A Autobiografia, de Woody Allen

A Autobiografia, de Woody Allen

Charles Dickens difamou sua esposa porque desejava se separar. J. D. Salinger era esquisito com as meninas adolescentes… George Orwell denunciou stalinistas para o serviço secreto inglês — alguns denunciados eram “amigos” seus e dizem que foi pago por isso. (Não sou stalinista, OK?). Gertrude Stein parecia admirar fascistas. Ernest Hemingway foi espião da KGB. Jack London era racista. Monteiro Lobato também. Roald Dahl era antissemita e todo mundo lê seus livros e vê A Fantástica Fábrica de Chocolates. William Golding tentou estuprar uma garota de 15 anos. Norman Mailer quase assassinou sua esposa — apunhalou-a no estômago e nas costas. Céline era um fascista de 4 costados. Muita gente lê estes autores e, olha, Woody Allen me parece ser bem mais tranquilo, além de ter sido profundamente investigado e inocentado. É estranha a perseguição que ainda sofre.

OK, não é muito normal casar-se com a filha da namorada — ela era filha adotiva de Mia Farrow e André Previn –, admito. Mas não vou me preocupar com isso.

Antes de escrever algo sobre o livro, digo que o editor brasileiro foi desrespeitoso para com seu título original, coisa que não aconteceu em Portugal, como vemos ao lado. O nome do livro em inglês é Apropos of Nothing. Este é o primeiro problema, o segundo é a tradução, que apenas eventualmente traz integralmente a voz e o estilo de Allen e usa certas gírias que ou são antiquadas ou muito Região Sudeste, não sei bem. Conheço mais 3 pessoas de Porto Alegre que leram o livro e todas reclamaram do trabalho do tradutor.

Apesar de tudo isso, curti o livro. A cada página há piadas hilariantes e boas histórias sobre conhecidas personalidades do cinema. Meu interesse só caiu quando a autobiografia foi interrompida pelo Caso Mia. É claro que o caso é incontornável — afinal, o fato interrompeu a vida profissional do cineasta, mas eu já conhecia bem a história e o texto não acrescentou muita coisa ao que eu já sabia, só preencheu algumas lacunas. Porém, fica claro que o livro só existe porque ele queria deixar clara sua visão.

Antes, ele descreve sua infância e nos leva pelo caminho através do qual se estabeleceu como um dos grandes cineastas americanos da década de 70 em diante. É um deleite ler sobre as décadas de 70 e 80, onde produziu filmes inesquecíveis como Annie Hall, Manhattan, Hanna e suas irmãs e outros. Os filmes mais recentes, mesmo os excelentes Match Point e Meia-Noite em Paris, recebem menor destaque. O texto de Allen é muitíssimo engraçado e ele releva-se modesto, sempre falando na sorte que teve. Seu único motivo de orgulho parece ser o fato de ter nascido cômico e de ter uma incrível capacidade de trabalho. Imaginem que ele assinou mais de 50 filmes, atuando em muitos deles. Filho de um livreiro e descendente de judeus de origem alemã, Woody Allen frequentou a Universidade de Nova Iorque, mas não completou os estudos. Muito jovem, começou a vender textos de humor para comediantes. Os primeiros filmes que o tornaram famoso foram as comédias leves, como Bananas (1971), Tudo o que você sempre quis saber sobre sexo mas tinha medo de perguntar (1972) e O Dorminhoco  (1973). Só depois vieram seus clássicos, que permitiram a Allen explorar alguns dos seus temas preferidos: a cidade de Nova Iorque, a religião judaica, a psicanálise e a burguesia intelectual norte-americana. Ele também analisa sua tendência e admiração pelos filmes sérios, mas que se sai melhor provocando risadas, para o que sua figura ainda contribui.

Fica óbvio que, como cineasta, a imagem que Allen tem de si é bastante diferente daquela que percebemos como cinéfilos. E é interessante entender isso.

Penso que o livro seja altamente recomendável para fãs do cineasta. Para os demais, vale a leitura para conhecer de perto este episódio inacreditável criado pela “moral” estadunidense. Tudo faz crer que o cancelamento de Woody seja apenas um protesto contra a sua relação com Soon-Yi, que a maioria da sociedade americana, em sua hipocrisia religiosa, considera um “pecado” mais que um fato pouco comum. Sim, é um fato pouco comum e nada muito além disto. Certas coisas, definitivamente, só acontecem nos Estados Unidos. Seus filmes continuam sendo vistos na Europa e em muitos outros países, mas não nos EUA. Curioso.

Woody Allen, o cineasta interrompido | Foto: Divulgação

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Oswald — Ponta de Lança e outros ensaios, de Éder Silveira

Oswald — Ponta de Lança e outros ensaios, de Éder Silveira

oswaldCVEu sempre me aproximo com receio de obras escritas por acadêmicos. Nelas, às vezes tudo fica muito esquisito, com os rodapés crescendo quase tão altos quanto a parede. Por isso, foi uma surpresa abrir a obra do historiador Éder Silveira e ver-me logo envolvido por temas culturais fundamentais do Brasil, acompanhados de elegância, boa prosa e comentários consistentes. Antes de descerrar esta cortina de elogios, aviso que sim, há os malditos rodapés, mas o autor esforçou-se para integrá-los ao texto. Deste modo e erguendo o nariz para alguns deles, a leitura ioiô ficou reduzida.

Oswald ponta de lança e outros ensaios trata de temas culturais e políticos da primeira metade do século XX, com foco na Semana de Arte Moderna de 22 e suas margens. São textos cheios de informação — e algumas fofocas — sobre figuras como Monteiro Lobato, Anita Malfatti, Mário de Andrade, Di Cavalcanti e Oswald. Para mim, o verdadeiro interesse do livro está no fato de que o autor cuida mais da algaravia geral. Isto é, cuida menos de suas individualidades e mais de suas obras e dos diálogos entre eles e a política da época, vertidas principalmente em artigos publicados em jornais. No início do século passado, não havia tanto compadrio entre os autores brasileiros e muitas vezes uns criticavam aos outros. Também mudavam de opinião, o que é saudável. Ou seja, o ambiente intelectual não estava boiolizado como o que vemos hoje.

(Bem, antes que a patrulha da correção me alcance com seus dedos pegajosos, informo que boiola tem também o significado de indivíduo fraco ou medroso, tá? OK? Certo? Então tá, podem abraçar seus dicionários e dormir tranquilos).

E, além de não haver tanto compadrio, era uma época agitada, com o vanguardismo tentando abrir a golpes de facão as brumas parnasianas e naturalistas. O painel que os textos do livro toca é amplo — vai desde o higienização de Lobato até as lutas de Oswald contra o “desprezo pela inteligência” na direção do PCB, das tendências nacionalistas e conservadoras do modernismo brasileiro até o humor praticado pelo movimento, do encantamento e à frustração dos dois Andrades e, é claro, de muitos e muitos projetos irrealizados.

A pergunta de fundo não é nada fácil: o que é o Brasil, qual é sua identidade? É claro que a resposta não está no livro, mas a discussão é bonita.

Livro fundamental para quem se interessa por cultura no Brasil.

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O historiador Éder Silveira confirma com o indicador: é o único gremista que sabe escrever em Porto Alegre | Foto: Joana Berwanger / Sul21
O historiador Éder Silveira confirma com o indicador: é o único gremista que sabe escrever em Porto Alegre | Foto: Joana Berwanger / Sul21

Obs. final: o que me deixa encafifado é o fato de tão bom autor ser gremista, incidência que ele não declina em seu livro. Por anos, o mítico Impedimento andou procurando bons cronistas gremistas. Os resultados foram claros: eles não sabem escrever direito. Os raríssimos bons ou eram deprimidos ou não se mostravam suficientemente disciplinados para a tarefa. O único azul que escreve bem — além de dançar tango — em Porto Alegre é Sergio Faraco. Ele torce para o Cruzeiro, sim, o cruzeirinho de Erico Verissimo e Moacyr Scliar. O outro é Peninha.

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50 livros para morrer antes de ler

50 livros para morrer antes de ler

Publicado em 26 de janeiro de 2013 no Sul21

Foto: Ramiro Furquim/Sul21

Mentira. São 45 livros porque 5 receberam dois votos.

Inspirado por Car­los Wil­li­an Lei­te, do Jornal Opção, de Goiânia, o Sul21 convidou dez romancistas, poetas, ensaístas ou críticos literários para nomearem as cinco piores obras de autores brasileiros que conhecem. Obviamente, a escolha reflete o gosto pessoal e o conhecimento de cada um dos dez “jurados” e não uma condenação irremediável. Trata-se de uma anti-lista, contrária às listas habituais de melhores.

Ampliando a ideia inicial, pedimos que, a cada voto, fosse acrescentada de uma a cinco linhas justificando a escolha. Por iniciativa nossa, informamos aos votantes que não divulgaríamos seus nomes, postura que foi rechaçada por dois deles, Fernando Monteiro e Ronald Augusto, que têm suas iniciais apontadas logo após seus votos. Os outros “jurados” apenas aceitaram as regras sem comentá-las. Deste modo, não podem receber a imputação de terem planejado agir sob o manto do anonimato…

(Carlos André Moreira também pediu que seus votos fossem indicados. Justificativa abaixo (*)).

Por falar em anonimato, o autor desta introdução não votou.

Assim, acrescentamos as iniciais C.A.M. aos respectivos votos. A seguir, então, em ordem alfabética por título, a lista dos 50 livros para morrer antes de ler:

Agosto, de Rubem Fonseca

Tive de ler por obrigação e acabei tomando ojeriza pelo personagem principal do livro: a azia do protagonista.

A Casa do Poeta Trágico, de Carlos Heitor Cony

Romance artificialmente construído, com pretensões de “clima internacional” que termina por criar situações ridículas como a do casal de amantes, personagens centrais, que passam uma noite inteira trepando nas ruínas de Pompeia porque se distraíram (trepando, já) e não perceberam que o sítio arqueológico havia sido aferrolhado, de acordo com o horário de fechamento dos portões (17h). Tudo bem. O homem e a mulher não se incomodam… Sem colchão, sem lençol, sem travesseiro, sem mais nada, continuam a trepar e só vão sair das ruínas quando os funcionários reabrem Pompeia para os turistas, às 10h da manhã seguinte. É mole? Não. Teria que ser muito dura (a noite). Por cenas como essa, melhor morrer antes de ler. (F.M.)

A Casa das Sete Mulheres, de Letícia Wierzchowski

— Essa pérola do cancioneiro gauchesco tem uma das mais mal escritas primeiras páginas da história da literatura universal. O resto do livro vai pelo mesmo caminho.

— Contar a Guerra dos Farrapos a partir das mulheres próximas ao general Bento Gonçalves não é ideia ruim. Mas é tudo canhestro no livro: a narrativa, o enredo, a construção dos personagens. Uma leitura que dura para sempre, no mau sentido.

A Divina Pastora, de Caldre e Fião

Achado um único exemplar num sebo de Montevidéu pelo livreiro Monquelat de Pelotas. Antes nunca o encontrasse!

A Escrava Isaura, de Bernardo Guimarães

Conto de fadas de superação do interdito social. História irrealista que pretendia demonstrar que as tendências (pseudo) democráticas dependiam apenas da boa vontade cristã das pessoas. Daí a Globo ter exibido a novela que tanto agradou a classe média, sempre politicamente equivocada e alienada.

A Guerrilheira, de Índio Vargas

Embora Índio Vargas seja autor de um dos livros mais importantes sobre a ditadura militar, “Guerra é Guerra, dizia o Torturador”, este aqui parece um esboço que alguém mandou inadvertidamente para a gráfica e foi publicado sem passar por revisão. Falta foco, estrutura, cuidado com a prosa, os episódios desmentem uns aos outros, repetem-se, quando não se perdem em digressões que não acrescentam nada, nem tensão. (C.A.M.)

A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo

— Bobo. A fantasia não dá nem uma novela das seis, o texto é primário. É um crime fazer os adolescentes lerem essa chatice dizendo que se trata de literatura, pior, de um clássico. Esse livro só tem importância dentro da história da literatura brasileira, coisa que o professor pode resumir numa linha e poupar os alunos.

— Clássico absoluto e abominado nas salas de aula brasileiras, mas permanece sendo lido, vendendo e com lugar cativo na alma de cada mau professor deste grande país!

A Quarta Parte do Mundo, de Clovis Bulcão

A orelha promete um “épico eletrizante”, “baseado em fatos reais” (a malfadada passagem de Villegagnon pelo Brasil). Na verdade, “eletrizantes” são as imagens, algumas das mais feias da história da literatura brasileira, como essa: “Uma robusta garça fora ferida e grunhira como um porco”. O autor criou um mundo perigoso, em que os personagens sentem apenas emoções-clichê, como uma “mistura de pavor e ódio”, e em que podem ser “tragados por piratas ou pelos abismos do mar” (tentemos visualizar isso…). Definitivamente não recomendo.

A Suavidade do Vento, de Cristóvão Tezza

Romance fraquíssimo, que nada tem a ver com a sutileza de um Antonioni, em certa tarde, olhando para árvores descabeladamente agitadas: “Como é fotogênico o vento!”, como registrou o mestre italiano da (verdadeira) suavidade na sua “Trilogia da Incomunicabilidade”, bem longe do realismo rastaquera do Tezza desse livro. (F.M.)

As Parceiras, de Lya Luft

Psicologismo mediano misturado com literatura convencional que tenta disfarçar, sem sucesso, um estilo a meio caminho do entretenimento em tom pastel e da autoajuda intimista. Narrativa para lobas fleumáticas. (R.A.)

Bernarda Soledade, a Tigre do Sertão, de Raimundo Carrero

Muito ruim. Influenciado por Lorca (?) até no título, além das situações de “dramaticidade” de estilo juvenil em torno de mulheres confinadas à maneira exatamente de “A Casa de Bernarda Alba” (sem ter, entretanto, conseguido imitar a qualidade do inspirado poeta andaluz). Em tempo: não seria “tigresa”?… (F.M.)

Cai a noite sobre Palomas, de Juremir Machado da Silva

Há uma diferença bastante grande entre construir personagens inteligentes e colocar frases de efeito e nomes de grandes pensadores em suas bocas. Talvez o Juremir não soubesse disso ao escrever o seu primeiro livro. Triste é perceber que segue sem sabê-lo até hoje.

Canto da noite, de Augusto Frederico Schmidt

Para ser justo com o falecido, eu poderia ter mencionado a obra poética inteira como exemplo da pior poesia feita no Brasil. No gênero, o autor talvez tenha sido a maior impostura de todos os tempos. Por ser endinheirado e porque publicava os grandes poetas de seu tempo, era apontado, por eles, como um grande poeta. (R.A.)

Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre

Não é nem romance nem obra sociológica. Até nos faz pensar que no Brasil se praticou e se pratica a democracia racial , via miscigenação e que na casa grande havia senhores bons e na senzala escravos submissos. Cáspite !!!

Contra o Brasil, de Diogo Mainardi

— A história de um picareta que odeia o Brasil e passa o tempo todo citando frases de viajantes e pensadores que desancaram o País e seus habitantes. Acho que ninguém vai querer ler uma autobiografia do Diogo Mainardi, mas por precaução, foi para a lista.

— Mainardi não tem muita preocupação com ideias, propostas, alternativas. Sua intenção é de apenas bater, sua arte é a da objeção. Um livro cuja intenção é a de vender o complexo de vira-latas do autor. Não obtém o riso, não informa, não nada. Merece presença aqui.

Corpo Presente, de João Paulo Cuenca

É um mistério o prestígio que Cuenca desfruta como “autor da nova geração”, já que sua obra parece reunir justamente os piores maneirismos da sua geração: abuso de ironia, pretensão acima da qualidade de seu texto, investimento em fórmulas que já não convencem. Este seu primeiro romance é um bom exemplo: um “romance urbano” com um “protagonista deslocado”, perdido em “questões de sobrevivência e sexo”, redigido em uma “escrita cinematográfica”, que na verdade é uma prosa que se pretende densa e nebulosa, mas apenas abusa de orações coordenadas sem parecer que sabe onde quer chegar. Puxa, como ninguém pensou nisso antes? (C.A.M.)

Dois Irmãos, de Milton Hatoum

Já houve um Jorge Amado, e foi suficiente.

Estorvo, de Chico Buarque

— O que dizer quando o título diz tudo? Chico, como escritor, costuma, na minha modesta opinião, emular outros escritores, com resultados sempre inferiores aos do original.

— A prova impressa de que a genialidade em determinado campo artístico não implica em qualquer tipo de brilhantismo nos demais. Compositor de raro talento, Chico é um escritor medíocre, infelizmente. Acho que nem fã de carteirinha aguenta esse árido calhamaço de coisa alguma.

Fernando Pessoa, uma quase autobiografia, de José Paulo Cavalcanti Filho

Outro livro enorme, uma biografia excessivamente ocupada do varejo, do trivial-mínimo, da vida pessoal de Fernando Pessoa, que o autor jura ter visto nas ruas de Lisboa (isto é, a alma penada do poeta), talvez sinalizando que ele, Cavalcanti Filho, escrevesse sobre quantas vezes, por exemplo, um bardo alfacinha é capaz de ir ao banheiro, num único dia, depois de ter repetido o fundo prato da caldeirada do “Martinho das Arcadas”… (F.M.)

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Decupagens assim, de Ronald Augusto

No dia 8 de novembro, escrevi no meu Facebook:

Feliz.

Pois, mesmo cansado, resolvi ir à Feira para conhecer o Ronald Augusto. Para dizer a verdade, achei que seu livro “Decupagens assim” fosse de poesia. Mas não, era um livro de crítica. Como os ônibus de Porto Alegre são lentos, pude ler quatro pequenos ensaios capazes de incutir entusiasmo no mais cansado dos interessados em cultura. Comecei pelo surpreendente “O substrato moral dos vencedores de prêmios literários”. Não pude deixar de rir com as reflexões de Ronald, exatas e sobre as quais jamais tinha pensado. Depois, concordei com suas observações sobre a qualidade da música de Paul McCartney, na qual vemos méritos artísticos além do que deveríamos, se considerássemos o estigma de comercial que o cantautor carrega há meio século, acho. Depois, reli o conhecido “Dá licença meu branco!” sobre o racismo em Monteiro Lobato e terminei com outro que compara Beyoncé e Tina Turner. Não adianta, quando o cara tem equipamento de verdade, ele destrincha o sacro e o secular com a mesma classe, graça e inteligência.

Cito os ensaios assim porque eles podem ser lidos no blog do Ronald.

E, quando chego em casa, louco por um algo doce, minha filha tinha feito um bolo. Reclamar do quê?

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Agora li todo o livro e não pretendo divergir de mim. O primeiro exercício crítico de Ronald Augusto, Decupagens Assim (Letras Contemporâneas, 2012, 191 páginas), é entusiasmante por alguns motivos a mais que não coloquei acima. Chega a provocar um sorriso no leitor a minuciosa forma com o que o autor decupa cada um de seus temas. Ao invés de ater-se apenas ao leito principal, Augusto visita as margens dos assuntos, às vezes realizando buscas pelo interior. Não, ele não se perde. O que desejo dizer é que o cara sobra. Sua análise da obra de Jorge Ben revela uma finura não encontrável nas redondezas da crítica cultural. Eu até acho aquilo de Jorge Ben, mas nem chego a imaginar por quê. Na minha ignorância eurocêntrica, ignorava o que era o jongo. O mesmo vale para a constatação da decadência de Caetano Veloso e para o pasmo com a fama de Mia Couto. O prazer da decupagem é tão grande que Ronald retorna duas vezes a temas já esmiuçados a fim de fazer mais. E o prazer da leitura garante-se com textos surpreendentemente legíveis para a complexidade de alguns tópicos. Aprendi um monte.

Indico fortemente a quem gosta de cultura e de discuti-la sem esquemas preconcebidos.

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Anotação sobre a defesa do politicamente correto

Eu acho que as reações do pessoal de nossa trincheira política à Rafinha Bastos são equivocadas no sentido de defender o politicamente correto. Claro, o cara é um imbecil e não pretendo de forma alguma justificá-lo — nem saberia como. Mas, por exemplo, acho que este elogio ao politicamente correto, que está sendo repassado, copiado e recopiado em muitos blogs de esquerda, ainda vai causar arrependimento. Ali, o politicamente incorreto aparece limitado a gente que ataca líderes LGBTs, defende homofóbicos e racistas, aplica bullying, ri dos outros por seus defeitos e defende a criminalização do aborto e a Igreja Católica (???). Sei não.

Eu concordo com o artigo quando ele ataca alguém tão desqualificado quanto o “humorista” gaúcho, mas sigo achando o politicamente correto burro. O politicamente correto, se ler atentamente Graciliano Ramos, acabará qualificando-o de alguma coisa qualquer da mesma forma como acusou Monteiro Lobato no Brasil e Mark Twain nos EUA de racistas. Em minha sacrofobia, não livro Lobato de racismo, mas daí a censurá-lo, emendá-lo ou deletá-lo vai alguma distância. Acho legal manter a complexidade das coisas. Os leitores e os professores que interpretem e expliquem Emília, por que não?  O politicamente correto deveria submeter-se à Segunda Lei de Milton: Toda qualidade que possamos ter transforma-se em defeito quando algum fato externo a leva ao paroxismo.

Voltando a Rafinha. Sei que os movimentos sociais usam tais seres — refiro-me a Rafinha — como mote, base e exemplo para suas teses e têm razão nisso, mas, porra, como foi dado espaço para o cara! Eu, nesta anotação quase pessoal, digo que nunca vi o CQC e só conheço o cara de fotos. E não li ainda ninguém falando mal da  TV e de sua indústria de celebridades. Caberia.

Mas as piadas são boas. Ricardo Cabral escreveu ontem no Facebook:

Projeto de lei: A partir do meio-dia de 03-10-2011, aquele que em alguma queixa, comentário, crítica, desabafo e afins mencionar as expressões “politicamente correto” e/ou “politicamente incorreto” terá o seu acesso à internet bloqueado por seis meses e deverá ficar no canto da sala, ajoelhado no milho, durante duas horas seguidas. (Maiores de 65 anos sofrerão penas alternativas.) Ficam excluídos destas medidas penas apenas os que fizerem análises mais aprofundadas sobre o uso dessas expressões.

E a resposta de Fernando Monteiro:

Acho politicamente incorreto exibir assim um tom de tanta autoridade imaginária.


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