.Paulo de 25.07.10:

José Serra começou sua campanha dizendo: “Não aceito o raciocínio do nós contra eles”, e em apenas dois meses viu-se lançado pelo seu colega de chapa numa discussão em torno das ligações do PT com as Farc e o narcotráfico. Caso típico de rabo que abanou o cachorro. O destempero de Indio da Costa tem método. Se Tupã ajudar Serra a vencer a eleição, o DEM volta ao poder. Se prejudicar, ajudando Dilma Rousseff, o PSDB sairá da campanha com a identidade estilhaçada. Já o DEM, que entrou na disputa com o cocar do seu mensalão, sairá brandindo o tacape do conservadorismo feroz que renasceu em diversos países, sobretudo nos Estados Unidos.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!

Um Quiz!

Quem falou o quê? Quem disse algo brilhante, engraçado ou o maior dos disparates? O leitor que acertar mais ganha o livro Satori em Paris, de Jack Kerouac (L&PM), e As Confissões de Lúcio, de Fernando Monteiro (Francis). Coisas boas, é claro. São 20 citações inteligentes ou tolas, lógicas ou destrambelhadas, sobre quaisquer assuntos.

Aviso: a esmagadora maioria delas você não encontrará no Google.

RESPOSTAS PARA [email protected]

1. “Fora tu, G. K. Chesterton! Cristianismo para uso de prestidigitadores, barril de cerveja ao pé do altar, adiposidade da dialética cockney com o horror ao sabão influindo na limpeza dos raciocínios!”
a) Graciliano Ramos
b) Fernando Pessoa
c) Idelber Avelar
d) Arnaldo Jabor

2. “Elegem Clodovil, reelegem Maluf, Collor e Sarney. Depois vão passar quatro anos dizendo que todo político é ladrão.”
a) Élio Gaspari
b) Luiz Carlos Azenha
c) Emir Sader
d) Natal Antonini

3. “O otimista é um mal informado.”
a) De um líder palestino não identificado
b) Hardy, a hiena
c) Millôr Fernandes
d) Olavo de Carvalho

4.”O tempo vai passando e o espaço entre você e o final vai se apertando. O que resta é tentar levar a palavra à festa.”
a) João Gilberto Noll
b) Clarice Lispector
c) Guimarães Rosa
d) Joãosinho Trinta

5. “Morrer é como antes de nascer.”
a) Bertrand Russel
b) Claudia Antonini
c) Werner Herzog
d) Joseph Ratzinger

6. “É mais difícil esquecer os ódios do que os amores ou, de outro modo: é mais fácil detestar o Inter, por ligações directas, no meu cérebro, ao Benfica, do que juntar ao clube que amo – o Porto – outros clubes para amar.”
a) Lobo Antunes
b) Jorge Sequeiros
c) Paulo José Miranda
d) José Saramago

7. “Sempre espero o pior dos seres humanos e raras vezes me decepciono.”
a) Heloísa Helena
b) Machado de Assis
c) Ronaldinho Gaúcho
d) Álvares de Azevedo

8. “A cultura é a sublimação das verdades ontológicas.”
a) Martin Heidegger
b) Carl Gustav Jung
c) Sigmund Freud
d) Anthony Garotinho

9. “I fuck on the first date.”
a) Michel Douglas
b) Mick Jagger
c) Menino obeso americano não identificado
d) Angelina Jolie, sussurrando para uma amiga

10. “Diga que descobriu o Hitler que existe dentro de você e que dedica o flagrante a toda a direiteca brasileira, que sempre teve razão quando xingava a esquerda. Eu tenho que explicar tudo, bagual?!?”
a) José Dirceu a Olívio Dutra
b) Nelson Moraes a Milton Ribeiro
c) José Genoíno a Raul Pont
d) João Goulart a Emílio Médici

11. “Provavelmente, Jesus e Maomé eram esquizofrênicos. Viam e ouviam coisas.”
a) Marcos Nunes
b) Charlles Campos
c) Bernardo Ribeiro
d) Ramiro Conceição

12. “Onde não há prazer não há proveito.”
a) Cicciolina
b) William Shakespeare
c) Fernando Gabeira
d) Daniela Ciccarelli

13. “Eu desconfio de tudo o que sangra por três dias e não morre.”
a) Rafael Galvão
b) O cozinheiro negro de South Park
c) Jece Valadão
d) José Serra

14. “É estranho que, sem ser forçado, alguém saia em busca de trabalho.”
a) Provérbio baiano
b) Garfield
c) William Shakespeare
d) Karl Marx

15. “O Congresso Nacional, com seus integrantes honestos, corruptos, ingênuos ou oportunistas, deverá ser a representação aproximada do país. Nunca fugiremos disto.”
a) Roberto Pompeu de Toledo
b) Reinaldo de Azevedo
c) Jânio de Freitas
d) Eu a escrevi agora

16. “Vou escrever um post sobre o tema E se Jesus tivesse morrido empalado? – Repercussões na Cultura Ocidental.”
a) Flavio Prada
b) Caminhante
c) Diário Ateísta
d) Jesus me chicoteia

17. “Não aprendemos a fazer o que nos dizem; aprendemos a fazer o que nos fazem.”
a) Marcos Ferreira Santos
b) Samantha Gailey
c) Renato Mezan
d) Claudio Costa

18. “Isto não é uma ópera, é uma pornofonia!”
a) Lênin
b) Stalin
c) FHC
d) Jânio Quadros

19. “Se naquele dia alguém olhasse as pessoas na rua através de uma janela, seria difícil não pensar nos primórdios do cinema, quando a cadência excessivamente rápida das imagens mostrava os personagens correndo e gesticulando como marionetes desarticuladas.”
a) J.M. Coetzee
b) William Faulkner
c) Ian McEwan
d) Georges Simenon

20. “Ou eu corro ou eu penso. Os dois não dá.”
a) Claudiomiro, ex-centroavante do Internacional
b) Edu, ex-ponteiro direito do Palmeiras
c) Dario, ex-centroavante do Atlético-MG e do Internacional
d) Nélson Piquet, ex-piloto da Fórmula 1

As respostas serão publicadas terça-feira, ao meio-dia. Vocês têm até lá para gabaritarem.

Gostou deste texto? Então ajude a divulgar!