Milton Nerd dentro do Beira-Rio em construção em setembro de 1968 (eu tinha 11 anos). A época era de ditadura, mas os óculos são do Realismo Socialista.
Eu e minha irmã …
E meu pai, falecido em 1993 e que infelizmente não pode ver Campeão do Mundo o clube que me inoculou com tanta competência.
Orgulho após impedir o octacampeonato do Grêmio (foto de janeiro de 1970, 12 anos)
Comprova o calendário, consta nos astros, na ciência e na filosofia que o tempo não para. Mas o ano de 1968 não acabou, como diz o livro de Zuenir Ventura. Ou não acabou em 31 de dezembro como todos os outros, tendo sido interrompido no dia 13 daquele mês. Pois no dia 13 de dezembro de 1968, durante o governo do general Costa e Silva, foi baixado o Ato Institucional nº 5, o AI-5, que inaugurou o momento mais duro da ditadura militar brasileira (1964-1985). Ele vigorou até dezembro de 1978, dando poder aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem inimigos do regime ou como tal considerados. A partir daquela dia, há 46 anos atrás, os militares podiam tudo.
No restante do mundo, o ano de 1968 ficou marcado como um momento de grande contestação. Na França, o mês de maio foi um momento de grandes protestos tanto contra a política tradicional, quanto a favor de novas liberdades. O radicalismo, principalmente dos estudantes, era expresso claramente pelo lema “é proibido proibir”. Na Europa oriental, no mês de agosto, a União Soviética, acabou com a onda liberalizante em um de seus países satélites, a Tchecoslováquia. A curta Primavera de Praga de Alexander Dubček acabou sob os tanques soviéticos. Dubček e outros membros do governo foram sequestrados e levados a Moscou, onde “lhes fizeram voltar à razão”. As artes também embarcaram no espírito libertário de 1968, mas o que nos interessa é a política brasileira.
Relembremos resumidamente alguns fatos de 1968. No mês de março, uma grande agitação estudantil tomou as ruas do Rio de Janeiro para protestar contra a alta do preço das refeições nos restaurantes universitários. Edson Luís de Lima Souto era um dos 300 estudantes que jantavam no restaurante estudantil do Calabouço no final da tarde de 28 de março de 1968 quando o local foi invadido por policiais. Edson Luís, de apenas dezesseis anos, foi morto pelos militares com um tiro no peito. O fato serviu para que as críticas ao regime se intensificassem. No velório do estudante, uma manifestação de 50 mil pessoas demonstrava a desaprovação ao acontecido.
Em junho, a Passeata dos Cem Mil, ocorrida também no Rio de Janeiro, reuniu trabalhadores, políticos, artistas, professores, religiosos e estudantes decididos a questionar a repressão daqueles tempos. Em clima pacífico, a passeata serviu para que eventos semelhantes acontecessem em outros pontos do país, intensificando o repúdio ao governo militar. Em São Paulo, estudantes da USP entraram em confronto contra governistas da Mackenzie.
Na mesma época, as autoridades militares desarticularam uma reunião clandestina da União Nacional dos Estudantes, acontecida na cidade paulista de Ibiúna. Aproximadamente 900 estudantes foram presos. Alguns dos pais dos jovens envolvidos foram perseguidos ou exonerados de suas funções públicas.
No dia 30 de agosto de 1968, a Universidade Federal de Minas Gerais foi fechada, e a Universidade de Brasília (UnB) foi invadida pela Polícia Militar, que espancou diversos estudantes. Em resposta, o deputado Márcio Moreira Alves, do MDB, nos dias 2 e 3 de setembro, lançou na Câmara Federal um apelo para que o povo não participasse dos desfiles militares do 7 de Setembro e para que as moças, “ardentes de liberdade”, se recusassem a sair com oficiais. Logo após o discurso, o procurador-geral da República selecionou alguns trechos isolados do discurso, imprimiu-os e mandou distribuir nos quartéis. Outro deputado do MDB, Hermano Alves, escreveu uma série de artigos no Correio da Manhã considerados provocações. O governo, atendendo ao apelo dos militares e do Conselho de Segurança Nacional, declarou que esses pronunciamentos eram “ofensas e provocações irresponsáveis e intoleráveis” e solicitou ao Congresso a cassação dos dois deputados.
Seguiram-se dias tensos, entrecortados pela visita da rainha da Inglaterra ao Brasil, fato super honroso na época. E, no dia 12 de dezembro, a Câmara surpreendentemente recusou, por uma diferença de 75 votos — com a colaboração da própria Arena, o partido do governo –, o pedido de licença para processar Márcio Moreira Alves.
Em resposta, veio o AI-5. A criação Ato Institucional Nº 5 foi definida em uma reunião comandada pelo então presidente Arthur da Costa e Silva (1967-1969) e mais 24 assessores diretos que integravam o Conselho de Segurança Nacional, dos quais 15 eram militares. A decisão foi tomada no salão de jantar do Palácio Laranjeiras, no Rio de Janeiro. Por cerca de duas horas, os 25 discutiram e definiram o que seria incluído no ato. Apenas o então vice-presidente da República, Pedro Aleixo, foi contrário à medida. O placar foi de 24 votos a um.
Os defensores do AI-5 alegaram que o ato era necessário porque havia um clima de rebeldia no ar… Na reunião, todos os presentes se manifestaram. Costa e Silva determinou que a reunião fosse gravada e registrada. O argumento de Aleixo para bastante lógico e claro: ele se manifestou contrariamente ao ato, entre outros aspectos, porque ele institucionalizaria a ditadura.
O Ato autorizava o presidente da República, em caráter excepcional e, portanto, sem apreciação judicial, a:
— decretar o recesso do Congresso Nacional;
— intervir nos estados e municípios; cassar mandatos parlamentares;
— suspender, por dez anos, os direitos políticos de qualquer cidadão;
— decretar o confisco de bens considerados ilícitos;
— suspender a garantia do habeas-corpus.
O preâmbulo do ato dizia ser ele uma necessidade para atingir os objetivos da revolução, “com vistas a encontrar os meios indispensáveis para a obra de reconstrução econômica, financeira e moral do país”. No mesmo dia foi decretado o recesso do Congresso Nacional por tempo indeterminado — só em outubro de 1969 o Congresso seria reaberto, para referendar a escolha do general Emílio Garrastazu Médici para a Presidência da República.
Ao fim do mês de dezembro de 1968, 11 deputados federais foram cassados, entre eles Márcio Moreira Alves e Hermano Alves. A lista de cassações aumentou no mês de janeiro de 1969, atingindo não só parlamentares, mas até ministros do Supremo Tribunal Federal. O AI-5 não só se impunha como um instrumento da intolerância, como referendava uma concepção de modelo econômico e de restrições.
Membro da Comissão Nacional da Verdade, Rosa Cardoso afirma que entre 1964 e 1968 os militares preocupavam-se em manter uma aparência de democracia. “Com o ato, o Estado decidiu deixar às claras toda a sua estrutura repressiva e terrorista. Sem o habeas corpus, por exemplo, as pessoas podiam ser presas, torturadas e desaparecer. E não havia o que ser feito”.
A lembrança do AI-5 está viva na memória de quem acompanhou os desdobramentos do ato. “Todos os grupos do movimento estudantil foram afetados, tiveram as sedes fechadas e foram calados”, comenta Narciso Pires, ex-preso político e coordenador da ONG Tortura Nunca Mais. Hoje com 64 anos, Pires morava em Apucarana (Norte do Paraná) na época e teve de mudar de cidade. “O AI-5 foi o golpe dentro do golpe. Se já tínhamos a sensação de insegurança, fomos calados.”
O resto se sabe. Com o AI-5, acirrou-se o período de terror no país. Houve o aumento do número de prisões de opositores, os centros clandestinos de torturas — assim como os cemitérios — multiplicaram-se pelo país, milhares foram para o exílio e os grupos de resistência armada foram exterminados.
Hoje
Na última quarta-feira, 10, a presidenta Dilma Rousseff recebeu as aproximadamente 4 mil páginas que integram os três volumes do relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV). Ela disse que o trabalho da CNV vai ajudar a afastar “fantasmas de um passado doloroso” e permitir que os brasileiros conheçam a história das violações aos direitos humanos durante a ditadura militar para que elas não se repitam. “Nós, que acreditamos na verdade, esperamos que esse relatório contribua para que fantasmas de um passado doloroso e triste não possam mais se proteger nas sombras do silêncio e da omissão”, disse.
O próximo passo será complicado. O Judiciário não tem aceito ações que já vêm sendo propostas pelo Ministério Público. A partir da divulgação do relatório, Rosa Cardoso acredita que esse cenário possa mudar. “Todas as pessoas racionais refletem todos os dias e mudam de posição. Juízes mudam de posição. Há uma parcela da sociedade que dizia: o passado passou. Não passou. Existe uma questão chamada memória.”
Para a procuradora da República Eugênia Gonzaga, o Brasil era um país “vergonhosamente atrasado” em relação a assuntos ligados a graves violações de direitos humanos. Desde o caso das ossadas de Perus, em São Paulo, “vimos que era um tema totalmente abandonado, que as autoridades deixaram de lado. Se o Ministério Público fez a sua parte — tardiamente –, o Judiciário ainda é de uma resistência imensa.” Ela lamentou que o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha endossado a Lei da Anistia, o que fez com muitas ações fossem travadas — inclusive a referente ao caso do Riocentro (1981), posterior à lei (1979).
Eugênia citou ainda a decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que já condenou o Brasil no caso Araguaia. “Em 1988, o Brasil assinou uma Constituição em que se submete a decisões de cortes internacionais naquilo que se refere a direitos humanos”, observou.
A chaga segue aberta.
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Fontes consultadas:
— Matérias da EBC, da Contraf-CUT, da FGV e de várias publicações da época.
Incrível o upgrade sofrido por Jimmy Page ao mudar-se do The Yardbirds para um certo Led Zeppelin. São absolutamente chocantes as diferenças na qualidade do grupo e na abordagem da mesma Dazed and Confused e isso com apenas um ano de diferença.
AUTO-AJUDA ENTRE SEMIDEUSES E A CAIXINHA BERGMAN. Tenho desmedida admiração por Ingmar Bergman e Johann Sebastian Bach. O que não sabia, até anos atrás, era da admiração que Bergman nutria pelo alemão. Nos livros do diretor sueco, há referências diretas a Bach. Não são observações triviais ou meramente elogiosas, são observações de profundo conhecedor, de alguém que estudou inclusive o complexo simbolismo numérico que perpassa várias obras.
Ele diz ter utilizado a música de Bach nas cenas mais importantes de seus filmes ou, pelo menos, naquelas em que achava que a atenção do espectador pudesse ser dividida com a música. A escolha era quase sempre entre Bach ou o silêncio. No livro “Lanterna Mágica”, Bergman transcreve uma longa conversa que teve com o ator Erland Josephson. Nela, nos revela que, nos momentos de maior desespero, costuma contar para si mesmo uma história vivida por Bach.
Johann Sebastian havia feito uma longa viagem de trabalho e ficara dois meses fora. Ao retornar, soube que sua mulher Maria Barbara e dois de seus filhos haviam falecido. Dias depois, profundamente triste, Bach limitou-se a escrever no alto de uma partitura a frase que serve para consolar Bergman: Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim.
Bergman escreve em A Lanterna Mágica:
Eu também tenho vivido toda a minha vida com isto a que Bach chama “a sua alegria”. Ela tem-me ajudado em muitas crises e depressões, tem-me sido tão fiel quanto meu coração. Às vezes é até excessiva, difícil de dominar, mas nunca se mostrou inimiga ou destrutiva. Bach chamou de alegria ao seu estado de alma, uma alegria-dádiva de Deus. Deus meu, faz com que eu não perca a alegria que há em mim, repito no meu íntimo.
Às vezes eu, o limitado e ateu — tal como Bergman — Milton Ribeiro, repito esta frase. Ela me emociona, me acalma e me faz pensar que minha alegria ainda está ali comigo, tem de estar. É um grito infantil que reconheço facilmente e que ainda não me abandonou.
Deve ter sido um íntimo grito infantil o que bradei quando vi uma caixa com 4 filmes de Bergman à venda na videolocadora. Fiquei louco e arrematei O Sétimo Selo, Morangos Silvestres, A Fonte da Donzela e Gritos e Sussurros. São filmes que conheço quase cena a cena. Só não entendo uma coisa: por que a caixa traz 3 filmes do final da década de 50 e um filme de 71? Por que esta confusão? Ao final dos 50, Bergman fez 5 filmes de enfiada que são a maior seqüência que um cineasta já realizou:
1955: Sorrisos de uma Noite de Verão,
1956: O Sétimo Selo,
1957: Morangos Silvestres,
1958: O Rosto e
1959: A Fonte da Donzela.
Então, por que tirar 2 e substituí-los por Gritos e Sussurros? Gritos está entre os meus 10 mais de todos os tempos, mas qual a razão desta falta de critério? Poderiam ter feito outra caixa com, por exemplo:
Gritos e Sussurros (1971),
O Ovo da Serpente (1976),
Sonata de Outono (1977),
Da Vida das Marionetes (1979),
Fanny e Alexander (1981) e
Infiel (que foi dirigido por Liv Ullmann mas possui texto, cor e pedigree deste grupo de filmes bergmanianos).
E outra com os muito citados e pouco vistos:
Através do Espelho (1961),
O Silêncio (1962),
Persona (1965),
A Hora do Lobo (1966) e
A Paixão de Ana (1968).
Chega de delírios!
INDICAÇÃO DE FILME BOM. Quero elogiar um tremendo filme. Trata-se Reconstrução de um Amor, criativa tradução de Reconstruction, filme dinamarquês de 2003, dirigido por Cristoffer Boe. A sinopse do filme nos leva a pensar em algo já visto: “Homem e mulher se conhecem e tentam se desvencilhar de seus relacionamentos para ficarem juntos.” O inédito do filme são os artifícios utilizados na montagem. Não pretendo estragar o prazer de ninguém, mas prestem atenção à voz do narrador quando ele diz: “Tudo aqui é montagem, mas mesmo assim dói”. Alguns comentaristas compararam o papel do escritor que há no filme (representado pelo ator Krister Henriksson) com alguns personagens de Bergman. Pode ser… É, talvez não tenha sido tão casual o fato de eu ter lembrado tanto do velho Ingmar nos últimos dias…
O Cloaca News volta a ESTARRECER O MUNDO. Sempre atrás dos coliformes fecais de nossa imprensa de esgoto, o Cloaca foi buscar uma reportagem da revista O Cruzeiro de 9 de novembro de 1968. A reportagem completa pode ser lida aqui. Deixo algumas imagens a seguir. Publicada dias antes do AI-5, tem como tema o CCC – Comando de Caça aos Comunistas.
Casoy entra na última página, a qual tem este título:
A gente examina e tem a surpresa:
Oh, mas temos de virar a página:
A data da publicação:
E, na primeira página da reportagem, o focinho de Casoy:
Mais uma vez parabéns ao Cloaca. Como ele mesmo me disse um dia pelo telefone, “esgoto é o nosso negócio”!