Lê Hilda Hilst = porra louca gente boa
Lê Clarice Lispector = gay filosófica
Lê Bukowski e Kerouac = esquerdomacho
Lê Machado de Assis = militante da ironia amo sou
Lê poesia contemporânea = pessoa perdida na vida
Lê Jane Austen = iludida cai em papo de macho lixo
Lê Lima Barreto = vamo protestar taca fogo em ônibus
Lê Mário de Andrade = gay performática
Lê Nelson Rodrigues = fetichista
Lê Drummond = obedece os pais mas usa droga fora de casa
Lê Conceição Evaristo = ama a mãe
Lê Virginia Woolf = ama gatos, beija mulheres
Lê Lygia Fagundes Telles = gótica popular
Lê Carolina Maria de Jesus = tirou mais de 900 na redação do Enem
Lê Ana Cristina Cesar = bissexual dominatrix
Lê Álvares de Azevedo = tem tesão em mulher com cara de morta
Lê Cecília Meireles = diretora de escola que bebe uísque
Lê Fernando Pessoa = jovem místico dos signos
Lê Manuel de Barros = vegano
Lê Adélia Prado = transa atrás da igreja
Lê Oswald de Andrade = combina suruba em app
Lê Monteiro Lobato = votou no Bolsonaro
Lê Fernando Sabino = tio do pavê amado por todos
Lê Manuel Bandeira = frequentador de puteiro e cemitério
Lê Gregorio de Matos = treta sobre política no grupo da família
Lê Kafka = café cigarro e antidepressivo
Lê Guimarães Rosa = faz trilha no mato pra fumar maconha
Lê Derrida = palestrinha
Lê Olavo Bilac = escreve soneto pra pedir a amada em namoro
Lê Abdias do Nascimento = feed conceitual no insta
Lê Shakespeare = já foi amante, já planejou vingança, hoje escuta Marília Mendonça
Lê Jorge Amado = poliamorista, sempre em alguma roda de samba
Lê Paulo Coelho = militou contra a ditadura
Lê Alphonsus de Guimaraens = vender minha arte na praia
Lê Graciliano Ramos = cara de cu, coração de manteiga
Lê Rachel de Queiroz = opiniões polêmicas mas querida por todos
Lê João Gilberto Noll = só pensa em cu
Lê Milton Hatoum = faz meditação e yoga
Lê Roberto Piva = tem perfil pornô no twitter
Lê Luiz Ruffato = putasso cortou relações com todos os familiares bolsomínions
Lê Caio Fernando Abreu = só se alistou pra ver homem pelado
Lê Maria Firmina dos Reis = historiadora fumante
Lê Augusto de Campos = workaholic perfeccionista
Lê Pagu = se demitiu xingando o chefe no LinkedIn
Lê Henry Miller = fica o dia todo em app de pegação
Bom dia, Miguel Ángel Ramírez (com os lances de Inter 0 x 0 Always Ready)

Não sei é ele o cara certo para isso, mas a mudança que Miguel Ángel Ramírez está tentando implantar é necessária. Esta é apenas a MINHA opinião. Sim, sei, não é muita coisa.
Eu preferia ser mais jovem, só que realmente vim de outra época e não suporto ver meu time medroso, reativo, jogando por uma bola, como fazíamos desde Argel até Abel. Marcávamos um gol e corríamos para “fechar a casinha”, ganhando por diferença mínima ou deixando o adversário empatar ou virar ao chamá-lo para o nosso campo. E gosto de futebol, não somente de resultados.
MAR não me parece ser o cara para isso, mas está tentando. Não ganhamos o Brasileiro por vários pontos perdidos ao longo do campeonato, mas os mais claros foram aqueles não ganhos contra o Corinthians, quando vimos um time acostumado a se fechar sendo obrigado a atacar pela proposta de jogo do adversário. Lembram? Quase perdemos o jogo no primeiro tempo. E o que estávamos decidindo era uma taça que não vemos há 41 anos. Agora são 42.
O Corinthians não é muito melhor do que o Always Ready. Nem o Sport é.
O problema maior não é a intenção de Alessandro Barcellos de bancar a ruptura — acho que isto é correto –, mas sim a falta de dinheiro. Lomba e outras ruindades deveriam estar longe do Beira-Rio, só que não conseguimos contratar chegando aos outros clubes com o pires na mão. Também os jovens estão vindo MUITO mal formados. Peglow, Caio, Johnny, Roberto, Zé Gabriel e outros não respondem, deixando jogadores de postura duvidosa, como Edenílson, Dourado e Galhardo, surfando em suas titularidades.
O caminho será um longo e difícil e espero que Barcellos não recue. É claro que eu chamaria Bielsa ou Guardiola e contrataria um monte de caras bons, mas nego-me a pedir cabeças quando é impossível contratar e mesmo dispensar — pois dispensar também é caro.
Acho que o período que vem pela frente não nos levará à segunda divisão, só que, concordo, finalizar 20 vezes e perder 5 gols cara a cara num joguinho contra o Ready é para irritar mesmo. E quem toma na cabeça, no Brasil, é o técnico, não o Galhardo e outros.
Agora o Inter vai jogar só contra nordestinos: Sport (C), Vitória (F), Fortaleza (F), Vitória (C) e Bahia (F).
Se não aprender a jogar, talvez aprenda a votar.
Escritores que você deveria cancelar (I): George Orwell
[Ironic & Provocation Mode ON]
E quando seu escritor favorito é um ser humano horrível? Um racista? Um canalha? Um cara que tentou matar alguém? Alguns dos melhores romances e contos foram escritos por homens e mulheres de Lados B muito obscuros. No papel, são mestres em seu ofício. Na vida real, eles traíram colegas, agrediram membros da família e deixaram amigos tremendo de medo.
I. George Orwell vendeu muitos escritores
Politicamente falando, George Orwell era um socialista que odiava abertamente odiava a União Soviética. O cara desprezava o totalitarismo do país e, como prova, deixou-nos Fazenda dos Animais e 1984, com claras alusões ao modus operandi da ex-URSS.. Mas embora Orwell odiasse ditadores e burocracias autoritárias, isso não o impediu de vender alguns de seus colegas escritores e artistas a uma poderosa agência governamental.
Na década de 1940, Orwell fez alguns trabalhos para o Foreign Office do Reino Unido, especificamente para um grupo denominado Information Research Department (IRD). Em verdadeiro estilo orwelliano, aquele nome aparentemente inócuo pertencia a um departamento especializado em produzir propaganda. O trabalho do IRD era difamar os soviéticos, e Orwell ajudou-os a não contratar pessoas com simpatias daquele lado de lá. Visando alguns nomes de destaque, Orwell elaborou uma lista de escritores e pessoas influentes que acreditava estarem do lado vermelho da força. Ele entregou sua lista negra ao IRD.
(Fui aluno do Colégio Estadual Júlio de Castilhos e na minha época não somente o aluno delatado era eventualmente punido. Em caso de punição, o delator recebia a mesma pena para aprender a não ser como Orwell).
Bem, foi algo muito sujo, especialmente para um homem que criou o Big Brother. Para piorar, parece que muitos autores e atores acabaram na lista de Orwell porque eram negros, judeus ou gays. Embora não tivesse o impacto de um Joseph McCarthy, Orwell provou ser um hipócrita que poderia fazer um excelente trabalho trabalhando para a Thought Police.

Nós, Mulheres, de Rosa Montero
Este é um livro que traça perfis de mulheres. É uma compilação de todas as pequenas biografias — de mais ou menos dez páginas cada — que Rosa Montero publicou no suplemento dominical do El País. Como diz a autora:
Sempre tive grande simpatia por biografias, autobiografias, coleções epistolares e diários, sobretudo de personagens (tanto masculinos como femininos) do mundo das letras. Dessa antiga paixão nasceu a série de artigos reunidos neste livro: dezesseis retratos de mulheres originalmente publicados no EL PAÍS Semanal. Quase todos aparecem aqui em versão ampliada, livres que estão da estreita ditadura do espaço.
Não se trata, obviamente, de um trabalho acadêmico, nem mesmo de um trabalho jornalístico no sentido mais tradicional da palavra. Não há, portanto, nenhuma intenção de cobrir campos, sejam eles geográficos, temporais ou profissionais: ou seja, não selecionei as biografadas para que representem a situação da mulher nas diversas etapas da história, nem para que haja um elenco adequado de culturas e países, e nem por serem as mais famosas. Para falar a verdade, mais do que eu as ter escolhido, foram elas que me escolheram: vou falar daquelas mulheres que, em algum momento, falaram comigo. Aquelas cuja biografia ou diários me impactaram por algum motivo em especial, que me fizeram refletir, viver, sentir. Portanto, mais que uma visão horizontal e ordenadora, própria do jornalismo e do trabalho acadêmico, meu intento foi uma visão vertical e desordenada, própria daquela espécie de olhar tão especial com que às vezes (numa noite antes de dormir, num entardecer enquanto dirigimos de volta para casa) pensamos vislumbrar, por um instante, a substância mesma do viver, o coração do caos.
E por que apenas mulheres? Justamente por essa sensação, que já mencionei, de abrir as águas quietas e extrair lá de baixo um monte de surpreendentes criaturas abissais. Além disso, ao ler biografias e diários de mulheres descobrimos perspectivas sociais inimagináveis, como se a vida real, a vida de cada dia, composta de homens e mulheres de carne e osso, tivesse seguido outros roteiros que não os da vida oficial, coligida com todos os preconceitos nos anais. Vejamos, por exemplo, o tema do amor da mulher mais velha por um homem jovem; dir-se-ia que essa relação, durante muito tempo considerada um fato extravagante e escandaloso, foi até agora (e em boa medida parece ser ainda hoje) uma completa exceção à normalidade. No entanto, nada como começar a mergulhar na vida das antepassadas para descobrir uma profusão espantosa de situações similares.
Bem, voltei. Voltei para dizer que achei que poderia ler o livro aos poucos, abordando uma retratada de cada vez e interrompendo a leitura. Mas aconteceu o exato contrário, eu comi Nós, Mulheres de cabo a rabo, rapidamente. Ou seja, Rosa Montero tem uma prosa absolutamente envolvente e eu me obrigava a passar de um texto a outro direto.
A seleção é dominada por artistas e mulheres de letras — George Sand, Simone de Beauvoir, Agatha Christie, Mary Wollstonecraft, Camille Claudel, Frida Kahlo. Das cientistas, a única que pertence ao campo das humanas é a antropóloga Margaret Mead. Há também algumas mulheres guerreiras (de armas e de comando de exércitos) e, sobretudo, aquelas que se dedicam à área de exatas, talvez as mais esquecidas em publicações normais, até porque se moveram em um ambiente tradicionalmente hostil para as mulheres.
Montero esclarece, ao referir-se aos seus critérios de seleção, que não está a tentar fazer uma hagiografia, que não está a tentar apresentar exemplos de “vidas virtuosas”. O despotismo e a crueldade de Irene de Constantinopla, a possessividade maternal doentia de Aurora Rodríguez, culminando no assassinato de sua filha, ou o pernicioso delírio messiânico da poetisa Laura Riding estão longe do que poderíamos considerar laudatório. Montero diz: “Eu sempre disse que teremos alcançado uma verdadeira igualdade social quando pudermos ser tão estúpidos, ineficazes e maus como alguns homens, sem sermos especificamente escolhidos para isso”.
Em qualquer caso, não se pode negar que é um livro informativo, muito bem escrito e planejado e que fornece dados interessantes e pouco conhecidos. Eu curti muito e RECOMENDO.
A Couple on the Escalator, de Holly Warburton
O fazer literário de dois gênios e um romance gaúcho para aquecer o clima
A newsletter de amanhã da Bamboletras.
Olá.
Esta é uma semana de grandes lançamentos: a biografia de João Gilberto Noll escrita por Flavio Ilha, os extraordinários Diários de Franz Kafka e um originalíssimo romance que se passa aqui ao lado da Cidade Baixa, no Menino Deus, são três excelentes dicas da Bamboletras para esta semana fria e de algum temor sobre uma terceira onda que esperamos que não ocorra.
Poderíamos mostrar outros ótimos livros, mas mantenhamos nosso número tradicional de três, que está nos três poderes (Judiciário, Executivo e Legislativo), nos Três Mosqueteiros, nos Três Porquinhos, nos três sobrinhos do Pato Donald (Huguinho, Zézinho e Luizinho), na Santíssima Trindade, etc.
Boa semana com boas leituras!
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João aos Pedaços, de Flávio Ilha (Diadorim, 248 páginas, R$ 60,00)
Biografia do escritor João Gilberto Noll, resultado de quatro anos de pesquisa do jornalista e escritor Flávio Ilha. A obra traz também quatro contos inéditos e dezenas de fotos de Noll, além de cartas e trechos do romance inacabado que o escritor deixou. Ilha teve acesso a cartas e documentos pessoais de Noll cedidos pela família e amigos. O jornalista e escritor é leitor de Noll desde seu primeiro livro, ‘O cego e a dançarina’, de 1980. Em menor ou maior intensidade, acompanhou de perto seu trabalho, mas só foi conhecê-lo pessoalmente em 2016, ao cursar uma de suas oficinas literárias. Nesta ocasião os dois iniciaram um processo juntos: Flavio propôs a produção de um documentário sobre sua história literária, que seria feito a partir das tradicionais caminhadas do escritor no centro da cidade de Porto Alegre, e também de leituras de trechos de seus livros por pessoas convidadas. “Noll inclusive já havia selecionado alguns trechos para ler, estava empolgado, mas morreu antes de conseguirmos dar início ao projeto. Como não seria possível fazer o trabalho sem ele, decidi transformar em uma biografia. Comecei aos poucos, tateando, procurando pessoas. Só engrenou mesmo em 2019” afirma Flávio Ilha.
Diários, de Franz Kafka (Todavia, 572 páginas, R$ 99,90)
“Tudo que não é literatura me entedia”, anota Franz Kafka em certo dia de 1913. A essa altura, Kafka, um advogado judeu de Praga, era funcionário de um instituto de seguros trabalhistas e começava a receber uma modesta atenção como o autor da novela ‘O veredicto’. Sua glória seria póstuma e por obra do amigo Max Brod, que não destruiu sua obra como lhe fora pedido e fez o contrário, divulgou-a. Uma prova disso são estes ‘Diários’, verdadeiro monumento literário do século XX traduzido integralmente pela primeira vez no Brasil por Sergio Tellaroli. São páginas assombrosas. Constituem aquilo que o escritor argentino Ricardo Piglia qualificou como o “laboratório do escritor”: o espaço em que o autor de ‘A metamorfose’ experimentava e afiava a sua escrita em meio a comentários sobre sua época, suas leituras, suas decepções amorosas, rascunhos de cartas, relatos de sonhos, começos de obras literárias jamais concluídas, bem como diversas de histórias acabadas.
Olivetti Lettera 32, de Carolina Panta (Zouk, 178 páginas, R$ 46,90)
Olivetti Lettera 32 é um romance de 37032 palavras. Um narrador incomum. Três personagens expostas a páginas escritas. Uma máquina de escrever. O romance estrutura-se a partir de um livro recebido. Cada uma das mulheres residentes no prédio do bairro Menino Deus acaba por, em algum momento de um mesmo dia, receber um tomo. Os volumes estampam seus nomes nas capas. O que se cria, a partir da chegada dos exemplares, é um resgate de suas vidas. Um narrador misterioso, aparentemente onisciente, busca métodos de escrita e recursos linguísticos para contar essas mulheres. Descobre-se, assim, durante a leitura das narrativas, um sentimento de culpa transversal ao feminino das personagens. Muito disso é apresentado pelo narrador a partir de bilhetes anexados às obras. Ele conversa, expõe-se também às personagens trazendo os dramas das mulheres aos olhos da leitura, assim como os seus próprios. Diva, Eleonora, Maria Luíza. Três personagens de tempos diferentes, vivenciando a dor e o prazer de se constituir como mulher.
Royal Academy of Music nega política de cancelamento
A instituição londrina contestou a matéria do Telegraph de ontem, de que planejava descolonizar instrumentos de marfim e cancelar compositores do tráfico de escravos. Aqui está o texto:
Não há planos de descartar instrumentos do acervo da Academia. As análises que faremos estão preocupadas apenas com o armazenamento das coleções no local e como interpretamos os itens em nossas coleções.
Não iremos descartar instrumentos musicais com base em sua proveniência ou associações. Além disso, o artigo do Telegraph afirma que temos uma ‘vasta coleção de manuscritos do compositor Handel’ — não possuímos, de fato, nenhum manuscrito original de Handel.
A Academia sempre treinou seus alunos para os ambientes profissionais musicais. É vital que eles entendam as forças culturais, políticas e socioeconômicas que moldaram as tradições musicais, bem como as questões que as estão moldando no presente, como a pandemia e as questões em torno da igualdade, diversidade e inclusão. Esta formação inclui dar voz a figuras anteriormente silenciadas ou marginalizadas, bem como compreender os contextos em que trabalharam figuras icônicas como Handel e Mozart. Não removemos Handel, ou qualquer outro compositor, do plano de estudos.
Para nós, inclusão significa alargar a rede, não anular figuras e artefatos históricos.
Para descolonizar Handel
Norman Lebrecht
Traduzido mal e porcamente por mim
O Sunday Telegraph relata hoje que a Royal Academy of Music de Londres está revisando sua coleção com a intenção de remover itens que possam estar ligados ao passado colonial da Grã-Bretanha.
Pianos feitos com marfim colonial e artefatos ligados ao compositor do Messias Georg Friederich Händel, que investiu no comércio de escravos, podem ser potencialmente problemáticos.
Para quem, exatamente, nos perguntamos.
Pense bem antes de enviar objetos históricos a essas instituições intelectualmente comprometidas.

Salman Rushdie mete sua colher na questão do cancelamento da biografia de Philip Roth
Por Walker Caplan
Traduzido mal e porcamente por mim
No início desta semana, soubemos que a Skyhorse Publishing está pronta para republicar Philip Roth: The Biography, de Blake Bailey, depois que a editora inicial do livro, a WW Norton, colocou o livro fora de impressão devido a notícias de que Bailey havia assediado e agredido ex-alunos de sua turma da oitava série e estuprou a executiva editorial Valentina Rice .
Antes das notícias sobre a decisão da Skyhorse, críticos, a indústria editorial e leitores estavam divididos sobre a decisão da Norton de retirar o livro. Alguns concordaram, outros condenaram o comportamento de Bailey, mas argumentaram que os livros têm valor além de seus autores (ou argumentaram que as deficiências do livro lhe conferem valor histórico). Alguns temiam que a WW Norton abra um precedente preocupante para retirar os livros da impressão. O último a meter a colher foi Salman Rushdie. Em uma entrevista ao Irish Times, Rushdie compartilhou seus pensamentos sobre a decisão de Norton de tirar a biografia de Roth da impressão:
Eu não li o livro de Bailey, mas, em geral, não gosto da ideia de nenhum livro ser descartado porque o autor possa ser um canalha. Posso entender a repulsa dos editores por tal autor, obviamente. Mas parece censura moral. E eu não gosto das sugestões que foram feitas de que isso, de alguma forma, ‘cancela’ Roth também.
Há um movimento progressista juvenil, muito do qual é extremamente valioso, mas parece haver dentro dele uma aceitação de que certas ideias devem ser suprimidas, e acho que isso é preocupante. Onde quer que tenha havido censura, as primeiras pessoas a sofrer com ela são as minorias desprivilegiadas. Portanto, se em nome das minorias desprivilegiadas você deseja endossar a supressão do pensamento errado, estamos em uma via escorregadia.
Rushdie também teve seu ‘cancelamento’. Passou uma década escondido sob proteção policial depois que o aiatolá Khomeini do Irã emitiu uma fatwa pedindo a morte de Rushdie após a publicação de Os Versos Satânicos. Os Versos Satânicos foram proibidos em vários países; cadeias de livrarias pararam de vender o livro. O tradutor japonês de Rushdie foi esfaqueado e assassinado, seu tradutor italiano foi esfaqueado e gravemente ferido, e seu editor norueguês foi baleado, mas sobreviveu). Rushdie tem sido um defensor da liberdade de expressão, tuitando sua desaprovação aos escritores que se retiraram do evento PEN’s 2015 Gala por causa de sua decisão de homenagear o Charlie Hebdo, assinando a polêmica “Carta sobre Justiça e Debate Aberto” de Harper.
Disse Rushdie ao The Guardian após a controvérsia PEN / Charlie Hebdo: “Se apenas endossássemos a liberdade de expressão para as pessoas de quem gostamos de falar, isso seria uma noção muito limitada de liberdade de expressão”. Para Rushdie, o cancelamento do livro de Blake Bailey é outra ameaça à liberdade de expressão, se sua censura depende de definições prévias.
Biografia de Philip Roth escrita por Blake Bailey foi “cancelada”
(Traduzo rápida, mal e porcamente este artigo para mostrar como a cultura de cancelamento norte-americana está atingindo gente como Philip Roth. Não quero saber muito sobre a vida pessoal de Bailey, mas fico perplexo com a vontade de destruir a obra de alguém através de sua vida. Já temos Allen, não? Se o artigo cancela o biógrafo — talvez ele mereça –, atinge também Roth de maneira profunda. Por exemplo, a foto que acompanha o artigo é inequívoca. Para quem lê inglês, será melhor clicar no link porque minha a tradução é quase sem revisão).
O novo livro de Blake Bailey sobre Philip Roth foi retirado por sua editora nos Estados Unidos após várias alegações de má conduta sexual contra o biógrafo. O trabalho deve ser julgado pelos padrões de sua vida?
Por Leo Robson
Tradução mal feita por mim
Um dos elementos mais impressionantes das acusações contra o célebre biógrafo literário Blake Bailey foi a rapidez e o veemência de sua negação. Ao longo das últimas semanas, Bailey, 57, cuja biografia de Philip Roth foi publicada no mês passado, foi acusado de vários atos de agressão sexual. As alegações abrangem um período de 20 anos, desde meados da década de 1990, quando Bailey começou a dar aulas de inglês para a oitava série na Lusher Charter School em New Orleans, até 2015, quando Valentina Rice, uma executiva editorial da Bloomsbury USA, afirmou que ele a estuprou na casa do crítico do New York Times Dwight Garner. Bailey foi imediatamente dispensado por seu agente e sua editora americana, WW Norton (que, ao que constava, já havia sido informada sobre o relato de Rice) e interrompeu uma segunda impressão de seu livro sobre Roth, que já era um best seller.
Uma declaração do advogado de Bailey enfatizou que seu cliente nunca “recebeu qualquer reclamação sobre seu tempo em Lusher”. Na era pós-#MeToo, essa defesa tem pouco peso; Bailey estava em uma posição de poder e há várias alegações de que ele se envolveu em um comportamento excessivamente familiar para um ambiente escolar. Embora ele tenha rejeitado todas as acusações recentes contra ele como falsas, Bailey admitiu no passado ter relações com ex-alunas.
Até que os detalhes do contrato de Bailey sejam conhecidos, a retirada feita pela editora do livro, a Norton, da biografia de Roth, parece uma decisão estranha ou pelo menos arbitrária, uma vez que o livro não defende a violência sexual e sua escrita não depende nem foi facilitada pelos supostos crimes de seu autor. (Uma explicação pode ser simplesmente que o editor tomou a decisão à luz da revelação de que já sabia das alegações de Rice.)
Como escândalo literário, a história lembra a de Paul de Man, o crítico belga conhecido por seu trabalho sobre a indeterminação da linguagem que, depois de sua morte, publicou postumamente uma série de artigos em jornais pró-nazistas.
Como escritor, Bailey se especializou nos supostos paradoxos do caráter humano — como alguém pode ser sábio ou emocionalmente intuitivo ou encantador e também agressivo, frio, violento, irresponsável? À primeira vista, parece óbvio o que une os sujeitos das três primeiras biografias de Bailey. Richard Yates (2003), John Cheever (2009) e Charles Jackson (2013): eram todos, em uma frase preferida, “alcoólatras colossais”. O irmão mais velho de Bailey, Scott, era multiplamente viciado e um predador sexual — ele agrediu Bailey pelo menos uma vez — que passou um tempo na prisão e acabou se matando. (Ele foi diagnosticado como esquizofrênico, mas parece mais provável que ele sofresse de um transtorno de personalidade.)
***
O próprio Bailey foi um alcoólatra durante vinte e trinta anos, e ele disse que o fato de Yates e Cheever escreverem sobre “famílias suburbanas aparentemente prósperas e felizes que são realmente afetadas pelo álcool e doenças mentais e assim por diante, pode ter algo a ver com o porquê fiquei atraído pelo trabalho deles ”. Ele também observou que “o que realmente me atrai são personalidades compartimentadas”. Se a atração pela primeira categoria tem suas origens nos fatos de sua experiência, então o apelo da segunda certamente se relaciona com a sensação de Bailey de que “há aspectos de minha natureza que são desprezíveis”. (Ele acrescentou: “Mas eu não sou a soma das minhas qualidades desprezíveis.”)
Ele descreveu John Cheever como “uma espécie de meu sujeito por excelência”, acrescentando que ele tinha uma “ personalidade muito compartimentada”. Cheever se imaginava, Bailey disse, como “um brâmane de Massachusetts que desempenhou o papel de um “paterfamilias do condado de Westchester”. Ele era “um homossexual enrustido que gostava de companhias muito rudes” e, como Bailey disse em outro lugar, estava “apavorado o tempo todo” de que as pessoas descobrissem a verdade. Cheever era “charmoso” e “um mentiroso sem vergonha”. Bailey disse que gostaria de “resolver esse quebra-cabeça”: como um componente de uma personalidade se relaciona com outro que parece diametralmente oposto? Ele disse que “os monstros são fascinantes”.
O retrato da divisão de Bailey carrega uma dimensão ética. Ele revelou que ouviu coisas dos detratores de Cheever “fariam absolutamente você ficar de cabelos em pé”. Mas ele tende a procurar “as coisas atenuantes”, e que saber tudo é perdoar a todos. “Nunca odiei remotamente meus súditos”, disse ele há não muito tempo. “Na verdade, sempre senti uma afinidade calorosa … Tenho uma visão muito sombria de mim mesmo como ser humano, então realmente não é minha função lançar calúnias.” Bailey citou o método de Albert Goldman em sua biografia cruel de Elvis Presley como o “oposto de como eu trabalho”. (Ele elogiou as memórias de Michael Mewshaw de Gore Vidal por revelá-lo como uma “gárgula bêbada”, mas também um “amigo generoso e constante”.)
Mas há um desvio nos comentários de Bailey entre tentar entender o mau comportamento e decidir que, afinal, não era um mau comportamento. Bailey mencionou o caso do protegido de Cheever, um contista chamado Max Zimmer. Na biografia de Cheever de Bailey, há um momento em que Cheever tira o pênis da calça. Zimmer disse: “Aqui estava eu. Com um homem com seu pênis em um lugar totalmente estranho para mim.” Zimmer temia que, se recusasse, Cheever iria “causar confusão”. Bailey afirma que isso não era o estilo de Zimmer — então “Eu o masturbava. E era uma coisa horrível de se fazer. ” Mas Bailey mais tarde viu no diário de Cheever que o escritor estava “terrivelmente atormentado” com o relacionamento: Não era mesquinho ou explorador. Estava apaixonado por Max.
***
A acusação de misoginia contra a escrita de Bailey remonta a pelo menos 2016, quando sua crítica irritada da biografia da escritora Shirley Jackson por Ruth Franklin foi publicada no Wall Street Journal. Ele discordou do que chamou de “tese principal” de Franklin — que Jackson havia sido explorada e maltratada por seu marido, o crítico Stanley Edgar Hyman. A história de “uma feminista pioneira”, escreveu ele, “precisa de um homem mau”. Há uma passagem especialmente reveladora. Franklin descreve como “cruel” uma passagem das memórias de Brendan Gill aqui na New Yorker na qual ela se refere a Jackson como uma mulher cujo “ar de garota gorda de palhaçada frivolidade” mascarava sua “aversão a si mesma não examinada” — uma observação que Bailey defende como “astuta”. Mas então ele resiste fortemente à sugestão de que Hyman tenha conspirado nos excessos de Jackson. Não, ele diz, eles simplesmente gostavam de comer juntos: “Isso os unia mais fortemente do que a literatura”. Bailey está ansioso para aplicar uma estrutura psicológica que acomode a insegurança feminina, mas uma que introduza agressão ou abuso masculino é um passo longe demais.
O livro de Bailey sobre Philip Roth revela seu animus de maneiras semelhantes. Laura Marsh no New Republic escreveu que a animosidade de Bailey em relação à primeira esposa de Roth, Margaret Martinson, era “algo mais do que uma questão de tomar partido em um divórcio amargo”. (Parul Sehgal, no New York Times, também foi fortemente crítico: “Com pouco menos de 900 páginas, o livro é uma extensa apologia do tratamento que Roth dava a suas mulheres.”) Frequentemente, há uma mulher má ou que faz bobagens no relato de Bailey sobre a vida de Roth e sua carreira. No final, em uma passagem muito estranha, Bailey argumenta que a proeminente feminista Carmen Callil, que se opôs a Roth como vencedor do Prêmio Internacional Man Booker de 2011 por motivos artísticos, fez todo o possível para elogiar a personagem feminina do romance Pastoral Americana para parecer despreocupada com a “alegada misoginia” de Roth.
O problema com o livro de Roth — facilmente o pior de Bailey — é que ele se inclina demais para a simpatia. Ele está irritado com a ideia de que Roth seja um misógino, apresentando isso como uma reação a Leaving a doll’s house (1996), onde a segunda esposa de Roth, Claire Bloom, dá vazão a memórias depreciativas de seu relacionamento com Roth. Bailey sofre com o equivalente biográfico da afirmação de Freud de que o psicanalista só pode levar o cliente até onde ele mesmo chegou. Ele nunca, por exemplo, levanta a possibilidade de que Roth justificou sua própria misoginia embarcando em relacionamentos com mulheres com vícios e problemas de saúde mental, ou que os atos de munificência de Roth foram controladores, digamos, ou foram oferecidos no lugar de intimidade emocional. Mais uma vez, a noção de equilíbrio de Bailey, o desejo de compreender ou perdoar, se confunde com a tendência de deixar as pessoas fora de perigo.
Em uma entrevista, Bailey simplesmente não conseguiu reconhecer a legitimidade das objeções ao seu retrato. Se Roth parecia um monstro, como a biografia também poderia ser branda ou censuradora? A resposta é que Bailey muitas vezes parece não apreciar a importância do que está contando. A força das biografias de Bailey é baseada em sua conexão intuitiva com seus temas — algo que ele enfatiza. Mas também existe uma atração inconsciente, e isso não é menos revelador.
***
A própria história de vida de Bailey, conforme ele a conta, traça um arco familiar. Ele foi criado em uma família disfuncional e saiu dos trilhos. Ele se autodenomina “um jovem muito confuso e atrofiado”, mas não dá detalhes sobre conduta manipuladora ou agressão contra as mulheres, mesmo em um espírito de confissão. Bailey afirma que em seus trinta e poucos anos foi salvo ao conhecer sua futura esposa, Mary, que era estudante de graduação na época, e descobrindo sua vocação como biógrafo. Ele ainda tem cicatrizes e memórias ruins e permanece, ele disse, “muito bem conectado”.
Ele se pergunta em suas memórias de família The splendid things we planned (2014), referindo-se a seu irmão Scott: “Por que fui assim, e por que ele foi assim?” A tragédia de Scott, diz ele, é a história “do que eu poderia ter sido, ou do que, pelo menos, ainda não me tornei”, embora a referência seja à autodestrutividade de Scott. Scott, por sua vez, disse a Bailey: “Você vai ser exatamente como eu. Você vai piorar” — especulação considerada absurda pelo autor. Quando a mãe de Bailey diz a ele que Scott só precisa parar de beber, ele responde que não adianta; ele é simplesmente “um lunático sóbrio”. A mesma conclusão não ocorre a Bailey sobre sua própria recuperação.
Em um e-mail de 2020, visto pelo New York Times, Bailey escreveu para uma de suas supostas vítimas, Eve Peyton, uma ex-aluna, sobre “o horror” de uma noite em junho de 2003, na qual, ela afirma, ele a estuprou. Ele disse a ela que estava sofrendo de uma doença mental não especificada na época. Mas então o próprio relato de Bailey sobre seu progresso pessoal contém sinais preocupantes — notadamente, um descarado desprezo pelos limites que permaneceram evidentes no momento da escrita. Como ele explica, ele conheceu Mary em Lusher quando ela veio pegar o dever de casa de sua irmã de 13 anos. “Isso foi durante meu período de planejamento”, escreveu ele, “então tive tempo para flertar com ela”. Quando ele voltou a topar com ela, ela mencionou que vinha trabalhando meio período como auxiliar de professora, então ele a convidou para dar uma aula como convidada — “depois disso eu a levei para tomar um drink”. (Bailey, em suas memórias, lembra de ter dito a seu irmão que nunca tivera relações com seus alunos. Ele também disse a um entrevistador que as linhas de abertura e encerramento do romance Lolita de Nabokov, um texto que ele costumava ensinar em Lusher, “fazia meus cabelos dorsais tremerem”.)
Em uma entrevista, Bailey citou em êxtase a história de Tchekhov Dama com Cachorrinho, enfatizando a noção de que as aparências são falsas. Ele deu, a título de exemplo, a “versão recebida” dos últimos anos de Cheever, que John Updike chamou de “redentora” em que Cheever se recuperou do alcoolismo, chegou a um acordo com sua homossexualidade e criou alguns best sellers. “Nada poderia ser mais falso”, disse Bailey. “A vida superficial teve sucesso e a vida interior foi mais torturada do que nunca.”
Por que esperei tanto para ler Jane Austen?
Por Joshua Raff
Tradução mal feita por mim
Cheguei tarde a Jane Austen. Como velho e fiel leitor vitalício, não tenho uma explicação simples para essa omissão, mas quando minha família decidiu ler Orgulho e Preconceito como um projeto de leitura familiar logo após a pandemia nos forçar ao isolamento, aproveitei a chance de preencher esta lacuna na minha alfabetização.
Depois que encontrei meu equilíbrio em sua linguagem, fiquei viciado. Deixei de lado os outros livros que estava lendo e me dediquei a Jane. Segui Orgulho e Preconceito com Emma e depois Persuasão em rápida sucessão. Cada um tem ótima narrativa, com o peso adicional de comentários sociais nítidos em uma linguagem que é elegante, intrincada e reconfortante ao mesmo tempo, uma combinação que parecia faltar nos outros livros que eu tinha lido durante o pandemia. E, como pai de duas filhas, senti um tipo especial de admiração pelas jovens heroínas de Austen, que parecem ter sua idade e serem modernas ao mesmo tempo. Particularmente Elizabeth Bennet em Orgulho e Preconceito, que se encaixa mas não se encaixa, que lê, que observa com algum humor as pessoas ao seu redor e o mundo em que habitam. E que, em uma das cenas favoritas de todos, enfrenta a imperiosa Lady Catherine de Bourgh, de uma forma que as heroínas ainda mais modernas teriam orgulho de imitar.
Por que levei tanto tempo para ler Austen? Foi o preconceito masculino da minha educação? Eu comprei a percepção dela como muito feminina… E o que há em seus romances que oferece fuga e consolo para esses tempos estressantes?

Antes de começar minha busca por Jane, eu sabia ainda menos sobre Austen e sua vida do que sobre seus livros. E eu não apreciava sua base de fãs obsessiva. Testemunhe as legiões de leitores de todas as idades, todas tomadas por histórias ambientadas quase inteiramente no mundo estultificante e aparentemente estreito das classes superiores da Inglaterra da Regência. Ela é popular no Japão, por exemplo, onde existem até versões em mangá de seus livros, de acordo com a estudiosa de Austen, Catherine Golden. Além de sua base de fãs japoneses, suas histórias foram transferidas para a Índia (Noiva e Preconceito) e para a Los Angeles contemporânea (Clueless, um favorito da família), para mencionar apenas alguns. Seus livros foram até mesmo reformulados como histórias de vampiros e zumbis. Existem Sociedades Jane Austen em todo o mundo celebrando todas as coisas relacionadas a Jane.
As mulheres parecem constituir os principais leitores de Austen. As aulas de Catherine Golden em Austen no Skidmore College, onde ela detém a Tisch Chair in Arts and Letters, são predominantemente ocupadas por mulheres. Estou supondo que o mesmo se aplica a muitas outras faculdades e universidades. “Os fás são tipicamente mulheres e principalmente bebem chá”, Jeanne Kiefer conclui na pesquisa mais recente de Jane Austen (Anatomy of a Janeite: Results from The Jane Austen Survey 2008). Existe uma conexão? Estou muito feliz por finalmente ler Austen, mas você não pode me fazer beber chá.
Os homens que encontram Austen tendem a fazê-lo mais tarde na vida do que as leitoras, de acordo com Kiefer. Isso certamente é verdade para mim. Mas a resistência do leitor masculino a Austen parece ser um fenômeno relativamente recente. O professor Golden me disse que até meados do século 20, os homens eram grandes leitores de Austen. E os romances de Austen foram até enviados para soldados britânicos no front em ambas as Guerras Mundiais, em edições feitas especialmente para caber no bolso de seus uniformes.
Os leitores veem em Austen “mulheres jovens bonitas, casas grandes e dramas recatados em salas de estar…”, de acordo com Helena Kelly. Essa é a versão de Austen apresentada em muitas adaptações para cinema e televisão de seus romances, com as bordas de Austen suavizadas. Mas se é assim que conhecemos Austen, Kelly diz: “Sabemos errado”.
Enquanto os romances de Austen acontecem em “espaços feminizados”, nas palavras do escritor e crítico literário William Deresiewicz, Jane é frequentemente caracterizada como “um expoente de grande paixão”. É possível que eu tenha colocado Austen em uma caixa reservada para escritoras particularmente femininas, embora eu leia pelo menos tantos romances de escritoras quanto de homens. É a própria existência de tal caixa (se é que existe uma) evidência de misoginia inconsciente?
Ao contrário das leitoras mulheres, que foram forçadas a se identificar com personagens masculinos durante anos, os homens não tiveram que encontrar coisas em comum com personagens femininas e simplesmente não são bons nisso, diz Deresiewicz. Seu livro, A Jane Austen Education, descreve sua transformação tanto como homem quanto como pessoa, uma vez que ele rompeu essa barreira. Por mais que me deliciasse com o trabalho de Austen, não posso dizer que passei por tal transformação ou, se passei, não percebi, nem minha família ou meus companheiros de zoom. Nunca é tarde demais, suponho.
Pode ser que “homens que lêem”, leitoras de Jane em potencial, sejam afastados pelo tratamento às vezes brutal de Austen para seus personagens masculinos. Eu, pelo menos, fico mais envergonhado, às vezes chocado, com os homens frequentemente vaidosos, insípidos, arrogantes e mesquinhos que povoam os livros de Austen, personagens como Sir Walter Elliot em Persuasão ou o Sr. Collins em Orgulho e Preconceito. Mas Austen não poupa ninguém e há muitas personagens femininas que também se enquadram nessa descrição. E, por necessidade, existem alguns bons homens, muitas vezes pares para as heroínas, uma vez que os livros terminam em casamentos tradicionais. Mas a descrição de Sir Walter que abre Persuasion foi quase o suficiente para eu abandonar totalmente o livro. Obcecado por posição social, seu lugar na sociedade, e impossivelmente vaidoso, “Ele [Sir Walter] considerava a bênção da beleza inferior apenas à bênção de um baronete; e o Sir Walter Elliot, que uniu esses dons, foi o objeto constante de seu mais caloroso respeito e devoção.” E essa é uma das descrições mais brandas de Austen desse homem ridículo. Superei meu desconforto para continuar lendo e estou muito feliz por ter feito isso.
Os poderes curativos ou calmantes da escrita de Austen foram reconhecidos há muito tempo, de acordo com o professor Golden. Não só os soldados britânicos no front receberam cópias de Austen, mas também os soldados em processo de reabilitação. Rudyard Kipling, um grande admirador da obra de Austen, até escreveu uma história sobre um grupo de soldados lendo Austen (The Janeites, publicado em 1924).
O que torna Austen tão atraente em tempos como estes, tempos de isolamento e estresse? É, pelo menos em parte, uma fuga para um mundo, por mais fechado e protegido que possa ter sido, no qual as principais preocupações parecem ser bailes, chás e casamentos, sugere Golden. Mundos ordenados e estáveis, como William Deresiewicz os descreve, ambientados em ambientes rurais e domésticos. E para aqueles soldados nas trincheiras, uma imagem de casa, uma Inglaterra idealizada. Um dos soldados na história de Kipling descreve os romances de Austen: “Eles não eram aventureiros, nem obscenos, nem o que você chamaria de interessantes, mas parece que em tempos particularmente estressantes, a fuga ideal deve ter peso suficiente para enfrentar a crise. Jane tem esse peso.
Seus romances são mais do que boas histórias, mesmo para o leitor casual. Seus comentários cáusticos sobre classes sociais e alguns outros males de seu tempo transcende o mero escapismo e torna seus livros uma diversão digna em dias difíceis. O comentário de Austen sobre o papel e a situação das mulheres, mesmo das mulheres privilegiadas, é tão relevante hoje quanto era há duzentos anos. O que eu suponho que seja triste por si só. Seus insights sobre as emoções humanas, “discurso livre e direto”, de acordo com o professor Golden, nos levam diretamente para a mente de seus personagens e fornecem um imediatismo que fala aos leitores hoje, prova de que a natureza humana e a emoção não mudaram tanto desde a época de Austen.
A linguagem de Austen costuma ser mordaz, mas também é um alívio da alta vulgaridade de hoje. Talvez pareça antiquado, mas há paz a ser encontrada ali, no ritmo, na contenção, na poesia e na elegância que é produto de outra época, inteiramente. E, claro, há o gênio de Austen. Austen retrata uma sociedade altamente regulamentada, seus personagens limitados por uma intrincada teia de regras. Eu não gostaria de viver naquela época, mas como ficção é um contraponto bem-vindo ao caos que parece nos cercar hoje. Existe uma polidez ou etiqueta que é sufocante e atraente, exigindo que seus personagens permaneçam no controle de seu comportamento, não importa o quão turbulento seja seu tumulto interno. Os vilões de Austen violam essas normas sociais aceitas de forma grosseira, enquanto as heroínas (e alguns heróis) se perdem em pequenos caminhos que se avultam no mundo estreito em que seus personagens vivem. E em um estranho paralelo com nossas vidas circunscritas durante a pandemia, o mundo de Austen, como o nosso, é limitado, tanto geograficamente quanto por ordem social.
Acontece que o resto da minha família está deliciada com minha conversão a Austen. E embora algumas coisas pareçam estar melhorando em nosso mundo desde que terminei de ler Persuasão , os eventos recentes são terríveis o suficiente para exigir uma distração valiosa, embora ocasional, da seriedade mortal dos eventos ao nosso redor. Jane Austen é a coisa certa. Estou saindo para ler a Abadia de Northanger .
José Paulo Paes dixit e a gente só concorda
Bom dia, Miguel Ángel Ramírez (com os melhores lances de Olímpia 0 x 1 Inter)
O Inter voltou a jogar mal, mas venceu novamente o péssimo Olímpia, agora em Assunção. Foi 1 x 0 — golaço de Yuri — e agora pega o igualmente fraco Always Ready, em Porto Alegre, para terminar a fase de grupos em primeiro lugar. Será uma classificação sem brilho e com pouco futebol, uma classificação triste, apertada e entremeada por atuações ruins no Campeonato Gaúcho. O jogo contra os bolivianos será na próxima quarta-feira (26/05), às 19h. Antes disso, devemos perder o título gaúcho para o Grêmio, na Arena, às 16h deste domingo (23/05), contra um time que atua com 4 jogadores que farão 36 anos no segundo semestre, dois destes de quase 100 Kg, sendo que ambos não aguentam uma partida inteira e um deles brinca de fazer gols na gente. Ou seja, tudo indica um domingo medonho para nós, colorados.

Como disse um amigo, o Inter é aquele pirralho de bairro que eventualmente bate num amiguinho aqui, noutro ali, mas que invariavelmente apanha do valentão do pedaço.
Iniciamos bem os dois tempos, mas, após 10 minutos, voltamos à lenga-lenga da lentidão. Taison ainda está desambientado e não faz a esperada diferença. Lucas Ribeiro dá mais segurança à defesa do que Zé Delivery e nem vou dizer que o gol nasceu em jogada de Moisés, complementada por ótimo passe de cabeça de… Marcos Guilherme. OK, hoje daremos uma folga a MG, porém não a Lindoso. Este entrou e logo cometeu uma falta que por milagre não deu o empate ao Olímpia. E, pô, Yuri, temos que parar com esse negócio de receber cartões bobos. Pra que tirar a camisa? Não sabe que dá amarelo?

A tarefa de Miguel Ángel Ramírez (MAR) é complicada: ele precisa mudar um modelo de jogo que existe no Inter há um bom tempo com o agravante de que o clube não tem condições financeiras de suprir as carências do grupo. Sim, prefiro meu time propondo o jogo ao esquema reativo de Odair-Abel. Mas gostava muito da rapidez do ataque do segundo filho de Adão e Eva, coisa que MAR não está obtendo. O time do MAR espera e espera que os espaços apareçam. Ainda bem que espera com a bola no pé, só que a lentidão do time irrita. Há duas formas de se abrir espaços, (1) com deslocamentos e bons passes para a frente e (2) à dribles, também para a frente. Parece que a segunda é proibida no Beira-Rio. As vitórias pessoais só ocorrem em jogadas de Yuri e, pasmem, de Moisés. É claro que o esquema geral é o de tocar a bola, mas e aquele drible oportuno?
E vamos ao Gre-Nal de domingo. Eu estou certo da derrota. Acho que a ESPN exagerou abaixo. Gigantesca foi a consequência.
Thick as a Brick e o velho filho da puta
No dia 7 de agosto de 1975, fui até a King’s Discos e comprei um LP. Quando estava chegando no caixa, um velho FDP que nunca tinha visto antes, arrancou o disco da minha mão e gritou para a loja lotada:
— Sabem o qual é a tradução do título deste disco? Grosso como um tijolo! É este tipo de idiotice que os jovens de hoje ouvem!
Todo mundo riu e eu, idiota adolescente, fiquei quieto, humilhado. Mas comprei o disco. Hoje, de graça, depois de mais de 40 anos do fato e após décadas sem ouvir o LP — que é bom –, voltei a ter vontade de estrangular aquele velho FDP.
Espero que ele tenha sido trucidado por hordas de fãs do Jethro Tull ainda nos anos 70.
(Eu sei o dia exato da compra porque anotava meu nome e a data da aquisição nas capas dos discos).
Para Elena, em seu aniversário
Elena, sei que tu estás te desintoxicando da internet. Estás vindo pouco aqui.
Durante este difícil ano, tirei mais fotos de teus pães do que de ti. Te vi mais em roupas de casa, em velhas camisetas minhas.
(Digo a vocês todos que nestas roupas ela parece uma rainha camuflada de contos de fadas. Pois, mesmo no à vontade dos trajes, é clara a nobreza, elegância e a beleza (rimou). E quando ela fala só melhora. Digo-lhe isso da rainha escondida e ela faz aquela cara de quem está ouvindo a maior idiotice).
Cioran disse que a arte de amar é saber unir o temperamento de um vampiro à discrição de uma anêmona. Esqueça, Elena, é muita habilidade para um cara desajeitado como eu. Só que tenho fotos, palavras, histórias, viagens, amor, decisões, planos.
Sabes, hoje, observei como minha mão denuncia a idade. Olhei bem pra ela, frente e verso. Quem ousa ler mãos e traçar destinos se elas se modificam? Vi duas linhas separadas que passam a ficar lado a lado. De repente se cruzam. E depois seguem juntas novamente. O que será aquela intersecção? Algum mal? Iam distraidamente paralelas, se cruzaram, e voltaram a andar lado a lado.
Melhor te dizer logo no ouvido aquelas três palavras simples que somam sete letras e dar fim ao textão.
Acrescento duas fotos tuas. A primeira é engraçada. Por algum motivo, adoro a segunda, um daqueles bonitos erros fotográficos.
Três excelentes livros brasileiros são as sugestões da Bamboletras
Newsletter de 19 de maio de 2021
Olá.
As sugestões da semana são bem diferentes entre si. A biografia da arquiteta modernista e Lina Bo Bardi é luminosa e guarda um imenso leque de surpresas. Andarilhos é uma reinvenção do pampa, quase um faroeste tardio. E uma nova biografia, desta vez da filósofa, escritora e ativista antirracismo Sueli Carneiro. Ela é fundadora e diretora do Geledés — Instituto da Mulher Negra e considerada uma das principais autoras do feminismo negro no Brasil.
Boa semana com boas leituras!
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Lina – Uma Biografia, de Francesco Perrotta-Bosch (Todavia, 575 páginas, R$ 89,90)
Poucas figuras públicas foram mais brasileiras do que a arquiteta italiana Lina Bo Bardi. Chegando ao Brasil logo após a Segunda Guerra, ela se afeiçoou à cultura brasileira de tal maneira que se tornou uma de suas principais intérpretes, capaz de uma leitura das tradições locais ao mesmo tempo rigorosa e abrangente. Crítico de arquitetura e ensaísta de mão-cheia, Francesco Perrotta-Bosch examina a trajetória dessa artista brilhante à luz da seguinte questão: para além de sua participação política, como uma estrangeira foi capaz de enxergar tanto de um país que não era o seu, a ponto de traduzi-lo para os próprios brasileiros?
Andarilhos, de R. Tavares (Zouk, 200, páginas, R$ 46,00)
Andarilhos já pode ser considerado um novo clássico da literatura regional brasileira. Tavares traz frescor e contemporaneidade a um dos gêneros mais amados pelos brasileiros – mostrando a força e a representatividade das pessoas que moram no vasto território campesino da América Latina.
Continuo Preta, de Bianca Santana (Cia. das Letras, 286 páginas, R$ 59,90)
Sueli Carneiro é uma das maiores intelectuais públicas do Brasil, referência histórica do movimento negro, biografada por uma das mais promissoras vozes da nova geração. Em mais de quarenta anos de ativismo, ela vem combinando escrita, academia e intelectualidade para qualificar uma luta política que enegreceu o feminismo no Brasil e, ao mesmo tempo, colocou as mulheres como protagonistas do movimento negro.
O melhor filme sobre a Segunda Guerra Mundial
Retirado daqui.
Tradução mal feita por mim
Com a invasão nazista da URSS em 22 de junho de 1941, há 80 anos, a Segunda Guerra Mundial atingiu uma dimensão de selvageria até então desconhecida. O objetivo da ofensiva não era apenas a conquista, mas a aniquilação dos povos conquistados. “Os problemas começam com as crianças. Nem todos os povos têm o direito de existir. Nem todas as nações merecem um futuro “, diz um dos nazistas que participam do massacre da população civil que Elem Klimov retrata em Vá e Veja (1985), um clássico do cinema de guerra.
Este filme foi lançado por ocasião do 40º aniversário da vitória sobre o Terceiro Reich, quando a perestroika estava prestes a começar na URSS com a ascensão ao poder de Mikhail Gorbachev. O título que aparece em todas as listas dos melhores filmes de guerra. O escritor de ficção científica J.G. Ballard escreveu que foi “o melhor filme de guerra de todos os tempos”.
Situado em 1943 na Bielorrússia, Vá e Veja conta a história de um menino que se junta às fileiras da resistência em uma jornada infernal durante a qual descobrirá a tática do Exército Alemão para acabar com a guerrilha: o assassinato em massa de civis. A passagem das hordas nazistas é retratada quase como uma epidemia de peste, o custo humano da invasão alemã foi tão devastador quanto a doença medieval, a suástica foi um sinal de morte constante, implacável e cruel. Em muitas cidades, eles trancaram todos em um prédio — uma igreja ou um celeiro — e depois o incendiaram.
O filme inspira-se na memória do escritor bielorrusso Alés Adamóvich (1927-1994), autor do roteiro e do livro em que se baseia, The Story of Khatyn em sua tradução para o inglês (não confundir com Katyn, a local onde a polícia stalinista assassinou milhares de oficiais poloneses após a invasão de 1939). Adamóvich, que por sua honestidade e habilidade narrativa pertence à mesma linhagem da ganhadora do Nobel, a bielorrussa Svetlana Alexievich, serviu quando adolescente em um batalhão de guerrilheiros em 1942 e 1943. Seu livro, disponível em inglês, começa com as seguintes informações: “De acordo com documentos da Segunda Guerra Mundial, mais de 9.200 cidades foram destruídas na Bielorrússia e em mais de 600 delas, todos os seus habitantes foram mortos ou queimados vivos. Apenas alguns sobreviveram.”
Em uma entrevista com Pilar Bonet em 1985, após o lançamento do filme, Klimov explicou que queria fazer um filme “claramente antifascista” no qual suas próprias memórias da guerra também surgissem: “Eu sou um filho da guerra. Nasci em Stalingrado. A guerra começou quando entrei no primeiro ano da escola, vi a cidade queimada e destruída, cadáveres e prisioneiros. As memórias da infância são as mais fortes”.
Com uma estética brutalmente realista, Klimov e Adamóvich conseguem refletir algo quase impossível de contar em um filme: o horror da Segunda Guerra Mundial na URSS. Após a invasão da Polônia em 1939, os nazistas mataram intelectuais e perseguiram judeus. Com a Operação Barbarossa, o conflito ganhou uma nova dimensão e foi também o momento em que começou o Holocausto, primeiro com o assassinato em massa de judeus perpetrados pelos esquadrões da morte móveis, os Einsatzgruppen, e depois com as câmaras de gás. Entre 29 e 30 de setembro, eles foram mortos na ravina Babi Yar. Todos os judeus de Kiev, cerca de 200.000 pessoas, no maior massacre da Segunda Guerra.
O que mudou naquele verão de 1941 e está horrivelmente refletido no filme de Klimov, foi que o alvo dos massacres não eram apenas adultos, mas mulheres e crianças. O extermínio tinha que ser total. O historiador francês especialista em nazismo Christian Ingrao lembra em seu último livro, Le Soleil noir du paroxysme: “O objetivo desta luta deve ser a aniquilação da Rússia de hoje. Cada situação de combate deve ser enfrentada com uma decisão atrelada à aniquilação total e implacável do inimigo. Em particular, dos partidários do atual sistema russo-bolchevique.”
Nas primeiras quatro semanas da guerra na Polônia, os nazistas assassinaram 12.000 pessoas. Na URSS, 50.000 no mesmo período. E, em meados de agosto de 1941, começaram as execuções em massa de mulheres e crianças. Em dezembro de 1941, o Exército Alemão e os Einsatzgruppen haviam assassinado meio milhão de civis, a maioria judeus. Ingrao conta como os oficiais conseguiram convencer os soldados do “atroz dever”, nas palavras de Himmler, que deviam cumprir. Um oficial de 35 anos teve que anunciar a centenas de homens reunidos que agora teriam que matar mulheres e crianças. Então, ele trouxe uma mulher e seu filho recém-nascido e, na frente da tropa reunida, sacou sua pistola e atirou neles ”. Esse é o universo moral que retrata Vá e Veja.
O Estado das Coisas Coloradas
Inter terá que jogar a vida no Paraguai, contra o Olímpia, na próxima quinta.
E que não reclamem de desgaste físico. Afinal, isto foi gerado pelo próprio time com seus fiascos na Bolívia e na Venezuela.
Ontem, o Olímpia venceu o Always Ready na “terrível altitude”. Fez gol nos acréscimos, pondo no ridículo a histeria colorada com as alturas.
Quem escala Marcos Guilherme e Zé Gabriel, quem brinca de vai não vai, que resolva agora.

Quem precisa de um estado totalitário quando pessoas zelosas garantem que livros com ‘opiniões inválidas’ nunca sejam publicados?
Eu não concordo 100% com o autor, mas muitas vezes me deparei com casos semelhantes na Livraria Bamboletras, da qual sou proprietário. Discordando do texto abaixo, nego-me a vender Olavo de Carvalho e outros fascistas em minha livraria. Também não venderia autores de textos transfóbicos. Mas tenho este problema quando o cliente quer literatura de baixa qualidade. Alguns de nossos funcionários dizem: “Mas isso não é livro para nós vendermos!”. E, bem, é verdade que temos um acervo muito bem cuidado de bons autores que é nossa mais cultivada qualidade — a dedicada curadoria –, mas não podemos nos dar ao luxo de rejeitar vender best-sellers que não agridam nossos valores éticos, mesmo sendo ruins…
De Frank Furedi (*)
Tradução mal feita por mim
A indústria editorial está encorajando a censura popular e cada vez mais cedendo aos funcionários que exigem que certas opiniões nunca devam ser expressas — especialmente aquelas que envolvem questões trans.
Parece que a área editorial está rapidamente se tornando uma escolha de carreira para ambiciosos aspirantes a censores. A ala mais ambiciosa e agressiva do movimento de censura de base são as publicações de policiamento de lobby que tratam de questões relacionadas a trans. Recentemente, um grupo de indivíduos de toda a indústria editorial associada a este lobby escreveu uma carta ao The Bookseller exigindo a censura de livros que considere desfavoráveis à sua causa.
O ponto principal da carta é afirmar que a trans cultura não pode ser um assunto de debate e que os editores devem evitar que opiniões contrárias a ela sejam publicadas. Afirma:
A transfobia ainda é perfeitamente aceitável na indústria de livros britânica. Nossa indústria desculpa, diz que ver os indivíduos trans como tendo menos do que direitos humanos plenos está OK e uma opinião tão válida quanto as outras. Nossa indústria ainda está muito confortável em dar a essa forma de preconceito uma plataforma poderosa. Precisamos nos afastar do paradigma de que todas as opiniões são igualmente válidas.
A exigência de rejeitar o paradigma de que todas as opiniões são válidas é uma forma indireta de dizer que as opiniões “inválidas” podem ser legitimamente censuradas e os autores que defendem tais opiniões devem ser cancelados e silenciados.
Pedidos de censura por inquisidores autônomos que trabalham no setor editorial também têm estado sido uma tônica nos EUA. Os funcionários da Simon & Schuster recentemente entraram com uma petição insistindo que a editora cortasse seus laços com escritores associados à administração Trump. A petição, assinada por 216 funcionários, ganhou o apoio de mais de 3.500 apoiadores externos, incluindo renomados escritores negros, como Jesmyn Ward, duas vezes vencedor do National Book Award for Fiction.
Quando escritores famosos se juntam à fila de censores entusiastas, torna-se evidente que a cultura literária americana está em apuros.
Um dos alvos dos inquisidores Simon & Schuster é um acordo de dois livros que a empresa assinou com o ex-vice-presidente Mike Pence. Por acreditarem que as opiniões de Pence não são tão válidas quanto as deles, fechar uma das principais vozes do Partido Republicano é um serviço público à sociedade.
Uma das características mais perturbadoras do movimento inquisitorial na indústria editorial é a maneira casual com que procura corromper os ideais de tolerância e liberdade de expressão.
É importante notar que a carta enviada é intitulada ‘O Paradoxo da Tolerância’. Uma vez que rejeita a tolerância por pontos de vista com os quais discorda — afirma, “claramente não é apropriado dizer simplesmente ‘todos têm direito à sua opinião’” – deveria ser intitulado ‘Pela intolerância’!
A hipocrisia dos defensores da censura na publicação foi destacada em junho de 2020, por um grupo denominado Pride in Publishing. Eles escreveram uma circular, ‘Vamos esclarecer o que a liberdade de expressão é e o que não é’. O objetivo desta carta era apoiar os funcionários da Hachette Children’s Books que se opuseram a trabalhar no último livro de JK Rowling. Rowling — a autora da série Harry Potter — havia cometido, na opinião desses funcionários, o pecado imperdoável de se recusar a aceitar a definição de sexo e gênero promovida por ativistas trans.
A carta dizia: “Vamos esclarecer o que é e o que não é liberdade de expressão. A liberdade de expressão não dá ao autor o direito a um contrato de publicação. Mas protege o direito de um trabalhador de soar o alarme quando é convidado a participar de algo que pode causar dano ou trauma a ele ou a outra pessoa. Os autores transfóbicos não são um grupo protegido. Pessoas trans e não binárias são. ”
Na lei britânica, quem usa palavras que expressam hostilidade para com os chamados grupos protegidos com características protegidas — como raça, religião, orientação sexual, status de transgênero e deficiência — pode ser acusado de crime de ódio . A implicação da declaração da Pride in Publishing é que o direito de exercer a liberdade de expressão é qualificado em circunstâncias quando é dirigido a um grupo protegido. Esta carta também destaca o que se tornou uma das características mais distintivas do policiamento linguístico do século 21 — a doença da liberdade de expressão.
Na verdade, a implicação da declaração Orgulho na Publicação é que o livro de Rowling representa uma ameaça à segurança e à saúde mental das pessoas trans e não binárias que trabalham na Hachette. Afirma que “os funcionários nunca devem ter que trabalhar em conteúdo que seja prejudicial à sua saúde mental ou que lhes cause turbulência desnecessária”. Esse sentimento ecoa a visão amplamente aceita que insiste que as comunicações verbais e publicadas são um perigo potencial para o bem-estar das pessoas e, portanto, precisam ser regulamentadas para proteger certos grupos de ofensas, traumas psicológicos e problemas de saúde mental.
Esta medicalização da liberdade de expressão, levando à sua doença, tornou-se um dos argumentos mais eficazes usados para minar a liberdade de expressão.
Os ativistas têm, com efeito, reforçado seu apelo à censura, alegando que a publicação de opiniões equivocadas de parte de autores os ofendem e causa-lhes sofrimento psicológico e trauma.
A indústria editorial reconheceu que sua nova geração de funcionários não espera trabalhar com material que os perturbe. David Shelley, o CEO da Hachette, e Clare Alexander, uma agente literária, disseram recentemente ao Lords Committee que os novos empregados da indústria editorial devem ser avisados de que podem ter que trabalhar em livros de pessoas com as quais não concordam!
O fato de as editoras precisarem alertar os funcionários de que talvez tenham de trabalhar com autores cujas opiniões não gostam destaca a posição precária de liberdade de expressão e tolerância nesse setor.
Era uma vez, os editores estavam preocupados com a ameaça representada pela censura do Estado e temiam provocar a ira de censores autoritários de cima. Hoje, a indústria editorial tornou-se cúmplice em consentir em cancelar a cultura e a pressão para policiar o que o público consegue ler vem de baixo, de uma nova geração de funcionários intolerantes.
Quem precisa de um estado totalitário quando trabalhadores zelosos e frágeis estão determinados a garantir que as ‘opiniões inválidas’ nunca sejam divulgadas?
.oOo.
(*) Professor emérito de sociologia na Universidade de Kent em Canterbury.
Fada, de Dyonelio Machado
Dyonelio Machado (1895-1985) sempre foi um enclave dentro do RS. Um enclave comunista, talentoso e muito culto, cercado por silêncio. Até hoje, fala-se bastante em seu romance Os Ratos, às vezes em O Louco do Cati, mas o restante de sua obra — que não é pequena — é ignorado. Coisas da província, do dito “estado mais politizado do país”, que sempre deixou Dyonelio fora da lista de seus principais autores. Sorte ele ser psiquiatra, porque como escritor conseguiu apenas receber prêmios nacionais, ser eventualmente preso e ver seu nome raramente citado nos jornais gaúchos.
Os Ratos (1935) e O Louco do Cati (1944) foram os únicos romances que atravessaram a cortina de fumaça criada em torno do escritor. Bem, esqueça a objetividade de Os Ratos e a aspereza de O Louco, pois Fada (1982), livro recém republicado pela Zouk, é um muitíssimo diferente. O artificialismo erudito e antiquado da linguagem de Fada nos passa de cara uma sensação de irrealidade. O livro conta uma história de amor jovem que beira o sobrenatural. Não estão sendo narrados feitos de outro mundo, mas a forma com que Dyonelio os descreve nos engana. Apesar do susto inicial, vale a pena seguir a leitura. A trama é simples. Sem spoilers, dá para dizer que é um amor que vai contra a vontade do padrasto da jovem, que prefere um casamento de interesse. A impressão é a de que estamos no terreno do sortilégio e da mitologia — que é muito citada no livro. A própria obsessão de D`Artagnan, pois este é o nome do rapaz, por Jafalda, a Fada, parece mágica.
Li o romance como uma bem-sucedida tentativa experimental. Ou seja, Dyonelio conta fatos corriqueiros de um modo que as torna fantásticas. Não como se fosse um Joyce, não com tantos paralelos ou leque de estilos, mas de forma calma e simples. Há símbolos como o monte que exerce tanta atração sobre o casal — e que é certamente inspirado no Cerro do Jarau, de Quaraí, local de nascimento de Dyonelio. Até o carro de D`Artagnan parece ser dotado de algo especial, tratado como se fosse um Pégaso. Também podemos pensar que as mulheres são fadas que os apaixonados trazem dentro de si ou que o amor obedece à regras próprias e irrepetíveis.
Recomendo o livro, principalmente para que se sinta como Dyonelio cria e mantém o inusitado clima do livro de cabo a rabo. De resto, é literatura descompromissada com os fatos políticos e sociais tão caros ao autor e que o mantiveram no ostracismo. Dyonelio merece ser recuperado, relido e a iniciativa da Zouk é mais do que necessária. É um enorme autor.














