A volta, o Gre-nal e os Filmes de Junho

Só noto o quanto gosto deste espaço quando fico sem ele. Problemas técnicos me deixaram longe do blog desde a última sexta-feira. Oh, sim, ficamos sem o Porque Hoje é Sábado e espero não ser processado por esta falta, apesar das ameaças recebidas. É pior ainda quando a mulher cuja presença nos parece tão natural viaja. O momento de adormecer, então… É desalentador. Ainda bem que as duas faltas não ocorreram ao mesmo tempo, pois quando da viagem da segunda, o primeiro já havia retornado. É um precário vaivém de contrapartidas.

O Grenal foi absolutamente frustrante para nós, colorados. Jogávamos muito melhor, ganhávamos o jogo e já tínhamos chutado duas bolas na trave quando nosso goleiro resolveu cometer uma agressão a um jogador do Grêmio. A partida era leal, não havia rixas ou violência, mas Renan achou que seria adequado, após segurar um cruzamento, chutar Rodrigo Mendes. Pênalti contra nós e expulsão. No final, ainda quase desempatamos. Grandes atuações de Sorondo e Nilmar. De bom, nossa surpreendente atuação. De ruim, a perda de dois pontos para um adversário batido.

Os filmes de junho:

31 – O Labirinto do Fauno – El Laberinto del Fauno – 2006 – Espanha / EUA / México – Guillermo del Toro – 3
30 – Jornada da Alma – Prendimi L`Anima – 2003 – França / Itália – Roberto Faenza – 4
29 – Bella – Bella – 2006 – México / EUA – Alejandro Gomez Monteverde – 3
28 – Control – Control – 2007 – Inglaterra – Anton Corbijn – 4
27 – Longe dela – Away from her – 2006 – Canadá – Sarah Polley – 3
26 – A Outra – The Other Boleyn Girl – 2008 – Grã-Bretanha – Justin Chadwick – 2
25 – Sex and the City – Sex and the City – 2008 – EUA – Michael Patrick King – 3
24 – Bloom – Bloom – 2003 – Irlanda – Sean Walsh – 3
23 – Confiança – Trust – 1990 – EUA / Inglaterra – Hal Hartley – 4
22 – A Vida é um Milagre – Zivot je cudo – 2004 – Bósnia / França – Emir Kusturica – 5

Futebol e identidade social, de Arlei Sander Damo

Futebol e identidade social, de Arlei Sander Damo

futebol_e_identidade_social_arlei_sander_damoEm primeiro lugar, preciso falar um pouco sobre como consegui este livro. Ele me foi enviado por Idelber Avelar, professor da Universidade de Tulane, em New Orleans. Em vão, tentei comprá-lo, apesar de ser um livro novo, de 2002. Em minhas tentativas, escrevi para a Editora da UFRGS, tendo recebido como resposta o mais completo silêncio. Procurei novo contato, pois queria dá-lo de presente aos criadores do Impedimento, mas nada, não parece haver ninguém por lá. Por que então existe um Fale Conosco bem aqui? Então, meu sobrinho conseguiu o e-mail do próprio autor. Foi atendido mui educadamente, obtendo a confirmação de Damo de que a obra era muito procurada, mas que só a editora podia resolver o caso. Bem, ao menos isto não é culpa da corrupção do futebol, nem de Ricardo Teixeira…

O livro de Arlei Sander Damo tem o subtítulo de “Uma leitura antropológica das rivalidades entre torcedores e clubes” e originou-se da dissertação de mestrado do autor, escrita entre 1996 e 1998, aproximadamente.

É obra interessantíssima para quem queira sair da mesmice das notícias diárias sobre futebol — aquelas mesmas que tanto deprimem nosso noturno cidadão de uma república enlutada — e adentrar de forma inteligente e bem conduzida na história da formação desta loucura que vemos. Damo nos explica o nascedouro da dupla Gre-nal e de sua rivalidade. “Se queres ser universal, canta tua aldeia”, dizia Tolstói de forma mais esperta que Wianey Carlet. Cantar sua aldeia é o que faz Damo, fazendo-nos descobrir claras analogias com outras cidades, estados e rivalidades clubísticas brasileiras. As explicações são do autor, as projeções são nossas; há leitura mais produtiva e agradável do que conjeturar junto com o autor? Não, né? A obra começa no início do século passado, descrevendo o início do associativismo esportivo em nossa Porto Alegre – empurrado pelos imigrantes alemães, “ficiados” em clubes – para chegar aos primórdios de uma paixão e de uma rivalidade que é boa para torcer, mas que também é boa para se pensar a respeito.

São absolutamente preciosas as argumentações sobre raça e classes sociais que faz o autor, sobre o crescimento do racismo no Grêmio à época do Dr. Py e a da salvação do clube através de seu maior presidente, Saturnino Vanzelotti, o qual resolveu enfrentar os “gremistas vigilantes”, que lhe escreviam mal-disfarçados apedidos em jornais, sempre zelosos de que a camisa tricolor não fosse maculada pelos negros. (Seus textos, sempre anônimos, parecem ter como autor um Joseph Goebbels com superego fraco.) Outros fatos significativos que são analisados são as infrutíferas tentativas do autor para descobrir a origem clara do poderio colorado dos anos 40: a célebre Liga das Canelas Pretas – o que vem comprovar a pouca documentação da história negra no Rio Grande do Sul –; a derrocada do amadorismo; um exame sobre a influência dos estádios na gangorra Gre-nal e um estudo sobre a formação das torcidas sob a ótica das raças e das classes sociais.

É apenas isto o que a Editora da UFRGS insiste em nos esconder. Ainda não devolvi o livro para o Idelber. Querem cópias…?

Observações finais:
1. Apenas o texto “Sobre o regional e o nacional no futebol brasileiro” é datado e mereceria uma recauchutagem geral.
2. Arlei Sander Damo daria um bom leitor do Impedimento.
3. Apesar de não confessar, Arlei Sander Damo é um gremista nojento.

Saudações coloradas e morte à progênie do racismo!

:¬)))

Sou do contra

Meus amigos virtuais e pessoais Douglas Ceconello e Daniel Cassol dizem que eu posso publicar no Impedimento quando quiser. É um blog incrível sobre futebol. Este texto Sou do contra resultou em 76 comentários e o anterior tinha chegado a 98. Ia publicá-lo também no OPS, mas ontem tivemos a estréia de João Luís Almeida Machado, também colunista de gastronomia, no futebol do OPS e não quis entrar no mesmo dia.

Crônica esportiva é problema no Brasil tanto quanto a política, esta muito mais grave. Há algo de muito errado com a falsa parcialidade, raramente quebrada por exceções como Juca Kfouri, que leva os cronistas e os textos a uma posição inteiramente artificial para quem aborda o futebol. Os artigos “equilibrados” e descompromissados que lemos são um saco. De certa forma, uso a experiência jornalística do pessoal do Impedimento para criar uma persona esportiva mais franca porém aberta a discussões. E que não esconda suas preferências, pois isto não tem nada a ver com desonestidade. Estou aprendendo. No texto que segue até exagero, entrando de sola, de forma furibunda e provocativa, mas o resultado foi uma discussão cheia de idéias. A melhor pergunta que apareceu por lá foi esta: por que o futebol brasileiro é tão menos próspero do que o mexicano e o turco, países economicamente semelhantes a nós e que são compradores? Cartolagem e corrupção? As “parcerias” entre dirigentes e empresários são mais lucrativas em nosso país?

Sou do contra

Eu não torço para a seleção brasileira e o motivo nem é o de ela não possuir técnico.

Minhas motivações são mais, digamos, indiretas. O que desejo é uma grande crise! Vejamos o que pensa este beócio escriba.

O Brasil é o país que menos se orgulha de si mesmo na América Latina. Nosso complexo de vira-latas é uma herança portuguesa. Eles são iguaiszinhos; odeiam-se tanto quanto nós. Aqui é tudo ao contrário: no mundo inteiro a direita é nacionalista, aqui não. Ou seja, os que governaram o país durante a maior parte de sua história sempre o viram com restrições. Por toda nossa história, desde D. Pedro I, fomos dirigidos por pessoas semelhantes às que escrevem na Veja, a fina flor que molda a opinião da direita brasileira.

E então a seleção brasileira entra em campo com seus jogadores… Todos eles saíram jovens de nosso país (de merda) para ganhar rios de dinheiro no eldorado. Todos eles ouviram falar que a Seleção é um sonho e objetivo de todos, mas pergunto:

– Se você fosse, por exemplo, o Gilberto Silva e estivesse no final de seu contrato com o Arsenal após toda uma carreira no exterior, você arriscaria sua perninha por quem não paga seu salário, por um país que é seu, mas de onde você fugiu na primeira oportunidade que teve e onde você jogou apenas alguns meses? O que um cara como Gilberto ganha correndo com um louco pelo Brasil-sil-sil. Ele já não é conhecido? Seus contratantes acompanham Paraguai x Brasil? Uma boa atuação neste jogo lhe garante um contrato melhor?

Não, né? E nem sobra o amor da disputa. Se o Gilberto olhar para o banco e ver aquela COMOÇÃO TÉCNICA formada por Dunga e Jorginho talvez uma voz interior lhe faça a pergunta “O que estou fazendo aqui?”.

Ele e Kaká – que foi liberado pelo Milan, mas mentiu que não tinha sido – não buscam mais glórias. Muitos dos jovens também não a buscam pois não são ufanistas e julgam estar no topo de suas carreiras. Creio que chegar à Seleção é um pedido que os empresários fazem a seus atletas para alcançarem grandes contratos no exterior. E só. Se o atleta obtiver sucesso no exterior, suas convocações tornam-se sinônimo de incomodação. Uma boa carreira na Seleção não é garantia de sucesso financeiro, mas sim um belo Campeonato Italiano, Espanhol ou Inglês. São eles que pagam.

A Seleção tornou-se apenas um passo dentro de um plano de carreira todo projetado para a Europa.

Agora, que crise desejo? Ora, uma bem grave que deixe o Brasil fora de uma Copa. Uma que crise que nos obrigue a repensar MESMO toda a estrutura do futebol brasileiro. Uma que faça com que tenhamos calendário europeu para que nossos times não mudem em meio às disputas. Uma que segure nossos jogadores até determinada idade, pois só aqui nascem em tal quantidade e os melhores sempre sairão. Uma que obrigue o comprador europeu a pagar um valor decente ao clube formador. Uma que permita contratos longos mesmo para jovens pré-púberes. Uma que torne a Seleção Brasileira uma importante vitrine para carreiras de jovens talentosos que, decididamente, acabarão no exterior. Uma que torne melhor nossos campeonatos.

O estado de espírito do dono do blog

Claro, este blog é a mistura de tudo o que passa por minha cabeça e de algumas coisas que ela recebe, mas quando passo por um período tenso a tendência é a de ele se torne mais e mais confessional. Só que desta vez a coisa tem doído um pouco mais e até deitar pensar os problemas no blog tem sido mais complicado que consolador. Estou com lógicos e péssimos pressentimentos sobre o futuro de minha mãe. Doente há muito tempo e cada vez mais vivendo em seu mundo, piorou muito nos últimos dias, mesmo tendo saído da UTI para uma zona chamada “Intermediária”.

Tenho a impressão de não estar nem irritado, nem deprimido, nem tenso, mas isto é falso, pois sei que poderia explodir à menor contrariedade. Fico meio abobalhado, olhando sem interesse as milhares de fotos que tenho no micro. Não há surpresa na situação; afinal, era o esperado para quem tem uma doença prima-irmã do Alzheimer (*), só que a constatação de que as doenças degenerativas são exatamente aquilo que as pessoas mais realistas me descreveram e que chegam a pontos solidamente injustos e desnecessários… Olha, é foda. Para que tanto sofrimento? Porém, ao passar por esta foto aqui…

Sean Connery Zardoz

… é impossível não rir e desviar o pensamento, desejando saber o que Sean Connery diria dela hoje. Amanhã, mais hospital. Dr. Cláudio Costa ligou amiga e gentilmente de Belo Horizonte e eu lhe disse com a maior calma do mundo que, se realmente tivermos que somar à inconsciência da doença outras impossibilidades, melhor seria a eutanásia. Dia cansativo. Agradeço a meu psiquiatra preferido por ter me ligado. Foi um bom momento que só vi repetido agora, ao chegar em casa.

(*) Algum tipo de demência resultante de uma queda ocorrida há quase dois anos. Não há sentido em fazer uma biópsia a fim de descobrir o nome correto da doença, pois o pequeno leque de possibilidades que não mudaria o tratamento.

Bloomsday

Agora, na volta da UTI (ver post abaixo) lembrei que hoje é o Bloomsday.

Desesperado para unir-me à comemoração, faço meio que uma transcrição — com muitíssimas alterações — do texto da Wikipedia.

O Bloomsday é um feriado comemorado em 16 de junho na Irlanda em homenagem ao livro Ulisses, de James Joyce. É o único feriado em todo o mundo que um país dedica a um livro de ficção, excetuando-se a Bíblia.

O Bloomsday é festejado pelos amantes da literatura em qualquer lugar ou língua. Trata-se de uma iniciativa dos leitores de Ulisses e admiradores da literatura de Joyce. Anualmente, eles relembram os acontecimentos vividos pelos personagens de Ulisses por dezenove ruas da cidade de Dublin.

James Joyce

Ulisses relata a “odisséia” do personagem Leopold Bloom durante 16 horas do dia 16 de junho de 1904. Há controvérsias sobre quando o Bloomsday começou a ser comemorado. Alguns especialistas indicam 1925, três anos após o lançamento do livro, a década de 1940, depois da morte de James Joyce, enquanto a hipótese mais aceita indica é que foi em 1954, na data do quinquagésimo aniversário do dia retratado em Ulisses.

Joyce escolheu o dia 16 de junho para ser imortalizado em sua obra porque foi nesse dia que manteve relações sexuais com sua futura companheira Nora Barnacle, à época uma jovem virgem de vinte anos, apesar de a imprensa irlandesa publicar que nesse dia eles apenas “caminharam juntos” pela primeira vez. Na verdade, Nora teve medo de completar o coito e o masturbou “com os olhos de uma santa”, como Joyce relatou em uma carta em que relembrou o acontecido.

James Joyce Piano

É sempre bom lembrar aos tementes a Joyce que Ulisses não é apenas aquele livro de erudição quase inalcançável que afasta algumas pessoas, o romance também é divertidíssimo e perfeitamente compreensível. As minúcias e a complexa teia de referências são importantes, mas podem permanecer semi-entendidas sem esfacelamento de sua essência. Prova de que o mais puro ludus nem sempre está associado à compreensão cabal.

Hoje é o dia de comemorar o duro, engraçado, divertido, pornográfico, sexual e erudito livro de Joyce. Lembremos de Leopold Bloom, de sua mulher Molly, de Stephen Dedalus e de Buck Mulligan. (Lembro agora do final absolutamente arrepiante de Ulisses.) Era isso.

P.S.- O Odisséia Literária, de Leandro Oliveira, faz, como sempre, a comemoração mais completa e adequada.

30 horas

As últimas 30 horas do fim de semana foram algo como um carrossel de emoções (como dizia a Bia).

1. Visita a minha mãe na UTI: ela sofre do Mal de Alzheimer ou de algo perto disso; foi fazer uns exames e, fraca, acabou na UTI. Sedada, deitada e intubada (*), era uma visão deprimente.

2. Inter 2 x 1 Botafogo: meu filho queria porque queria ir ao jogo. Não sei se queria mesmo ou se sua intenção era a de me afastar do trabalho e do hospital. Ganhamos o jogo. Surpreendentemente, a estréia do Tite foi boa.

3. Esplêndido convite: liga a Astrid, mulher do meu amigo Augusto, perguntando se temos programa para o sábado à noite. Não tínhamos. Então, ela perguntou quantos nós éramos, pediu que arrumássemos a mesa com pratos fundos, colher, garfo e faca, além de copos para água e vinho. Precisaríamos produzir uma sobremesa para esperá-los? Que vinho escolheríamos? Não, nada disso, ela e o Augusto trariam absolutamente tudo, da comida à sobremesa, passando pelo vinho. Noite inesquecível, companhia e música perfeitas. Só o meu cansaço destoava.

4. UTI: nova visita a minha mãe no domingo pela manhã. A mesma coisa. Inconsciente como quase sempre está.

5. Longe dela: talvez pelo contexto, quis ver o filme em que Julie Christie faz uma personagem que sofre de Alzheimer. Um filme muito bom que, se não nos dá a extensão do trabalho e do horror, dá o tamanho psicológico da perda.

6. Control: em seguida, mais um filme. Putz, e era mais deprimente ainda. Trata da curta vida de Ian Curtis, vocalista da banda Joy Division. A atuação dos atores é digna dos mais rasgados elogios. Notável.

7. Dunga: fico sabendo da derrota brasileira e penso na crônica que escreverei para o Impedimento. Explicarei meus motivos para comemorar este tipo de resultado.

(*) ENTUBAR – Entubar ou Intubar?
Entós (grego)= posição interior. Documenta-se em vocábulos introduzidos na linguagem científica a partir do século XIX.
Intus (latim)= para dentro.
Como tubo(cânula endotraqueal) vem do latim tubus, a palavra correta é intubar.

Retirado do Dicionário das Agressões Médicas à Língua Portuguesa.

Thanks, Mr. Roth

Philip Roth Douglashealeyap4601Michel Laub escreve e repete que Austerlitz, de W. G. Sebald (1944-2001) é o lançamento de ficção do ano, mas não sei não. No dia 20 de junho chega Fantasma sai de cena (Exit Ghost), romance de Philip Roth (1933) que marca a despedida de seu personagem e alter ego Nathan Zuckerman. Qualquer livro de Roth é um acontecimento pois trata-se de um dos romancistas mais importantes em atividade — talvez o mais importante –, só que este Fantasma adquire contornos especiais que vão além da despedida de um personagem que o acompanha desde 1979 ou nove romances.

É que a obra serve de epitáfio (expressão da Bravo) para a geração de escritores intelectuais cujos livros pautavam o debate cultural americano e que foram substituídos, como no mundo inteiro, por nenhuns. Esta geração possui ainda vivos Gore Vidal e John Updike e perdeu recentemente o imenso Saul Bellow e o nem tanto Norman Mailer. O romance vai direto ao ponto ao perguntar sobre quando houve a separação entre tais escritores e seu país. Roth apresenta um Zuckerman aos 71 anos, lutando contra uma incontinência urinária resultante da retirada da próstata e impotente, vivendo num mundo incompreensível, afastado de si e que dele prescinde. Amy Bellette, outra personagem de Roth que está em vários romances, diagnostica a cultura de fácil digestão e o culto à celebridade como culpados, mas parece que Roth não aceita apenas esta conclusão “simples” e avança sobre o jornalismo cultural e sobre a própria geração de grandes escritores, que não soube enfrentar a nova situação e que, de certa forma, tornou-se vítima dela ao manter-se deslocada e crítica.

Sabemos que os romances que analisam quaisquer decadências possuem indiscutível charme. Dei-me conta disso desde a leitura de Os Buddenbrook há mais de 30 anos. As grandes obras literárias raramente são otimistas ou felizes e até na vida pessoal há certo encanto quando vemos, por exemplo, os amigos de nossa ex esforçando-se para nos olhar bem e quem nos acompanha para depois irem embora como se não nos conhecessem. A decadência é um olhar de conhecimento, desconfiança e nostalgia ao passado e de rejeição ao presente que quase todo literato adora. E é tanto o retrato da decadência metafórica quanto da física (de Zuckerman) e cultural (dos EUA) que espero ler no novo romance de Philip Roth.

O título deste post justifica-se por outros dois que escrevi sob a categoria de “O Fracasso da Literatura” e que foram recebidos com agrado por alguns e com maior ou menor hostilidade, por outros. As acusações de que estaria ficando velho por referir-me repetidamente à decadência das artes em geral são respondidas melhor por jovens ratos de biblioteca, pelos adolescentes que têm discotecas semelhantes a que eu tinha há mais de 30 anos e pelas meninas freqüentadoras das estandes de clássicos das vídeolocadoras — tão lindas, efusivas e desfrutáveis –, que me perguntam se há alguém melhor do que Bergman e Antonioni, porque já viram e sabem de cor as obras destes. Elas às vezes me chamam de “tio”… Viram? Adoro a decadência. Inclusive a minha.

O ex-futuro hooligan ouve "Bola de meia, bola de gude"

Primeiro, uma conversa entre amigos; depois, a audição de Bola de Meia, Bola de Gude no rádio do carro e — pronto! –, voltei aos anos 60-70 e à infância passada na avenida João Pessoa, em Porto Alegre. Sempre acreditei ter vivido uma infância normal, porém, quando a comparo com a de outros, acho que a minha mais parece a história da formação de um delinquente. Eu morava numa grande avenida que cruza com outra, a Ipiranga. A Ipiranga tem um arroio no meio (o Arroio Dilúvio), hoje bastante poluído. Desde aquela época, havia inúmeras pontes que o cruzavam e “nossa ponte” era fundamental para nossas jovens vidas. Éramos um pequeno grupo de meninos de nomes duplos. Se bem me lembro, os mais criativos nas brincadeiras éramos o João Batista, o João Rogério e eu, que atendia por Milton Luiz.

“Nossa ponte” era e é a mais interessante de todas pois, curiosamente, tem palmeiras altíssimas sobre ela. Tínhamos o costume ir lá com a finalidade de jogar gatos vivos no leito do Dilúvio. Para nós, era uma coisa sublime ver os pobres bichos voarem lindamente e caírem no riacho. Os gatos se desesperavam, nos arranhavam, grudavam em nossas roupas e mordiam, mas não tinham a menor chance. Por bem ou por mal, nós queríamos vê-los voando, caindo e nadando apavorados de volta à margem. Sei tudo a respeito das possíveis defesas destes felinos. Aqueles que não eram de primeira viagem (ou primeiro vôo), transtornavam-se rapidamente depois de capturados e ficavam violentíssimos. Havia um branquinho que me dedicava ódio especial.

Mas isto é apenas uma descrição leve de minha delinquência. Minha principal habilidade era a construção de “bombas-relógio”. Tratava-se simplesmente de um rojão com um cigarro aceso enfiado no pavio. Era muito fácil de montar, mas sempre me chamavam para dar uma auditada na coisa. Eu era “O Especialista”. Dentro do meu colégio, fiz explodir vários vasos sanitários. Hoje, quando penso no perigo que aquilo representaria se alguém estivesse utilizando a privada no momento da explosão, começo a suar frio. Não sei como podia ser tão irresponsável, inconsequente, etc. Nunca descobriram o(s) autor(es) de tais barbaridades, porém acho que, se alguém se machucasse, eu me denunciaria e seria imediatamente expulso do colégio. Esquivo-me deste assunto quando estou com meus filhos, pois a infância deles é totalmente diferente, mas nem sempre é possível.

Então, em meio a uma conversa sobre crianças, a Bárbara e Bernardo começaram a suplicar para que eu lhes contasse algumas de minhas aventuras infantis. Como tenho alguma dificuldade para mentir, contei-lhes aquilo de que me esquivava. Ficaram pasmos, não é todo mundo que tem como pai um ex-hooligan.

(O que acho curioso é que dentro deste hooligan havia uma criança sensível, que amava sua irmã, chorava por qualquer coisa e deixava-se emocionar pelos filmes de bichinhos do Walt Disney…)

O que mudou durante o período que separa nossas infâncias? Creio que o principal foi a exacerbação do sentimento de insegurança da classe média, que nos empurrou para dentro de casa. Nossa geração vivia na rua, a deles não; nossos amigos eram encontrados por aí, já eles se visitam após convites, telefonemas e negociações; ficávamos afastados de pais e empregadas, enquanto que hoje estes superegos convivem com eles; nossa agressividade manifestava-se como descrevi acima, a deles é destilada em jogos de computador proibidos, onde recebem pontuação especial para matarem velhinhas indefesas. Será que a mudança foi realmente causada pela insegurança ou estou sendo superficial? Sei que este é um problema limitado àqueles que não são suficientemente ricos para se refugiarem num condomínio fechado, nem suficientemente pobres para não terem outras preocupações além da subsistência.

Ah! A canção “Bola de Meia, Bola de Gude” é um dos mais felizes casamentos entre tema, música e letra que conheço. Trata-se da mais alegre das melodias: é bonita, vivaz e ousada. A letra é a mais adequada: ingênua, fácil e descompromissada. E o tema é o do adulto que fala do menino dentro de si. Quando todos os elementos convergem na mesma direção, expressando a mesma ideia, não podemos pedir mais.

Bola de Meia, Bola de Gude

Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto balança
Ele vem prá me dar a mão
Há um passado
No meu presente
Um sol bem quente lá no meu quintal
Toda vez que a bruxa me assombra
O menino me dá a mão
E me fala de coisas bonitas
Que eu acredito que não deixarão de existir
Amizade, palavra, respeito, caráter,
Bondade, alegria e amor
Pois não posso, não devo, não quero
Viver como toda essa gente insiste em viver
E não posso aceitar sossegado
Qualquer sacanagem ser coisa normal
Bola de meia Bola de gude
O solidário não quer solidão
Toda vez que a tristeza me alcança
O menino me dá a mão
Há um menino
Há um moleque
Morando sempre no meu coração
Toda vez que o adulto fraqueja
Ele vem prá me dar a mão

(Milton Nascimento/Fernando Brant)

Últimos Filmes Vistos

Fazia tempo que eu não fazia uma listinha dessas, né? Acho até que esqueci de anotar alguns filmes na agenda. As notas ao final de cada linha revelam meu grau de satisfação à saída do cinema e significam algo como isso:

5 – Não deixe de ver
4 – Muito bom
3 – Vale a tentativa
2 – Medí­ocre
1 – Uma bomba
0 – Além de bomba, mal intencionado.

21 – A Casa de Alice – A Casa de Alice – 2007 – Brasil – Chico Teixeira – 3
20 – Em Paris – Dans Paris – 2006 – França – Christophe Honoré – 4
19 – A Era da Inocência – L`Âge de Ténèbres – 2007 – Canadá – Denys Arcand – 5
18 – Uma Canção de Amor para Bobby Long – A Love Song for Bobby Long – 2004 – EUA – Shainee Gabel – 3
17 – Margot e o casamento – Margot at the Wedding – 2007 – EUA – Noah Baumbach – 2
16 – Os Amantes – Les Amants – 1958 – França – Louis Malle – 5
15 – 4 meses, 3 semanas e 2 dias – 4 Luni, 3 Saptamani si 2 Zile – 2007 – Romênia – Cristian Mungiu – 5
14 – Tomates Verdes Fritos – Fried Green Tomatoes – 1991 – EUA / Inglaterra – Jon Avnet – 3
13 – O Sonho de Cassandra – Cassandra`s Dream – 2007 – EUA / Inglaterra / França – Woody Allen – 3
12 – Um Beijo Roubado – My Blueberry Nights – 2007 – China / França / EUA – Kar Wai Wong – 2
11 – Desejo e Reparação – Atonement – 2007 – Inglaterra – Joe Wright – 4
10 – Três Mulheres – Three Women – 1977 – EUA – Robert Altman – 4
9 – M.A.S.H. – M.A.S.H. – 1970 – EUA – Robert Altman – 4
8 – O Caçador de Pipas – The Kite Runner – 2007 – EUA – Marc Forster – 1
7 – Mutum – Mutum – 2007 – Brasil – Sandra Kogut – 5
6 – Maria – Maria – 2005 – EUA / França / Itália – Abel Ferrara – 2
5 – Onde os fracos não têm vez – No Country for Old Men – 2007 – EUA – Ethan e Joel Cohen – 4
4 – Juno – Juno – 2007 – EUA – Jason Reitman – 3
3 – Meu nome não é Johnny – Meu nome não é Johnny – 2008 – Brasil – Mauro Lima – 2
2 – A Desconhecida – La Sconosciuta – 2006 – França – Giuseppe Tornatore – 2
1 – Coisas que perdemos pelo caminho – Things we lost in the fire – 2007 – EUA / Grã – Bretanha – Susanne Blier – 3

Mahler e o Gordão da H8

Mahler e o Gordão da H8

Em 2003, a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA) apresentou a Sinfonia Nº 2 de Mahler, “Ressurreição”. É uma obra para 200 músicos, entre instrumentistas e coral. O pequeno palco do Teatro da Ospa não comportava adequadamente toda esta gente mas… o que fazer? Além disto, a Ospa não dispunha de músicos suficientes para executar a obra — que exige 10 trompas, 8 contrabaixos, 8 trompetes, 6 trombones, 4 percussionistas, enorme coral, etc. — mas o que fazer senão ir buscar músicos nas orquestras de São Leopoldo, Caxias e Blumenau? O que não dava era ficar sem a Ressurreição! Todo este lindo e idealista esforço foi recompensado pela lotação completa do teatro — o que provava, pela undécima vez, que o público não quer ouvir somente musiquinhas ligeiras e indulgentes.

Mahler foi o maior regente de seu tempo e tudo o que ele não tinha era indulgência para com seus músicos e público. Compunha música belíssima e de complexidade acima da média. A orquestra ora é tratada convencionalmente (tocando em grupos de instrumentos), ora os músicos são pinçados individualmente ou em pequenos grupos para executar solos nada triviais. Este contraste entre orquestra normal e orquestra rarefeita é fundamental na música de Mahler e é um suplício para o músico despreparado, desatento ou nervoso. Numa palavra, Mahler é difícil, mas vale o esforço.

Chegamos ao Teatro e fomos para nossos lugares. Todos os amigos que encontrei estavam felizes com a perspectiva daquilo que aconteceria nos 90 minutos seguintes. Sentamos no mezanino: meu filho Bernardo no I10, eu no I12, Claudia no I14 e nossa amiga Daniela no I16. Quando a música começou, o Gordão que estava sentado à nossa frente, no H8, começou uma luta contra seu guarda-chuva. Não sabia onde colocá-lo, e ele e sua esposa Gordona, sentada no H6, começaram a conjeturar em voz alta qual era o melhor lugar para a geringonça, enquanto a mesma batia nas cadeiras, fazendo concorrência com a percussão mahleriana. O trabuco, após ser colocado entre duas cadeiras da fila em frente (!), repousou. Já a dupla, não. Acho admirável que um casal ainda tenha assunto depois de 30 anos de casados, mas não seria melhor procurar um restaurante para conversar? O Bernardo, que tinha 12 anos, começou a me cochichar:

— É a baleia falante…

E, depois de alguns minutos:

— Pai, tu sabias que as baleias podem cantar? Ainda bem que estas só conversam.

Algumas crianças têm um limiar de irritação bem alto, é o caso dele. O mesmo não se pode dizer da Claudia, que, à minha esquerda, lançava olhares furibundos para o Gordão. Já eu apenas suspirava audivelmente a cada reinício de conversa. Porém, a música era tão bela que nossa alegria foi retornando e o ódio ao Gordão foi se transformando em ironia. Numa das inúmeras pausas que Mahler impõe à orquestra, o Gordão perguntou intrigado à Gordona:

— Ué, parou?

A certamente impagável resposta da Gordona foi abafada pela orquestra. Uma pena!; mas, em determinado momento, aconteceram coisas que desestabilizaram o Gordão. Para que vocês entendam, é necessária uma explicação: os dois últimos movimentos da sinfonia propõem-se a fazer uma representação exterior (se bem que, como Mahler dizia, tudo era representação interior…) de nada menos que o Dia do Juízo Final e da Ressurreição dos mortos. Para tanto, o autor manda alguns instrumentistas (trompetes, trompas, percussão) para fora do palco. Enquanto saíam, o Gordão observava:

— Ué, não tão gostando? Já vão embora?

Mahler

Não, meu caro amigo. É que de lá, dos bastidores, eles iniciarão um conflito fantasmagórico com a orquestra que está no palco. Quando a orquestra do palco executar o suave tema da redenção, dos bastidores virá o som das trompas e da percussão executando o que Mahler disse representar “as vozes daqueles que clamam inutilmente no deserto”. Este trecho fez com que o Gordão levasse seu corpo para a frente, a fim de observar bem o fenômeno. Falou para sua mulher que não sabia quem estava tocando. OK. Só que logo depois começou a marcha dos ressuscitados no Juízo Final. Em meio a este tema, as trompas e os trompetes que estão lá atrás nos bastidores — representando agora a enorme multidão de almas penadas –, enchem o ar com seus apelos vindos de todos os lados do palco. Aquilo foi demais para o Gordão. Ele se virou indignado para a Gordona e afirmou:

— Não é possível! Tem gente ensaiando lá fora! No meio do concerto!

Não foi possível conter o Bernardo. Mesmo tapando a boca com a mão, todos os que estavam perto ouviram sua risada.

Apesar disto, foi uma noite inesquecível. A OSPA, naquela noite com Isaac Karabitchevsky, esteve muito bem. Tanto que guardei os ingressos com um recadinho atrás: “Bela noite. Não esquecer do Gordão da H8 e de sua Gordinha da H6”.

Permanência

A Sérgio Gonçalves

Aos que permanecem sobram as culpas,
esquecem que
todas as decisões são solitárias.

Solitária é
a decisão de pousar as mãos
e não escrever.

Solitária é
a decisão de erguer-se todos os dias
e trabalhar.

Solitária é
a decisão do que ouve
de não ouvir.

(Solidária é
a decisão de ensinar
e aprender.)

Solitária é
a decisão de chegar ao clímax
e descansar.

Solitário é o fim.

Solitários,
decidimos que o formigueiro,
pisoteado e destruído,

seja reconstruído.
Por cada um de nós,
solitariamente.

O Tcheco

Era uma manhã ensolarada no centro antigo de Verona, na Itália. Estávamos, eu e algumas amigas, na parada de ônibus. Íamos para a estação pegar o trem com destino a Padova. Tinha 20 anos, havia chegado do Brasil há pouco tempo e não conhecia bem a língua. Fazia cursos durante a semana e aproveitava para viajar em fins de semana como aquele.

Foi quando um homem elegante de uns 40 anos, de óculos escuros como nós todas naquela manhã luminosa, me abordou. Estranhamente, segurou meu braço — será que é o costume daqui? — e me pediu para lhe informar quando chegasse o ônibus para Porta Vescovo. Pensei logo tratar-se de uma desajeitada abordagem galante; não gostei, fiquei um pouco irritada. Afinal, será que ele mesmo não poderia ler? Sabia que os europeus adoravam brasileiras e eu – mesmo sendo de origem italiana – tenho a tal pele olivastra, aquele tom moreno claro que eles amam. Era o Dia de Santo Antônio, o santo casamenteiro, e minha avó, devota do santo, tinha-me feito prometer que iria em seu santuário no dia da festa. Eu, diga-se de passagem, tinha ido para a Itália me recuperar de uma grande desilusão amorosa e estava arredia a qualquer contato com o sexo oposto. Mas por que aquele homem bonito iria me pedir logo aquilo? Por que não entabulou outro tipo de conversação? Tratei de me afastar.

Aproximei-me de uma de minhas colegas e disse:

— Que coisa estranha…
Lui è cieco (pronuncia-se tcheco) – respondeu-me Ornella.

E daí? Grande coisa, pensei comigo, ele é tcheco, eu sou brasileira. Será que os tchecos — mesmo os que falam um italiano perfeito — são idiotas? Que preconceito contra os europeus do leste…! O que dirão de mim, uma brasileira? Será que o fato do tcheco ter sido alfabetizado em cirílico o atrapalharia com o alfabeto ocidental? Porém, para ter aquele italiano sem sotaque, não teria ele antes aprendido a ler? Quando o ônibus aguardado chegou à parada, Ornella indicou-lhe delicadamente.

Fiquei pensando naquilo e questionei minhas amigas se elas achavam que uma pessoa que fala perfeitamente o italiano, mesmo sendo um tcheco, não poderia lê-lo. Elas me olharam desconcertadas e depois explodiram em risadas.

Só depois soube que Cieco era cego e não tcheco.

Esta história foi escrita a pedido da Tchela e publicada em 2003 no Repórter Saci, um site dedicado à inclusão social e digital de deficientes físicos. A história e as circunstâncias são reais.

O Poste de Vapor, de Ferenc Molnár

O escritor não sabe quando aprende.
FERENC MOLNÁR

É estranha a trajetória do húngaro Ferenc Molnár (1878-1952). Autor de crônicas em jornais húngaros, de livros infanto-juvenis — é dele o clássico Os Meninos da Rua Paulo –, de peças de teatro em sua maioria muito bem escritas mas sentimentalóides, acabou emigrando para os Estados Unidos onde tornou-se requisitado dramaturgo, principalmente para a Broadway. Várias de suas histórias cômicas foram passadas para o cinema em filmes de Henry King, Billy Wilder, Michael Curtiz e outros. Não era somente popular, mas um escritor respeitado. Imaginem que este autor da Broadway recebeu adaptações de Arthur Miller para rádio e o teatro e Tom Stoppard fez o mesmo modernamente. Molnár é um raro caso de sucesso popular e literário.

Mas isto ocorria separadamente, obra a obra: há um posfácio neste O Poste de Vapor que nos explica que Molnár produziu às vezes “para a literatura” e outras vezes “para o mercado” — expressões minhas. Concordo com o autor do posfácio: certamente, este livro pertence à parte literária de sua obra. O narrador é um jovem jornalista que descreve as loucuras de certo falso capitão, seu colega numa estação de águas termais, localizada na bela ilha Margarida, que fica entre Buda e Pest, no rio Danúbio.

As inverdades e loucuras do capitão dos hussardos, em si muito engraçadas, são apenas o primeiro plano de uma demonstração da inconseqüência de muitas atitudes — boas ou maldosas — e do oportunismo de outras. Não é um livro otimista ou que promova bons sentimentos ou de final feliz, mas é curiosamente sedutor e agradável. Vá entender.

Porque Hoje é Sábado, Monica Vitti

Monica Vitti fez alguns dos maiores filmes que assisti. Tal como nessas fotos, ela…

…aparecia sempre séria e algo tensa. Mas é um equívoco imaginá-la distante e silenciosa.

Em sua vida pessoal e nas entrevistas, o que se vê é uma mulher engraçadíssima e…

… meio destrambelhada, nada a ver com as grandes personagens de Michelangelo Antonioni.

A belíssima Monica nasceu Maria Luisa Ceciarelli, em Roma, no distante 1931. Nunca imaginaria…

… que está por completar 77 anos. Enquanto as pessoas verem bom cinema, Monica será certamente…

… vista. Afinal, esteve presente na “trilogia da incomunicabilidade”, formada pelos perfeitos …

… A Aventura (1960), A Noite (1961) e O Eclipse (1962). Concordo com o Moacy Cirne:

“Nos anos 60, Monica era a minha deusa, a minha loucura, a minha Nossa Senhora dos Filmes Imperdíveis.”

Antes de encerrar, vejam a imagem ao lado: trata-se de Julie Debazac, uma jovem atriz francesa. Faz algum tempo, a Cynthia Feitosa me enviou esta foto para me mostrar a extraordinária semelhança que a moça guardava com a Vitti. Incrível, né?

Hoje, cinco anos de blog

Acompanhar blogs é uma coisa estranha. Quando caminho distraído pela rua, quando divago esperando o sono chegar ou quando dirijo meu carro, carrego comigo fatias das histórias e dos textos de muitos blogueiros. Alguns são confessionais e a gente vai pouco a pouco montando as histórias de seus donos. Outros se pretendem não confessionais, mas só nos dão um pouco mais de trabalho. Não sei quantas amizades fiz através do blog; garanto que foram muitas mais do que faria desconectado e, se foram 7 ou 700, é o que menos interessa. O que importa é que conheci muitas pessoas afins e quem tem afinidade conosco é sempre alguém maravilhoso, não? Peraí, esta frase foi um indisfarçado autoelogio, então deixem-me reformular dizendo que é sempre maravilhoso encontrar alguém que guarde afinidade conosco, alguém que tenha a potencialidade de conversar de chinelos conosco, sentado em nossa cozinha com tudo por lavar. Mas ainda não está bom; talvez fosse melhor dizer que o maravilhoso do blog é conhecer pessoas que abordam a vida de forma semelhante à nossa e sentir que podemos admirá-las. Há em todas estas tentativas de frase um forte componente narcisista, mas estamos livres disto em nossa grande reunião? E… onde estaríamos 100% livres de nosso narcisismo se até na forma com que passamos a faca na manteiga há paixão, estilo e, portanto, narcisismo?

Bem, perdi o foco. Queria dizer que blogar não me dá grande trabalho, pois escrevo meus textos mentalmente a qualquer momento e depois é só transcrevê-los no teclado. Não, nenhum sofrimento, nenhuma dor pré-parto, nada. Estou adestrado. Chego no computador com a estrutura, o plot e algumas expressões prontas. Minha mulher acha que passo horas preparando o que publico, mas é um equívoco. O que ela não desconfia é que metade da minha mente está atenta à vida cotidiana, metade está escrevendo para o blog ou para mim mesmo e metade está tocando música. É um tumulto como a cabeça de qualquer um.

Mas voltemos ao assunto do título. Hoje, completo 5 anos de blog. Mesmo com pouco tempo disponível, não pretendo parar. Começou despretensiosamente e, quando soube da visitação, virou quase trabalho. Se comparada a de alguns colegas, nunca tive grande popularidade, mas tenho números suficientes para me deixar ligado. Aqui, em meu mural, falo em público sem ficar nervoso, viro tarado aos sábados, resenho livros, crio minha pobre ficção, provoco, me coleciono, faço e aconteço. Não sou tímido, mas aqui sou ainda menos. Perfeito! Mas gosto tanto de escrever quanto de acompanhar as fatias de vida e arte que nos são expostas pelos outros blogueiros e fazer minhas montagens. É um enorme quebra-cabeças espalhado pelo chão.