Cedinho, como os pães

Simplesmente me acostumei a vir trabalhar cedo. É difícil me impedir de pegar minhas coisas e sair de casa às 6h55, enquanto muita gente boa ainda está cheirando seu travesseiro cheio de pensamentos confusos e outros vão ao banheiro com as caras amassadas. Caminho até a parada e o ônibus chega muito rápido ao centro. Para que tanta correria? Às 7h30 já estou no jornal. Acordar cedo tem algum parentesco com pães quentes recém saídos do forno. Na esquina de casa, num dia nublado como hoje, olho a pequena fila iluminada dentro da Padaria Pasquali e passo reto. Nada de pão e muito menos de sentir seu cheiro. Aquilo engorda.

O motorista do ônibus das 7h10 é mesmo um sujeito estressado. Seu colega das 7h40 é muito mais lerdo e adequado. Com o primeiro, dificilmente consigo ler aquelas 15 páginas regulamentares de meu livro. Quando chego ao jornal, começo a ler os outros. Na contracapa de um, leio a palavra “bagaceiro” justo na semana dos cem anos de nascimento de Rubem Braga. Céus, por que não usar “vulgar”? Como editor, na boa, eu mudaria. Há que ser mais fino, mesmo quando se fala em Carlinhos Cachoeira. E por que não usar condenado em vez de corrupto? Uma grosseria já na capa. Abro a internet e vou direto ver como andam as coisas para Hugo Chávez. Tudo na mesma, só que agora os EUA lhe desejaram uma pronta recuperação. Dou uma olhada nos jornais portugueses e as notícias são as mesmas, mas mais objetivas, falam no adiamento da posse e, surpresa!, em tempo de recuperação. De qualquer maneira, parece que já temos o obituário. Tínhamos também o do Niemeyer, escrito por mim. Foi bastante lido, sabe?

Então, vou ao blog de outro Braga, o Monóbio, para ver se ele continua torcendo pela morte de Chávez. Não, seus últimos textos abandonaram Venezuela e Cuba, ele parou de fantasiar sobre a marcha do câncer — cancro, segundo os jornais portugueses — com seus amigos de Miami. Procuro em toda a primeira página do blog do editor pela sequência de caracteres C-h-á-v-e-z y no hay la palabra. A Revolução Bolivariana cansa.  Bem atrás de mim, na redação vazia, sobe uma enorme bolha do garrafão de água. Sorrindo e antes que me demitam, vou fazer café para todos os que chegarem. Afinal, vim trabalhar.

Carlinhos Cachoeira e Andressa Mendonça em lua de mel

Solto por um habeas corpus, Carlinhos Cachoeira foi fotografado neste fim de semana  viajando com a mulher, Andressa Mendonça (centro). O casal curtia a lua de mel na Bahia, hospedado no resort Kiaroa em Taipús de Fora, na praia da Península de Maraú. O empresário foi condenado a 39 anos e 8 meses de prisão por diversos crimes, como corrupção ativa, formação de quadrilha e peculato. Abaixo… não estaria ele pautando a revista Veja pelo telefone?

Emocionante: o pauteiro de Veja casa e beija os pés da noiva

Carlos Cachoeira beija os pés da noiva

Leandro Fortes: Casamento de Cachoeira, Jornalismo à moda de Al Capone

O que é mais incrível não é a Folha de S.Paulo mandar uma repórter “enviada especial” a Goiânia para cobrir o casamento de um mafioso com uma mulher indiciada por chantagear um juiz federal para tirá-lo da prisão, e sequer citar esse fato.

Carlinhos Cachoeira, vocês sabem, tem trânsito livre na imprensa brasileira. Dava ordens na redação da Veja, em Brasília, e sua turma de arapongas abastecia boa parte das demais coirmãs da mídia na capital federal.

Andressa, a noiva, foi indiciada por corrupção ativa pela Polícia Federal por ter tentado chantagear o juiz Alderico Rocha Santos.

Ela ameaçou o juiz, responsável pela condução da Operação Monte Carlo, com a publicação de um dossiê contra ele. O autor do dossiê, segundo a própria? Policarpo Jr., diretor da Veja em Brasília.

Mas nada disso foi sequer perguntado aos pombinhos. Para quê incomodar o casal com essas firulas, depois de um ano tão estressante?

O destaque da notícia foi o mafioso se postar de quatro e beijar os pés da noiva, duas vezes, a pedido dos fotógrafos.

No final, contudo, descobre-se a razão de tanto interesse da mídia neste sinistro matrimônio no seio do crime organizado nacional.

Assim, nos informa a Folha:

“Durante o casamento, o noivo recusou-se a falar sobre munição que afirma ter contra o PT: ‘Nada de política. Hoje, só falo de casamento. De política, só com orientação dos meus advogados’.”

É um gentleman, esse Cachoeira.

Quem pagar R$ 100 mil, leva Andressa Mendonça Cachoeira em prisão domiciliar

Andressa Mendonça foi detida sob suspeita de tentar corromper um juiz.

Há pessoas verdadeiramente profissionais neste mundo!

Para piorar a coisa, o escritório do ex-ministro Márcio Thomaz Bastos…

… decidiu deixar a defesa do marido de Andressa, o ridículo Carlinhos Cachoeira.

Para ser libertada (oh!), Andressa deverá pagar R$ 100 mil de fiança em dinheiro.

Porém, se alguém pagar 34 mil e deixar dois pré-datados de 33 mil cada um, …

poderá levá-la em prisão domiciliar. Olha, gente, eu não tenho essa grana, …

… mas não acredito que faltarão candidatos.

Dizem que um empresário ligado à Abril e à revista Veja,

fará seu lance em dinheiro na Justiça. Aguardem!

Porque hoje é sábado, Andressa Mendonça Cachoeira, a musa da CPI

Eu sou pautado pela idiota

Ela é minha boa conselheira

Ela é consultada

A cada passo que dou

Então, o melhor Milton

Aquele mais consequente

Sempre é uma extensão dela

Sim, ela me pauta

Eu sou ela

Ela me é

Então, meus amigos, por simples analogia

(Pois tiro os outros por mim, como diz Gil em Roda)

Vou-lhes fazer uma revelação da qual este país não se dá conta

Aquele que mandava (ou ainda manda)

Aquele que comprava matérias (é o que sempre pareceu e dizem)

Aquele que fazia a reunião de pauta

No fundo

Era ela, Andressa Mendonça Cachoeira, através dele, o ogro Carlinhos

O que, se não melhora as coisas, deixa-as mais agradáveis

Luzes nela, fotos dela, ensaios dela, portanto. É ela!

E, se tudo acabar em pizza, que seja comida com ela.

Trevas ao meio-dia, editorial da Carta Capital sobre a Veja, por Mino Carta

Encontrado aqui.

Por que a mídia nativa fecha-se em copas diante das relações entre Carlinhos Cachoeira e a revista Veja? O que a induz ao silêncio? O espírito de corpo? Não é o que acontece nos países onde o jornalismo não se confunde com o poder e em vez de servir a este serve ao seu público. Ali os órgãos midiáticos estão atentos aos deslizes deste ou daquele entre seus pares e não hesitam em denunciar a traição aos valores indispensáveis à prática do jornalismo. Trata-se de combater o mal para preservar a saúde de todos. Ou seja, a dignidade da profissão.

O Reino Unido é excelente e atualíssimo exemplo. Estabelecida com absoluta nitidez a diferença entre o sensacionalismo desvairado dos tabloides e o arraigado senso de responsabilidade da mídia tradicional, foi esta que precipitou a CPI habilitada a demolir o castelo britânico de Rupert Murdoch. Isto é, a revelar o comportamento da tropa murdoquiana com o mesmo empenho investigativo reservado à elucidação de qualquer gênero de crime. Não pode haver condão para figuras da laia do magnata midiático australiano e ele está sujeito à expulsão da ilha para o seu bunker nova-iorquino, declarado incapaz de gerir sua empresa.

O Brasil não é o Reino Unido, a gente sabe. A mídia britânica, aberta em leque, representa todas as correntes de pensamento. Aqui, terra dos herdeiros da casa-grande e da senzala, padecemos a presença maciça da mídia do pensamento único. Na hora em que vislumbram a chance, por mais remota, de algum risco, os senhores da casa-grande unem-se na mesma margem, de sorte a manter seu reduto intocado. Nada de mudanças, e que o deus da marcha da família nos abençoe. A corporação é o próprio poder, de sorte a entender liberdade de imprensa como a sua liberdade de divulgar o que bem lhe aprouver. A distorcer, a inventar, a omitir, a mentir. Neste enredo vale acentuar o desempenho da revista Veja. De puríssima marca murdoquiana.

Não que os demais não mandem às favas os princípios mais elementares do jornalismo quando lhes convém. Neste momento, haja vista, omitem a parceria Cachoeira-Policarpo Jr., diretor da sucursal de Veja em Brasília e autor de algumas das mais fantasmagóricas páginas da semanal da Editora Abril, inspiradas e adubadas pelo criminoso, quando não se entregam a alguma pena inspirada à tarefa de tomar-lhe as dores. Veja, entretanto, superou-se em uma série de situações que, em matéria de jornalismo onírico, bateram todos os recordes nacionais e levariam o espelho de Murdoch a murmurar a possibilidade da existência de alguém tão inclinado à mazela quanto ele. E até mais inclinado, quem sabe.

O jornalismo brasileiro sempre serviu à casa-grande, mesmo porque seus donos moravam e moram nela. Roberto Civita, patrão abriliano, é relativamente novo na corporação. Sua editora, fundada pelo pai Victor, nasceu em 1951 e Veja foi lançada em setembro de 1968. De todo modo, a se considerarem suas intermináveis certezas, trata-se de alguém que não se percebe como intruso, e sim como mestre desbravador, divisor de águas, pastor da grei. O sábio que ilumina o caminho. Roberto Civita não se permite dúvidas, mas um companheiro meu na Veja censurada pela ditadura o definia como inventor da lâmpada Skuromatic, aquela que produz a treva ao meio-dia.

Indiscutível é que a Veja tem assumido a dianteira na arte de ignorar princípios. A revista exibe um currículo excepcional neste campo e cabe perguntar qual seria seu momento mais torpe. Talvez aquele em que divulgou uma lista de figurões encabeçada pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, apontados como donos de contas em paraísos fiscais.

Lista fornecida pelo banqueiro Daniel Dantas, especialista no assunto, conforme informação divulgada pela própria Veja. O orelhudo logo desmentiu a revista, a qual, em revide, relatou seus contatos com DD, sem deixar de declinar-lhes hora e local. A questão, como era previsível, dissolveu-se no ar do trópico. Miúda observação: Dantas conta entre seus advogados, ou contou, com Luiz Eduardo Greenhalgh e Márcio Thomaz Bastos, e este é agora defensor de Cachoeira. É o caso de dizer que nenhuma bala seria perdida?

Sim, sim, mesmo os mais eminentes criminosos merecem defesa em juízo, assim como se admite que jornalistas conversem com contraventores. Tudo depende do uso das informações recebidas. Inaceitável é o conluio. A societas sceleris. A bandidagem em comum.

Capa da revista: