As Olimpíadas de Pequim, seus narradores e circunstâncias

De quatro em quatro anos, temos a chateação olímpica. Hoje pela manhã, já tivemos Galvão Bueno substituindo o jornal matinal, que já não é grande coisa, mas é mais variado. Galvão, normalmente desinformado a respeito de tudo o que não seja Fórmula 1 (*), narrava o jogo de futebol feminino entre Brasil e Alemanha, que acabou em 0 x 0. Uma droga. Francamente, é um período frustrante para o consumidor de esportes. Aquele monte de modalidades, cada uma exigindo conhecimentos que nossa imprensa não domina e nem procura aprender é das coisas mais lastimáveis, apesar da comicidade involuntária que às vezes surge. O lutador cai, o locutor grita “ippon!” ou qualquer palavra que saúde o homem que permaneceu em pé, mas o juiz dá a vitória para quem está no chão… Uma desgraça. O judô e uma série de esportes são coisas para especialistas, não podem ser descritos por neófitos. Outro fato desagradabilíssimo é a oferta nauseante de esportes inteiramente diferentes entre si. A gente está vendo as eliminatórias dos 800 m rasos e a TV corta para apresentar a sensacional final do pólo aquático, onde só se vêem os jogadores do peito para cima… Uma beleza. Mas o ápice visual é o tiro ao alvo, esporte especialmente televiso, onde não se vê absolutamente nada dinamicamente, só se ouve um estampido e vê-se um furo num pedaço de papel. Ou não.

Como se não bastasse, esta Olimpíada traz junto de si a questão da falta de liberdade na China, porém, como os EUA e todo o mundo gostam do comércio com a China não se falará muito em Direitos Humanos. Já sobre o Tibete… Ai, que saco! O mundo parece subitamente obstinado em recriar um país teocrático. O Ocidente vê o Tibete como uma maravilha localizada no telhado do mundo — quase saindo para fora –, que seria governado por monges bonzinhos, não fosse o malvado governo da China. OK, sou sensível àquilo que tem relação à identidade cultural de um povo, mas só há problemas no idílico Tibete da China? E alguém acredita mesmo no Nirvana representado por uma sociedade dedicada à paz e à sabedoria mesmo que a história do Tibete só nos mostre matanças, Dalais Lamas apoiados pelo exército chinês e um feudalismo recente apoiado em milhares de servos e escravos? Sim, escravos! Sim, uma teocracia brutal. No Tibete dos anos 50, o escravo que roubasse uma ovelha receberia a punição de ter seus olhos vazados e uma das mãos mutiladas… Sim, os Dalais Lamas são bons e nos mostram uma filosofia de vida super, só que do ponto de vista medieval.

A vereadora e candidata à prefeitura de São Paulo Soninha Francine (PPS-SP), a Soninha da MTV, da ESPN e da Folha, é budista e já escreveu sobre o Tibete, depois de ver o filme de Annaud. É impossível discutir com quem só vê pureza, elevação e altos conhecimentos — de auto-ajuda? — nos Dalais Lamas. É óbvio que lá ocorreu um genocídio e que hoje a China tenta destruir a cultura do país à fórceps, o que não entendo é esta mania de Tibete. Por que não a Chechênia ou o Leste do Congo? E os palestinos que foram retirados de suas terras por um inimigo que exibe-se como vítima, que é mais popular no Ocidente e que chama de anti-semita quem fique indignado com as mortes palestinas? Bem…

Voltemos à chateação do evento multi-hiper-esportivo. OK, um homem vai lá e dá dez tiros na mosca. Aplausos e medalha de ouro para o homem de boa mira. Observemos o vôlei e comparemo-lo com o homem dos tiros. No vôlei, são disputados muitos jogos que envolvem um sexteto e mais seus reservas. Há fases classificatórias, pontos decisivos, um estresse espetacular e, no final, a equipe de verde a amarelo ganha o torneio. Aplausos e uma medalha no quadro geral. Uma medalha? A mesma do homem de boa mira que nem suou muito para acertar seus tirinhos de brinquedo? Sim. Eu, se fosse do Comitê Olímpico Brasileiro, daria um monte de dinheiro para o boxe. Sim, o boxe tem categorias aos montes, distribui um monte de medalhas e como a violência tem sido uma especialidade de algum destaque em nosso país, esta poderia ser direcionada para algo mais sistemático. Já pensaram quantas medalhas viriam? Outra providência seria criar e treinar algumas equipes de badminton. A gente poderia destinar o Acre, o Piauí e Tocantins como pólos do badminton nacional. Rio Branco, Teresina e Palmas viveriam o esporte e, de quatro em quatro anos, seriam manchete nacional. (Ora, se é para escrever bobagens preconceituosas, também sei!).

Então não falemos mais em Olimpíadas como um todo, tá? Falemos talvez de forma individual em alguns torneios interessantes, como vôlei, futebol, tênis e… esgrima? E esqueçam essa coisa de boicote. Só aceito boicote se derem uma paulada na China, outra em Israel, outra na Rússia, etc. OK?

Fazendo uma análise dos atletas da competição, achei interessante esta brasileira:


É a Jaqueline Carvalho, do volei. Ah, e a Ana Ivanovic estará presente!

(*) Está todo mundo tirando o maior sarro da minha cara porque eu pensava que o Galvão entendia muito de F1. Na verdade, eu é que não entendo patavina do dito esporte e fui enganado pelo homem do “Bem, amigos”. Peço desculpas pela ignorância crassa.

Lula em Bagé

Depois de tirar foto com poncho e boina e ainda empolgado com aquele comovente discurso em que nos informou, pela primeira vez, que tem vergonha na cara, o presidente Lula foi tomar um cafezinho num bar da sete de setembro, a principal rua de Bagé.

Lá defrontou-se com um gauchão, já meio mamado, que puxou assunto:

— E aí, presidente, dizem que em Brasília a situação tá mais quente que frigideira sem cabo.
— O Corinthians ganhou do…
— Mas o povo, aqui em Bagé, anda mais sobressaltado que cozinheiro de hospício.
— Fique calmo. Com o companheiro Meirelles no Banco Central, não tem crise.
— Presidente, eu sei que cusco não se mete em briga de cachorro grande, mas é verdade que o senhor cortou mesmo o mensalão?
— A minha assessoria já emitiu nota oficial sobre esse assunto.
— O Roberto Jefferson disse que os deputados ficaram de boca aberta, como burro que comeu urtiga.
— Isso de mensalão não existe neste país.
— Bah, mas o Roberto Jefferson sabe das coisas! Ele é mais informado que gerente de funerária.
— Se alguém errou, tem que pagar.
— Presidente, me desculpe, eu sou mais grosso que papel de enrolar prego, mas o que o senhor fez não tem sentido. Os pobres deputados já estavam acostumados com a mesadinha. Ficaram mais atazanados que galinha agarrada pelo rabo.
— Eu estou tranqüilo! Neste país ninguém é mais ético do que eu! Está ouvindo?
— Calma, presidente! O senhor me parece mais nervoso do que potro com mosca no ouvido.
– Me respeite! Tenho um diploma do Senai que vale mais do que muito doutorado.
— Concordo. Meu irmão, que se formou na faculdade, é mais chato que chinelo de gordo. Mas, voltando à vaca fria, me diga: porque o Zé Dirceu anda mais ansioso que anão em comício?
— O companheiro Zé Dirceu está recolhido, preparando sua defesa.
— O José Dirceu vivia alegre, dando ordem pra todo mundo, mas agora anda mais nervoso que velha em canoa. Não fala mais com a imprensa. Está mais calado que guri que se borrou nas bombachas.
— Fique sabendo que, doa a quem doer, eu vou cortar na minha própria…
— E o Delúbio na CPI? Estava mais escorregadio que telefone de açougueiro. É um bicho matreiro. Se fez de leitão pra mamar deitado. Simpatizei com ele, mas aquele goiano é mais falso que idade de mulher.
— Enquanto não surgirem provas, o companheiro Delúbio Soares é inocente.
— E aquele tal de Sílvio Pereira? Falava mais rápido que enterro de bexiguento. Não entendi nada do que ele disse. Ou não disse.
— No momento oportuno, no fórum adequado, os companheiros apresentarão suas defesas.
— E o carequinha? O tal de Marcos Valério de Souza parecia mais assustado que barata atravessando galinheiro. Acho que ele estava com medo de sair de lá preso.
— O PT é o PT e o governo é o governo…
— Os jornais estão dizendo que, nos dias de pagamento, no Banco Rural, se juntavam por lá mais assessores do que corvos em carniça de vaca atolada.
— Isso é maldade dos tucanos. FH tem inveja do meu maravilhoso governo.
— Pode ser. Fernando Henrique é mais manhoso do que gato que quer pegar passarinho. Ele disse que, no que se refere a tocar o governo, o senhor é mais vagaroso do que tropeiro de lesma.
— Vamos mudar de assunto. FH me deixa irritado.
— Está bem. Dizem que o senhor ficou muito amigo do Severino. Que andam juntos pra todo lado, mais grudados que cocô em tamanco de leiteiro. É verdade?
— O companheiro Severino merece o maior respeito. É nordestino e pobre como eu.
— Estou sabendo, mas tome cuidado! O Severino é mais esperto que cavalo de contrabandista. Dizem que ele é mais ligado do que rádio de preso.
— Será que o companheiro gauchão poderia me deixar em paz?
— Mas, bah, é claro. Sei que o senhor anda sofrendo mais que joelho de freira em Semana Santa. Me desculpe, mas eu gosto de espichar assunto. Minhas conversas são mais compridas que trova de gago. Mas eu não resisti: o senhor é um homem mais conhecido do que parteira de campanha e aí, eu…
— Me dê licença. Agora, vou pegar o Aerolula. Estou em cima da hora.
— Sei como é. Todo político é apressado que nem cavalo de carteiro.
— Fui!

Texto de Lourenço Cazarré, jornalista e escritor gaúcho.

Obs.: Agradeço ao Milton Saad por ter enviado este texto e aproveito para dizer que ele tem pé mais frio do que china fazendo ponto no inverno. Explico: ontem, ele, colorado como eu, foi assistir Inter 0 x 1 Santos com a minha carteira de sócio e viu que Robinho é mais liso que Delúbio em CPI.

Um Fígado para Roberto Bolaño (Final)

Os livros modernos que mais amamos nascem da confluência e do choque de uma multiplicidade de métodos interpretativos, maneiras de pensar e de estilos de expressão. Ainda que o desenho geral tenha sido cuidadosamente planejado, o que conta não é a construção de uma figura harmoniosa, mas a força centrífuga que libera, a pluralidade de linguagens como garantia de uma verdade imparcial.

ITALO CALVINO, Seis propostas para o próximo milênio

Roberto Bolaño é fácil de ler. Sua prosa é fluida e bem humorada até quando descreve o bizarro, a desgraça e o patético. Só que esta opção pela clareza parece ser um artifício para nos colocar problemas abismais e demonstrar uma realidade dividida e ramificada de tal maneira que precisei recorrer a esquemas gráficos para entender quem conhecia quem e o que quando li Os Detetives Selvagens. Mas a tentativa não melhorou minha leitura e desisti. É estranho como a orelha da edição da Companhia das Letras involuntariamente diminui a obra. Dizer que o livro é sobre a procura de dois poetas, Arturo Belano e Ulises Lima, por uma terceira, a misteriosa Cesárea Tinajero, é o mesmo que dizer que Os Irmãos Karamázovi discute apenas quem, afinal de contas, teria matado o velho Fiódor…

Os Detetives Selvagens tem 3 partes. A primeira, de mais ou menos cem páginas, uma longa segunda parte de 500 páginas e uma terceira, um epílogo curto. Apesar da esplêndida introdução, o que interessa está na segunda parte: esta é formada de textos escritos na primeira pessoa do singular. São mais de 50 narradores que se alternam para contar a história dos personagens e outros fatos que aparentemente não tem muito a ver. Eles são extremamente envolventes, apesar de quase sempre finalizarem de forma abrupta, como um Tchékhov enlouquecido que resolvesse retirar não um, mas os dois ou três últimos parágrafos. A gente fica… com vontade de ler o próximo, que é, normalmente, sobre outro assunto envolvente e que novamente nos deixará na mão. É claro que nos acostumamos e acabamos por achar divertido o autor que nos tira o pão da boca. Só que o efeito geral da obra é devastador. Quando você se afasta do livro, acaba descobrindo que as narrativas complementares estão se afastando do plot, ao invés de formar um todo tranqüilizador. O romance é minuciosamente descontrolado por um homem de visão nada indulgente para com toda aquela turba. O resultado de toda a alegria de viver demonstrada é o desencanto e é mais, é o horror do vazio.

Tudo é parcial e tem múltiplas significações no mundo falsamente simples de Roberto Bolaño. Para referenciar o vazio, Bolaño recorre, como me ensinou a Meg, à hipérbole, ou seja, a intensificar a vida de forma inconcebível, de forma a negá-la. Explicando melhor, Bolaño escreve infinitamente suas belas histórias sem origem nem fim, preenchendo infinitamente todos os espaços ficcionais com sua prosa agradável e de inícios e finais abruptos, conseguindo, com isso, negar seu preenchimento, mostrando o inconsolável vazio de seus inteligentes e simpáticos personagens. De que outra forma apreenderíamos o vazio senão valendo-se da hipérbole? Mais: Bolaño utiliza-se brilhantemente de repetições, só que elas são normalmente imprecisas, diferentes, perturbadoras.

Não estou com o livro a meu lado, mas creio que a única história onde o horror é descrito de forma direta é uma das mais belas que já li: o episódio de Auxilio Lacouture. Trata-se do seguinte: quando a Universidade Autônoma do México foi invadida pelo exército em setembro de 1968, Auxilio decidiu permanecer no banheiro, onde já estava, resguardando o último reduto de autonomia universitária. Ela lê um volume de poesias, e às vezes observa e ouve os militares que cuidam para que ninguém entre na Universidade. Permanece ali por vários dias (não lembro quantos), em plena resistência e com “uma certeza meio vaga” de que ia morrer. Não morreu, tornando-se uma heroína aos olhos de alguns amigos, enquanto outros duvidavem da história. (Depois, a uruguaia Auxilio transformou-se em protagonista do romance Amuleto (1999), mas este é outro assunto).

Mas por que, céus, escrevi quatro posts sobre Bolaño? Porque acredito que seu projeto literário seja realmente importante e pode ter continuidade sob a mesma ou outras formas; porque acho que os jovens que o lêem com tanta dedicação têm razão; porque acho que Bolaño é um escritor que finalmente escreve para o futuro e não repisa experiências gastas; porque tenho certeza que ele desejava ser popular e lido; porque ele foi um vanguardista que se preocupava em não ser um serial killer de leitores e porque ele era humano o suficiente para dizer que escrever era…

Correr por el borde del precipicio: a un lado al abismo sin fondo y al otro lado las caras que uno quiere, y los libros, y los amigos, y la comida.

ROBERTO BOLAÑO – Discurso quando do recebimento do Prêmio Rómulo Gallegos

Obs.: As citações de Calvino e Bolaño constantes neste post foram retiradas deste trabalho de Rafael Gutiérrez Giraldo.

Um Fígado para Roberto Bolaño (III)

Em 2004, achei que era brincadeira quando li que um certo chileno chamado Roberto Bolaño morrera em julho do ano anterior, aos 50 anos, em Barcelona. Até aí, tudo bem, as pessoas morrem jovens e é uma injustiça mesmo; mas é que vários jornais e revistas lamentaram o desaparecimento de um dos três principais autores contemporâneos da América Latina. Os outros eram García Márquez e Vargas Llosa. Roberto Bolaño? Quem é, ops, quem era? Esqueci do assunto até que a Companhia das Letras anunciou o lançamento de Noturno do Chile. Comprei-o logo. Resultado: engoli o livro num final de semana e, penso agora, que Susan Sontag não estava brincando quando disse que Noturno do Chile é o que há de melhor e de mais precioso.

A seguir, deixo para vocês duas críticas sobre o livro. Volto nos primeiros minutos de amanhã para comentar Os Detetives Selvagens, livro que li no final do ano passado e que não me sai da cabeça. Ah, a primeira crítica é de Adelto Gonçalves e saiu na Gazeta Mercantil:

São Paulo, 27 de Novembro de 2004 – A morte do escritor chileno Roberto Bolaño em 2003, por insuficiência hepática, aos 50 anos de idade, em Barcelona, interrompeu prematuramente uma carreira literária que já o colocara entre os maiores autores da literatura de um país que já teve dois ganhadores do Prêmio Nobel – os poetas Pablo Neruda (1904-1973) e Gabriela Mistral (1889-1957).

Quem duvida que leia “Noturno do Chile” (Nocturno de Chile), que acaba de ganhar tradução em português de Eduardo Brandão pela Companhia das Letras, de São Paulo, um apaixonante monólogo interior de um padre crítico literário às vésperas da morte. Embora não se deva confundir a persona com o seu autor, é impossível deixar de ver no religioso Sebastián Urrutia Lacroix um alter ego e, no texto, um acerto de contas do escritor com o seu passado.

Bolaño estava em plena atividade literária: em 2001, havia publicado o livro de contos “Putas asesinas” (Barcelona, Alfaguara) e era autor de “La pista de Hielo”, “Llamadas telefónicas” e do romance “Los detectives salvajes” (1998), com o qual obteve o Prêmio Rómulo Gallegos. Mas a notoriedade, ele havia obtido mesmo com o livro “La literatura nazi en América” (1996). Bem, a rigor, isto é o que se informa na edição brasileira, o que leva o leitor que não conhece Bolaño a imaginá-lo um autor de poucos títulos.

Não é. Ainda em 2002, Bolaño lançou o romance “Amberes” (Barcelona, Anagrama) e “Una novelita lumpen” (Barcelona, Mondadori), breve romance que conta a história de uma jovem que, a partir da morte dos pais num acidente automobilístico, converte-se na “mãe” do irmão menor, reorganizando o sentido de sua existência – aparentemente, também um romance de formação, pois, claro está, é inspirado na vida atribulada de um chileno desarraigado por força da situação política em seu país.

Em 2000, Bolaño publicou pela editora “El Acantilado”, de Barcelona, o livro híbrido “Tres”, que está dividido em três partes: “Prosa del otoño en Gerona”, “Los neochilenos” e “Un paseo por la literatura”. A primeira e a segunda partes estão em prosa e a terceira, em verso, um poema narrativo que inclui personagens, diálogo e histórias que contam uma viagem ao Norte do Chile, Peru e Equador por um grupo musical de jovens na faixa dos vinte anos e de seu cantor, o mais maduro deles. O poema emprega endecassílabos, octassílabos e heptassíbalos, deixando entrever que foi escrito para ser falado em voz alta.

De 2000 ainda é a segunda edição do romance “Estrela distante” (Barcelona, Anagrama), que ganhou tradução francesa em 2002 (Étoile distante). Seu tema é inspirado no último segmento de “La literatura nazi en América” (“Ramírez Hoffman el infame”) e recupera os anos de 1968 e de 1973 no Chile, especialmente em relação a sua literatura e seus poetas.

Depois de ter saído do Chile com a família para o México em 1968, Bolaño retornou em 1973, entusiasmado com os rumos do país sob o governo socialista de Salvador Allende, mas, depois do golpe militar comandado pelo general Augusto Pinochet, ficou detido.

Libertado por um amigo de infância, seguiu para o exílio e, depois de uma passagem por El Salvador, radicou-se na Cidade do México, onde criou o grupo de vanguarda Infra-Realismo e passou a publicar poemas. A partir de 1977, estabeleceu-se na Espanha e lá permaneceu até o fim, pois retornar ao Chile ao tempo de Pinochet equivalia a uma condenação à morte.

Noturno do Chile é um romance que, publicado na Espanha em 2000, ganhou tradução em 2002 na Inglaterra e nos Estados Unidos e em 2003 na Itália. Escrito em linguagem que contagia o leitor desde o início, não tem divisões nem segmentações.São 118 páginas com apenas dois parágrafos – aliás, o segundo, inspirado em Norman Mailer, diz apenas o seguinte: “E depois se desencadeia a tormenta de merda”.

O narrador, testemunha do tempo que precede o assalto ao poder pelo general Pinochet e seus sequazes, repassa a sua vida num monólogo febril, reconstruindo na memória dois momentos especiais da vida chilena – antes e depois do golpe. Lacroix é um religioso ainda aferrado aos dogmas da Igreja, que não dispensa a sua batina surrada, usando-a como se fosse uma bandeira.

Jovem talentoso, entra para a elite das letras chilenas pelas mãos de Farewell, o crítico literário mais respeitado do país e também proprietário rural. Vários escritores chilenos – e alguns estrangeiros – são citados com seus nomes completos ou sob pseudônimos. Críticos importantes do jornalismo chileno da segunda metade do século XX também surgem disfarçados como Alone e Nicasio Ibacache, personagens que apareceram pela primeira vez em “Estrella distante”.

Há ainda uma alegoria anagramática em dois personagens – Odeim e Oidó (medo e ódio em espanhol escritos de trás para a frente) -, empresários de comércio internacional que convidam o padre para fazer um trabalho na Europa: visitar igrejas de referência em matéria de soluções antidesgaste, estudar as técnicas de conservação, cotejar os distintos sistemas e escrever um relatório.

De volta da Europa, Lacroix encontra o país convulsionado pela crise do governo de Salvador Allende, pressionado pela conjuntura financeira internacional e pela burguesia assustada com suas promessas socialistas. O religioso, porém, passa a ignorar o que corre pelas ruas, fechando-se em casa para ler freneticamente autores gregos. Depois do golpe, curiosamente, é contratado pelos novos donos do poder para dar aulas de marxismo a ninguém menos que o general Pinochet e seus companheiros de junta militar.

Com um ponto de vista ético irônico e malévolo, o memorialista recorda uma festa entre intelectuais ao tempo da ditadura Pinochet num casarão localizado nos confins de Santiago, de propriedade de uma ricaça candidata a escritora, Maria Canales, casada com um norte-americano, Jimmy Thompson.

Lá pelas tantas, um teórico da cena de vanguarda, um tanto bêbado em busca de um sanitário, descobre no porão da casa um homem amarrado numa cama metálica, de olhos vendados, ainda vivo, a respirar com dificuldades, cheio de feridas, “supurações, como eczemas, mas não eram eczemas, as partes maltratadas de sua anatomia, como se tivesse mais de um osso quebrado”. Soube-se, depois, quando chegou a democracia, que Thompson havia sido um dos principais agentes da Dina, a sanguinária polícia política de Pinochet, e que usava a sua casa como centro de interrogatórios e torturas.

Com a descrição de casa dos horrores, o memorialista compõe a metáfora do Chile que lhe coube viver, um país hoje organizado economicamente, às portas do seleto clube do Primeiro Mundo, mas que, pela insânia de seus generais e das elites nacionais e estrangeiras que os financiaram, teve de descer ao inferno e viver um pesadelo que haverá de perturbar o sono de todos os chilenos por várias gerações.

Ao reconstituir a vida social e literária do Chile da segunda metade do século XX, às vezes, de maneira sedutora e, outras, de modo corrosivo, Bolaño não faz só mais uma denúncia política da tragédia latino-americana de nossos dias, mas revolve o esterco de que é feita a espécie humana.

A segunda é de Francisco Foot Hardman e foi publicada na Folha de São Paulo:

São 110 páginas num só fôlego, por isso mesmo num só parágrafo. Imagine que você está mal, não lhe resta muito tempo, e agora mesmo deva passar em revista todos os acontecimentos de sua desafortunada existência, você que foi poeta e crítico literário de ponta, que serviu à inteligência do país como poucos de sua geração. Imagine-se no lugar deste protagonista agônico, padre Lacroix. Sua memória confunde-se com a da história do país, “entre um descampado e um crepúsculo interminável”. Não há mais testemunha do seu solilóquio: há apenas este fantasma renitente do “jovem envelhecido” que lhe perturba as imagens, afeta o juízo. “Noturno do Chile” pode ser lido como uma elegia para um país impossível, para uma pátria literária que é só pesadelo e contra-senso.

É possível falar de “literatura chilena” após Pinochet?, parece-nos indagar Roberto Bolaño, atualizando os termos de Adorno, mas desviando o discurso da metalinguagem filosofante, da novela-ensaio, em prol de uma ficção que corrói todas as ilusões de estéticas redentoras ou de romances da denúncia catártica. Ficção do real arruinado pela contra-revolução na América Latina, definida pelo autor em conto recente como “o manicômio da Europa”. Ao que acrescenta: “O manicômio, há mais de 60 anos, está queimando em seu próprio azeite, em sua própria gordura”. Literatura “visceral-realista”, como costumou-se chamar, no mundo hispano-americano, a corrente de poetas e escritores exilados, entre os quais Bolaño, que se formou no México, em meados dos anos 70. Denominação adequada porque a aspereza dessa prosa torrencial incorpora-se às sensações corporais mais primárias.

A violência é internalizada em imagens rápidas e ríspidas, tragicômicas, absurdamente triviais em sua cotidianidade, que, num repente, irrompem como um soco no estômago capaz de quebrar nossos automatismos perceptivos, mas sem nunca transpor o limiar de suas terríveis cadeias, de seus equívocos sinistros.

Se “Noturno” consegue enfrentar o duro dilema da ficção pós-desastre no Chile, “Estrella Distante” (1996) tinha sido o romance inaugural dessa linhagem, trazendo para a primeira cena os efeitos da repressão genocida sobre toda uma geração, não como prática social ou política, mas como experiência mental e corpórea imediata. Já nos ótimos contos de “Putas Asesinas” (2001), saídos um ano depois de “Noturno”, a marca que perpassa é a da memória deslocada pelo exílio, “o calor de uma certa desmedida”, que é o vagar sem rumo dessas escrituras de proscritos.

Tendo vivido metade de sua vida na região de Barcelona (Roberto Bolaño morreu no ano passado, com 50 anos, e lá viveu desde 1978), é “visceral” mesmo sua desconfiança com respeito à instituição literária, sobretudo no que diz respeito à construção de mitologias e martirológios nacionais. O vigor incisivo de sua prosa espiralada não redime nenhuma das ilusões de uma nacionalidade fundadora, seja antes, durante ou pós-era Pinochet.

Em “Noturno”, a narrativa investe contra o mundo dos artistas (a personagem María Canales é casada com um agente norte-americano da Dina, o temível órgão de repressão e tortura), críticos (na figura de Farewell, autoridade absoluta do mundo literário chileno, cujo declínio já se insinua no nome) e poetas (desconstruir o mito Pablo Neruda é um dos esportes favoritos dos narradores de Bolaño).

Também a Igreja Católica não passa incólume, nessa presença em muitos lances patética do padre Lacroix, membro da Opus Dei: contratado por dois comerciantes obscuros (os senhores Odem e Oidó, anagramas respectivos de medo e ódio, detalhe muito bem apanhado pelo tradutor brasileiro, Eduardo Brandão), ele oferece aulas introdutórias e clandestinas de marxismo à junta militar golpista, apoiado, entre outros textos, no manual de materialismo histórico da chilena Marta Harnecker, hit das esquerdas latino-americanas dos anos 60 e 70.

Mas “Noturno do Chile” não é libelo, nem pote amargo. Se a paisagem é a da noite elegíaca de uma barbárie que ultrapassou os portais do absurdo, e a atmosfera ronda sempre o pesadelo, sobra entretanto humor, imaginação, erudição literária e um lirismo que se espraia em detalhes só acessíveis a um escritor que começou a escrever, viveu e morreu como poeta, no epicentro de terremotos que solaparam as utopias de sua geração. Cujos rostos talvez se pareçam com o desse “jovem envelhecido”, “fantasma”, ternamente admissível, contudo, se não pretendermos continuar o vôo cego.

(o final será publicado nos primeiros minutos de amanhã, sexta-feira)

Um Fígado para Roberto Bolaño (II)

E então, após sua morte, os livros de Bolaño começaram a vender cada vez mais. Há muito Bolaño nos blogs de língua espanhola e <em>Os Detetives Selvagens</em> e <em>Estrella Distante</em> são os preferidos de meus colegas. Alguns deles traçam linhas de continuidade e conexões entre <em>Os Detetives</em> e <em>O Jogo da Amarelinha</em> de Julio Cortázar ou <em>Adán Buenosayres</em> de Leopoldo Marechal. Falam não apenas das qualidades literárias de Bolaño, mas de suas obsessões como a eterna busca de personagens perdidas, amores e cidades. Li <em>Os Detetives Selvagens</em> na virada deste ano, mas como minha leitura d`<em>O Jogo</em> data de mais de 30 anos, não consigo estabelecer tais conexões, apesar de não ignorar que qualquer livro que contenha 50 ou mais narradores deva alguma coisa à Cortázar…

Santificado hoje e diabólico ontem, Bolaño se comprazia em fustigar seus inimigos literários. Ele os depreciava de frente, não obedecendo aos habituais salamaleques. Sobre Isabel Allende disparou: “Digo calmamente que Allende é má escritora. Para qualificá-la como escritora, uso de certa indulgência, pois nem isso ela é”. Isabel respondeu: “Dei uma olhada a dois de seus livros e eles me entediaram profundamente”. Até aí, tudo normal. A novidade é que, quando Bolaño morreu, Allende seguiu firme: “Não o lamento. É uma pessoa que nunca disse nada de bom a respeito de alguém. O fato de estar morto não o faz melhor. Era um senhor bem desagradável”. Isabel Allende foi bastante exagerada ao escrever que seu conterrâneo nunca disse nada de bom sobre alguém.

“Skármeta é um personagem televisivo. Sou incapaz de ler qualquer um de seus livros. Sua prosa me vira o estômago”, torpedeou Bolaño. O colombiano Fernando Vallejo respondeu pelo colega afirmando que a prosa de Bolaño é demasiadamente simples, plana, elementar, do tipo “Eu, Tarzan; tu, Jane”.

Bolaño teve problemas também com Diamela Eltit. Eu, Milton, os acho tremendamente cômicos… Ela o convidou para um jantar em sua casa. OK. Só que depois, ele publicou uma impiedosa crítica a um livro de sua anfitriã e aproveitou para também fazer referências à péssima gastronomia oferecida pela autora, dando detalhes. “Este é um tema sobre que prefiro não tocar. O que se passou foi algo absurdo e hipertrofiado. Bolaño morreu e eu prefiro não dizer nada a respeito”.

Bolaño deu também tiros que alcançaram o Brasil, atingindo Nélida Piñon e Paulo Coelho…

<em>Hace poco, Nélida Piñon, celebrada novelista brasileña y </em>serial killer<em> de lectores, dijo que Paulo Coelho, una especie de Barbusse e Anatole France en versión telenovela de brujos cariocas, debía ingresar en la Academia brasileña, puesto que había llevado el idioma brasileño a todos los rincones del mundo. Como si el “idioma brasileño” fuera una ciencia infusa, capaz de soportar </em>(sobreviver a)<em> cualquier traducción, o como si los sufridos lectores del metro de Tokio supieran portugués. Además, ¿qué es eso de “idioma brasileño”? Idea tan desmesurada como si habláramos del idioma canadiense o australiano o boliviano.</em>

Javier Cercas, autor de <em>Soldados de Salamina</em>, romance onde Bolaño é personagem, sustenta que há dois tipos de lendas em torno de Bolaño. Uma que foi construída pelos leitores e fãs e outra criada pelo próprio autor, voluntária e involuntariamente. Diz Cercas que ambas não se ajustam à realidade, mas que a de Bolaño é, em certo sentido, “mais real que a realidade” e que a outra é uma quase mentira ou uma mentira com elementos de verdade. O escritor espanhol enumera fatos em favor de uma construção mítica em torno de seu amigo: morreu jovem; morreu no melhor momento de sua carreira; morreu e foi recebido pela de braços abertos pela tendência que os meios literários possuem de falar bem dos mortos (com fartas cotas de hipocrisia — exceto Allende, claro). “A história da literatura está cheia de exemplos de canonização após uma morte prematura. Mas o que acho assombroso é que o mesmo homem que escreveu <em>A Pista de Gelo</em>, escreveria 3 anos depois <em>Estrella Distante</em> e seis anos depois <em>Os Detetives Selvagens</em>. É estupefaciente que, entre 1996 e 2003, ano de sua morte, ele tenha evoluído e escrito tanto!”.

Eu me pergunto se Bolaño sobreviverá a isto. Hoje, a única pergunta que cabe é se Bolaño é genial ou extraordinário. A última entrevista concedida por Bolaño foi para Mônica Maristain, da Playboy mexicana; ela perguntou: “O que você diz daqueles que pensam que <em>Os Detetives Selvagens</em> é o melhor romance mexicano de todos os tempos?”. Ele respondeu: “Dizem isto de pena. Me vêem decaído e desmaiando em praça pública e não lhes ocorre nada melhor do que uma mentira piedosa, que é o mais indicado nesses casos. Não é pecado fazer isso”.

Graças a boa relação existente entre o editor Jorge Herralde (Anagrama) e a família de Bolaño, chegaram às livrarias em 2007 textos que formaram mais dois livros: <em>El Secreto Del Mal</em> e <em>La Universidad Desconocida</em>. Também chegou um livro de poemas: <em>Los Perros Românticos</em>. Jorge Herralde foi amigo, editor e promotor da obra de Bolaño. E hoje é mais: é quem garante a subsistência de sua mulher e filhas, cuidando para que os direitos autorais cheguem a elas. Cumpre o que prometeu ao escritor antes de sua morte. Foi e é, repito, um amigo.

<em>(continua amanhã com comentários sobre obras de Roberto Bolaño)</em>

<small>Fontes consultadas: Livros de Bolaño, Caderno de Cultura do Clarín de 22/09/2007 e blogs hispano-americanos.</small>

Um Fígado para Roberto Bolaño (I)

Alguns o vêem como o sucessor de Borges e Cortázar, outros como um autor intranscendente e plano, porém, indiferente a quaisquer avaliações, segue engrossando o culto a Roberto Bolaño na América de língua espanhola.

Ícone chileno, mexicano, argentino e espanhol, ele tem multiplicado seus leitores de forma permanente e os que o lêem parecem ser tomados pelo vírus de tal forma que passam logo ao estado de fãs e seguidores. Para nós, brasileiros, é estranho que um autor de alta qualidade seja incensado pelo grande público; afinal, estamos sob uma vaga de ignorância tão grande que é bastante desconfortável saber que os grafiteiros destes países costumam escrever nos muros das cidades: “¡Un hígado a Bolaño!”. Aqui, Paulo Coelho, Marcelino Freire e Bruna Surfistinha; logo ali, atravessando a fronteira, Roberto Bolaño.

Além da América espanhola, ele está sendo traduzido com sucesso para a Europa e Estados Unidos. Busca-se mais contos, romances e poemas do autor cujas cinzas foram jogadas por sua mulher e filhas no Mediterrâneo em 2003.

Bolaño era chileno, mas se reconhecia como “autor latino-americano”. É compreensível: teve vida breve, nasceu em 1953, viveu largas temporadas no México e na Espanha — o golpe de Pinochet, por exemplo, aconteceu quando morava com sua família no México — e sua morte ocorreu em Barcelona.

Enrique Villa-Matas diz que a morte de Bolaño fechou uma vida destinada a tornar-se uma lenda. Ele está certo e é por este fato que estou escrevendo a série de quatro artigos que começo aqui. Minha motivação é a de comprovar que talento, coragem, idealismo e loucura, características tão raras na era do politicamente correto e do incontroverso, são absolutamente necessárias à arte.

Sua morte prematura aos 50 anos — enquanto esperava, em Barcelona, um fígado para transplante — foi o último ato da formação de um mito para o qual Bolaño contribuiu de forma direta. Morreu em 14 de julho de 2003 no hospital Valle de Hebrón. Passou 10 dias em coma por complicações hepáticas enquanto esperava em vão. Deixou textos para publicação póstuma e outros inconclusos. Estava preocupado com o futuro de sua mulher e das filhas. Entre os papéis deixados havia os cinco grandes textos que deveriam – e formaram – o estupendo romance 2666, que gira em torno de um escritor desaparecido (Benno von Archimboldi) e onde há cenas que descrevem o horror dos feminicídios em Ciudad Juárez, onde as mulheres parecem ser caça.

Mas voltemos à biografia do autor.

Roberto Bolaño nasceu em Santiago do Chile em 1953. Com 13 anos, mudou-se com sua família para a Cidade do México. Ali, praticamente morava dentro da Biblioteca Pública. Permanecia tanto tempo lendo que, pasmem, não terminou a escola média nem entrou para a universidade. Curiosamente, hoje existe a cátedra Roberto Bolaño na Universidade Diego Portales de Santiago… Em 1973, caiu Salvador Allende e Roberto retornou ao Chile de carona, com a intenção de unir-se à resistência contra a ditadura que se instalava. Foi preso. Salvou-se graças a um amigo, ex-colega de colégio, então já milico, que o reconheceu e conseguiu liberá-lo. Ano depois, diria que não falava sobre política pois “os que detém o poder, ainda que por pouco tempo, não sabem nada de literatura”. Porém, a literatura ocupa-se do político e Bolaño viria a escrever o brilhantíssimo, premiado e inteiramente político Noturno do Chile.

Em seu regresso ao México, juntamente com o poeta Mario Santiago Papasquiaro –- a inspiração para a criação do personagem de Ulises Lima, o amigo de Arturo Belano do romance Os Detetives Selvagens — fundou o movimento poético infra-realista que se opôs dissonante e ferozmente aos principais pilares da literatura mexicana, representada especialmente por Octavio Paz.

“Poderíamos dizer que o infra-realismo o moldou como escritor e romancista, mas também o México teve importância nesta transformação. Ela amava o México noturno, o México das ruas e dos cafés, a fala cotidiana e seu indiscutível humor desencantado. Não é casual que seus dois maiores romances – Os Detetives Selvagens e 2666, sejam centrados no México”, escreveu o escritor Juan Villoro.

Anos depois emigrou para a Espanha, onde já vivia sua mãe. Colheu uvas em alguns verões, trabalhou como vigilante noturno em Castelldefels, foi balconista de armazém, lavador de pratos, faxineiro de hotel, estivador, lixeiro e recepcionista até tornar-se escritor em tempo integral.

Como todo apaixonado por literatura, também foi um hábil ladrão de livros, quando não tinha dinheiro para pagar por eles. (Tal fato, que destaco em parágrafo especial, talvez sirva de atenuante para os articulistas de vida pregressa plena de roubos nunca descobertos…).

(continua)

Fontes consultadas: Livros de Bolaño e o Caderno de Cultura do Clarín de 22/09/2007.

Porque hoje é sábado, Micaela Reis

O problema é que me deparei…

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com um fato notório e triste: …

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… poucos negros — afrodescendentes, afrodescendentes! — são consenso de beleza.

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Mesmo atrizes como Halle Berry têm poucas fotos disponíveis e, dentre as brasileiras, se nem Maria Fernanda Cândido…

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… tem fartura fotos por aí, o que se espera de uma Taís Araújo? Pois uma africana veio em meu socorro.

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(Torces para o pouco simpático FC do Porto, Micaela? Times de cor azul não são boa coisa…)

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(Reduziste teu peito? Pô, Micaela, peito a gente só estabiliza e aumenta!)

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Voltando a nosso assunto, Micaela Reis é uma angolana de 19 anos que começa a fazer furor fora de seu país.

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As revistas e blogs portugueses gostam de dizer que ela é o verdadeiro diamante angolano.

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É uma metáfora bastante infeliz vinda de quem explorou e enriqueceu levando as ricas minas do país.

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Lendo publicações angolanas, notei que o país orgulha-se da “bonita e inteligente moça de menos de 20 anos” …

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… e expressam o desejo de que ela não vá além do implícito “para o bem da vasta maioria de angolanos que não se revê na venda do corpo”.

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Viram? Os angolanos pensam de uma maneira bem portuguesa, já colocando objeções morais prévias…

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… que não parecem encontrar ressonância nem na genitora da beldade.

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Viram como são as coisas? A mamãe quer o explícito, …

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… os comentaristas querem a miss (ela foi vice no Miss Universo de 2007).

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E você, caro navegante, quer o quê? Hein?

Diários de Motocicleta

Vi o filme de Walter Salles no último domingo. Foi um dia chuvoso que acabou lindo, ensolarado. Fui ao cinema com meu filho Bernardo, de 13 anos, e acabei encontrando lá, por coincidência, minha irmã acompanhada de minha mãe. O Bernardo é um novíssimo apreciador de cinema que já me confidenciou mudanças radicais em sua forma de ver filmes. A maior prova disto foi a surpreendente declaração de que, hoje, vê mais méritos em Cidade de Deus que em O Senhor dos Anéis. (Nas entrelinhas, vocês devem ler minha baba.)

Para quem não sabe do que se trata, o longa-metragem mostra a viagem de motocicleta realizada em 1952 pelo jovem estudante de medicina Ernesto “Che” Guevara de la Serna (Gael García Bernal), de 23 anos, junto com o amigo bioquímico Alberto Granados (Rodrigo de la Serna), de 29. O roteiro é baseado nos livros escritos respectivamente pelos dois: De Moto pela América do Sul e Con el Che por Sudamérica.

Gostei muito do filme. É um road-movie muito bem dirigido, com imagens belíssimas e atores em desempenhos impecáveis. Roberto Maxwell escreveu em seu blog que Walter Salles revela-se um humanista. Concordo inteiramente. O olhar interessado que Salles lança sobre todos os seus personagens dá ao filme surpreendente grandiosidade. É um diretor sensível e raro. Raro ao impor-se a dificuldade de fazer um “filme de formação”, isto é, de documentar artisticamente a tomada de consciência e o crescimento das convicções dos personagens principais. A forma mais simples seria a de partir para as pedradas panfletárias, mas WS é muito inteligente e esteta para cair nesta tentação. Quando o filme começou, até temi que viessem diálogos que parecessem saídos de alguma antologia de aforismos socialistas. Mas isto não ocorreu; Ken Loach estava longe daqui. A atuação e o entendimento da dupla Gael García Bernal e Rodrigo de la Serna é perfeita. Em cena, eles sempre se mostram dignos de seus personagens, adotando a esperada postura de jovens idealistas e inteligentes, acrescidos daquela acidez de humor tão comum entre nossos amigos argentinos e uruguaios.

Em minha opinião, o melhor filme de Walter Salles ainda é o pouco visto O Primeiro Dia, realizado logo após o super visto Central do Brasil, mas agora Diários de Motocicleta vai para o segundo lugar. No final do filme, minha irmã estava muito emocionada, com os olhos meio marejados. Eu também. O final do filme é para isto mesmo, mas meu motivo era o de ver 3 gerações de nossa família saindo calma e casualmente do cinema, ouvindo o Bernardo dizer que queria aprender espanhol. E o motivo dela, qual seria?

Noites Florentinas, de Heinrich Heine

Noites Florentinas HeineNoites Florentinas, de Heinrich Heine (1797-1856), é um livro surpreendente. Publicação póstuma, é de notável contemporaneidade, antecipando procedimentos que teríamos de volta somente 70 anos depois, com Isak Dinesen. Refiro-me especificamente à intromissão a todo momento de uma poesia muito pouco comedida, às histórias que surgem dentro das histórias, à simbologia e à aparente livre associação dos fatos. Quanto às duas últimas, talvez seja melhor acolher um conselho da própria Dinesen e aceitar que, numa história, não é adequado compreender tudo.

Achei que o livro estivesse mais para o cômico, pois o excelente tradutor Marcelo Backes salienta bastante este aspecto na introdução. Na verdade, as Noites Florentinas devem ter sido um divertissement para Heine e são lúdicas, muito lúdicas para o leitor de hoje. Por exemplo, é muito prazerosa a troca de papéis que Heine faz em relação ao modelo das 1001 Noites. Se nas 1001 Noites, Sherazade – uma mulher – contava histórias e mais histórias a fim de não morrer, nas NF Maximilian – um homem -, faz o mesmo para que Maria sobreviva. Sei lá se o Rei das 1001 Noites dormiu durante alguma história; mas posso dizer que fiquei quase escandalizado ao descobrir que, ao final da primeira noite, Maria dormia. Eu estava acordadíssimo. Outra surpresa é o clima erótico sugerido por Heine. Além da história se passar ao pé do leito, o escritor eleva a temperatura diversas vezes. Relembremos a passagem na qual os amigos “…olharam-se em silêncio por longo tempo. Em ambas as almas surgiam pensamentos que cada qual tratava de dissimular ao outro. Mas a mulher segurou de súbito a mão do homem e a cobriu de beijos ardentes”, seguido pelo toque dos lábios de Max nos pés de Maria, e ainda pelo “Sorrindo cheio de afeto ao olhar afirmativo de Maria…”. Se tais trechos não servem àquilo a que a Playboy se propõe, pelo menos faz sonhar. Alguns capítulos depois, a história de Mademoiselle Laurence também vai fundo neste sentido, apesar do onírico da situação.

O trabalho do tradutor Backes é impecável. O desafio de traduzir uma obra do século XIX, tendo que dar ao texto uma feição antiga, foi cumprido com naturalidade. Usando uma expressão da música erudita, diria que ele possui perfeito senso de estilo. Para comprovar, basta ver a diferença entre o Backes da introdução e o Heine-Backes do texto de Noites Florentinas. A edição é da gaúcha Mercado Aberto. Vale a pena ler!

A Maria Luiza e a anárquica Tina

Minha mãe completou 81 anos no dia 5 de julho. Seus 81 foram melhores que os 80 e os 79. Em seu último período no hospital, pensei (pensamos) muitas vezes que ela não voltaria mais para casa. Só que, após o isolamento em que ficou devido a uma infecção respiratória, os médicos puderam reavaliar a medicação que tomava e esta foi super-reduzida. E descobrimos que grande parte de sua prostração ocorria pelo excesso de remédios; ou seja, ela estava dopada.

Não culpo os médicos; afinal, em fevereiro de 2007, ela passou dois meses internada e, cada vez que os calmantes eram reduzidos, tornava-se agressiva e gritava a ponto dos outros pacientes ficarem irritados… Certamente os que a atenderam desta vez –- Dr. Sérgio Loss, Dr. Barbieux e um certo Adriano que nunca vi -–, usaram de bom senso ao aproveitar este longo período de hospitalização para repensar todo o coquetel. O resultado é que ela está sorridente, calma e vígil, apesar da absoluta confusão mental. Aqueles que a viram com a cabeça caída sobre o peito e com o olhar vago, vão se surpreender com a nova primavera da Dra. Maria Luiza, a querida bobinha feliz que muitas vezes não me reconhece, apesar de sempre repetir que fico melhor de cabelo curto.

Ele retornou para minha casa no dia de seu aniversário. Pois, logo após a volta da Dra. Maria Luiza, recebi a notícia do falecimento da Tina Oiticica Harris, do blog Universo Anárquico, habitual comentarista deste blog e com quem tinha trocas de e-mails bastante agitadas e… anárquicas. Faria 56 anos no dia 9 e sempre convidava a mim e à Claudia para irmos aos EUA visitá-la e a sua família. Prometia deixar seus gatos num hotel para que não me incomodassem… Uma vez, ela se referiu ao fato de que as trocas de letras em seus textos eram devidas a uma hidrocefalia, mas o assunto parou por aí porque tínhamos piadas a inventar um para o outro. Não sei qual foi a causa da morte, ocorrida dia 7, dois dias antes de seu aniversário. A notícia veio através de um post escrito por seu marido. Ele, o americano Nicolas, tentava manter o bom humor enquanto nos narrava a notícia num português arrevesado. O texto começa assim:

Um aniversário bem anárquico, por Nicolas Rouquette

Não consegui dormir a três horas da manha hoje, o dia de o aniversário de 56 anos de mi Tinazinha gostozinha; Infelizmente, a grande Madame no besteirol esta indisponível para resolver para a gente nesse anacronismo bem anárquico do aniversário dela.

Que aconteceu?

E então narra os acontecimentos, finalizando assim:

Já tem com muito saudade de o único amante da minha vida. Agora entende melhor que a vida da Tina estava anárquica em muito aspetos. Si você tem uma historia que você pode escrever, me gostaria muito ler disso. Por favor, em memória dela, da uma consideração para escrever qualquer memórias gostosa da Tina como um “guest” nesse blogo.

Ora, Nicolas, todas as memórias que tenho da Tina são tão alegres, pontuadas de “blasfêmias” -– palavra que ela sempre usava para caracterizar a forma como eu me referia a quase tudo –- e de tudo que fosse politicamente incorreto que não saberia por onde começar. A Madame do Besteirol me chamava de o seu Bad Boy e a melhor lembrança dela foram os inúmeros comentários que aquele Curriculum Vitae recebeu. Nos e-mails, ela me contou que os traduzia para ti, Nicolas, e que vocês riam dos absurdos. Guardo uma bela lembrança dela.

Berkeley em Bellagio, de João Gilberto Noll

BerkeleyOs livros de Noll quase sempre tratam do mesmo personagem: o próprio Noll. As características biográficas, físicas, étnicas e profissionais do tal personagem coincidem inteiramente com as do autor. No começo do livro, é impossível não sermos tomados de simpatia pelo personagem quando o mesmo declara sua extrema pobreza – vive apenas de literatura e de pequenos trabalhos correlatos – e com todos os fatos que o levam a aceitar dar um curso sobre “Cultura Brasileira” em Berkeley. Os fatos são descritos sumariamente. Estava envergonhado de “filar” inumeráveis almoços na casa dos outros, de pedir dinheiro emprestado, etc. Ao mesmo tempo, parece sentir alguma culpa por estar prestes a mamar na teta de uma universidade americana.

Então, ele aceita o convite para o curso e chega à California com menos de 100 dólares no bolso e sem saber falar inglês. Suas aventuras, primeiramente em Berkeley (para dar aulas) e depois em Bellagio (onde fica em uma “oficina criativa” em frente ao Lago de Como), poderiam ser bastante interessantes do ponto de vista humano, porém nosso autor está mais a fim é de descrever as aventuras sexuais. Tudo bem, o sexo faz parte da vida, mas não é, digamos, mais que 88% dela. Apesar de conviver com ensaístas, músicos, pintores e ficcionistas, nada de intelectual acontece. Já de sexual…. é do caralho. As lavanderias de Bellagio devem ter se surpreendido com os sucrilhos deixados nas cortinas de seus salões, pois o autor declara ter limpado seu pênis nelas.

Intermezzo: o personagem principal é homossexual, talvez o Noll também o seja, sei lá. Nada tenho contra a opção dele, mas sou totalmente contra as descrições pós-sexo que o autor nos impinge. Ora, depois de cada relação, a narrativa é atacada daquela indireção poética ao estilo de Clarice Lispector. A narração pós-ragazzo em Belaggio é longuíssima para o tamanho do livro e… é chata, chata, chata, como Clarice NÃO o faria.

O final do livro, quando o narrador retorna à casa em Porto Alegre é muito emocionante. O fato inesperado de estarem lá um ex-namorado pai-solteiro com sua filha é surpreendente e é também uma brisa depois do prolongado claustro. Tá bom, não é nada original aparecer uma criança ou uma jovem para dar uma refrescada e mudar o contexto da história, mas com o Noll a coisa funcionou. A vida também é assim, não?

Não sei porque voltei a ler o Noll. Não tinha gostado de outros livros lidos anos atrás. Acontece que o vi em uma entrevista na TV e gostei dele. Mas valeu a pena retomar o contato com sua literatura. Uma curiosidade: toda a vez que abria o livro vinha aquela baita saudade de ler Thomas Bernhardt, pois, quando via seu parágrafo único, lembrava-me de como aquilo poderia ser bom, se tivesse mais solidez, racionalidade e raiva. E um pouco mais de arte narrativa, é claro.

Um Tesouro

Ele tinha me mandado os quatro primeiros em dezembro de 2007. Eu só ouvi agora e achei-os sensacionais.

O que eu não sabia é que, em janeiro deste ano, o Serbão deixou disponiveis em seu blog todos os CDs dos Beatles, todos os 14 mais os 3 de singles e esparsos, isto é, todos os 17 CDs. Você está pensando: grande coisa, como se todo mundo não tivesse os CDs dos Beatles… Aí é que você se engana. A novidade é que ele os refez utilizando somente covers, comprovando que absolutamente todas as músicas do quarteto receberam um ou mais covers. E todas as faixas, uma por uma, ordenadas em arquivos para formar cada um, um dos discos dos Beatles, estão disponíveis aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, aqui, e aqui.

Sergio Bomfim SerbaoAo lado, Sérgio Bomfim, o Serbão ou Serbon. Imagino o trabalhão que deu fazer isso. Depois sou eu o louco, arrã… Louco é ele.

Voltando aos CDs, há uma surpresa por faixa. Há versões esplêndidas, versões desafinadas (como as de Renato e seus Blue Caps), versões originais, versões nada originais, versões originalíssimas, versões kitsch, versões engraçadas, etc. É pura diversão para quem gosta e conhece os Beatles. Aproveite que os links ainda não expiraram!

Assine, o país agradece

Gilmar Mendes Fora

Não leva um minuto. Entre aqui, preencha os três campos, envie e confirme. É o que se pode fazer em tempos onde qualquer manifestação, por mais justa e importante que seja, reúne só uns gatos pingados.

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Retirado do RS Urgente e adicionado ao post em 15/07/2008, às 8h27:

No dia 8 de maio de 2002, Dalmo Dallari, advogado e professor de Direito na Universidade de São Paulo (USP, publicou um artigo na Folha de São Paulo criticando duramente a indicação, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, de Gilmar Mendes para o Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns trechos do artigo, intitulado “Degradação do Judiciário”:

“(…) O presidente da República, com afoiteza e imprudência muito estranhas, encaminhou ao Senado uma indicação para membro do Supremo Tribunal Federal, que pode ser considerada verdadeira declaração de guerra do Poder Executivo federal ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Ordem dos Advogados do Brasil e a toda a comunidade jurídica. Se essa indicação vier a ser aprovada pelo Senado, não há exagero em afirmar que estarão correndo sério risco a proteção dos direitos no Brasil, o combate à corrupção e a própria normalidade constitucional”.

“Segundo vem sendo divulgado por vários órgãos da imprensa, estaria sendo montada uma grande operação para anular o STF, tornando-o completamente submisso ao atual chefe do Executivo, mesmo depois do término de seu mandato. Um sinal dessa investida seria a indicação, agora concretizada, do atual advogado-geral da União, Gilmar Mendes, alto funcionário subordinado ao presidente da República, para a próxima vaga na Suprema Corte. Além da estranha afoiteza do presidente -pois a indicação foi noticiada antes que se formalizasse a abertura da vaga-, o nome indicado está longe de preencher os requisitos necessários para que alguém seja membro da mais alta corte do país”.

“É importante assinalar que aquele alto funcionário do Executivo especializou-se em inventar soluções jurídicas no interesse do governo. Ele foi assessor muito próximo do ex-presidente Collor, que nunca se notabilizou pelo respeito ao direito. Já no governo Fernando Henrique, o mesmo dr. Gilmar Mendes, que pertence ao Ministério Público da União, aparece assessorando o ministro da Justiça Nelson Jobim, na tentativa de anular a demarcação de áreas indígenas. Alegando inconstitucionalidade, duas vezes negada pelo STF, “inventaram” uma tese jurídica, que serviu de base para um decreto do presidente Fernando Henrique revogando o decreto em que se baseavam as demarcações. Mais recentemente, o advogado-geral da União, derrotado no Judiciário em outro caso, recomendou aos órgãos da administração que não cumprissem decisões judiciais”.

Porque hoje é sábado, Jessica Biel

Intuindo que a Flávia estava saudosa de nossa exposição de peitos…

… e de bundas (pô, Flá, esqueci de responder teu e-mail. Quando vens? Sim, marcamos um café!), …

… programamos para este sábado a menininha Jessica Biel, de maus filmes e boa… boa… boa… performance!

Dentre suas realizações está O Ilusionista, que não vi, …

… e o espantoso O Massacre da Serra Elétrica (acima), que costuma aparecer diariamente nos vários Telecines.

Então, ela pode não apenas ser encontrada dentro da pia, mas também no Telecine, o que é bem pior.

É uma jovem nascida em 1982 que, em 1999, posou de topless para a revista masculina Gear. Esta atitude incompreensível e impulsiva…

… causou controvérsia nos EUA porque ela só tinha 17 anos e imagem de boa moça. Por isso, teve a sorte de ver-se expulsa de uma série televisiva e foi obrigada…

… a fugir por mais de duas horas de uma Serra Elétrica, para nosso deleite espiritual.

Na verdade, não sei nada a respeito dela, nem quero saber.

Ela que faça melhores filmes para ter uma biografia mais interessante do que a de ter sido namorada de Justin Timberlake, cantor que faço absoluta questão de não conhecer.

E não adianta se morder de ódio.

Nem fazer carinhas ameaçadoras.

O Conselheiro

Passei boa parte de minha vida em Salvador. Ou, sendo franco, uma má parte dela. Salvador não é para mim, sabe? Nada tenho contra negros, mas detesto trepar com negras. Tudo bem, atualmente quase todas são limpinhas e algumas podem até ler razoavelmente, o que não suporto são aqueles beições aproximando-se de meus lábios caucasianos. Dá-me arrepios.

Uma vez, logo ao chegar, saí à noite com um amigo a fim de arranjar mulher. Meu atraso naquela cidade era monumental, estava a ponto de comer qualquer uma, sabe? Coisa inteiramente contra meus princípios. Meu amigo chamava-se Rudá e apareceu com um carro enorme, luxuoso mesmo, dizendo que seu pai era produtor de Gilberto Gil e de Jorge Amado — talvez ele pensasse que Amado estivesse vivo e fosse cantor — e, enfim, entramos na geringonça. Claro, o que nos apareceu foram negras, mas eu estava tão a fim que toparia até a Aracy de Almeida. A moça era bonita para quem gosta de samba e fez de tudo comigo. Porém, apesar de meu pau estar em riste, meu sangue caucasiano negava-se a doar esperma para aquela mulher. Ela, inteligentemente, pensou que eu quisesse outra coisa e resolveu oferecer-me o traseiro, que foi aceito de bom grado. “Assim, ela fica de costas”, pensei. Não vou entrar em detalhes a respeito, mas o ato provocou-lhe um efeito de supositório e, meus amigos, o fecaloma desceu com espetacular pressão. O filho do dono do carro ficou absolutamente possesso com aquilo. Eu também, claro; afinal, o desarranjo ocorrera no meu colo. Só que eu não tinha nada a ver com o resto. Os bancos eram de couro, mas grande parte da cabine ficou suja por aquela explosão inesperada. Havia salpicos por todo lado, pois eu tentara escapar de qualquer jeito. O que fazer? A menina pediu desculpas, ficou mesmo penalizada com a involuntária lavagem intestinal que fizera sobre mim e quis ir embora. Meu amigo berrou que ela tinha que lavar tudo, mas eu fui contra, pois como ela poderia limpar o carro no estado em que se encontrava? Fomos até o MacDonald`s mais próximo, onde entramos no banheiro. Os clientes nos olharam admirados, pensando que talvez fosse barro, mas logo sentiam em suas narinas a inequívoca verdade. Empestamos todo o banheiro. Estava tão maluco que pensei ter visto vermes subindo em minhas calças. O segurança da casa queria nos tocar para fora, mas eu lhe respondi que só sairia dali abraçado com ele e o cara foi embora tapando o nariz.

Usamos todos os papéis higiênicos e mais o conteúdo dos vidrinhos de sabão líquido. Meu amigo pediu mais:

— Ô Segurança! Acabou o sabão e o papel!

Veio o gerente da loja. Estava irritadíssimo e nos corrigiu dizendo que o MacDonald`s não tinha seguranças e sim Agentes de Prevenção à Perturbações e Interferências. Bem, acho que a caganeira entrava na segunda parte. E na primeira também. Mas ele foi buscar o que pedimos, sob a condição de que saíssemos imediatamente após a limpeza. Era um pobre de cabelo bem cortado, vestido de dândi, como o Mac gosta. Ele entrou com o material, entregou-nos e acendeu um cigarro. Fiquei puto com aquilo, sou pela saúde, mas o cara me respondeu que agüentaria melhor nossa presença com um cheiro conhecido. OK.

Explicou-nos que a segurança é satisfatória quando é capaz de retardar ao máximo uma possibilidade de agressão e é capaz de desencadear forças – no menor espaço de tempo possível – capazes de neutralizar a agressão verificada. Não sei bem onde entrávamos nós e o cigarro naquela bela falação, porém ele continuou dizendo que estava ali porque nada devia impedir o curso normal da empresa e devíamos sair dali com ar satisfeito, mesmo que tivéssemos entrado como entramos. Foi um interessante momento cultural com que Salvador me brindou.

Depois que saímos todos molhados do estabelecimento, Fred queria achar a mulher que causara aquilo a fim de que lhe limpasse o carro. Claro que ela havia sumido. Vi o estado do carro e declarei a Fred que aquilo não era trabalho para uma empregada doméstica, aquilo requeria uma limpeza profunda com higienização interna, lavagem e aplicação de bactericida em carpete. Ficou claro que a cidade de Salvador e as soteropolitanas não eram para mim.

Ademais, havia poucos leitores de Chesterton na cidade e, os que haviam, ficavam tresloucados ao primeiro rufar de um tambor. Não era possível levar nada à sério e sou um homem assim, sério, empenhado nas coisas e que tenta guardar alguma coerência perante a vida. Sou um neoliberal culto que não fica tantalizado por tambores, que não se alegra em ver gente pulando e que teve sua última grande alegria com a queda do muro de Berlim e a ascensão de Collor. Poderia dizer que sou um neoliberal da linha dura. Sou íntegro, pragmático, mas costumo dar minha rezadinha, e, se hoje dedico-me ao comércio, demonstro minha honestidade em cada ato, fazendo questão de pagar os impostos extorsivos que não resolvem os problemas de nosso país, servindo apenas a que ministros desta nova dita esquerda roubem e se locupletem em convescotes, muitas vezes regados a canções de nosso ministro-cantor.

É um absurdo fazer-nos pagar essas coisas, mas eu pago. Só soneguei quando não me restava mais nada a fazer. Coerência é algo importante, porém ela só poderia ser cobrada se as atitudes de nossos governantes formassem uma linha reta, uma estrada plana, não a cobra peçonhenta e tortuosa que vemos. Somos então obrigados a refletir sobre cada mudança e decidir, sempre segundo a ideologia que nos apóia. Olha, não é fácil, há que ter força mental e muitos caem pelo caminho, seduzidos pelo fácil.

Já lhes disse que o nome de meu amigo cujo pai era produtor de Gilberto Gil (e Jorge Amado) era Rudá. Seu pai deu-lhe este nome ridículo por causa do filho de Oswald de Andrade. Quando conheci seu pai, para tentar agradar, perguntei sua opinião sobre Memórias Sentimentais de João Miramar. Como resposta, obtive um “o que é isso, é um livro?”. Então, naquele momento, entendi que o produtor cultural gostava de uma fachadinha, de um polimento bonito, de uma citação e que só sabia da Semana de Arte Moderna e olhe lá. Esse pessoal é muito imbecil mesmo. Só que ele me arranjou emprego para auxiliá-lo. Não houve risco algum, não refutei as idéias que me movem. Minha função era arranjar belas mulheres para os artistas que se apresentassem na cidade. Era um trabalho fácil, ao qual dedicava-me com afinco. Tinha catálogos com características e fotos de muitas moças e, do outro lado, procurava descobrir o que cada artista gostava mais. Foi assim que descobri que os negros escolhiam sistematicamente as loiras; só que pele branca e o cabelo amarelado eram produtos raros naquela zona tropical.

Foi neste ínterim que conheci Isaura, mas creio que é chegada a hora de abrir novo capítulo.

(continua)

Diga não

ContraA abominável monstruosidade parida pelo Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) para regular a Internet foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado. Numa semana de péssimas notícias para a Internet, começou a mobilização para tentar barrar a aprovação em plenário desse projeto substitutivo, que cria a figura do provedor delator, criminaliza o compartilhamento de arquivos e, absurdo dos absurdos, transforma em criminoso todo aquele que obtiver “dado ou informação disponível em rede de computadores, dispositivo de comunicação ou sistema informatizado, sem autorização do legítimo titular”.

Em outras palavras, o Senador Eduardo Azeredo quer criminalizar basicamente tudo o que fazemos na internet: citar, copiar, colar, compartilhar. Não tenho nada a acrescentar ao que vários colegas blogueiros já disseram sobre o assunto. Limito-me, então, a convidar os leitores a que assinem a excelente petição escrita por Sergio Amadeu e André Lemos. O selinho acima foi retirado do blog do Sergio Amadeu (veja que fantástico: se aprovado o projeto de Azeredo, eu estaria cometendo um crime ao circular este selinho).

É uma vergonha para o estado de Minas Gerais ser representado no Senado por Eduardo Azeredo.

P.S.- Post copiado de Idelber Avelar.

P.P.S.- Já chegamos a quase 6000 assinaturas da petição. Assine.

Porque hoje é sábado, Sophia Loren

Quando avisei-a sobre sua participação no Porque hoje é sábado, pedi uma depilação.

Não sou muito favorável àquele matagal sob os braços. Mas eram coisas do período em que era conhecida apenas na Itália.

E não adianta, Sophia, fazer cara de braba para mim só porque eu falei em matagal.

Isso, melhor assim. (Como é bonita, né?)

Ela nasceu Sofia Villani Scicolone — não é silicone, leitor maldoso, leia atentamente — , em Roma, no dia 20 de setembro de 1934.

Este milagre da genética peninsular fará, portanto, 74 anos e, ano passado, ainda tirava fotos para o calendário da Pirelli.

Sophia talvez seja a precursora das italianudas voluptuosas; …

… enlouquecia as platéias dos anos 60 com um erotismo que …

… hoje seria considerado familiar.

Se bem que não troco o strip acima por nenhum desses ginecológicos atuais.

Casou-se com um homem baixinho, 22 anos mais velho e com muito dinheiro.

Suas referências a ele sempre foram marcadamente amorosas — até hoje são — e o casamento durou 50 anos…

… tendo sido interrompido apenas com a morte de Carlo Ponti no ano passado, aos 95 anos.

Apesar de todos os seus atributos, …

… Sophia apreciava conferir a concorrência, mesmo que esta parecesse desleal.

E é assim que retomamos o Pq Hj é Sábado após uma ausência. Avete capito perchè sabato è una giornata particolare, mesmo que a foto acima seja de outro filme?

Houve muitos outros filmes, claro, mas… putz, voltou o matagal, Sophia?

Os Emigrantes, de W. G. Sebald

Os Emigrantes Wg SebaldSe, como escreveu Michel Laub, Austerlitz é o grande lançamento de 2008, W. G. Sebald já havia comparecido no Brasil com outro extraordinário livro: Os Emigrantes. Trata-se do relato de quatro expatriados numa obra que mistura gêneros habilmente. Cheios de fotografias de família, seus capítulos podem começar como um romance de ficção, tornar-se ensaio para depois virar relato de viagem e ainda autobiografia, tudo no tom de uma conversa outonal ao pé do ouvido. Este híbrido é absolutamente envolvente.

Vou falar sobre um episódio suscitado por Os Emigrantes. Estava lendo o livro na cama enquanto a Claudia via TV sem som a meu lado, certamente pensando em outra coisa, como sempre faz. Então, resolvi ler em voz alta um trecho para ela e, quando dei por mim, estava lendo há duas horas. A Claudia tinha passado a costurar e não queria que eu parasse. Minhas qualidades de locutor são apenas aceitáveis, minha voz não é nada boa, portanto acredito que esta cena ao estilo do século XIX foi gerada principalmente pelo crescente interesse dos dois nesse cara que morreu, jovem e estupidamente, num acidente de carro em dezembro de 2001. Sebald sofreu um enfarto enquanto dirigia. Não sei de detalhes, mas dizem que morreu do acidente, não do enfarto… OK.

As pessoas quase não lêem mais livros uns para os outros, este ato de amor e consideração ficou extraviado em alguma esquina do século XX, fora de nossas salas e quartos atuais; porém alguns textos nos permitem recuperar esta delicadeza. Qualquer hora destas vou pegar de novo um bom livro, com uma boa “conversa narrativa”, e entregarei a minha amiga todas as meias furadas, calças de bolsos rotos e camisas com botões caídos que tiver…

Bom, afastei-me do Sebald, mas acho que ficou claro: é um baita livro.