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Intolerância religiosa
De Dráuzio Varela, o qual não conhecia, mas com o qual concordo de cabo a rabo no artigo abaixo
O fervor religioso é uma arma assustadora, disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso
SOU ATEU e mereço o mesmo respeito que tenho pelos religiosos.
A humanidade inteira segue uma religião ou crê em algum ser ou fenômeno transcendental que dê sentido à existência. Os que não sentem necessidade de teorias para explicar a que viemos e para onde iremos são tão poucos que parecem extraterrestres.
Dono de um cérebro com capacidade de processamento de dados incomparável na escala animal, ao que tudo indica só o homem faz conjecturas sobre o destino depois da morte. A possibilidade de que a última batida do coração decrete o fim do espetáculo é aterradora. Do medo e do inconformismo gerado por ela, nasce a tendência a acreditar que somos eternos, caso único entre os seres vivos.
Todos os povos que deixaram registros manifestaram a crença de que sobreviveriam à decomposição de seus corpos. Para atender esse desejo, o imaginário humano criou uma infinidade de deuses e paraísos celestiais. Jamais faltaram, entretanto, mulheres e homens avessos a interferências mágicas em assuntos terrenos. Perseguidos e assassinados no passado, para eles a vida eterna não faz sentido.
Não se trata de opção ideológica: o ateu não acredita simplesmente porque não consegue. O mesmo mecanismo intelectual que leva alguém a crer leva outro a desacreditar.
Os religiosos que têm dificuldade para entender como alguém pode discordar de sua cosmovisão devem pensar que eles também são ateus quando confrontados com crenças alheias.
Que sentido tem para um protestante a reverência que o hindu faz diante da estátua de uma vaca dourada? Ou a oração do muçulmano voltado para Meca? Ou o espírita que afirma ser a reencarnação de Alexandre, o Grande? Para hindus, muçulmanos e espíritas esse cristão não seria ateu?
Na realidade, a religião do próximo não passa de um amontoado de falsidades e superstições. Não é o que pensa o evangélico na encruzilhada quando vê as velas e o galo preto? Ou o judeu quando encontra um católico ajoelhado aos pés da virgem imaculada que teria dado à luz ao filho do Senhor? Ou o politeísta ao ouvir que não há milhares, mas um único Deus?
Quantas tragédias foram desencadeadas pela intolerância dos que não admitem princípios religiosos diferentes dos seus? Quantos acusados de hereges ou infiéis perderam a vida?
O ateu desperta a ira dos fanáticos, porque aceitá-lo como ser pensante obriga-os a questionar suas próprias convicções. Não é outra a razão que os fez apropriar-se indevidamente das melhores qualidades humanas e atribuir as demais às tentações do Diabo. Generosidade, solidariedade, compaixão e amor ao próximo constituem reserva de mercado dos tementes a Deus, embora em nome Dele sejam cometidas as piores atrocidades.
Os pastores milagreiros da TV que tomam dinheiro dos pobres são tolerados porque o fazem em nome de Cristo. O menino que explode com a bomba no supermercado desperta admiração entre seus pares porque obedeceria aos desígnios do Profeta. Fossem ateus, seriam considerados mensageiros de Satanás.
Ajudamos um estranho caído na rua, damos gorjetas em restaurantes aos quais nunca voltaremos e fazemos doações para crianças desconhecidas, não para agradar a Deus, mas porque cooperação mútua e altruísmo recíproco fazem parte do repertório comportamental não apenas do homem, mas de gorilas, hienas, leoas, formigas e muitos outros, como demonstraram os etologistas.
O fervor religioso é uma arma assustadora, sempre disposta a disparar contra os que pensam de modo diverso. Em vez de unir, ele divide a sociedade -quando não semeia o ódio que leva às perseguições e aos massacres.
Para o crente, os ateus são desprezíveis, desprovidos de princípios morais, materialistas, incapazes de um gesto de compaixão, preconceito que explica por que tantos fingem crer no que julgam absurdo.
Fui educado para respeitar as crenças de todos, por mais bizarras que a mim pareçam. Se a religião ajuda uma pessoa a enfrentar suas contradições existenciais, seja bem-vinda, desde que não a torne intolerante, autoritária ou violenta.
Quanto aos religiosos, leitor, não os considero iluminados nem crédulos, superiores ou inferiores, os anos me ensinaram a julgar os homens por suas ações, não pelas convicções que apregoam.
Os ateus saem do armário
Um artigo que saiu no El Mundo da Espanha na semana passada — Los ateos salen del armario — dá conta de que 24% da população espanhola já se declara ateia. No Brasil, abro a Época de hoje e o físico Lawrence Krauss está lá dizendo que a ciência finalmente chegou ao ponto de poder explicar a criação do Universo e que Deus nada tem a ver com isso. “Acreditar que Deus criou o Universo é apenas preguiça intelectual”, afirma ele na página 82 da revista.
Já disse e não canso de repetir: a religião é inextirpável do ser humano, mas há que trabalhar contra ela. Acreditar ou não é algo de foro íntimo. Ela prejudica o mundo, as relações sociais e é a mais funesta das intervenções da subjetividade sobre a sociedade. Creio que a grande vitória a ser obtida por nosso século seja o recuo das religiões.
O ateísmo, meus queridos, como explica o filósofo e escritor Gonzalo Puente Ojea no El Mundo, apenas nega o teísmo. O ateísmo não existe com a finalidade de atacar os crentes (quem faz isso sou eu, por exemplo): “Defendemos a liberdade dos indivíduos para a prática de qualquer religião. Somos racionalistas”, diz Albert Riva, presidente da União dos Ateus e livres pensadores da Espanha no El Mundo. “O número de ateus está crescendo, é uma coisa geracional, mas a maior fábrica de ateus são as religiões”, diz Eugenia Biurrun, coordenadora geral da Iniciativa Atea da Espanha. Ela enfatiza que o objetivo da iniciativa é a ascensão do ateísmo e do laicismo para a criação de uma sociedade secular que permita qualquer religião ou nenhuma.
Claro, isto vai liberar espaço para vários avanços sociais e para lenta extinção dos vários países religiosos, de suas guerras imbecis e também certas bancadas tão reverenciadas por políticos. É a mais inteligente das lutas.
P.S. — A propósito, desde a época que Soninha era uma ídola do PT e da esquerda, eu adivinhava sua estupidez. O sinal? Ora, seu apoio à criação de um estado religioso no Tibete. Não apoio as ações da China, mas também acho ridículo o outro lado. Um estado religioso governado por seu sacerdote supremo? Pelo amor de “Deus” !!!
Fundamentalismo
Religião, eu gosto
Enquanto escrevia um post sobre a música em Londres, dei de cara com uma imagem que resume a sedução que a religião exerce sobre mim. (Apréz Ateísmô e Peitôs, claro).
A dura vida dos ateus em um Brasil cada vez mais evangélico
A parábola do taxista e a intolerância. Reflexão a partir de uma conversa no trânsito de São Paulo. A expansão da fé evangélica está mudando “o homem cordial”?
Por Eliane Brum
O diálogo aconteceu entre uma jornalista e um taxista na última sexta-feira. Ela entrou no táxi do ponto do Shopping Villa Lobos, em São Paulo, por volta das 19h30. Como estava escuro demais para ler o jornal, como ela sempre faz, puxou conversa com o motorista de táxi, como ela nunca faz. Falaram do trânsito (inevitável em São Paulo) que, naquela sexta-feira chuvosa e às vésperas de um feriadão, contra todos os prognósticos, estava bom. Depois, outro taxista emparelhou o carro na Pedroso de Moraes para pedir um “Bom Ar” emprestado ao colega, porque tinha carregado um passageiro “com cheiro de jaula”. Continuaram, e ela comentou que trabalharia no feriado. Ele perguntou o que ela fazia. “Sou jornalista”, ela disse. E ele: “Eu quero muito melhorar o meu português. Estudei, mas escrevo tudo errado”. Ele era jovem, menos de 30 anos. “O melhor jeito de melhorar o português é lendo”, ela sugeriu. “Eu estou lendo mais agora, já li quatro livros neste ano. Para quem não lia nada…”, ele contou. “O importante é ler o que você gosta”, ela estimulou. “O que eu quero agora é ler a Bíblia”. Foi neste ponto que o diálogo conquistou o direito a seguir com travessões.
– Você é evangélico? – ela perguntou.
– Sou! – ele respondeu, animado.
– De que igreja?
– Tenho ido na Novidade de Vida. Mas já fui na Bola de Neve.
– Da Novidade de Vida eu nunca tinha ouvido falar, mas já li matérias sobre a Bola de Neve. É bacana a Novidade de Vida?
– Tou gostando muito. A Bola de Neve também é bem legal. De vez em quando eu vou lá.
– Legal.
– De que religião você é?
– Eu não tenho religião. Sou ateia.
– Deus me livre! Vai lá na Bola de Neve.
– Não, eu não sou religiosa. Sou ateia.
– Deus me livre!
– Engraçado isso. Eu respeito a sua escolha, mas você não respeita a minha.
– (riso nervoso).
– Eu sou uma pessoa decente, honesta, trato as pessoas com respeito, trabalho duro e tento fazer a minha parte para o mundo ser um lugar melhor. Por que eu seria pior por não ter uma fé?
– Por que as boas ações não salvam.
– Não?
– Só Jesus salva. Se você não aceitar Jesus, não será salva.
– Mas eu não quero ser salva.
– Deus me livre!
– Eu não acredito em salvação. Acredito em viver cada dia da melhor forma possível.
– Acho que você é espírita.
– Não, já disse a você. Sou ateia.
– É que Jesus não te pegou ainda. Mas ele vai pegar.
– Olha, sinceramente, acho difícil que Jesus vá me pegar. Mas sabe o que eu acho curioso? Que eu não queira tirar a sua fé, mas você queira tirar a minha não fé. Eu não acho que você seja pior do que eu por ser evangélico, mas você parece achar que é melhor do que eu porque é evangélico. Não era Jesus que pregava a tolerância?
– É, talvez seja melhor a gente mudar de assunto…
O taxista estava confuso. A passageira era ateia, mas parecia do bem. Era tranquila, doce e divertida. Mas ele fora doutrinado para acreditar que um ateu é uma espécie de Satanás. Como resolver esse impasse? (Talvez ele tenha lembrado, naquele momento, que o pastor avisara que o diabo assumia formas muito sedutoras para roubar a alma dos crentes. Mas, como não dá para ler pensamentos, só é possível afirmar que o taxista parecia viver um embate interno: ele não conseguia se convencer de que a mulher que agora falava sobre o cartão do banco que tinha perdido era a personificação do mal.)
Chegaram ao destino depois de mais algumas conversas corriqueiras. Ao se despedir, ela agradeceu a corrida e desejou a ele um bom fim de semana e uma boa noite. Ele retribuiu. E então, não conseguiu conter-se:
– Veja se aparece lá na igreja! – gritou, quando ela abria a porta.
– Veja se vira ateu! – ela retribuiu, bem humorada, antes de fechá-la.
Ainda deu tempo de ouvir uma risada nervosa.
A parábola do taxista me faz pensar em como a vida dos ateus poderá ser dura num Brasil cada vez mais evangélico – ou cada vez mais neopentecostal, já que é esta a característica das igrejas evangélicas que mais crescem. O catolicismo – no mundo contemporâneo, bem sublinhado – mantém uma relação de tolerância com o ateísmo. Por várias razões. Entre elas, a de que é possível ser católico – e não praticante. O fato de você não frequentar a igreja nem pagar o dízimo não chama maior atenção no Brasil católico nem condena ninguém ao inferno. Outra razão importante é que o catolicismo está disseminado na cultura, entrelaçado a uma forma de ver o mundo que influencia inclusive os ateus. Ser ateu num país de maioria católica nunca ameaçou a convivência entre os vizinhos. Ou entre taxistas e passageiros.
Já com os evangélicos neopentecostais, caso das inúmeras igrejas que se multiplicam com nomes cada vez mais imaginativos pelas esquinas das grandes e das pequenas cidades, pelos sertões e pela floresta amazônica, o caso é diferente. E não faço aqui nenhum juízo de valor sobre a fé católica ou a dos neopentecostais. Cada um tem o direito de professar a fé que quiser – assim como a sua não fé. Meu interesse é tentar compreender como essa porção cada vez mais numerosa do país está mudando o modo de ver o mundo e o modo de se relacionar com a cultura. Está mudando a forma de ser brasileiro.
Por que os ateus são uma ameaça às novas denominações evangélicas? Porque as neopentecostais – e não falo aqui nenhuma novidade – são constituídas no modo capitalista. Regidas, portanto, pelas leis de mercado. Por isso, nessas novas igrejas, não há como ser um evangélico não praticante. É possível, como o taxista exemplifica muito bem, pular de uma para outra, como um consumidor diante de vitrines que tentam seduzi-lo a entrar na loja pelo brilho de suas ofertas. Essa dificuldade de “fidelizar um fiel”, ao gerir a igreja como um modelo de negócio, obriga as neopentecostais a uma disputa de mercado cada vez mais agressiva e também a buscar fatias ainda inexploradas. É preciso que os fiéis estejam dentro das igrejas – e elas estão sempre de portas abertas – para consumir um dos muitos produtos milagrosos ou para serem consumidos por doações em dinheiro ou em espécie. O templo é um shopping da fé, com as vantagens e as desvantagens que isso implica.
É também por essa razão que a Igreja Católica, que em períodos de sua longa história atraiu fiéis com ossos de santos e passes para o céu, vive hoje o dilema de ser ameaçada pela vulgaridade das relações capitalistas numa fé de mercado. Dilema que procura resolver de uma maneira bastante inteligente, ao manter a salvo a tradição que tem lhe garantido poder e influência há dois mil anos, mas ao mesmo tempo estimular sua versão de mercado, encarnada pelos carismáticos. Como uma espécie de vanguarda, que contém o avanço das tropas “inimigas” lá na frente sem comprometer a integridade do exército que se mantém mais atrás, padres pop star como Marcelo Rossi e movimentos como a Canção Nova têm sido estratégicos para reduzir a sangria de fiéis para as neopentecostais. Não fosse esse tipo de abordagem mais agressiva e possivelmente já existiria uma porção ainda maior de evangélicos no país.
Tudo indica que a parábola do taxista se tornará cada vez mais frequente nas ruas do Brasil – em novas e ferozes versões. Afinal, não há nada mais ameaçador para o mercado do que quem está fora do mercado por convicção. E quem está fora do mercado da fé? Os ateus. É possível convencer um católico, um espírita ou um umbandista a mudar de religião. Mas é bem mais difícil – quando não impossível – converter um ateu. Para quem não acredita na existência de Deus, qualquer produto religioso, seja ele material, como um travesseiro que cura doenças, ou subjetivo, como o conforto da vida eterna, não tem qualquer apelo. Seria como vender gelo para um esquimó.
Tenho muitos amigos ateus. E eles me contam que têm evitado se apresentar dessa maneira porque a reação é cada vez mais hostil. Por enquanto, a reação é como a do taxista: “Deus me livre!”. Mas percebem que o cerco se aperta e, a qualquer momento, temem que alguém possa empunhar um punhado de dentes de alho diante deles ou iniciar um exorcismo ali mesmo, no sinal fechado ou na padaria da esquina. Acuados, têm preferido declarar-se “agnósticos”. Com sorte, parte dos crentes pode ficar em dúvida e pensar que é alguma igreja nova.
Já conhecia a “Bola de Neve” (ou “Bola de Neve Church, para os íntimos”, como diz o seu site), mas nunca tinha ouvido falar da “Novidade de Vida”. Busquei o site da igreja na internet. Na página de abertura, me deparei com uma preleção intitulada: “O perigo da tolerância”. O texto fala sobre as famílias, afirma que Deus não é tolerante e incita os fiéis a não tolerar o que não venha de Deus. Tolerar “coisas erradas” é o mesmo que “criar demônios de estimação”. Entre as muitas frases exemplares, uma se destaca: “Hoje em dia, o mal da sociedade tem sido a Tolerância (em negrito e em maiúscula)”. Deus me livre!, um ateu talvez tenha vontade de dizer. Mas nem esse conforto lhe resta.
Ainda que o crescimento evangélico no Brasil venha sendo investigado tanto pela academia como pelo jornalismo, é pouco para a profundidade das mudanças que tem trazido à vida cotidiana do país. As transformações no modo de ser brasileiro talvez sejam maiores do que possa parecer à primeira vista. Talvez estejam alterando o “homem cordial” – não no sentido estrito conferido por Sérgio Buarque de Holanda, mas no sentido atribuído pelo senso comum.
Me arriscaria a dizer que a liberdade de credo – e, portanto, também de não credo – determinada pela Constituição está sendo solapada na prática do dia a dia. Não deixa de ser curioso que, no século XXI, ser ateu volte a ter um conteúdo revolucionário. Mas, depois que Sarah Sheeva, uma das filhas de Pepeu Gomes e Baby do Brasil, passou a pastorear mulheres virgens – ou com vontade de voltar a ser – em busca de príncipes encantados, na “Igreja Celular Internacional”, nada mais me surpreende.
Se Deus existe, que nos livre de sermos obrigados a acreditar nele.
A religião é como um pênis?
Fotos extraordinárias
Duas fotos de presente para vocês, meus sete leitores. Hoje, às 19h30 estarei no StudioClio para a segunda rodada do Sport Club Literatura. Bom programa. Haverá literatura e Corujas por lá.
Chega de religião na vida do país
Texto que eu assinaria embaixo e por todos os lados
mas que é de Marcelo Carneiro da Cunha
e foi publicado no Sul21
Caríssimos Sul21enses, alvíssaras! Eis que o nosso estimado STF foi lá e pimba, desentortou o pepino um pouco mais, e cá estamos nós, basicamente, melhores, se não como pessoas, então como cidadãos de uma república laica.
E felizmente laica, embora não laica o bastante, na prática. Ter que conviver com a CNBB e os Malafaia metendo o bedelho em assuntos que não lhes dizem respeito é um desrespeito, para quem sabe que o país tem uma Constituição e que nela não está dito que alguma igreja manda na gente.
A igreja católica já tem os seus católicos para infernizar — não tem nada que estender seus ódios até quem não fez nenhuma escolha por escutar os seus mandamentos. As seitas evangélicas não tem nem ao menos a arquitetura e o tempo de residência que dão um certo verniz de respeitabilidade para a igreja católica. Mas, ficam assim mesmo indo muito além das suas auto-definidas atribuições e se intrometendo na vida real, como se dela entendessem. Basta.
A Constituição dá às igrejas o direito de existirem, e isso me parece assegurado. Elas podem existir, elas têm esse direito, embora eu não entenda por que elas não deveriam pagar impostos como todas as empresas, já que cobram, embora nem ao menos entreguem. Mas o que a Constituição assegura é o direito que as igrejas e seitas têm de pregar para os seus convertidos e tentar arregimentar outros incréus pelos meios dos seus templos e, infelizmente, de suas concessões de rádio e tevê. Nesse universo, e desde que elas não descumpram as leis, elas têm liberdade para falar e pregar e fazer o que bem entenderem, seus fiéis idem. Agora, o que elas não podem é vir aqui fora interferir no funcionamento do mundo onde vivem os demais cidadãos que não compartilham das suas crenças, isso não. Se um bispo católico quer dizer aos seus seguidores que o homossexualismo é errado, ok, embora eu não entenda por que as pessoas devam ouvir opiniões de eunucos quando o assuntos é sexo. Quando quero uma opinião sobre meus rins eu não costumo consultar paraquedistas ou motoristas de ônibus. Se o tema é sexo, quero ouvir quem pratica e muito, e se o tema são doenças, quero ouvir a área da saúde. Não quero ouvir bispos e pastores, e ninguém diz que eu tenho que fazer isso.
Mas eles insistem em berrar nos nossos ouvidos, como se direito tivessem. Não tem. Essa é uma república laica e laico quer dizer que as religiões não definem as leis ou a vida cidadã. Eles esquecem desse detalhe, não esquecem? No primeiro turno da eleição 2010 foi aquele enrosco. Nossas vidas sendo definidas por um ser primitivo como Silas Malafaia, da seita da Marina Silva? Os cardeais assustando com o fogo eterno a quem não votasse no Serra? Agora, a CNBB se mostrando em toda a sua feiúra diante do STF? Isso serve para a gente lembrar que as igrejas e seitas podem posar de boazinhas em reclame de Campanha da Fraternidade, mas na hora do pega, olhem o que eles são e o que eles dizem. Padres dizendo que os gays são promíscuos? Isso não é coisa do Bolsonaro? Bolsonaro é católico? O casamento para os gays é o fim da sociedade civilizada? Quem organizou e conduziu uma Inquisição tem condições de apitar sobre o que quer que seja? Para algo guiado pelo divino, eles erraram e erram demais, não lhes parece?
Igrejas contavam quando além de nos excomungar elas podiam cancelar o nosso CPF. Numa república laica, quem pode é a Receita Federal, e é importante que nos lembremos disso. A intolerância deve ficar no seu canto, já que existe, mas não tem o direito de contaminar a vida.
Nós, cidadãos de uma república laica, temos o direito a uma vida laica e não precisamos ouvir o que temos ouvido, da parte de quem não tem nada, mas nada mesmo a dizer, ao menos para quem não acredita no que eles pregam. Não quero ter que dar bola para o que pensam católicos, protestantes, evangélicos, islâmicos, ou budistas, enquanto eu queira e deva dar bola para o que realmente pensam os cidadãos por trás desses rótulos. Cidadania é uma condição humana, exercitada por humanos, e com humanos se pode dialogar, mesmo discordando. Com quem se segura no que entende como uma verdade divina, mesmo que nada a comprove a não ser o desejo absoluto de acreditar em algo, não há como dialogar, e não há por que dialogar.
O STF ontem lembrou a todo mundo, especialmente ao Congresso, o que somos. Lembrou também `às igrejas o que elas são. Elas foram, esbravejaram e tomaram uma sova. Melhor assim, e é para esse mundo que despertamos hoje. Mais conscientes do nosso poder, mais conscientes da nossa responsabilidade. Ela é nossa, de ninguém mais e, portanto, a ela.
Uma vasta lista e a fé de que um dia a páscoa será apenas chocolate… E dieta
“Eu afirmo que somos ambos ateus. Eu só acredito em um deus a menos do que você. Quando você entender por que não acredita em todos os outros deuses possíveis, entenderá por que não acredito no seu.” (Stephen Roberts)
Essa semana, a Justiça espanhola proíbiu uma procissão ateia em Madrid. Era provocação. A manifestação levaria às ruas faixas com dizeres como “Congregação da Cruel Inquisição”, “Irmandade da Santa Pedofilia” e “Confraria do Papa do Santo Latrocínio” com o objetivo de “derrubar a hipocrisia social e moral que representa a Semana Santa Católica”. Era provocação? Claro que sim! Mas também é provocação aquilo que sofremos desde que nascemos e que é ainda passado a nossos filhos goela abaixo — principalmente em escolas não laicas. Porém, quando reagimos, ouvimos os religiosos falando em democracia e em direitos. Direitos para seguirem fazendo seu nojento proselitismo milenar, bem entendido. Mas isso tem diminuído, as estatísticas estão para comprovar. Bom feriado.
http://www.youtube.com/watch?v=A8XLVunDt9k&feature=player_embedded
Governador Cabral, só uma coisinha
Sempre achei que nossos defeitos eram apenas aquilo que consideramos nossas qualidades, só que levado a extremos. Chamar o autor no massacre e ontem no Rio de “animal”, além de outras ofensas, é bastante tolo. Este Wellington Menezes de Oliveira cometeu um crime absurdo, brutal e inaceitável, mas é um produto de nossa sociedade. Ele fez um perfil falso de Bolsonaro no twitter e talvez pensasse em defender a família brasileira. E por que matou tantas meninas? Certamente pelos mesmos motivos de purificação religiosa que o fizeram escrever aquelas cartas alucinadas que lemos ontem. E este Wellington sofria bullying na escola, governador. Coisa normal por aqui. E conseguiu armas pesadas. Ou seja, Wellington está bem próximo e tinha acesso às mesmas coisas que nós.
Só que era louco e levou o que temos aí ao paroxismo. Muita religião, fácil acesso à armamento, violência escolar, super-exposição de Bolsonaros… Convivemos com tudo isso, tudo é permitido, até incentivado. Acho que o debate é se teremos uma sociedade tão doente quanto a americana — aquela mistura de deus, culpa, pólvora e irreflexão — e por quê.
Um bom debate entre Richard Dawkins, Daniel Dennett, Sam Harris e Christopher Hitchens
É imenso. Dura 2 horas, mas é muito interessante. Foi gravado em setembro de 2007 e tem o título de Discussions with Richard Dawkins, Episode 1: The Four Horsemen. Para quem não me entende e gosta de me atribuir opiniões, digo que acho que a religião é algo INEXTIRPÁVEL da humanidade, mas que sua presença pode e TEM DE SER em muito amenizada. Aliás, é que já vem acontecendo lentamente através dos séculos. Há estudos, isto também não é opinião.
Divirtam-se com o civilizadíssimo debate.
http://www.youtube.com/watch?v=0xO8mTLEnik
Ou clique aqui.
Coisas de deus
De acordo com a Bíblia no principio era a verborreia, e a verborreia estava com Deus, e a verborreia era Deus. Deus criou os céus e a terra. Então Deus disse que haja a luz, bateu as palmas e a luz acendeu. Deus viu que a luz era boa e a separou da escuridão. Deus pôs na posição de água quente o nome de “inverno” e na de agua fria pôs o nome de “verão”. Deus chamou a luz de dia e a escuridão de noite, por algum motivo isso foi um ‘dia’, apesar de ainda nao existir o Sol e a Lua.
Entao Deus criou monstros. E Deus viu que isso era bom. Deus criou árvores. E viu Deus que isso era bom. Deus criou os arbustos, foi atrás deles se aliviar, e viu que isso era bom. Deus então deu uma assoprada em um monte de barro e criou o homem. E em sua eterna sabedoria disse: frutificai e multiplicai-vos. Sorrateiramente arrancou um estribo do ouvido do homem enquanto este dormia, e, embora o homem surdo a este ponto, deu outra soprada e, voialá!, eis a mulher.
Eu me divirto sempre na Desciclopédia.
As escolas brasileiras ligadas a instituições religiosas sempre ensinaram o criacionismo. Seja nas aulas de religião, seja nos cultos, os alunos aprendem que Deus criou o mundo e todos os seres que o habitam. É o fim do mundo.
Hoje acordei assim porque fui convidado a participar de um documentário onde as pessoas contam casos de preconceito contra ateus. Detesto falar em público mas acho que vou ter que.
Vaticano dispensa Carla Bruni por ter posado nua
Apesar das greves e dos problemas internos que tem enfrentado (e que causa), o presidente da França, Nicolas Sarkozy, é invejado. Imaginem que é casado com Carla Bruni, a baranga que você vê abaixo. Na semana passada, ele foi ao Vaticano para uma visita daquelas de boa vizinhança para com quem é o pastor de tantas almas. A finalidade seria a de conversar a respeito da grave questão dos ciganos na França, porém, antes da visita, recebeu um recado. Este dizia que Carla Bruni “não seria bem-vinda no Vaticano”.
O papa estaria preocupado com a fama excessiva de Bruni, acrescida do fato de ela já ter posado nua… Tá bom.
Mas Jesus Cristo não defendeu a prostituta Maria Madalena de um apedrejamento? E ela não teria se tornado sua discípula? Por que a ex-modelo Bruni não poderia privar com o papito? Afinal, ela é hoje a primeira dama da França. Quanta hipocrisia. Não sei como algumas pessoas ainda suportam a religião católica.
Enquanto isso, no Vaticano
Minha fé já me auxiliou
Minha incipiente fé já deu o ar de sua Graça. Ontem à noite, meu HD que, como sabemos, foi vítima da ira de Deus, teve aquela típica melhora antes da morte em Cristo. Naquele momento iluminado, pude buscar todos meus arquivos de trabalho, todas as mulheres do Porque Hoje é Sábado, todas as músicas, mas senti o dedo duro negativo do Criador no momento em que tentei salvar meus e-mails. Perdi-os. Acho que foi por não ter, sei lá, dado a Extrema Unção ao HD nem rezado. Então, há um buraco negro em meus e-mails entre o dia 30/09/2010 e hoje. Acho que consegui copiar os contatos, ao menos.
Sim, tenho um disco externo. Olha, se não tivesse, não adiantaria nenhuma Providência Divina.
Mais sinais de Deus: o Santo Salvador da Dell viria à tarde aqui em casa. Pois não é que ele me ligou propondo vir de manhã? Bem, estou ajeitando as coisas no micro. Espero que amanhã tenha um dia normal.
Das artes de varrer a sujeira para baixo do tapete (tema e poucas variações)
A Zero Hora tentou ridicularizar os blogues de esquerda jogar de encontro a nós a competência da Polícia Civil para deslindar o Caso Eliseu Santos. Seria um caso claro de latrocínio, isto é, para consumar o roubo do cobiçado e exclusivo Corolla do Secretário da Saúde de Porto Alegre, ocorreu a morte da vítima. Confesso que fiquei constrangido por duas razões: (1) ficaria comprovado que um fato que me parece claro — o crime político causado pela corrupção — não passara de imaginação minha e (2) pelo fato de especialistas terem vindo até meu blog dizer que a coisa tinha jeito mesmo era de latrocínio. OK.
Rosane de Oliveira chegou a publicar recadinhos não para mim, mas para os muitos e ótimos blogs políticos do estado. Parecia uma vingança contra nosso ceticismo:
Retirado do Diário Gauche
Tudo bem, nada de nervos. Não seria meu primeiro erro, mas, olha, estava difícil de engolir esse troço. O cara sai de um culto evangélico — por definição algo populista e de sexta categoria — e tentam roubar seu carro na frente da família e outros débeis mentais fanáticos e siderados que saiam do “templo”. O troço era tão imbecil que me parecia coisa do demônio ou primeiro de abril. Pois exatamente neste dia a coisa ficou mais clara. Inteligente e subrepticiamente, o Ministério Público alijou a inconfiável Polícia Civil e fez uma investigação paralela junto com a Polícia Militar. O resultado? Bingo! Crime por motivo de corrupção, queima de arquivos, vingança, chamem como quiserem. E o novo assunto de ZH não é a possibidade de “outrens” estarem no bolo, mas a briga entre o MP e a Polícia. Poucos falam sobre os motivos reais dos crimes. Então, para não esquecer, recordemos as conclusões do MP:
Quem são os denunciados:
— Jorge Renato Hordoff de Mello e Marcelo Machado Pio, empresários: os dois são ex-policiais militares e sócios na Empresa Reação. Estariam contrariados com supostas exigências que teriam sido feitas pelo secretário Eliseu para renovar o contrato da empresa de vigilância com o município.— Marco Antônio de Souza Bernardes, servidor de confiança de Eliseu: ligado à Secretaria Municipal de Saúde, seria o intermediário nas negociações entre os donos da empresa Reação e o secretário Eliseu.
— Eliseu Pompeu Gomes, Fernando Júnior Treidkrol e Marcelo Dias Souza, três assaltantes: eles teriam sido contratados pelos donos da Empresa Reação para matar Eliseu, fingindo ser um assalto. Dois deles, Eliseu Pompeu Gomes e Fernando Júnior Treidkrol, foram baleados pelo secretário, na troca de tiros que resultou na morte de Eliseu. Estão presos. O terceiro, Marcelo Dias Souza, está foragido.
— Robinson Teixeira do Santos: seria o motorista do carro que levou os ladrões até a Rua Hoffmann, onde Eliseu foi morto.
— Janine Ferri Bitello, auxiliar de enfermagem: ela teria ajudado a socorrer e feito curativos em um dos criminosos, baleado por Eliseu na troca de tiros que resultou na morte do secretário. Ela seria velha conhecida do assaltante. Está denunciada por formação de quadrilha, não por homicídio.
Fonte: Clic RBS
Como já disse, nos dias posteriores, a RBS, fiel a seu estilo enrolão, passou a falar só naquilo que seria a Guerra Declarada entre o MP e a Polícia Civil, apesar da educação e da civilidade presentes na entrevista de ontem de membros do Ministério Público. A Polícia está indignada: fala que a ética foi ferida de morte e tergiversa igualzinha à imprensa. Parece jogada ensaiada. É a reação esperada. Então, posso agora dizer à abelha-rainha do jornalismo gaúcho Rosane de Oliveira (ver depoimento de Paulo Santana na coluna à direita do link), que sua PICADURA não causou grande efeito e que a teoria da conspiração está mais viva do que nunca. Afinal, José Fogaça, único candidato viável da direita guasca ao Governo do Estado, está logo ali adiante, na outra mesa.
Eliseu e Fogaça: nada a ver
Anticristo, de Lars von Trier
Uma das palavras mais erroneamente utilizadas no Brasil é “anacronismo”. Usa-se muitas vezes para significar ruim. Porém, se crônico significa de acordo com Cronos, ou de acordo com nosso tempo, anacrônico é “em desacordo com nosso tempo”. Pois Lars von Trier é anacrônico no sentido que ainda faz um cinema com as preocupações que havia no cinema de algumas décadas atrás. Anticristo é um filme que permite tantas e tão ricas interpretações que, ao conversar com duas pessoas bastante inteligentes, tive que confrontar o que vi com outros dois filmes. O anacronismo de von Trier é mérito.
Mergulhei de tal modo no mundo de luto de Anticristo que não pude perceber a óbvia relação com o cinema de Andrei Tarkovsky. Ao acordar do transe, a primeira coisa que vi foi a dedicatória de von Trier: “This film is dedicated to Andrei Tarkovsky (1932-1986)”. E, consequentemente, é dedicado também a Bergman e Strindberg, se trilharmos em sentido anticronológico a linha que une os artistas que melhor mostraram sonhos em filmes e peças de teatro. Pois eu vi o filme de uma forma muito estética, relacionando tudo com sonhos e sua relação com a realidade. O apuro visual que me levou a isso descende claramente de Stalker e de Andrei Rublev (final). Porém, se em Tarkovski havia desengano, na história contada por von Trier traz-nos horror e desespero.
Anticristo talvez não seja filme de se rever. Às vezes, tive vontade de fugir dele, tal a crueza de algumas cenas. Houve uma em especial que “vi de olhos fechados” ou, para ser mais claro, espreitei o horror entre meus cílios. Na verdade, acho que não desejamos que ele vá tão longe, mas von Trier está resolvido a mostrar um luto e obtém cenas semelhantes a meu horror ao despedir-me de meu pai num quente 11 de dezembro e sentir que ele estava frio como nunca. O luto da mãe que não vê seu filho despencar pela janela enquanto mantinha relações sexuais com o marido deve ser enlouquecedor e é. A cena inicial e final são belíssimas e a ária de Handel “Lascia la Spina” é perfeita tanto para o luto que chega quanto para aquele que se vai:
Lascia la spina
cogli la rosa;
tu vai cercando
il tuo dolor.
Ou, em ridícula tradução de Milton Ribeiro:
Deixa o espinho
Colhe a rosa;
tu vais buscando
tua dor.
Von Trier não desvia da dor. Se o filme descende de Tarkovski, o cineasta que filmava como sonhava, Anticristo tem igualmente o gosto dos pesadelos com seus terríveis exageros verossímeis — aliás, a mãe brinca sobre Freud e os sonhos. Deste modo, não dei tanta importância à literalidade da história contada, mas a sua capacidade de produzir dor. E nisto von Trier caprichou… Apoiado em dois atores não menos que geniais — Willem Dafoe, com seu rosto naturalmente cortado a machado, e Charlotte Gainsbourg, cortado a estilete — , a narração entremeia cenas de indiscutível verossilhança com outras que mais parecem ter saído de um conto de fadas, para o bem e para o mal. Tudo muito bem pensado, tudo muito inteligente, muito dolorido e demasiado anacrônico para nosso tempo bestinha.
O que me passou batido: uma de minhas interlocutoras (minha amiga Lia Zanini) viu um filme diferente. Ela tem toda a razão ao dizer que já havia loucura antes da morte do menino. Há “provas” disso. Sim, a questão dos sapatos e a opinião do psiquiatra que falava num “luto atípico”. Ela baseou o que viu na loucura. Dou o braço a torcer em muitas coisas, mas não aceito a literalidade de cenas como aquela em que a mãe vê o menino cair. Em minha opinião, aquilo é sonho ou delírio.
O curioso é que nossa discussão foi em parte assistida por outra amiga, Vera Medeiros. Ao ouvir o que dizíamos, ela relacionou a história à questões mitológicas e religiosas, o que também é verdadeiro. Afinal, von Trier apresenta um filme cheio de referências bíblicas, como se Adão e Eva voltassem novamente solitários a uma floresta não por acaso chamada Éden. A mitologia? Ora, Édipo significa “pés inchados”. E se recontarmos parte da história de Édipo acabaremos por revê-la em Anticristo:
Apesar de um oráculo ter anunciado que, se nascesse deste casamento, o filho o mataria, Laio tornou-se pai de um menino. Para fugir à predição, Laio — após perfurar os pés do filho (daí Édipo = pés inchados) e amarrá-lo — ordena a Jocasta dar a criança a um pastor, que deveria abandoná-la no monte Citéron, para morrer. O pastor, entretanto, não cumpre a tarefa. Apiedado, entregou o menino a um outro pastor, condutor dos rebanhos de Pôlibo, rei de Corinto, ás pastagens de Citéron.
O Dafoe pastor do final do filme, a perfuração, o fato de ele ter sido abandonado para morrer. Tudo são variações: Tarkovsky, sonhos, loucura, Freud, religião, mitologia… E a maioria das pessoas vendo um filme que é apenas incomum e nojento em sua visceralidade. Que época burra.
Veja a galeria de fotos de Anticristo do J`adore le Cinéma
A citação da história de Édipo, foi retirada daqui.
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O comentário de Victor Hugo Lisboa é muito superior a meu post. Por isso, trago-o para cá:
Ô Milton! Sabe que eu não esperava nada desse filme? Só baixei uma cópia da internet pois fiquei curioso com a repercussão em Cannes. Como o trabalho de Lars tem seus altos (Festa de Família) e baixos (Dançando do Escuro), assisti Anticristo no meu notebook, sem grandes expectativas, temendo que nem valesse o ingresso do cinema.
E o que eu achei?
Cara, é uma Obra de Arte Fodástica, com “O”, “A” e “F” maiúsculos.
Quando, finalmente, estreou nos cinemas de Porto Alegre, decidi assistir Anticristo pela segunda vez. Toda aquela perfeição estética exigia o integral mergulho propiciado por uma sala escura e a telona. Ah, e eu também queria ver a cara do público no final.
Como toda Obra de Arte Fodástica, claro que Anticristo é suscetível à vários níveis de interpretação. Porém, minha opinião subjetivíssima é de que o filme consiste em uma alegoria tarkovskiana com fortes tons psicanalíticos (eu, pobre diabo, rejeitei e ridicularizei a psicanálise durante anos, mas hoje reconheço que era puro preconceito e ignorância da minha parte – coisa de guri, em suma; só depois de “velho” abandonei minha arrogância juvenil e reconheci o quanto há de verdade nas lições de Lacan e Freud).
Seguem, abaixo, anotações que fiz no dia seguinte à primeira vez que assisti ao Anticristo. São registros fragmentados e despretensiosos. Não recomendo que sejam lidos por quem ainda não viu o filme, e previno que não estou afirmando ser essa a única interpretação da obra de Lars. Mas, se não é a interpretação definitiva, ao menos é “beno trovato”.
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O filme foi acusado de ser misógino e contrário ao mundo natural, pois Lars teria afirmado, através de sua obra, que a mulher e a natureza são a fonte de todo o mal. É uma interpretação apressada. Na verdade, o filme é a alegoria de um homem que foi forçado a abandonar uma visão infantil, ingênua, da vida. Sua perspectiva idílica e idealizada do mundo e da mulher não mais se sustentou, mas ele ainda era incapaz de atingir a perfeita maturidade de aceitar as coisas tal como são, de modo que, em reação instintiva, fez um movimento pendular e agarrou-se a uma outra visão, também infantil e ingênua, da natureza e da feminilidade: a visão que as pinta com tintas negras, demoníacas – como a fonte de todo mal, em suma. Não é algo incomum. Basta lembrar que até hoje algumas tradições fundamentalistas ainda tratam a mulher e o mundo natural como espúrios. E mesmo nós, ocidentais, durante toda a Idade Média, associamos a natureza e a mulher ao demônio.
Um detalhe que quase ninguém reparou é que, quando o casal está trepando no banheiro, logo no início do filme, acabam por derrubar um livro infantil, onde há a figura de três animaisinhos em uma floresta retratada de modo ingênuo. Esses três animais, posteriormente, retornarão como verdadeiras criaturas diabólicas, terríveis, que sentenciam o caráter caótico da vida e denunciam o homem à mulher enfurecida. Por outro lado um desses animais “diabólicos” acaba por libertar esse mesmo homem mais tarde, revelando-lhe a chave inglesa escondida pela mulher, em retribuição pelo fato de o homem ter quebrado o piso da cabana, deixando que ele entre. Na última parte de Anticristo, o homem e os três animais olham-se como iguais, sem ressentimento, medo ou ódio.
É justo disso que fala o filme de Lars: do processo no qual o homem acabou de sair da visão idealizada da natureza do mundo, reagiu ao trauma considerando a vida natural como algo diabólico, e superou essa mesma reação imatura, por meio de um processo no qual teve de eliminar aquela imagem “adoecida”, incinerando-a.
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O filme também não é misógino, pela simples razão de que ele não aborda, em nenhum momento, a situação da verdadeira mulher: a mulher ali representada é a mulher interna do homem, a mulher psicológica, imaginária. A esposa assume integralmente seu papel de arquétipo quando afirma que as mulheres foram perseguidas e oprimidas pelos homens durante séculos porque realmente eram malignas: nesse momento é o complexo psicológico do próprio homem que lhe fala.
Sob esse ponto de vista, a obra de Lars é justo o contrário daquilo de que é acusada. Anticristo descreve a confusão masculina entre essa figura arquetípica e a mulher real que causa o “ginocídio” histórico, evidenciando o aspecto psicológico que há por trás das castrações de meninas no Egito e das milhares de bruxas queimadas pela Santa Inquisição. Enquanto um homem não souber distinguir entre as mulheres reais e as personagens que fantasmagorizam sua mente, jamais terá um relacionamento saudável até mesmo consigo próprio. No filme processo de superação dessa imagem psíquica já começa quando o próprio complexo maternal castra a si mesmo.
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O filho e o marido são a mesma pessoa: um complexo criança-homem. O filho observa a cópula do casal: descobre que a mãe não lhe pertence, que sua mãe o “trai” com o pai. Isso é um tema recorrente na psicanálise e, com certeza, Lars não estava alheio a esse tema, principalmente tendo em vista a profissão escolhida para seu personagem. Por isso, o menino morre: a ilusão da infância acabou, a sexualidade “promíscua” daquela mãe que considerava só sua introduz em seu mundo uma realidade complexa e dúbia, que mata a infância. Há um verdadeiro suicídio após testemunhar a relação sexual dos pais. A partir daí, há um homem que se refugia na estrita racionalidade, tentando lidar com o “problema” que é a mulher (ainda é um problema para ele, pois a figura materna ambivalente, opressora e sedutora, ainda não foi trabalhada) de forma fria e distanciada, com diagramas e palavras de ordem. Porém, logo afoga-se no seu ódio e medo da figura feminina, sentimentos decorrentes da ambivalência do desejo.
Observe-se que, após a morte do filho, é sempre a mulher que procura o sexo, de uma forma brusca, agressiva e, porque não dizer, “ativa”: novamente se percebe que se trata de uma mulher “masculinizada” em sua agressividade sexual – o complexo mal resolvido da mãe promíscua. A cópula é associada à morte.
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A mulher revela sua dificuldade de aceitar que os homens de sua vida se afastem, como quando coloca os sapatos nos pés trocados do filho e prende um peso à perna do marido. Quando o marido se arrasta para longe da cabana com o pênis ferido e a perna perfurada, a fim de proteger-se de mais torturas e morte, o discurso da mulher é o de vítima, de alguém que foi abandonada injustamente pelo seu homem. Por instinto, até hoje muitas mulheres sabem que esse discurso do “Bastard, where are you?” toca em alguns nervos psíquicos de todo homem, e utilizam-no. Como resposta, muitos homens secretamente desejariam colocar na fogueira quem assim atua.
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Quando o homem tem, em meio à dor e à loucura circundante, um lampejo de objetividade e racionalidade, e observa que a constelação dos Três Mendigos não existe realmente, ele estabelece o limite claro entre o real e o imaginário: é o marco entre o estado de criança e o estado de adulto. Não é por outro motivo que, logo após essa percepção, seguida do grito da mulher, surge o pássaro de baixo da casa, revelando-lhe o exato lugar onde está a “chave” para libertar-se do peso em sua perna.
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O homem entra no buraco, a mulher o enterra. Para que o homem escape do pesadelo em que lida com o complexo maternal, deve ir a fundo no horror: deve deixar-se matar, sufocar-se no útero da Terra, para que assim morram os resíduos da psicologia infantil que há nele. A fuga nunca é a solução. Em qualquer doutrina franca sobre a condição humana, de Lacan a Pema Chodron, a solução é sempre aceitar o medo e abraçar o horror sem julgamento.
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Os três mendigos não existem, de fato, como constelação, mas existem na Poesia: “the three beggars” é um poema de William Butler Yeats. Os três mendigos, aliás, já estão presente no início do filme, na forma de três estatuetas sobre a mesa que a criança usa para “suicidar-se” após ver a trepada dos pais.
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Na cena em que a mulher descobre que está ouvindo o choro de toda a Criação, e não da criança, ela tem a súbita percepção de que há algo de profundamente errado naquele universo. O horror passa a ser reconhecido. Enquanto escuta o choro universal, a mulher contempla seu filho segurando um pedaço de madeira junto aos instrumentos de carpintaria de seu pai (fato digno de nota: alusão ao menino Jesus?). Mais tarde, seria também com o mesmo pedaço de madeira que a mulher infligiria ao homem sua ferida genital.
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O horror representado pelos três mendigos (dor, depressão e desespero), o choro universal da natureza e as feridas na perna e nos testículos não podem ser evitadas: a “ferida narcísica” (alô Freud) deve ser vivenciada e aceita como tal. A cura está em compreende-los e aceitá-los sem reações de rejeição ou cegueira idílica. Tecnicamente, o discurso psicanalítico do homem no início do filme está absolutamente certo: o equívoco do espectador é achar que ele fala com a mulher, quando aquilo tudo diz respeito a ele próprio e a um processo que irá vivenciar em breve. Trata-se de um processo de superação da criança, com a difícil passagem para o mundo adulto.
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O homem mata a mulher e a queima. Subitamente, a natureza não é mais tão ameaçadora, pois sobrevive consumindo frustas silvestres. Na última parte, ele volta-se e encara os três animais, representantes das misérias humanas, e essas figuras míticas devolvem-lhe o olhar sem ameça e sem medo – um momento de reconhecimento, que antecede a última cena do filme, e que lhe é o pressuposto: nesse instante, não há recriminação, não há julgamento, não há rejeição. Aceitar a condição humana sem debater-se numa reação infantil de recusa cega ou de demonização do mundo é o primeiro passo para a maturidade.
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Na última cena do filme, mulheres sobem a montanha e passam pelo homem sem percebê-lo, desprovidas de rosto. Esse é o momento de redenção, em que o homem já não projeta no elemento feminino todos os seus traumas. As mulheres já não possuem rosto, ou seja, estão livres da projeção. As mulheres não interagem com ele, não representam ameaça nem provocam uma atração perturbadora, anormal. Está aberta a porta para que o homem lide com as mulheres reais tal como são: seres humanos.
Ensino religioso em estado laico: mais atraso e discriminação para o Brasil
Sob protestos do PSOL e do PPS, o plenário da Câmara aprovou na noite de quarta-feira, 26/08/2009, a ratificação do acordo entre o Brasil e o Vaticano, que prevê a instituição do ensino religioso em escolas públicas, isenções fiscais e imunidade das instituições religiosas perante as leis trabalhistas. Assinado no final do ano passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI, o acordo prevê também a manutenção, com recursos do estado, de bens culturais da igreja católica, como prédios, acervos e bibliotecas.
Criticado por amplos setores da sociedade, como a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), o texto acabou aprovado em votação simbólica após a costura de uma negociação com a bancada evangélica, muito forte no Congresso, para estender os privilégios às demais religiões. O acordo seguirá agora para apreciação do Senado.
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Segundo Aude Valérie Bumbacher, da Anistia Internacional e da Graduate Institute of International Studies de Genebra, geralmente, em países onde a religião faz parte da vida civil pública, há pouco espaço para o desenvolvimento da educação para os direitos humanos. As crianças não têm escolha em deixar de participar de sermões religiosos e a escola não abre espaço para os direitos humanos. Frequentemente, até mesmo a educação cívica não é ensinada, porque é vista como uma concorrência à educação religiosa.
E vai além: a França, por exemplo, tem uma definição e aplicação desse conceito muito restrita. Símbolos religiosos são proibidos na esfera pública, portanto nem professores nem estudantes podem portá-los, como acontece com o uso do véu por mulheres muçulmanas. Praticar ou exibir esses símbolos é possível apenas na esfera privada ou nas comunidades religiosas específicas.
Organizações internacionais como as Nações Unidas, por meio do Alto Comissariado para os Direitos Humanos, desenvolveram diferentes programas, treinamentos e materiais voltados especificamente para educadores e professores de direitos humanos. Desde a metade dos anos 1990, educação para os direitos humanos tornou-se uma preocupação no sistema das Nações Unidas como uma tentativa para encontrar a paz e a tolerância no mundo.
Enquanto isso, nosso país, baixando as calças para o Vaticano e os evangélicos, vai entronizando mais atraso e ignorância onde não há bem educação. O que fazer? Em minha opinião, a religião é algo a ser adotado por quem precisa dela, não uma obrigação ou sugestão do Estado. Com a finalidade de obter o apoio do rebanho de imbecis de Edir Macedo, Ratzinger e assemelhados, vamos ter professores formando hordas de carolas? É de perder as esperanças.
Fonte: Jornais e Revista Educação.
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Mais:
Aprovada na semana passada pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara, o texto tem 20 artigos que criam um estatuto jurídico e legitimam direitos que a igreja católica detém há décadas no Brasil. Entre outros pontos, o acordo regulamenta a forma do ensino religioso nas escolas públicas e prevê que o casamento oficiado pela igreja, caso siga também as exigências do direito civil, tenha valor jurídico.
A ratificação do acordo deve suscitar ações de inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal (STF), segundo o deputado Regis de Oliveira (PSC-SP). Ele fez um apelo para que o texto fosse retirado de pauta para maior discussão. “Não se pode votar matéria dessa gravidade no escuro”, disse. “Estamos entrando em terreno perigoso porque o Brasil é um estado laico e não podemos interferir nisso”, explicou.
Coube ao deputado Chico Abreu (PR-GO) encaminhar votação contra o acordo. “Embora sejamos um país católico, o ensino religioso não pode ser uma imposição na rede pública”, criticou. Ele considerou também que o texto cria privilégios à igreja católica em relação às demais religiões.
Para o tresloucado deputado Antônio Carlos Biscaia (PT-RJ), todavia, o acordo respeita o ordenamento jurídico brasileiro e em nada fere a Constituição, uma vez que apenas consolida diversas normas já praticadas no Brasil. Ele lembrou que outros estados laicos, como a Itália, aprovaram acordo semelhante com o Vaticano e outras religiões. Além disso, conforme destacou, o Congresso “tem legitimidade para convalidar tratados e acordos internacionais”.
O ponto mais polêmico do acordo com o Vaticano é o parágrafo primeiro do Artigo 11, que institui o ensino religioso facultativo nas escolas públicas de ensino fundamental. “O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação”, afirma.
Arrã. Se neste momento, se neste minuto de minha vida estou sendo discriminado por ser ateu — futuramente, darei maiores detalhes — imaginem o que farão esses fascistas conosco?
Spinoza: "Deus é o asilo da ignorância"
Ontem, Idelber Avelar publicou um rumoroso post MANDANDO os ateus saírem do armário. Como já estou aqui fora tomando sol e chuva faz uns 40 anos (sim, tenho 51 e uns 40 de ateísmo) e ouvi o chamado do Mestre Idelder, cá estou para dizer que, em minha opinião, Deus é uma criação humana, mais ou menos assim como, digamos, meu amado Dom Quixote. Um trecho do post diz o seguinte:
Uma pesquisa recente, da Fundação Perseu Abramo, mostra que os ateus representamos o grupo social mais discriminado socialmente. Mais que negros. mulheres, travestis, gays, lésbicas. Mais, até mesmo, que transsexuais. Eu não estou dizendo que a discriminação cotidiana que sofre, por exemplo, um ateu branco, é comparável à que sofre um negro de qualquer crença. Não é. Não é, em primeiro lugar, porque ser negro e, até certo ponto, ser gay, são coisas impossíveis de se esconder. Ser ateu, não. Mas se você perguntar a um brasileiro em qual membro de grupo social ele não aceitaria votar de jeito nenhum, os ateus estamos, disparados, em primeiro lugar. Vivemos ainda nesse estranho regime que associa a moralidade à crença religiosa, como se existisse alguma relação entre religiosidade e comportamento moral, como se não soubéssemos nada sobre a lambança feita pelos padres com as crianças e adolescentes – para não falar dos séculos de lambança obscurantista e anticientífica promovida pelas religiões.
Vou contar uma coisa para vocês. Entrei em três concursos literários até hoje: ganhei um, fui menção honrosa em outro e perdi o terceiro. Nada demais; eu estava quieto, no meu canto, só que um dia me contaram porque eu tinha perdido este concurso e me afirmaram que, se fosse possível entrar em contato comigo e se eu retirasse o trecho a seguir, teria vencido… O trecho também não é nada demais. Aqui está:
— Ó Pai, que estás nos céus, colocado lá pela fraqueza, medo, culpa e imaginação de alguns, feito à nossa imagem e portador de nossos defeitos, olha por nós, pobres pecadores, que não usamos teu nome para nada e que vivemos pelo mundo como cães sem dono. Permite que os cães com dono não nos mordam – aqui olhou para o amigo — e que as boas intenções e desespero enviados diariamente por eles a ti, retornem na forma de grandes chuvas de bênçãos e não como tens feito ultimamente. Que a beleza da tua figura, formada em cada poro e célula por nosso afeto a nós mesmos e nosso horror ao vazio, possa espalhar-se pelo mundo e transformar-se em vales de onde jorrarão o leite e o mel necessários a nutrir teu povo…
Era uma oração. Obviamente, eu não retiraria este trecho de meu conto. Por que o faria?
Mas voltemos ao post do Idelber. Vou ser um pouco imodesto ao dizer que a parte que mais me entusiasmou no post é aquela em que ele amplifica de forma mais inteligente coisas que este que vos escreve repete há anos:
1. Que a maior TOLICE é afirmar que os ateus, ao se organizarem, criam uma seita e, portanto, tornam-se tão religiosos quanto blá-blá-blá. Cada vez que ouço alguém sofismar desse modo — sempre com aquele ar professoral que os tolos são hábeis para fingir –, saio em procura de meu copo, do livro que estou lendo ou de alguém que me salve.
2. Que os cristãos não aceitam críticas, mas metem o nariz onde não são chamados, como, por exemplo, na homossexualidade e no útero das outras.
3. Que o fato de instituições religiosas não pagarem impostos é a maior sacanagem que há contra as instituições laicas como, por exemplo, o colégio de meus filhos. Há empresas que se tornaram as maiores em suas áreas pelo simples fato de não pagarem impostos. Tenho exemplos, mas a autocensura está me pegando forte depois da agressão que sofri (vocês sabem). É claro que há alguma benemerência aqui, ali e acolá — e que são importantes –, mas as vantagens empresariais herdadas de Cristo são o sonho de todo o neoliberal.
4. Que quem é ateu e declara tal “absurdo” não tem nenhuma chance política.
E (o Idelber não afirma o que escrevo a seguir):
5. Que respeitar a religião dos outros é aceitar uma opção íntima que, se for vendida, merece imediata reação da parte do ateu, que pode, sim, fazer proselitismo em sua defesa.
E vou trabalhar. E estou de péssimo humor.
(A citação acima foi retirada de um comentário de Maurício Santos, um dos 264 que o post do Idelber gerou).