Dia 13: The Wallace Collection e a National Gallery

Maravilha uma cidade onde todos os museus são de graça, né? Quando fomos conhecer a Wallace Collection esperávamos a cobrança de um ingresso; afinal, não estávamos num dos grandes museus da cidade, mas ali também era tudo free, como diria o Raul Seixas.

A Wallace Collection é um pequeno museu fundado a partir da coleção particular de Sir Richard Wallace, que foi legada ao estado por sua viúva em 1897. O museu foi aberto ao público em 1900 em Manchester Square. Na coleção, estão pinturas que vêm desde o século XVI. Há vários Rembrandt e obras de outros mestres holandeses, franceses, espanhóis e ingleses, como Frans Hals com seu O Cavaleiro Risonho, vários Watteau, Van Dyck, Velázquez e o auto-retrato do citado Rembrandt. Faz parte da exposição mobiliário e objetos de arte, tais como relógios e esculturas. O ambiente é tão bom dentro da Hertford House que eu aceitaria trabalhar lá como guarda.

Quando saímos de lá, estávamos apaixonados pela Coleção de Sir Richard e fomos até a London Library, sugestão de um de meus sete leitores. Deu tudo errado, as visitas eram são só às segundas-feiras às 18h e eu deveria ter aceitado o oferecimento de meu leitor como cicerone, porque minha visita solo foi um fracasso. Por que será que ele sugeriu uma segunda-feira? OK, idiotice minha não me informar melhor.

Então fomos para a National Gallery. Sim, concordo,aquilo lá é um patrimônio da humanidade, é algo quase imbatível em termos de arte do século XIX para trás. Na Europa, talvez só perca para o Louvre e o Prado em termos de quantidade e para o Musée d’Orsay em qualidade. Mas a rápida passagem da Wallace Collection para a National foi fatal para a segunda. Foi como se tivéssemos saído da Bamboletras para a Feira do Livro, isto é, de uma seleção de primeira linha para uma oferta indiscriminada e que ficou exagerada. Quando entramos lá, queríamos o filé e fomos passando meio reto pela pesada coleção de arte religiosa da National. Mas fazer o quê? Vínhamos de um local onde o feijão já fora escolhido e não estávamos mais a fim de trabalhar.

Claro que o que estou dizendo é uma brutal injustiça para com o acervo do National, com seus Van Gogh, Manet, Monet, Velásquez, Botticelli, Metsu, Seurat, Signac e até Da Vinci… Mas o momento psicológico não era para o excesso e a procura com a separação do joio. Sim, ficamos 3 dedicadas horas na National Gallery, mas nosso coração estava em Manchester Square.

Na Gallery é proibido tirar fotos, na Wallace, não. As fotos são péssimas, o principal é a memória da visita:

Esse aí é um Watteau.
Já este é um Metsu. Uma leitura inapropriada de uma carta…
Já este lindo é um Pourbus. O nome do quadro é “Uma alegoria do verdadeiro amor”.
Este incrível é de Zampieri.
Ah, Velazquez…
Canaletto existe fora das capas dos discos de Vivaldi!
Existe mesmo, há vários lá.
Sai pra lá, coisa do demônio! Do para mim desconhecido Papety.
Cena do Inferno de Dante, de Ary Scheffer.
Em vez de aceitar a proposta de um dos meus sete leitores… Cagada, né?
Um dos mais belos chafarizes da Trafalgar Square bem na frente da National Gallery.
E a moça que o desenhava sob 1° C. Se ela caísse na água eu buscava, viu? Pura solidariedade.

Relato de uma Viagem à Itália (I)

Vou viajar amanhã no final da tarde e retorno quarta-feira, logo após o Carnaval. Tenho muitos trabalhos pendentes — vocês podem notar isto pela forma como NÃO tenho respondido aos comentários, apesar de lê-los, viu Charlles? Então, usarei estes dias para republicar uma série de posts muito agradáveis a mim. Tudo se passou em 2005 e quem leu a série na época achou legal. Até me propuseram um livro, mas não levei a sério.

Mas começamos por Madrid. Chegamos à cidade na manhã do dia 25 de novembro. Descobriríamos depois o quanto o aeroporto de Barajas poderia ser caótico, mas às 6h da manhã ele ainda estava tranqüilo. Emergimos do metrô no centro de Madrid, perto do Museu do Prado. Foi uma visão desconhecida e meio fantasmagórica: era noite ainda, estava um frio de rachar e pudemos ver a cidade amanhecer enquanto passeávamos pelas ruas próximas ao Museu. Já manhã clara, entramos num simpático café onde consumimos sem arrependimento 11,20 euros numa refeição cuidadosamente imitada aos madrilheños presentes. A Claudia faz sempre questão de mimetizar-se com os habitantes da cidade, de ir aos lugares onde eles vão, de pegar os ônibus e metrôs deles e de conversar. Sábia, ela.

O Museu abre às 9h e pegamos uma fila cheia de japoneses. O ingresso custava 6 euros e tínhamos insuficientes 2h30 para percorrê-lo, já que às 11h30 nos encontraríamos com Nora Borges na porta norte do Prado. Não me decepcionei com os esperados Velasquez e Goyas, porém minha surpresa maior foi a de ter encontrado lá importantes quadros de Bosch, Brueghel e Dürer. Minha estupenda ignorância não os imaginava ali. Se houve um momento mágico, foi quando olhei para um canto e vi O Triunfo da Morte de Brueghel.

Detalhe

Foi um soco no peito. Aquela visão inesperada poderia me deter por horas naquela sala, mas segui adiante e — nova surpresa — dei de cara com o tríptico O Jardim das Delícias de Bosch (ou El Bosco, como indicava a ficha).

Detalhe

Uma maravilha para se examinar longamente, sentado no banco que há para esta finalidade frente ao quadro. É um quadro (ou são três?) de dimensões muito menores do que eu imaginava, apesar das centenas de detalhes. Esperava Goya e Velasquez, mas meus primeiros pasmos foram para “estrangeiros”. Sobre Goya: apesar de tudo, nesta curta visita, minhas preferidas foram as salas dedicadas a ele. Sabia que isto iria acontecer. Ele sempre conta histórias que me interessam. É um narrador e Alejo Carpentier tinha razão quando dizia que, para inspirar-se, bastava olhar para um trabalho de Goya e imaginar o que aquelas pessoas pensavam, como viviam, como se divertiam e o quanto sofriam.

Detalhe

Às 11h30 em ponto estávamos na tal porta norte. Reconheci a Nora de longe. Veio sorridente, abanando para nós. Estava na companhia de seu marido Pepe e logo deu para ver o quanto ela NÃO é fotogênica. Ao vivo, é uma mulher muitíssimo mais bonita; é alta, alegre, viva, daquelas nas quais os movimentos só vêm aumentar os atrativos. Minha irmã já tinha me falado a respeito e pensei que o Pepe, quando a viu no Recife, deve ter planejado imediatamente sua imigração. Ele queria saber como ela tinha me reconhecido com tanta facilidade e ela respondeu:

— Ora, ele é a Iracema de barba!

Tá bom, Nora.

Passamos inteiramente às mãos — ou aos pés — do Pepe. Depois de termos conseguido um calçado adequado à Claudia, ele comandou uma pedestre e espetacular visita relâmpago à Madrid, inteiramente voltada aos monumentos históricos e, principalmente, à gastronomia. Começamos num bar cuja visão exterior era esta:

Estou ali no meio, acho

Bebemos vinho e comemos tapas. Pepe explicou-nos a história das tapas espanholas. O Rei Afonso X, El Sabio, sabia mesmo das coisas. Tinha mais a ver com a Claudia do que com nosso Afonso. (Nada como uma agressão gratuita para manter a forma…) Ele, o Sábio, simplesmente proibiu que o vinho fosse servido desacompanhado de alguma coisa para comer. O motivo? Ora, evitar as brigas de bêbados diluindo álcool à proteína e ao amido. Então, por lei, o vinho passou a ser servido juntamente com pães, batatas, berinjelas, croquetes, calamares, outros frutos do mar, etc., que se tornaram parte da arte gastronômica espanhola e que eram entregues ao cliente num prato que cobria o copo, tapando-o. Daí, o nome tapas.

… el Rey Sabio dispuso que en los mesones de Castilla no se despachara vino si no era acompañado de algo de comida, regia providencia que podemos considerar oportuna y sabia para evitar que los vapores alcohólicos ocasionaran desmanes orgánicos en aquellos que bebían….

Depois, continuamos as caminhadas com estratégicos e oportunos pit stops gastronômicos. Um para a cerveja, onde a Nora tirou esta bela foto de nós três (o Pepe fora),

Eu, Claudia e a Nora (refletida)

o seguinte para comer numa das Cuevas Luís Candelas – El Mesón de la Cava -, onde a comida e o vinho eram tão fantásticos que comi com gosto até umas imensas azeitonas – detesto azeitonas, ninguém é perfeito. Detalhe: eu não lembro do que comemos. (A Claudia esclarece: morcilla – com incrustrações de arroz! -, cogumelos, pimientos, azeitonas, jamón, pães – aqueles grissinis gordinhos e compridos – e sabe-se lá mais o quê). Lembro apenas que estava maravilhoso e só posso transcrever a frase do Gejfin: “Amigos, tudo”. O vinho auxiliou-nos a recortar e a pôr sobre a mesa alguns retalhos do sempre renovável tecido da delicadeza. Conversamos muito, falamos sério e rimos como velhos amigos, contamos histórias, dissemos um monte de besteiras e saímos dali para a Nora comprar o presente do Tiagón e presentear a Claudia com um livro de receitas de tapas. Literalmente, amor à primeira vista de todos para com todos.

Voltando as cuevas: elas são locais belíssimos e misteriosos, tudo – paredes, chão e teto – é feito de pedra e está assim desde… durante los años 1825 a 1837, por su constitución y sus múltiples salidas al exterior, sirvieron de guarida y cobijo a los célebres bandidos capitaneados por Luís Candelas. En la actualidad se conservan en gran parte tal y como fueron usadas por aquel bandido.

A Entrada das Cuevas

Antes de nos deixarem em Barajas, ainda tomamos café num bar e conhecemos o bar, a mesa e a cadeira da vinoteca em que minha irmã… (censurado) …tornando-se uma das principais atrações e local de peregrinação da capital espanhola.

Despedimo-nos lá pelas 18h e, na fila do check-in para Roma, conversamos sobre a certeza de que veríamos aqueles dois novamente. A existência simplesmente não pode ser algo tão injusto que permita ter sido este nosso primeiro e último encontro.

O pentelho sempre dá um jeito de entrar num sebo