13 e 14 de fevereiro: de Porto Alegre a Londres

13 e 14 de fevereiro: de Porto Alegre a Londres

Planejamos nossa viagem junto a Casamundi, que nos conseguiu um preço do tamanho de nosso bolso para a viagem e conexões. O voo foi pela TAP e, além do preço legal, pudemos ir de Porto Alegre a Lisboa direto, sem passar pelo inferno de Guarulhos e por um possível problema e translado de bagagens. A vantagem é que a gente chega muito mais descansado, o que não é pouca coisa.

De manhã, eu e Elena aterrissamos ao aeroporto de Lisboa que, não obstante o fato de ser uma cidade de 700 mil habitantes, tem um aeroporto dez vezes maior, mais equipado e mais funcional do que o de Porto Alegre, cidade de 1,5 milhão. Estávamos acessando nossos e-mails antes de pegar a conexão também da TAP para Londres, quando…

20140214_094432

… começou um show, um pequeno show que se revelou uma linda surpresa e afetuosa saudação para uma viagem perfeita.

Viagem 001

A cantora, acordeonista e compositora Celina da Piedade fez uma curta e bela apresentação matinal para quem ali estava.

Viagem 002

Algumas pessoas começaram a dançar — um deles um cadeirante temporário.

Viagem 003

Outros a fotografar, como eu e outros.

Viagem 004

O grupo era formado por Celina, um contrabaixista e uma tecladista. Eles interpretaram canções folclóricas do interior de Portugal. As pessoas não conseguiam ouvir sem sorrir. Nós também ficamos felizes com as boas-vindas.

Viagem 005

E chegamos a Londres pelo aeroporto de Gatwick. Pegamos o Gatwick Express até a região central da capital, deixamos nossa bagagem num hotel do quela falaremos nos próximos dias e fomos para um pub. Achamos estranho que em todas as mesas havia velas acesas, tornando o ambiente romântico. É que era o dia 14 de fevereiro, também conhecido como …

Viagem 006

Valentine’s Day.

Orgulho e preconceito: os 200 anos de um livro arrebatador

Era a mais bela capa para o Sul21. Na época, o lay-out de nossa página tinha uma foto grande e a capa do jornal ficara assim por alguns minutos:

orgulho e preconceito caoa

Só que, justo naquele domingo, houve a tragédia na boate Kiss e tivemos que mudar tudo. Abaixo, o extraordinário artigo de Nikelen Witter sobre um dos melhores livros de todos os tempos.

.oOo.

A página inicial da primeira edição de 1813. Ironia desde o princípio: “É uma verdade universalmente conhecida que um homem solteiro, possuidor de uma boa fortuna, deve estar necessitado de esposa”. (Clique para ampliar).

Publicado no Sul21 em 27 de janeiro de 2013

Por Nikelen Witter (*)

No final do século XVIII, uma jovem inglesa escreveu um romance. Não era algo incomum em sua época, nem era seu primeiro texto de ficção. Como era de costume, ela fez leituras para sua família que, depois de alguns debates, parece tê-lo aprovado. Sua intenção, inicialmente, era a de fazer um romance epistolar, algo muito em voga no período, mas as cartas minguaram dentro do texto, mesclando-se com a narrativa. O pai da jovem, acreditando no talento da filha mais nova, levou o manuscrito a um editor, que recusou a história. Este poderia ter sido o fim de First Impressions, título do romance recusado, mas, como qualquer escritor sabe: a primeira versão de um livro nunca é sua versão final. A jovem aspirante voltou a trabalhar seu texto, ao mesmo tempo em que escrevia outros. Em 1811, ela publicou seu primeiro romance e, aproveitando o sucesso deste, no dia 28 de janeiro de 1813, há 200 anos atrás, finalmente o texto anteriormente recusado chegou ao público. Tinha um roteiro melhor trabalhado, um texto mais perspicaz e um novo título: Pride and prejudice ou, em nosso idioma, Orgulho e preconceito. Nascia, assim, o romance mais popular de Jane Austen – uma das mais brilhantes escritoras inglesas – e, com ele, uma notoriedade que já perdura por duzentos anos.

Jane Austen: uma moça simples e, curiosamente, muito letrada

A autora

Quem nunca leu nada de Jane Austen pode acabar tendo uma ideia errada de seus leitores-amantes, vendo-os como cegos seguidores de um certo tipo de culto, que elegeu a autora inglesa como musa e deusa. A quantidade (e o tipo) de menções na mídia à escritora, por outro lado, pode fazer com alguns venham a imaginá-la como uma espécie de Norah Efron (**) da virada do século XVIII para o XIX. De fato, já conheci leitores que interpretaram seus livros superficialmente, como quem lê um roteiro hollywoodiano, acreditando que seus romances não passam um conjunto bem amarrado dos clichês do tipo moça encontra rapaz e vice-versa. E, desde sempre, houve aqueles que a acreditaram como autora de livros tipicamente femininos, contos conservadores para “mulherzinhas” sonhadoras. Contudo, nada poderia ser mais enganoso. Primeiro, porque nenhum fã de Austen deixará de lhe fazer críticas na mesma medida em que reconhece sua genialidade. Segundo, porque se as comédias românticas beberam em Austen, fique-se certo que ela nunca bebeu delas. Por fim, dispensar um grande escritor com base num conceito duvidoso de literatura de meninos e meninas, diz mais sobre o leitor do que sobre o livro em questão, então, melhor deixar pra lá.

Keira Knightley e Matthew MacFadyen: A adaptação mais famosa: a de Joe Wright, realizada em 2005

O fato é que Jane Austen continua, após dois séculos de existência de sua obra, um fenômeno tanto de crítica, quanto de público. O número impressionante de adaptações pelas quais seus livros são lembrados e recriados, porém, não é o suficiente para que se compreenda como inglesa de vida obscura tem conseguido manter tanta vitalidade. Arrisco a dizer que, para entender o fenômeno Jane Austen é preciso lê-la e, se me permitem, fazer isso mais de uma vez. O gênio de Austen é o de fazer muito com o mínimo. E tal talento exige um leitor capaz de divertir-se como quem observa pessoas pelos buracos das fechaduras, entendendo-as mais pelo que fazem e dizem, do que por longas apresentações retóricas sobre quem realmente são. Os livros da Jane Austen são como pinturas delicadas, dadas como um presente aos observadores atentos. Sem “efeitos bombásticos” (usando as palavras de Sir Walter Scott, seu grande admirador), Austen dominava como ninguém a arte de representar o cotidiano em suas grandezas e misérias, em sua beleza e mediocridade. O resultado é um espelho atemporal das relações humanas que ultrapassam em muito as relações amorosas entre homens e mulheres. Em Austen, o minúsculo da existência aparece como um caminho que, em qualquer época ou lugar, pode refletir o que somos e onde estamos. Sobretudo, o fato de que, na grande maioria das vezes, não conseguimos estar onde gostaríamos, apesar de nossas melhores intenções.

Elizabeth (Keira Knightley) e seu pai (Donald Sutherland): raro entendimento

Austen escrevia sobre pessoas e sobre gerações. Falava dos mais velhos acomodados a suas manias, controles, posições e fracassos. E escolhia como protagonistas jovens que precisavam abrir caminho ante tudo isso. Destes jovens, ela se ocupou mais das mulheres, criaturas sem qualquer poder ou destinação que não o casamento; muitas vezes, prisioneiras da ignorância, da vida sem perspectiva ou ilusões, assombradas pela decrepitude física (decretada antes dos 30 anos) e pela ruína econômica. Jane Austen colocava o amor como uma questão importante, mas o via por meio de um caleidoscópio, pois ninguém ama ou é amado solitariamente. O difícil relacionamento amoroso com a família na fase adulta é, para a autora, um tema tão forte quanto à busca de um amor companheiro para construir um novo núcleo familiar.

Porém, ledo engano dos que, sem a terem lido, imaginam-na como uma autora sentimental. Se bem que Mark Twain, que detestava seus livros – especialmente Orgulho e Preconceito –, talvez acreditasse nisso. Já Charlotte Brönte, autora de Jane Eyre, a acusava de ser fria, de não ter fogo ou paixão e classificava seus romances como insípidos. Minha leitura de Jane Austen a percebe como uma racionalista, até mesmo um tanto radical em seus termos. Isso é claro em Razão e sensibilidade e não menos em Orgulho e Preconceito. Os muito românticos podem ficar chocados, mas Jane Austen parece defender a ideia de que o amor é, antes de tudo, uma mistura de desejo, afeto e discernimento. A receita para o desastre está na falta de qualquer um destes. Claro que não se há de ler nenhuma declaração de amor em seus livros como a que Edward Rochester faz a Jane Eyre, porém, para Austen, o amor, mais que por palavras, é demonstrado por ações que nada exigem em troca. Numa sociedade tão apegada ao jogo de favores e cortesias, nada poderia ser maior que o desinteresse na retribuição, que a paz e felicidade do outro como único reconhecimento.

A casa dos Austen em Steventon: nada de herança para mulheres

Vida e morte

A biografia de Jane Austen é bem conhecida, quando não, esmiuçada para explicar a escritora e a impressionante longevidade e popularidade de sua obra. Houve críticos que, inclusive, se utilizaram de sua trajetória para opor-se a seus escritos. Ora, o que, afinal, uma solteirona provinciana poderia saber de amor, de casamentos e, especialmente, das universalidades do gênero humano?

Jane nasceu em 16 de dezembro de 1775, em Steventon, um vilarejo ainda hoje de aspectos rurais, ao norte do condado de Hampshire, no sul da Inglaterra. Originária da gentry, pequena nobreza rural, ela era oriunda de uma numerosa família, sendo a sétima filha do pastor George Austen e de sua esposa Cassandra, o mesmo nome de sua única irmã e confidente. O pai era também reitor e tutor de alunos, os quais recebia e educava em sua casa.

É difícil saber se por atenção às novas exigências da época quanto ao ensino das moças – nos últimos 50 anos do século XVIII, sob influência da burguesia ascendente, se passou a valorizar a educação feminina no mercado de casamentos – ou se por convicção professoral, o fato é que os Austen preocuparam-se em fornecer às duas filhas instrução de alto nível. Cassandra e Jane moraram com uma tutora em Southampton e, mais tarde, no internato de Reading. Sabe-se, porém, que o próprio pai foi um dos grandes educadores dos próprios filhos. Ele mantinha em sua casa uma ampla biblioteca e se orgulhava da família ser ávida na leitura de romances, além de outros tipos de literatura.

O manuscrito de Orgulho e Preconceito: leiloado por 5 milhões de reais em 2011. (Clique para ampliar).

É interessante notar que se as bibliotecas particulares já não eram nenhuma novidade por esta época, o estímulo à leitura, em especial de romances e pelas mulheres, estava ainda sob forte ataque. São bastante conhecidos os textos do período que criticam a chamada “fome por leitura”, a qual, no entanto, espalhava-se pelos alfabetizados num volume cada vez maior. Tais textos eram opositores à leitura feita “por qualquer um”, e acreditavam que nada poderia ser mais pernicioso para a vida de uma moça do que a leitura de romances. Os detratores do gênero acusavam-no de estar repleto de fantasias e aventuras absurdas, que só fariam adicionar à cabeça “fraca” das jovens desejos que nunca poderiam ser satisfeitos, mergulhando-as na melancolia. Pior, poderia fazê-las falhar com seus deveres de boas filhas, irmãs e esposas, tornando-as ávidas de sensações moralmente recrimináveis e passíveis de se lançarem nas mãos dos aproveitadores e inescrupulosos que rondavam as famílias. Em prol da segurança das jovens e das linhagens, devolveu-se grandemente uma literatura moralista, baseada em textos bíblicos, que tinha função de orientar as moças em direção à caridade e a conformação com a vida limitada, que todas tinham pela frente.

Alguns destes livros devem ter passado pela biblioteca do reverendo Austen e Jane os conhecia bem. Pode-se acreditar nisso porque determinadas ideias destes textos estão presentes em seus escritos. Afinal, Jane não se furtava em criticar romances com perspectivas irrealistas da vida ou das relações amorosas. Northanger Abbey, sua obra de juventude publicada postumamente, é justamente sobre as tolices das jovens que se deixam levar pelo imaginário dos romances. Por outro lado, Austen não era nenhuma entusiasta da longa e aplicada leitura dos moralistas. Em Orgulho e preconceito, este detalhe é inserido como parte da personalidade patética de pelo menos dois personagens: o infame Mr. Collins e Mary Bennet, a menos encantadora das cinco irmãs.

Cena de Becoming Jane, com Anne Hattaway.

Das leituras à escrita, Jane revelou precocemente o talento e o desejo de compor seus próprios textos. Pequenos esquetes representados pela família na reitoria, paródias da literatura da época em que ela exercitava seu humor e capacidade crítica, presentes igualmente nas longas cartas escritas para a irmã Cassandra, nos breves períodos em que ficavam separadas. Os biógrafos apontam que entre 1795 a 1799, Austen também teria desenvolvido o cerne de alguns de seus principais romances, os quais foram, depois, longamente retrabalhados. No início dos anos 1800, fala-se da existência de alguns pequenos interesses de cunho amoroso, porém, nenhum deles seguiu adiante. (Em 2007, esses quase enlaces de Jane Austen, foram costurados num único – Thomas Lefroy – pelo roteiro do filme Becoming Jane, que se utilizou de Orgulho e Preconceito para construir um argumento romântico, numa livre interpretação da vida da escritora).

Read More

Incrível! Prefeito do Rio pretende fundir orquestras sinfônicas da cidade…

O Southbank Center, em Londres, abriga quatro orquestras de primeira linha. É um Centro Cultural com três fantásticas salas de concertos dedicado à música, mas não pensem que não há outras orquestras sinfônicas na cidade. Elas estão espalhadas como times de futebol.

Foto: Bárbara Ribeiro

Enquanto isso, no Rio de Janeiro, cidade de 8 milhões de habitantes e apenas quatro orquestras, o prefeito Eduardo Paes pretende que duas das orquestras mantidas parcialmente pela prefeitura — a Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) e a Orquestra Sinfônica Brasileira Ópera e Repertório (OSB O&R) — sejam integradas à Orquestra Petrobras Sinfônica (Opes), regida pelo maestro Isaac Karabtchevsky, seu “querido amigo”. Segundo o brilhante prefeito, o Rio precisa de apenas um conjunto sinfônico forte que, segundo ele, poderia se chamar OSB-Petrobras ou Petrobras-OSB.

O estranho é que ele não parece ter articulado nada, pois a Orquestra Petrobras Sinfônica reagiu, em nota, informando que “não tem interesse de se fundir a outro grupo, por defender a pluralidade artística”. Segundo a entidade, “ter uma orquestra única no Rio implicaria na diminuição da oferta de espetáculos, do mercado de trabalho e da abrangência geográfica dos concertos”. Estão certos.

Tal fato ocorre após a Prefeitura suspender o apoio de R$ 8 milhões anuais que dava à Fundação Orquestra Sinfônica Brasileira (FOSB), trocando-a por apoios a eventos esportivos certamente carentes de patrocinadores.

Contrariamente ao que pensa o prefeito — que tem tanta vivência com as artes que esqueceu da Orquestra do Municipal, também parcialmente sustentada pela Prefeitura … — as principais capitais do mundo têm, cada uma delas, uma dezena de conjuntos sinfônicos. Ele. em pose de vendedor, defende o dinheiro público tem que ser investido em coisas que de fato deem projeção à cidade…

— A posição do prefeito é absolutamente ridícula e lamentável — classifica o maestro Silvio Viegas, regente titular da Orquestra do Teatro Municipal. — É o mesmo que propor que Flamengo se una ao Vasco e que Botafogo se una ao Fluminense porque a cidade tem times demais.

O secretário municipal de Cultura, outra sumidade, concorda com o prefeito.

Dia 15: Hyde Park, Buckingham Palace, St. James`s Park, passeios e a Primark…

Hoje, tivemos nosso primeiro dia de sol em dez dias de Londres; então, optamos pelos passeios ao ar livre e depois por uma visitinha a um dos templos de consumo daqui, a famosa Primark e seus amazing prices. Comprei calças jeans por 5 libras, mais ou menos 15 reais. Sim, a roupa aqui é muito barata, mesmo fora da Primark.

Não sei bem por quê, mas tiramos poucas fotos. O Hyde Park é imenso, muito bonito, mas com poucas árvores. Os ingleses valorizam muito seus gramados e costumam tomar sol neles. Então, as árvores não são muito úteis, como diria o Fortunati. O Palácio de Buckingham é grandioso e feio, não merece fotos. O St. James`s Park é lindo com suas aves e esquilos. Vindo de Buckingham, passando por St. James`s e entrando a direita, a gente passa por Downing Street 10 e pelo Parlamento. O último é bonito demais para uma bomba, mas os outros talvez mereçam…

E é isso. Amanhã vamos à feira de Portobello Road e voltamos no domingo, não sem antes passar um meio-dia em Roma. Talvez só volte a escrever na segunda-feira à noite, tá bom?

Esse é o Albert Memorial do Hyde Park, bem na frente do Royal Albert Hall.
No início (ou no final) da Oxford Street há uma bela, enorme e curiosa cabeça de cavalo.
Ô, Fortunati, ciclovia é isso.
Essa ai é o monumento que fica na frente do Palácio de Buckingham. Não sei o nome e confesso minha falta de curiosidade.
Muitos corvos e esquilos no St. James`s Park. Aliás, o Charles Dickens tinha um pet em casa: um grande corvo.
Um cisne negro, cujos movimentos sinuosos de seu pescoço só podem ser espreitados na foto acima.
Ô Fortunati, aqui há painéis nas paradas de ônibus indicando quanto tempo falta para cada linha chegar. Um bom serviço, não? Ah, e quando a gente compra um passe anda em quantos ônibus quiser durante determinado tempo. Quantos quiser, viu?
Uma outra estátua na Piccadilly. Como a foto da Bárbara mostra, todo mundo tira foto ali.

Dia 14: London Tower, Museu Charles Dickens e Memorial to Heroic Self Sacrifice

Hoje foi um dia tão perfeito que já sei que vou sentir saudades desta viagem com minha filha, muitas saudades. Começamos o dia com o nosso tradicional English breakfast reduzido, sem algumas daquelas coisas de que não gostamos. Depois, fomos para a London Tower.

A Torre de Londres é o forte em torno qual a cidade nasceu. Está na margem norte do Tamisa, no centro da cidade. Sua construção foi iniciada em 1078 por Guilherme, o Conquistador. Ela era inicialmente uma fortificação nos limites da cidade romana rodeando a Torre Branca, primeiro edifício dos 7 hectares que completam a Torre de Londres. O estado de conservação de todos os conjuntos que fazem parte da Torre de Londres é miraculoso. Destaques? As armaduras de Henrique VIII, desde quando era magro até a obesidade; as joias da coroa; os corvos que moram lá literalmente há séculos; a Torre Branca e as caminhadas pela zona medieval. Uma aula de história com pitadas de discreto marketing.

O Museu Charles Dickens fará a alegria de Nikelen Witter quando ela vier para cá. O Museu é a casa de Dickens, com seus objetos, camas, cozinha, sala, etc. O escritor não é apenas o autor de histórias piegas, é um autor fundamental por ter introduzido as classes menos favorecidas em suas histórias, assim como denúncias sobre o trabalho infantil, a prisão por dívidas e o dia-a-dia da vida daquelas pessoas que muitas vezes não sabiam se comeriam nas próximas horas. Nunca subestimem Dickens, um homem cujas leituras públicas levaram muitos de seus contemporâneos a educarem melhor seus filhos. Os méritos pessoais e a influência de Charles Dickens ultrapassam seus romances, mesmo que tenha escrito no mínimo duas obras-primas: Pickwick Papers e Grandes Esperanças.

E, após Dickens, como não se sentir sentimental? Então, fomos aos mais original memorial que conheço, o Memorial to Heroic Self Sacrifice. Talvez você saiba do que estou falando se você viu o filme Closer. A explicação para a existência do memorial está abaixo:

Sim, são placas pintadas em azulejos que lembram pessoas que morreram tentando salvar outras. Uma ideia belíssima.

E a placa de Alice Ayres, morta aos 25 anos e que é “codinome” utilizado pela personagem de Natalie Portman é esta:

Então vamos às fotos de hoje?

Foto de dentro da Torre de Londres com detalhes da London Bridge. Não sei porque selecionei a merda desta foto…
Escolares ingleses fazendo uma pausa para se alimentar na London Tower.
Armadura para um já obeso Henrique VIII.
O homem fazia questão de mostrar-se avantajado não apenas na barriga.
Agora sim, uma foto mais decente da London Bridge.
Morto para salvar uma lunática…
O Memorial. Mais simples impossível.
Vista de dentro do Memorial.
E a vista lá da porta, quando de nossa despedida.
O prato onde Dickens se alimentava em sua sala de jantar.
A baleadíssima escrivaninha onde escrevia seus livros.
Sim, quando jovem ele fazia a barba. Depois, abandonou esta atividade inútil.
Uma das citações pelas paredes. Viste, Nikelen?
Baba, Nikelen.
A porta da casa de Dickens que hoje abriga o Museu.
Baba, Nikelen (2).
Numa curva da Strand.
Ao final da tarde, passeando ao longo do Tâmisa.
E a chegada ao Parlamento. Fim do dia.

Dia 13: The Wallace Collection e a National Gallery

Maravilha uma cidade onde todos os museus são de graça, né? Quando fomos conhecer a Wallace Collection esperávamos a cobrança de um ingresso; afinal, não estávamos num dos grandes museus da cidade, mas ali também era tudo free, como diria o Raul Seixas.

A Wallace Collection é um pequeno museu fundado a partir da coleção particular de Sir Richard Wallace, que foi legada ao estado por sua viúva em 1897. O museu foi aberto ao público em 1900 em Manchester Square. Na coleção, estão pinturas que vêm desde o século XVI. Há vários Rembrandt e obras de outros mestres holandeses, franceses, espanhóis e ingleses, como Frans Hals com seu O Cavaleiro Risonho, vários Watteau, Van Dyck, Velázquez e o auto-retrato do citado Rembrandt. Faz parte da exposição mobiliário e objetos de arte, tais como relógios e esculturas. O ambiente é tão bom dentro da Hertford House que eu aceitaria trabalhar lá como guarda.

Quando saímos de lá, estávamos apaixonados pela Coleção de Sir Richard e fomos até a London Library, sugestão de um de meus sete leitores. Deu tudo errado, as visitas eram são só às segundas-feiras às 18h e eu deveria ter aceitado o oferecimento de meu leitor como cicerone, porque minha visita solo foi um fracasso. Por que será que ele sugeriu uma segunda-feira? OK, idiotice minha não me informar melhor.

Então fomos para a National Gallery. Sim, concordo,aquilo lá é um patrimônio da humanidade, é algo quase imbatível em termos de arte do século XIX para trás. Na Europa, talvez só perca para o Louvre e o Prado em termos de quantidade e para o Musée d’Orsay em qualidade. Mas a rápida passagem da Wallace Collection para a National foi fatal para a segunda. Foi como se tivéssemos saído da Bamboletras para a Feira do Livro, isto é, de uma seleção de primeira linha para uma oferta indiscriminada e que ficou exagerada. Quando entramos lá, queríamos o filé e fomos passando meio reto pela pesada coleção de arte religiosa da National. Mas fazer o quê? Vínhamos de um local onde o feijão já fora escolhido e não estávamos mais a fim de trabalhar.

Claro que o que estou dizendo é uma brutal injustiça para com o acervo do National, com seus Van Gogh, Manet, Monet, Velásquez, Botticelli, Metsu, Seurat, Signac e até Da Vinci… Mas o momento psicológico não era para o excesso e a procura com a separação do joio. Sim, ficamos 3 dedicadas horas na National Gallery, mas nosso coração estava em Manchester Square.

Na Gallery é proibido tirar fotos, na Wallace, não. As fotos são péssimas, o principal é a memória da visita:

Esse aí é um Watteau.
Já este é um Metsu. Uma leitura inapropriada de uma carta…
Já este lindo é um Pourbus. O nome do quadro é “Uma alegoria do verdadeiro amor”.
Este incrível é de Zampieri.
Ah, Velazquez…
Canaletto existe fora das capas dos discos de Vivaldi!
Existe mesmo, há vários lá.
Sai pra lá, coisa do demônio! Do para mim desconhecido Papety.
Cena do Inferno de Dante, de Ary Scheffer.
Em vez de aceitar a proposta de um dos meus sete leitores… Cagada, né?
Um dos mais belos chafarizes da Trafalgar Square bem na frente da National Gallery.
E a moça que o desenhava sob 1° C. Se ela caísse na água eu buscava, viu? Pura solidariedade.

Dia 12: Greenwich, Abbey Road e Museu de Tecnologia

Depois do superdia de ontem, fomos às atrações de segundo nível. Rápidas passagens por Greenwich, pela esquina famosa de Abbey Road — capa do disco homônimo dos Beatles — e pelo Museu de Tecnologia.

Ir a Greenwich costuma ser um belo passeio quando há tempo bom. Só que previsão do tempo não nos favorece em nada e resolvemos dar uma passada pela cidade pelo que ela tem de peculiar: seu observatório e os pubs. Ganhamos de graça uma perseguição aos esquilos do belíssimo parque que circunda o observatório. Ao final, o saldo foi positivo.

A ida à Abbey Road é uma das bobagens obrigatórias de Londres. A gente vai lá ver se aquela capa existe mesmo e ainda. Como sempre, estava cheia de gente. Lembrem que ontem o primeiro LP do grupo, Please, please me completou 50 anos.

Sei lá , tinha uma lembrança melhor do Museu de Tecnologia. Acho que ele mudou para pior, loja e exposições. Foi uma decepção, mas deem um desconto por meu cansaço.

Na ida para Greenwich, a passagem pela London Bridge.
Bárbara com um pé no oeste e outro no leste.
Um esquilo que estava por lá.
Recebia comida de todos.
Onde estamos em relação à Greenwich. Na foto, a Bárbara está com um pé de cada lado do meridiano.
As paisagens lá de cima são muito bonitas.
A Bárbara sai em perseguição aos esquilos.
Mas, não consegue nada sem comida na mão, pois eles vão atrás de quem tem algo a oferecer.
O pub preferido na cidade. Fui lá duas vezes…
Foto para a Rachel Duarte (1).
Foto para a Rachel Duarte (2).
Foto para a Rachel Duarte (3).
A esquina famosa do Abbey Road Studios.
Uns caras tentando imitar a capa do disco. Isso ocorre a cada 5 minutos…
A faixa de segurança raramente vazia.
E uma das poucas coisas que achei legais no Museu de Tecnologia.

Dia 11: British Museum e pessoas queridas

Pois hoje foi mais um dia de chuva, mas não como a de ontem. A de hoje era daquele tipo que faz poucos ingleses pegarem no guarda-chuva; era a chuvinha normal, diária. Dedicamo-nos a três coisas: uma visita atenta ao British Museum, um encontro com o casal de amigos Sabrina e Alex, além de um passeio pelo centro.

O British é o British. É sensacional e coloquei um monte de fotos abaixo. Mas acho que o melhor do dia foi com a Sabrina Bottin e o Alex Moraes da Silva. Conversa agradabilíssima no centro da cidade enquanto nos entupíamos de sorvete sob zero grau. Reclamam que trabalham muito, mas parecem muito felizes. Grande encontro.

Bom, como estou com sono, vou direto para as fotos. Por pura preguiça minha, muitas vão sem legenda, tá?

Chuva mais fraca que a ontem. Tinha alguma neve da noite.
A entrada do British Museum hoje de manhã, ali pelas 10h30.
Adoro ver as crianças fazendo seus trabalhos de aula nos museus da cidade.
Esse sujeito morreu faz bem mais de mil anos. O sol do deserto desidratou-o rapidamente. Ele está completo, tem até cabelos.
Outro ângulo.
Cenas fortes.
Como essa cadeira usada por um chefão em Moçambique.
Ah, a música, não temos ido muito a shows e concertos.
Afrodite.
Um ataque só de filósofos com Sócrates na ponta direita.

O teto central do British.
Olhando para baixo do terceiro andar.

Duas enormes salas só de relógios para o Marcos Abreu.
Aqui em Londres, só se fala em pressões ligadas à proteção dos padres pedófilos. Chamam-no de o Rottweiler de Deus. A capa diz: “Papa quits”. O jornal é o Evening Standard, segundo o Felipe Prestes, muito melhor que os jornais do Brasil e que é distribuído à tarde gratuitamente no metrô, bem na hora qua a gente está louco por notícias.

Dia 10: chuva, frio de zero grau e ainda mais chuva em Londres

De modo nenhum reclamo do frio. Isso é para os fracos, como diz o Igor Natusch. Mas ir a Camden Town, que é uma feira ao ar livre, sob a maior chuvarada, é complicado. A sedução estava toda lá. Todos os sotaques, todas as gentes, todos os estilos, toda a gastronomia, todos os produtos, tudo estava lá. Mas havia a maldita chuva. Nossos casacos são impermeáveis, porém, a partir do meio da coxa, a água já pega, o sapato fica ensopado e a gente passa a achar a vida muito difícil e doída. Mesmo assim, demonstramos nossa bravura gaúcha ficando lá das 10 às 14h, almoçamos em pé num cantinho, vimos um monte de coisas e fugimos. Em minha pequena experiência na cidade, o tempo está nublado na maioria dos dias e cai uma garoa. Hoje não, hoje era chuva forte sem parar.

Nossa ideia era a de ir a um lugar quente, seco — como os Museus daqui costumam ser — e talvez mais vazio. Então, nos dirigimos para a Royal Academy of Arts, onde há uma exposição de Manet — a única exposição que admitiria pagar. Explico: os Museus de Londres são todos de graça. Só que o londrino não fica em casa, é um povo culto cujas exposições de arte são anunciadas no metrô e que vai de verdade a elas. A fila era enorme, tivemos que ficar meia hora da fila de entrada, mas, lá dentro, qualquer muxoxo teve que ser silenciado. O que nós vimos foi quase uma integral do mestre francês. Foi espetacular. Sempre fui um admirador do realismo de Manet e minha admiração só aumenta com os anos. A Bárbara também gostou muito. Achei legal também a educação inglesa na frente dos quadros. Havia muita gente para ver cada quadro e todos cuidavam para não cortar a visão dos estavam parados olhando e só se avançava quando a pessoa da frente se retirava. Ah, demora muito? Sim, porém é a melhor maneira de agir. Com respeito.

Se elogiei bastante os ingleses, tenho também coisas a reclamar. Pelo segundo domingo consecutivo, eles interrompem linhas e fazem a gente dar voltas e mais voltas para pegar os trens, algumas na rua. Não esqueçam que estava zero grau e chovia à cântaros — para usar uma expressão invulgar… Se fosse em Porto Alegre, todos reclamariam que, justo no dia livre da população, tudo para…

A previsão indica que a chuva só cessa terça-feira. Então, programamos para amanhã o British Museum e um encontro com amigos que moram aqui.

Foi um dia tão difícil que só tirei três fotinhos.

Um local de Camden Town: as pessoas comem sentados em Vespas. À frente delas há uma mesa. Vejam as umbrellas. Os ingleses só as usam quando precisa MESMO. Hoje precisava muito.
Sob chuva torrencial, a estátua da Praça de Piccadilly Circus: Piccadilly Circus é a famosa praça de Londres, onde se cruzam a Regent Street, a Shaftesbury Avenue, a Piccadilly (a rua que liga Piccadilly Circus a Hyde Park) e a Haymarket. É uma das zonas mais movimentadas da capital. Bonita praça.
E, agora à noite, um — na verdade dois — Fish and Chips libertadores, acompanhados de Guiness.

Dia 9: a Bárbara come um english breakfast e quase gosta

Voltamos a Londres. A Bárbara estava meio indignada, pois passara 3 dias na cidade e não tinha visto o Tâmisa. Resolvi acabar de cara com o impasse, mas não sem antes fazer-lhe comer o famoso english breakfast, cogumelos, com seus salsichões gordurosos, feijão adocicado, enorme bacon todo torcido, tomates assassinados como Joana d`Arc, ovos e seu bom chá ou café. A surpresa é que ela gostou do feijão — “parece meio ketchup” –, já o salsichão e os cogumelos foram absolutamente detestados, mas deu para comer, tanto que a refeição seguinte foi só às 18h. O breakfast foi às 10h30.

Em seguida, fomos para Westminster, London Eye e seu contexto, o Tâmisa. Um frio de rachar, acompanhado da tradicional chuva fina, uma delícia. Procuramos a Tate Modern e seus Picassos, Mas Ernst e Turners, mas o querido guia de Londres da Artes e Ofícios nos mandou para a Tate British. Que bom, né? Joguei fora o livrinho, pegamos o metrô e chegamos à Tate Modern, onde ficamos por 4 horas. Depois, Covent Garden e hotel. Estávamos muito molhados e com frio. Amanhã, voltaremos a Camden Town.

Cor local: vir a Londres e não sofrer o English Breakfast é fugir da vida londrina
O Parlamento.
Vocês sabiam que o Big Ben é o sino e não o relógio?
Ah, o Tâmisa, finalmente!
A escultura de Rodin do outro lado do Parlamento.
Tudo visto de outro ângulo — sob chuva e mais chuva, quando voltávamos do equívoco provocado pela página 238 do livro “Londres — Bagagem de Mão” da Artes e Ofícios.
Uma gravura de Magda Cordell no Tate Modern.
Magda Cordell, gosto muito. Depois não tirei mais fotos das obras. É permitido, desde que sem flash.
Vista da sacada da Tate Modern.

2 de fevereiro: Londres

O rebote do dia anterior fez-nos começar mal o dia 2. Acordamos só às 11h. Fomos direto ao Museu de História Natural, templo de Charles Darwin. Havia muita gente na entrada, mas como ele é imenso, achamos que ia dar para uma boa visita. Engano. Deu para uma caminhada curta, poucas fotos e para um lanche. Só. Era tanta gente que mal conseguíamos caminhar. No restaurante, conhecemos dois goianos que moram em Londres, o Edson e a Andréa. Estão satisfeitos na cidade, ele mais do que ela, pois tem emprego fixo num supermercado e ganha bem. Então, como o Museu estava um atrolho e era sábado, digo-lhes que este dia da semana é inviável no Museu de História Natural.

Na entrada, minha filha Bárbara, observava: “Essas pombas daqui são do bem, se aproximam numa boa. As de Porto Alegre estão formando gangues. Qualquer hora dessas, a ZH vai noticiar que há pombas assaltantes em Porto Alegre. Classe média sofre, pai”.

Adiamos a visita à Darwin e formos ao Victoria and Albert Museum, bem ao lado. Maravilha. Uma bela e necessária ida a um Museu fundamental da cidade. Como os ingleses trouxeram tudo aquilo demonstra um apetite para a pilhagem que vou lhes contar. E há o British para ver, ainda.

Depois saímos para uma caminhada, Zara e metrô até a Igreja de Saint-Martin-in-the-Fields — em frente à Trafalgar Square — , onde assistimos a um concerto perfeito que constava de uma única peça, a Pequena Missa Solene de Rossini. Executada com a instrumentação original e com cantores e coral impecáveis, saí de lá nas nuvens. A Bárbara me disse que achou bonito, reconheceu a notável qualidade acústica do local, sentiu que os caras cantavam bem demais, mas que aquilo tudo não chegava a emocioná-la. Preferia algo apenas instrumental. Já eu fiquei ao lado dos ingleses que aplaudiram muito — dentro de seu contido padrão habitual — ao grupo.

E depois terminamos o dia num pub, o primeiro da Bárbara.

(As fotos da máquina da Bárbara, a boa, estão indisponíveis. Ela esqueceu do recarregador em Porto Alegre. A qualidade das fotos vai baixar…).

Vista do The National Gallery desde a Trafalgar Square.
Fish and Chips and Guiness
O primeiro pub a gente nunca esquece…
O consumo de álcool tem efeitos conhecidos.

1º de fevereiro: Roma e uma pequena aventura em Londres

Dia complicado e cansativo, nossa! Eu e minha filha Bárbara tínhamos saído de Porto Alegre no dia 31. Neste dia tivemos que chegar ao aeroporto cedo, muito cedo, a pedido da Casamundi. Acho que foi excesso de zelo, mas tudo bem, melhor o excesso do que a falta. De Porto Alegre, fomos ao Rio de Janeiro e de lá saímos para Roma pela Alitalia. Não é que estivesse quente dentro do avião, é que era o verdadeiro inferno. A Bárbara mal dormiu, eu consegui umas duas horas de sono. Queria tirar a camiseta que usava e ficar sem camisa, mas temia que aqueles italianos — incrivelmente de terno — me jogassem para fora do avião.

Chegamos a Roma 40 minutos antes do horário previsto. E demos graças ao Diabo pela franquia destes preciosos minutos. A sugestão de pegarmos o serviço de ônibus da TerraVision revelou-se sensacional. Pegamos o ônibus antes do previsto e a viagem de Fiumicino a Roma foi absolutamente rápida e confortável. Chegamos a Cidade Eterna pelas 8h da manhã e, talvez pela raiva pela péssima noite, resolvemos fazer um turismo doido. Saímos do terminal de ônibus da via Marsala e decidimos: vamos fazer todos os principais monumentos a pé. E começamos a infantaria: Coliseu, Piazza Navona, Fontana de Trevi, Panteon, Vittorio Emmanuelle (aquela máquina de escrever horrível) e ainda fomos ao Musei Capitolini, que eu desconhecia e ao qual fui indicado pela Bárbara. Valeu muito a pena.

O resultado de alguns quilômetros de caminhada e de alguns equívocos de percurso, mais a noite mal dormida, foi um enorme cansaço. Além disso, a Babi estava com as pernas doloridas e eu com dor nos pés… Mas chegamos de volta à via Marsala e depois ao aeroporto de Fiumicino. O voo para Londres — novamente pela Alitalia — foi também a uma temperatura de banho, mas sem água.

Londres começou com uma missão ao estilo 007, só que jamais a imaginávamos. Chegamos no horário previsto das 23h05, mas a imigração, as malas e o enorme aeroporto fizeram com que nós ficássemos liberados quase à meia-noite. Quando perguntei pelo serviço de trem que nos levaria a Paddington Station, fiquei sabendo que este não existia mais, mas que poderia ir a Earl`s Court, local de nosso hotel, de modo muito mais tranquilo, pelo metrô, que aqui é chamado simpaticamente de Underground para diferenciar dos outros trens. Melhor ainda, não? Claro, só que eram 23h57 e o último trem sairia de Heathrow às 24h. Até agora não sei como conseguimos correr até o guichê automático — pois não havia mais atendentes na estação –, enfiamos o cartão Diners na máquina que cuspiu duas passagens e entramos a tempo no trem. Não sei. Só sei que um funcionário do metrô se compadeceu de nós e não apenas operou o equipamento como abriu todas as cancelas até a porta do trem. Isto é, compramos as passagens, mas não as utilizamos. Sim, estamos entre polite, and very good people. Se não fosse a política externa deles…

Então, aí vai a nossa segunda dica — a primeira foi a TerraVision: nunca chegue tão tarde a Londres, a não ser que queira gastar os tubos com um táxi de Heathrow até a cidade.

A 1h da madrugada estávamos chegando ao fim de nossa longa viagem: entrando no easyHotel, hotelzinho de quartos diminutos, mas de preço muito bom, daqui em Earl`s Court. Olha, nunca um banho foi tão libertador.

A Bárbara ornamentada por uma lasca de Coliseu.
As lojas de moda eclesiástica. Presenteie seu padre preferido.
Essa foto deu certo, né? É do teto do Panteon.
O Panteon por fora.
Jornalismo Sul21; protesto dos funcionários da RAI. Eles estão amordaçados, mas um deles ainda fala.
E como!
Sem Anita Ekberg e com demasiada luz.
O que é IMU?
Olhei, olhei e não sei como o cara fica ali. Não há fios, nada.

Férias

Estarei em viagem entre os dias 31 de janeiro e 19 de fevereiro. Vou dar uma volta com a Bárbara. Acho estranho viajar só com minha filha e lamento muito o fato de que meu filho Bernardo chegue de sua longuíssima turnê pela América do Sul — está fora desde 20 de dezembro — apenas no dia primeiro, o que fará com que eu fique dois meses sem vê-lo, algo inédito desde o dia 4 de janeiro de 1991.

Os acontecimentos de Santa Maria também influenciam. Nunca vi tamanha comoção, nem um prefeito tão anão frente a ela. O caso é para pedir renúncia, mas talvez ele jamais se dê conta disso.

Imaginem que nem olhei a programação de concertos em Londres, cidade onde há ingressos de todos os tipos e dá acesso à cultura como nenhuma outra que conheço.

Vou levar um netbook. Não é dos melhores, mas deve servir para que eu deixe aqui algumas fotos e comentários para meus sete leitores durante o período. Como dizia nosso amigo, Dr. Herbert Caro, vamos fugir da canícula em Roma (2 dias), Londres (12 dias) e Praga (4 dias), tudo por obra das milhas de minha cara-metade e do booking.com, onde reservamos alguns hotéis bem em conta.

Praga é assim, dizem.

As canonizações seculares

No centro de uma quadra de Londres, há uma das coisas mais simples e bonitas que vi até hoje: o Memorial to Heroic Self Sacrifice. Trata-se de uma grande ideia: ele serve para lembrar pessoas comuns que, em atos heroicos, morreram para salvar vidas. O objetivo é o de não serem esquecidas. O Memorial aparece com destaque no filme Closer, pois a personagem de Natalie Portman assume o nome fictício de Alice Ayres, uma das pessoas lembradas no Memorial.

Foto: Milton Ribeiro

É um local pequeno e aprazível, não chega a ser uma atração turística para a maioria das pessoas, mas revelou-se muito sedutor.

O memorial foi inaugurado em 1900 e abriga 120 placas de cerâmica. Quando da inauguração, havia apenas 4. Hoje, há um espaço auxilar ao telhadinho original.

A ideia foi de um religioso, o vigário George Frederic Watts. O governo britânico dava tradicionalmente pouca atenção aos pobres, mas na esteira da Revolução Industrial, as atenção para com as classes mais baixas foram mudando. Estranhamente a nossos olhos do século XXI, Watts via o propósito de seu Memorial como exemplos para a educação das classes mais baixas.

É uma espécie de canonização de pessoas que não fizeram milagres ou que os realizaram dentro dos limites permitidos a nós, seres humanos. Um monumento humano e — por que não pensar assim? — ateu. Gosto muito.

As pessoas vão ali e deixam flores para seres humanos reais e vão embora. Permanecemos por uma hora no local e não vimos ninguém rezar. Um monumento de incrível bom gosto, pois.

Em silêncio, Brasil vê o mundo comemorar o bicentenário de Charles Dickens

Charles Dickens (1812-1870): poucas edições no Brasil

Popular e piegas, social e relevante, a obra de Charles Dickens (1812-1870) cumpre longa agonia no Brasil. É difícil estabelecer o que aconteceu primeiro: se as más traduções ou os poucos leitores. Porém, se pensarmos que as más traduções também perseguiram outros autores que têm sido sistematicamente retraduzidos — com a admissão de que a maioria das traduções de décadas passadas eram mesmo de baixa qualidade — e reeditados, talvez cheguemos à conclusão de que há algo em Dickens que não bate conosco. Contrariamente a nosso silêncio, o mundo comemorou na última terça-feira (7) o bicentenário de nascimento do autor. Até o Google alterou seu logotipo por 24 horas (imagem abaixo) a fim de homenagear o grande escritor.

Consideremos três grandes livros de Dickens: Os Pickwick Papers (1836), David Copperfield (1849-1850) e Grandes Esperanças (1860–1861). A última edição brasileira dos Pickwick Papers foi de 2004 pela Editora Globo e a tradução era ainda a da velha Livraria do Globo dos anos 50. David Copperfield não foi publicado neste século, apenas em versão recontada e o mesmo vale para o esplêndido Grandes Esperanças. Mas nossa intenção não é a de revelar aos sebos que Dickens, que ora completa 200 anos de nascimento, é uma raridade. Nossa intenção é a de demonstrar que Dickens foi um escritor importantíssimo e por quê.

Ilustração de uma edição inglesa de Oliver Twist (Clique para ampliar)

A historiadora Nikelen Witter considera Dickens um colega de trabalho: “Minha percepção de Dickens envolve muito o que o romance dele representou em sua época e quem ele foi como escritor. Minha leitura juvenil do autor, confesso, foi totalmente reestruturada pelo meu estudo da história do século XIX. Talvez meu gosto por ele seja menos em razão de seu texto do que pelas ferramentas que ele disponibiliza para entender o século XIX. Dickens está entre os autores que recomendo a meus alunos de História Contemporânea e minha intenção não é a de causar diabetes em ninguém. A descrição de Dickens das gangues infantis é bastante precisa, bem como da reprodução das estruturas de poder dos adultos nas crianças abandonadas. A lacrimosa saga de Copperfield abre espaço para uma série de questionamentos históricos sobre legitimidade, pátrio poder e escolaridade, além, é claro, da irresponsabilidade do agir das classes mais altas. Há em Dickens uma defesa da igualdade”.

Pip e um mendigo: ilustração para Grandes Esperanças, seu romance mais maduro e sofisticado (Clique para ampliar)

Não sem razão, Witter refere-se ao diabetes e à defesa da igualdade. Dickens era mesmo açucarado. Oliver Twist e David Copperfield são verdadeiras torrentes de lágrimas. A morte de personagens como a pequena Nell em The Old Curiosity Shop (O Armazém de Antiguidades) é algo de deixar sóbria qualquer novela mexicana. Witter discorda do termo “piegas” e justifica: “Os livros do Dickens e das irmãs Brönte que tematizavam as agruras dos órfãos e abandonados na Inglaterra chegaram a provocar o que foi chamado de Movimento pela Infância (que começa por volta dos anos 1840), o qual lutou contra o trabalho infantil e exigiu melhorias nos orfanatos. A burguesia e a classe média leitora sensibilizaram-se com textos que demonstravam o sofrimento envolto num realismo poético — à falta de palavra melhor e para não usar o termo piegas, que, creio, teve seu conceito inventado por esta época. O fato é que o texto de Dickens são de denúncia das mazelas provocadas pelo capitalismo, em especial quando atingia os mais fracos: os pobres e as crianças abandonadas. Não é à toa que o próprio Marx foi seu admirador”.

Dickens: açúcar e defesa da igualdade

Era uma abordagem nada indignada, mas muito ressentida e dolorida da pobreza e da infância. Afinal, aquilo tinha sido a infância de Dickens. Educado pela mãe, que lhe ensinou inglês e latim, ele dizia que não fora muito mimado e que passara muito tempo lendo as novelas picarescas e romances de Henry Fielding, Daniel Defoe, Jonathan Swift e de seus contemporâneos, assim como de Cervantes e “As Mil e uma Noites”. Durante um curto período, pôde frequentar uma escola particular. Contudo, a situação piorou quando tinha dez anos. Seu pai foi preso por dívidas após esgotar os parcos recursos da família no afã de manter uma posição social digna. Nesta época, a família mudou-se para o bairro popular de Camden Town em Londres, onde ocupavam quartos baratos. A biblioteca familiar que tinha feito as delícias do jovem Dickens foi vendida, os talheres empenhados e, com doze anos, Dickens já tinha a idade considerada necessária para trabalhar colando rótulos em frascos de graxa. Ou seja, quando Dickens falava e chorava os pobres da Revolução Industrial, não estava apenas representando ou fazendo tese.

Gravura da última leitura pública de Charles Dickens (Clique para ampliar)

A defesa da igualdade era implícita. Quando Bernard Shaw comparou Marx e Dickens e quando lemos sobre o profundo apreço de Hobsbawm pelo autor, damos-nos conta do Dickens político. Só que a tribuna de Dickens era outra. Para entender sua importância, é fundamental saber que o texto de Dickens era multiuso. Ele não se tornou o mais popular autor do século XIX casualmente: tinha extremo conhecimento de seu público e dava especial atenção às formas de divulgação de seus trabalhos. A primeira forma adotada por Dickens era testar seus textos lendo-os em voz alta. Isto era fundamental por dois motivos: primeiro pelas constantes leituras públicas que o autor fazia e que lhe deram celebridade, e também porque sabia que seria lido em reuniões familiares, hábito comum na época. (Depois, reforça a historiadora Nikelen Witter, “estes leitores debateriam o que foi lido e, especialmente, ouvido. E — desejo expresso de Dickens — olhariam sob outra forma os mendigos que se acumulavam nas estradas e arrabaldes das grandes cidades inglesas”). Em segundo lugar, as publicações vinham em folhetins, então o final de cada capítulo necessitava de uma alta temperatura emocional e de suficiente expectativa para justificar a compra do próximo. Seria totalmente inválida a caricatura de que os livros de Dickens seriam um Criança Esperança misturado com novela das oito?

Sam Weller e Mr.Pickwick num prato vitoriano

Só que com qualidade muitíssimo superior. Dickens era engraçadíssimo e seu Pickwick Papers é tão intensamente cômico que demonstra não apenas a genialidade de Dickens como também o fato de ter aprendido as lições de Fielding e Swift. Mesmo seus livros mais dramáticos contêm fartas doses de humor e, dentre os personagens secundários de seus romances, há tipos inesquecíveis. Personagens como Uriah Heep, Miss Havisham, a esposa do Sr. Micawber, Sam Weller e dezenas de outros povoam sua páginas em cenas absolutamente hilariantes. Quase sempre atuam com a mesma seriedade que um membro do Monty Python atuaria. Aliás, há algo de Dickens nos filmes do Monty Python, principalmente em O Sentido da Vida. A curiosa adjetivação das cenas cômicas é matéria de estudo e os tais personagens “secundários” são tão importantes que, quando Pickwick Papers foi lançado, a recepção do público não foi calorosa no início — Dickens era um estreante de 24 anos — , mas quando apareceu a personagem de Sam Weller, o criado de Pickwick que acompanha as aventuras de seu amo, as vendas do folhetim subiram de 400 exemplares para 40 000! Sam Weller é simplesmente impagável!

O Google mudou seu logotipo no dia dos 200 anos de Dickens em homenagem ao autor (Clique para ampliar)

Então, por que Dickens é tão famoso no mundo inteiro, mas não no Brasil, onde mal tem seus livros editados e traduzidos? Será pelos enredos inverossímeis, cheios de coincidências e reviravoltas? Bem, mas não é isso o que se vê em nossas novelas? Será que Dickens não esconderia demais sua crítica social? Será complicado concluir que o ingrediente base de Oliver Twist e Nicholas Nickleby é a denúncia da condição infantil e da situação de muitos estabelecimentos de ensino? Seria igualmente complexo notar que A Casa Soturna é um romance contra a corrupção e a ineficiência do sistema jurídico inglês, tal como A pequena Dorrit? Será este último lido apenas como a típica história do pobre que enriquece e não como uma violenta sátira ao judiciário da época? Ficam as perguntas. O fato é que Dickens, aos 200 anos de nascimento, é celebrado em grande parte do mundo enquanto agoniza no Brasil.

Londres: a música ou a Música imbatível da cidade

Um dia, quando já estávamos em Paris, passamos na frente de um bar onde havia música ao vivo. Era horrível. Nos olhamos: “Dificilmente ouviríamos algo tão ruim em Londres”. A gente se acostuma rapidamente com o que é bom. Em Londres, há boa música até nas lojas. Em sua maioria, trata-se apenas e simplesmente de música popular inglesa — nova e antiga. Camden Town e Portobello Road, sobre os quais falarei depois, são festas sonoras e, comprovando que as músicas legais ou de qualidade acima do normal circulam mesmo, dobrando uma esquina, havia uma loja de camisetas punk tocando Essa moça tá diferente, de Chico Buarque…

Mas minha área é a da música erudita. Eu já sabia, claro, que o movimento de música erudita em Londres era muito grande, mas não imaginava aquilo que (ou)vi. Muitos concertos de alto nível, todos lotados ou quase, todos com várias opções de preços. No luxuoso Queen Elizabeth Hall (capacidade para 900 pessoas), por exemplo, os ingressos custam 35, 28, 21, 14 e 7 libras, sendo que comprando os de 7 libras a gente senta lá atrás, quase na última fila, porém a acústica é tão boa que o som que nos chegava do Hagen String Quartet não nos fazia invejosos de quem estava lá na frente. Como podemos ver pela foto abaixo, o QEH é imenso, mas o som dos dois violinos, da viola e do violoncelo eram ouvidos com muita clareza, de uma forma como nunca se ouve em Porto Alegre, em sala nenhuma, pois nossos construtores se esquivam de considerações acústicas mesmo nos empreendimentos novos e novíssimos.

O concerto do Hagen Quartet no Queen Elizabeth Hall teve programa com Haydn, Shostakovich e Brahms. O bis foi o divertido Allegretto pizzicato do Quarteto Nº 4 de Béla Bartók. Uma noite perfeita. Abaixo, o Amadeus toca a peça de Bartók com menor de brilhantismo:

A 8ª Sinfonia de Mahler, que vimos no Royal Albert Hall, não é nada rotineira fora dos circuitos onde a múisca erudita trafega com naturalidade. Bem, na estreia, sob a regência do próprio Mahler, havia 1023 pessoas no palco, entre oito solistas, coro duplo e coro infantil, orquestra duplicada e órgão. Veni Creator Spiritus (Vem, Espírito Criador!), canta o coral no início, dando música ao poema medieval do monge Hrabanus Maurus. Mahler fazia retornar de forma muito particular e original a voz a suas sinfonias, o que depois ele faria ainda melhor em A Canção da Terra.

Abaixo, um jovem Bernard Haitink rege a obra, provavelmente no Concertgebouw de Amsterdam com os incríveis coro e orquestra de lá.

http://youtu.be/ickPLWzJOwQ

Assistimos embasbacados. Quando do início da música — trecho acima — , meus olhos se encheram de lágrimas. Não, não sou disso. Tudo tremia e eu também. Fiz a contagem de quantos estavam no palco. Contava cada fila de músicos e cantores e, a cada dez, memorizava o cabelo do último contabilizado. Multiplicou as filas, somou tudo e chegou a 870. O palco estava lotado, o teatro idem.

Na noite anterior nós tínhamos assistido a ópera La sonnambula, de Bellini, no Royal Opera House (capacidade para 2300 pessoas), que fica no Covent Garden. Montagem, cantores e orquestra luxuosas; preços camaradas. No intervalo, vimos um monte de gente fazendo piquenique nos corredores. Como os ingleses jantam cedo e a ópera era às 19h30 — como quase todos os concertos noturnos da cidade — , às 21h eles estão starving. Então, muitos levam um farnelzinho improvisado, sentam nos corredores e matam a fome. O curioso é que trazem tudo em caixinhas organizadas, sem esquecer do cálice de vinho e de um guardanapo para por no pescoço. Ficamos nos sorvetes…

E o que dizer da igreja St. Martin-in-the-Fields, uma igreja esquecida de suas inglórias funções e que se tornou um enorme café em sua cripta, oferecendo concertos praticamente diários no andar de cima? O que há de especial é sua extraordinária — verdadeiramente estupenda — acústica. E quem se apresenta lá, é claro. As coincidências ajudam. Eram 19h20 quando eu e minha cara-metade passamos na frente de uma igreja que tinha um estranho “olho torto”.

Quando demos a volta pensando em ir para a Trafalgar Square, vimos um cartaz cujo texto era mais ou menos assim:

London Musical Arts at St. Martin-in-the-Fields
John Landor, reg.
Beethoven — Symphony #3
Vocês têm só 10 minutos para comprar os ingressos
e chegarem a seus lugares

Esta orquestra é verdadeiramente fantástica e mereceram cada aplauso quando finalizaram a sinfonia. Ali, durante a Marcha Fúnebre, eu ouvi o melhor som de contrabaixo que registro em minha memória. Dois dias depois, voltamos lá a fim de assistir o Réquiem de Fauré com The Locrian Ensemble, London Chorale e mais Kevin Kenner ao piano, pois havia a um concerto para piano de Mozart no início do programa. Regência de Stephen Ellery. Neste concerto, houve um momento mágico: Ellery desculpou-se pelo fato da orquestra ter chegado cansada do Japão e de não ter podido ensaiar a Pavana de Fauré que fazia parte do programa. A peça substituta seria apresentada pelo pianista Kenner. E, logo após o concerto de Mozart, o próprio anunciou Peace Piece, de Bill Evans. A execução, iniciada num improviso de poucos dedos que não poderia lembrar mais o autor, seguida do tema e de nova improvisação, foi de notável sensibilidade. Quando o cara terminou, a plateia ficou por alguns segundos meio hipnotizada, demorando a aplaudir ou desejando que aquele momento se mantivesse um pouco mais. Coisa de louco. Só isso já valeu as 10 libras investidas.

http://youtu.be/RjM8G4VwAqY

Em resumo, para os melômanos, Londres vale a pena MESMO. Alguns de nossos ingressos foram comprados na internet com cartão de crédito. Os da Saint Martin foram adquiridos na hora. A oferta de música se renova a cada semana, dando-nos a vontade de nunca mais sair de lá. Só posso amar a cidade. Mas virão mais motivos.

As fotos são minhas. Apenas as fotos diurnas do QE Hall e o RA Hall foram roubadas por aí.

Londres: a Catedral Evolucionista de São Carlos, mais conhecida como Museu de História Natural

Quando acordamos em nosso primeiro dia de Londres, fomos direto para o Natural History Museum. Talvez seja uma curiosidade interessante a de sublinhar que, no caminho até o Museu, feito a pé por mais ou menos 12 quadras, não vimos nenhuma outra igreja. A frente é imponente como convém a uma entidade religiosa:

Todos os museus tem a simpática característica de serem gratuitos e de estarem cheios de crianças e de professores explicando tudo o que se vê. Aliás, tudo está cheio em Londres — concertos (mesmo os eruditos menos populares), assim como feiras, shows, museus e pubs. Também surpreende o tranquilo controle dos pequenos, não há descontrole, gritos ou correria, as crianças ficam bem comportadas e interessadas, coisa que não costumamos ver no Brasil. E, pasmem, nem ostentavam sinais de torturas.

Logo à entrada, vemos o esqueleto de Dippy, um dinossauro de 32 m, assim conhecido por ser um Diplodocus carnegii. O da frente, bancando o elegante, é outro gênero de dinossauro.

Na foto acima, na parte de trás da espaçosa nave central do templo, está a figura excelsa de São Carlos, padroeiro e santo protetor deste blogueiro. Tive pudor — o que mais me resta neste mundo? — de apresentar-lhes uma foto que me incluísse ajoelhado frente ao santo. Vai então esta aqui, menos devocional, mais contida e secular.

Meus caros sete leitores, tenho que lhes dizer uma coisa. Tenho centenas de fotos do museu e estou me segurando para não fazer um PHES Darwinista. Então, pausa para o chá. Tomamos um tea for two para nos acalmar; afinal, passei anos contando a mesma piada: Shakespeare foi o maior gênio do século XVII, Bach o do século XVIII, Darwin o do XIX, Freud o do XX e Celso Roth o do XXI. (OK, esqueçam. Tem mais graça quando dramatizado). Mas chega de tergiversações e falemos sobre o que há no Museu.

O Museu de História Natural de Londres foi fundado em 1881 como parte do Museu Britânico, mas atualmente é um organismo à parte, mantido pelo Ministério da Cultura. Há um prédio novíssimo agregado ao prédio histórico, o espetacular Darwin Center. Há de tudo, mas o principal, em minha opinião, são os espécimes coletados por São Carlos. A biblioteca contém extenso material que inclui livros, jornais, manuscritos e coleções de arte ligadas a pesquisa científica (fantásticas!). Mas o que faz a alegria das crianças e, OK, nossa, é a exposição permanente de esqueletos de dinossauros. Porém, nós, intelectuais maduros, elitistas e arrogantes, escolhemos o local para rezar e agora faremos uma pequena excursão por alguns locais santificados.

Enquanto caminhamos, lendo a respeito da história da vida em nosso planeta e observando fósseis e figuras, é impossível não olhar para o alto a fim de admirar os detalhes do prédio e da decoração.

Querubins?
Anjinhos?

Tais figuras ficam sobre as galerias do deslumbrante Museu. Vejam que legal a foto abaixo.

Os três níveis do prédio vistos do segundo andar. Nos detalhes, mais serafins

Como funciona a visita? Há a visita à evolução propriamente dita, incluindo imagens, animais empalhados, fósseis e amostras colhidas por Darwin e outros, com explicação de origem geográfica e “posição evolutiva”. Depois existe uma parte infantil onde há um Tyrannosaurus Rex movimentando-se e emitindo sons terríveis — gostei muito! — e o Darwin Center, onde ficam os pesquisadores. Na área de exposições do DC, é explicado o método científico de identificação de novas espécies de animais e plantas, assim como daqueles em risco de extinção. Fica inteiramente desnecessário qualquer discurso ecológico. Os fatos falam por si.

Sob o sol londrino, o blogueiro posa desajeitado na entrada do Darwin Center

Para finalizar este despretensioso relato, fotos de crianças desenhando “tartaruguinhas” no Museu e do terrível T. Rex.

Sentadas, observando a Criação
Desenhando o bicho, certamente para um trabalho de aula
As camisetas da catequese
Numa sala escura e enfumaçada, o T. Rex ruge e dá rabanadas para espanto e gritos das crianças

E, na saída, as cores do outono londrino que, segundo minha esposa, combinam com a camisa deste daltônico que vos escreve.

Londres: os pubs

Vou começar uma pequena série sobre nossa viagem a Londres e Paris. Aos apaixonados por Paris já vou dizendo que gostei mais de Londres. Paris é mais bela e monumental, mas Londres é vida pura. Bem, mas não adiantemos o que, penso, será explicado ao longo dos posts. Como primeiro fomos a Londres, comecemos por um aspecto dela que certamente não é o melhor, os pubs.

Há 58 mil public houses na Inglaterra. Em Londres, nas zonas não apenas residenciais, é difícil caminhar três quadras sem esbarrar em um. O pub é um estabelecimento licenciado para servir bebidas alcoólicas. Há pequenas diferenças entre pubs, bares, botecos e tavernas, mas isto não nos interessa agora. Fizemos obviamente várias excursões aos pubs próximos de onde nos encontrávamos, na West Cromwell Road, quase na esquina com Earl`s Court Road, próximo à estação de metrô de mesmo nome, Earl`s Court. Pois, saindo diariamente da estação do metrô e caminhando em direção à West Cromwell, passávamos por dois pubs, e também por dois supermercados, três restaurantes (dois italianos e um português), lavanderias, enfim.

O segundo pub do caminho era o mais bonitinho e típico. Logo o elegi como “nosso pub“. Fomos ali na primeira noite londrina. Como todas vezes em que entramos num, deparamo-nos com um ambiente civilizado, bonito e alegre. Como no Brasil, o bar é uma extensão da casa. Entra-se aos berros, falando em futebol, em sexo ou qualquer coisa. Muitos clientes entram com seus cães, coisa que ridiculamente não fazemos. Foi uma noite de Guiness, Amstel e de comermos fish and chips, pois queríamos comer o que eles comem.

Bem acompanhada, minha cara-metade estuda Londres

A primeira surpresa foi com a sistemática do pub. Se vocês chegarem e sentarem esperando pelo atendimento, ficarão chupando o dedo. Há que ir ao balcão a fim de fazer o pedido. Mais, há que pagar previamente. Aliás, tudo é acertado antes. Há um meio-garçom que serve apenas para entregar os pratos de comida e levar talheres, essas coisas. A bebida você a leva para sua mesa logo após o pagamento. Gostei do modus operandi. É muito mais rápido, eliminando a espera pelo garçom, pela conta e pelo troco. A coisa é prática e, do ponto de vista do pub, segura. Nenhum bebum negocia sua conta na saída. E só bebe após pagar. O famoso fish and chips é algo de constrangedora simplicidade. Consiste em peixe frito envolvido em polme (espécie de à milanesa), acompanhado por batatas fritas. Como sou um dos raros seres humanos que é indiferente à batatas fritas, comi o peixe — que era bem gostoso — e digeri as batatas junto com a cerveja na intenção de não ficar excessivamente bêbado.

O fish and chips

Se vejo-me obrigação de elogiar os civilizados pubs, critico o maldito english breakfast, também servido neles. Os pubs abrem normalmente às 10h da manhã — horário em servem o delicado café da manhã a ser descrito adiante — e fecham tarde da noite. A cozinha fecha às 22h30, mas o pessoal segue bebendo. Não vi nenhum deles com horário para fechar, o que achei estranho, pois narrativas de amigos falavam nisso.

Sempre achei natural que levássemos nossos cães em bares e ônibus. Os ingleses levam.

Aliás, assim como a alimentação, os horários deles diferem dos nossos. O dia inicia com o breakfast. Então, ali pelas 13h, eles matam um sanduíche nos parques. Estes podem ser boníssimos. Eu devorava os de salmão defumado ou camarão, que são coisas de louco. O jantar é comido por volta das 18h e os concertos — parte importante de nossa vida londrina — , começam às 19h30. Mas enfrentemos o english breakfast.

O traditional english breakfast custa 5,99 libras (aproximandamente R$ 21) na maioria dos locais e, numa bela manhã dominical — ou, de forma mais realista — , em nosso único domingo na cidade, fomos comê-lo. Na ida, já sabia que ia odiar, mas tinha que conhecer a merda. E, bem, é uma merda: trata-se de uma insana gordurama.

Flagrante do horror 

Uma pequena descrição do que vemos acima: em sentido horário, começaremos com o feijão branco abaixo. Ele vem meio durinho e o molho de tomate acima é açucarado. Vem açucarado. É um horror. Seguindo nossa rota, vemos à esquerda um cogumelão muito gostoso que é a única iguaria decente no prato. OK, além do tomate. Depois há um ovo, que comemos com o pão; somados a dois salsichões pra lá de gordos que são complementados por dois bifões de bacon. Tudo isso vem acompanhado de chá ou chá com leite — este um vício que adquiri na eletivamente britânica Buenos Aires. Quando saí de lá, pensava com devoção no Dr. Hilário Wolmeister, meu cardiologista, sempre preocupado com meu descontrolado colesterol que costuma bater nos 300. Eu sentia a gordura entupindo minhas veias, matando meu coração e criando coágulos que acabariam por visitar pontos fatais de meu corpo. Saí do pub louco para caminhar, correr, sonhava com uma salada.

E os ingleses amam o tal breakfast e outras coisas que são, sem dúvida, a origem dos sanduíches do MacDonald`s. Não os comentarei aqui porque não os comi.

Gostei muito das noites nos pubs, claro. Cervejas extraordinárias, sidras monumentais, um ambiente alegre e várias mulheres enchendo a cara sozinhas, coisa que atribuo a costumes bem mais livres que os nossos. Mas o povo londrino é papo para outro dia.

Boa cerveja. O copo que está atrás é de Bailey`s.

Shostakovich: Sinfonia Nº 10 (2º Mvto: Allegro, 3º Mvto: Fragmento do Allegretto )

A grande imprensa brasileira parece proibida de tecer observações elogiosas a quaisquer aspectos da Venezuela, mas tal preconceito não é de nenhuma forma seguido pelos europeus. Lá, Hugo Chávez é apenas eventualmente o outro nome de Satanás e a Orquestra Jovem Simón Bolivar da Venezuela tem recebido enorme atenção de alemães, ingleses e espanhóis. Por exemplo, a filmagem acima ocorreu no Royal Albert Hall de Londres, no exato dia em que eu completava 50 anos, em 19 de agosto de 2007.

Mas aí você me pergunta: o que é esta orquestra, quem é o rapaz que a rege? A Simón Bolivar é a orquestra líder de outras 120 orquestras de jovens venezuelanos. Trata-se de um programa chamado El Sistema, criado em 1975 pelo maestro José Antonio Abreu e que viabiliza a educação musical às crianças mais pobres do país. Ou seja, há milhares de jovens em torno dos 150 músicos da Simón Bolivar. Mais exatamente 250.000. São pessoas que nunca saberiam da música que trazem em si não fora o El Sistema apoiado pelo diabo. Atualmente, a orquestra grava para a Deutsche Grammophon e já há venezuelanos vencendo concursos na Orquestra Filarmônica de Berlim e em outros conjuntos europeus. E Gustavo Dudamel? É um espetacular talento de 27 anos que Claudio Abbado saúda como o novo Bernstein. Ele acaba de ser contratado como regente titular da Filarmônica de Los Angeles, mas não abandonará a Simón Bolivar.

Ontem, Zero Hora publicou um artigo em seu Caderno de Cultura, porém esqueceu-se de Chávez. É estranho, pois trata-se de um projeto importantíssimo de inclusão cultural que é inteiramente bancado pelo governo da Venezuela. Se é mais antigo que Chávez, este soube avaliá-lo e acelerá-lo. E pasmem: será copiado na Inglaterra. ZH diz que o será também no Rio Grande do Sul… Na Venezuela, ele salva crianças a um custo de 30 milhões de dólares anuais. Uma bagatela. São 120 dólares por criança ao ano, 10 ao mês. Apenas R$ 25,00 por criança.

A música. A Sinfonia Nº 10 é a primeira que Dmitri Shostakovich escreveu logo após a morte de Stálin. O Allegro acima seria um retrato da violência do grande desafeto do compositor. Shosta nunca negou. O furacão Dudamel sai-se maravilhosamente. Já o Alegretto que o sucede (tela abaixo) é gentil e apresenta pela primeira vez uma assinatura do autor. Aos 3min35, há um solo de trompa — que, se não me engano, é repetido mais três vezes — cujas notas, em notação alemã, são D-S-C-H… (em alemão, Dmitri Schostakovich). Ou seja, Stálin morreu, mas eu estou vivo. É música de primeiríssima linha, cheia de alusões e intenções, muito complexa e inteiramente inadequada a uma orquestra despreparada.

Sigam com o início do Allegretto, 3º movimento da décima de Shostakovich. É coisa de gênio. O resto pode-se encontrar no Youtube ou em mp3: aqui na versão de Kondrashin e aqui na de Mravinsky.

Obs.: Quem tiver browsers rebeldes deve clicar aqui para assistir a primeira parte e aqui para a segunda.