E o talentoso e polêmico Caetano Veloso é mais novo septuagenário da música brasileira

Pesquisa da Folha confirma importância de Caetano | Divulgação

Publicado em 7 de agosto de 2012 no Sul21

A Folha de São Paulo realizou uma enquete com 70 jovens músicos, escritores, diretores de cinema e de teatro, atores de TV e artistas plásticos, todos com até 40 anos de idade. A amostragem não é a melhor possível, mas o resultado foi o esperado: Caetano Veloso — que completa 70 anos hoje — e Chico Buarque foram eleitos como os artistas vivos mais importantes da MPB. É curioso: esta dupla, que já dividiu discos, palcos e até programa de TV, não é nada homogênea. Se Chico é uma unanimidade, Caetano está longe disso; se Chico é musicalmente mais conservador, Caetano se reinventa a cada trabalho; se Chico é a continuidade da tradição do samba e da bossa nova, Caetano é o artista que adora novidades, que visita o rock e a música latino-americana; se Chico traça uma trajetória coerente e em linha reta em suas intervenções políticas, Caetano é tortuoso, sendo o costumeiro autor de infelizes intervenções na vida brasileira. Sim, o que deveria importar é o artista e sua produção, mas é impossível não lembrar das entrevistas de Caetano, nas quais Lula já foi um “analfabeto que não sabe falar e é cafona, grosseiro”. Também não podemos esquecer que Caetano e Gil fizeram uma Tropicália II que simplesmente excluiu todos os outros membros do movimento inicial. Gil tratou de ficar quieto, talvez envergonhado, porém o boquirroto Caê tentou justificar o fato, criando uma explosiva inimizade com Tom Zé, o qual costuma ofendê-lo com termos bastante chulos, além de desprezar publicamente os repetidos elogios de Caetano.

Divertindo-se com a turma da Tropicália | Divulgação

Caetano Veloso nasceu em 7 de agosto de 1942 em Santo Amaro, na Bahia. Foi o quinto dos oito filhos de José Teles Velloso, funcionário público dos Correios, e Claudionor Viana Teles Velloso, Dona Canô. Aos 17 anos, Caetano recebeu uma compreensível iluminação que o deixou fascinado pela arte musical: ouviu, num programa da Rádio Mayrink Veiga, a canção Chega de Saudade e tomou conhecimento do disco homônimo de 1959 de João Gilberto.

Desta forma, iniciou a carreira interpretando canções de bossa nova, sob a imensa sombra de João Gilberto. Depois, inseriu-se no estilo musical que ficou conhecido como MPB (Música Popular Brasileira). Porém, Caetano — uma figura magérrima que logo deixou crescer os caracóis de seus cabelos — foi o membro da MPB que mais esteve associado ao movimento hippie do final dos anos 60. Seu primeiro LP foi Domingo (1967), em parceria com Gal Costa. A sonoridade era totalmente bossa nova. O disco não vendeu muito, mas foi aclamado por artistas importantes, como Elis Regina, Wanda Sá e Dori Caymmi.

No segundo LP já tínhamos o Caetano que conhecemos. Caetano Veloso foi lançado em janeiro de 1968 e trouxe canções como Alegria alegriaNo dia em que vim-me embora, TropicáliaSoy loco por ti América e Superbacana. Alegria alegria fez escândalo no terceiro Festival de Música Popular Brasileira (TV Record, outubro de 1967), juntamente com Gilberto Gil, que interpretou Domingo no Parque, classificadas respectivamente em quarto e segundo lugar. Era o início do Tropicalismo, movimento considerado “alienado” pela esquerda da época por incluir guitarras elétricas.

Sua irreverência não era muito apreciada pelos militares | Divulgação

Em julho do mesmo ano, veio o fundamental álbum Tropicália ou Panis et Circensis. Trata-se de uma obra coletiva que apresentava  Os Mutantes, Torquato Neto, Rogério Duprat, Capinam, Nara Leão, Tom Zé, Gil e Gal. Ouvindo o disco hoje, fica claro que, apesar das canções serem basicamente de autoria de Gil e Caetano, a revolução localiza-se na presença de Rogério Duprat nos arranjos, assim como na habitual e abençoada loucura de Tom Zé.

A postura de Caetano e seu modo hippie tropical de vestir deixava nervosa a ditadura militar. Havia desconfiança sobre aqueles baianos meio estranhos, ainda mais que seu amigo Gilberto Gil tinha canções bastante contestadoras. Por esse motivo, várias canções da dupla foram censuradas. Em dezembro de 1968, Veloso e Gil foram presos, sob a acusação de terem desrespeitado o hino nacional e a bandeira brasileira. Foram levados para o quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio, onde tiveram suas cabeças raspadas, suprema humilhação, mas dentro da ideologia militar de “cabelos longos, ideias curtas”…

Foram soltos em fevereiro de 1969, numa quarta-feira de cinzas, e seguiram para Salvador, onde tiveram de se manter em regime de confinamento, sem aparecer nem dar declarações em público. Em julho de 1969, após dois shows de despedida no Teatro Castro Alves, Caetano e Gil partiram para o exílio na Inglaterra. Antes de partir, Caetano gravou as bases de voz e violão do próximo disco, Caetano Veloso, que foram mandadas para São Paulo, onde o maestro Rogério Duprat faria e gravaria os arranjos. No repertório, destaque para as canções Atrás do trio elétrico, Irene, Não identificado, Charles anjo 45 e Marinheiro só. Caetano apenas retornou definitivamente ao Brasil em janeiro de 1972.

Durante a ditadura militar, as intervenções de Caetano Veloso foram mais no sentido da defesa da contracultura, mais próximas dos acontecimentos do Maio de 1968, do que propriamente contra o regime militar. Mas bastava para incomodar muito. Os tropicalistas se preocupavam em ser de esquerda, não eram marxistas-leninistas, stalinistas, trotskistas ou maoístas. Porém, os militares achavam aquilo muito perigoso e não aprovavam sua irreverência. Na época da prisão dos dois cantores, em dezembro de 1968, os militares nada tinham de concreto contra eles, apenas a acusação de que tinham desrespeitado o Hino Nacional, cantando-o aos moldes do tropicalismo na boate Sucata. Juntou-se a isto a provocação de Caetano Veloso na antevéspera do natal de 1968, ao cantar “Noite Feliz” num programa de televisão apontando uma arma para a própria cabeça.

Chico Anísio como “Baiano” | Divulgação

A Globo, com Chico Anísio, tratava de ridicularizar e tornar palatável a turma baiana com o quadro humorístico Baiano e os Novos Caetanos, onde todos eram muito “desbundados”, adotando uma postura ultralight e levemente drogada em relação à vida.

Mas os militares tratavam de se envolver. Em 1973, Caetano Veloso teve a sua  canção Deus e o Diabo vetada pela censura. Era ofensiva às tradições religiosas. Em 1975, o álbum Joia trazia na sua capa Caetano Veloso, sua Dedé e o filho Moreno completamente nus, com algumas pombas cobrindo-lhes a genitália. Censurado, o álbum foi relançado com uma nova capa, onde ficaram apenas as pombas. Tudo isso tornou Caetano um adversário da ditadura militar, papel que ele cumpriu rigorosamente, fazendo oposição a seu modo, atacando a “moralidade” que os militares queriam preservar.

Antes de Joia, tivemos o extraordinário Transa (1972), que continha Mora na filosofia (de autoria da dupla Monsueto e Arnaldo Passos) e Triste Bahia, o qual iniciou uma trilogia marcada pelo experimentalismo. O segundo trabalho nesse caminho foi o polêmico Araçá Azul (1973), um disco até hoje difícil de ouvir, verdadeiro recorde de devoluções. Ele foi retirado de catálogo e relançado apenas em 1987.  O último disco da trilogia experimental foi o citado Joia (1975), lançado juntamente com Qualquer coisa, cuja capa era semelhante a do álbum Let it be, dos Beatles. O experimentalismo, a disposição para abraçar o novo, são qualidades que não podem ser retiradas de Caetano.

Caetano Veloso não tem realizado trabalhos com a qualidade que tinha no passado. Analisando seus discos, não selecionamos nenhum deste século. O último trabalho de nível superior de Caetano certamente foi Livro (1997) e, indo em direção ao passado, Circuladô (1991), Estrangeiro (1989), Uns (1983), Cinema Transcendental (1979), Muito (1978) e Bicho (1977), além dos citados anteriormente. Também digno de nota é Totalmente Demais (1986), trabalho ao vivo onde Caetano aparece com seu violão cantando canções de outros autores. É neste disco que ele aparece pela primeira vez como grande intérprete, fato que o tempo apenas acentuou.

Romário cunhou a célebre frase “Pelé calado é um poeta. Talvez seja um exagero aplicá-la de forma geral a Caetano Veloso, mas o compositor, cantor e escritor baiano tem efetivamente o costume de criar frases polêmicas que não apenas pisam o limite do mau gosto como muitas vezes o ultrapassam. O talentoso Caetano, um autêntico poeta quando escreve suas músicas e letras, costuma dar vazão a humor ou publicidade bastante duvidosas em suas entrevistas.

Em 2012, polêmica com Roberto Schwarz sobre Verdade Tropical| Divulgação

Um capítulo à parte é o livro Verdade Tropical (1997), onde relata de uma forma muito pessoal a história e lembranças do Tropicalismo, de sua infância, da prisão e do exílio. O livro é excelente, cheio de informações, mas gerou uma grande polêmica com o ensaísta Roberto Schwarz, que o criticou asperamente em Martinha Versus Lucrécia — Ensaios e Entrevistas (2012). Segundo Schwarz, “Verdade Tropical deve muito de seu interesse literário a certa desfaçatez camaleônica em que Caetano, o seu narrador, é mestre”.  O autor aponta em Caetano uma “autoindulgência desmedida, um confusionismo calculado e momentos de complacência com a ditadura, o qual está plasmado quando Caetano atenua os aspectos negativos ou críticos, dando realce ao encanto dos absurdos sociais brasileiros, tão nossos”.

Caetano e seus admiradores mostraram-se muito contrariados com as críticas de Schwarz ao livro.  Claro que Caetano respondeu a seu modo, atacando o esquerdismo de Schwarz em inacreditável livre-associação: ““Sempre me pergunto por que Roberto Schwarz ou Marilena Chauí nunca têm nada a dizer sobre o que se passa na Coreia do Norte. Por que Lula e Tarso Genro mandaram de volta, num avião venezuelano, os atletas cubanos que tinham pedido asilo político ao Brasil? Isso é admissível? Ninguém na esquerda reclama de nada disso”. Não se sabe o que tais afirmações têm a ver com o livro.

Porém, não obstante toda a polêmica que envolve o nome de Caetano, seu nome está presente no cerne do que foi a música brasileira dos anos 60 para cá. Tem o mérito indiscutível de ser um autor inquieto e corajoso, que dialoga com a vanguarda e com o brega. O autor de canções como Língua (do disco Velô), Sampa, Alegria alegria, Haiti, Terra, Muito Romântico, O Ciúme, Você é linda, etc. está acima até de sua admiração por Antônio Carlos Magalhães. Ah, se Caetano falasse menos…

Relatório Pessoal sobre a Flip 2005

Publicado em 13 de julho de 2005

Quando saímos de Porto Alegre, o termômetro que temos em frente de casa indicava 3 graus, mas quando chegamos a São Paulo estava quente e eu já suava. A Mônica, do Crônicas Mônica, e seu marido vieram nos buscar em Cumbica e fomos direto a Parati. Viagem boa, conversa fácil. Compramos os ingressos para as mesas que nos interessavam e finalizamos o primeiro dia indo ao show de Paulinho da Viola. Um espanto. Duas horas de clássicos e de algumas músicas novas. Nem deu para sentir o inimigo insidioso que preparava-se. Quando saímos do espetáculo, ele já estava armado: um inesperado frio de rachar. Mesmo querendo dar uma de gaúcho e desejando dizer que tantos agasalhos era frescura de cariocas, não havia como negar. Eu tremia e representava mal a coragem gaúcha para o frio.

Então, começamos a nos aquecer com a pinga de Parati. Para quem não está acostumado a beber álcool, aquilo tinha um efeito muito confortável. O frio passava e já não sabia se nossos amigos Mônica e Luiz eram realmente agradáveis e engraçados ou se era apenas mais um dos efeitos das Salinas, Nêgas Fulos, Coqueiros e Santa-Não-Sei-O-Quê que bebíamos. O resultado no outro dia? Nada. Nenhuma dor de cabeça, só uma vontade louca de dormir que nos fez perder as primeiras palestras da FLIP.

Conseguimos apenas assistir à mesa 3, às 15h do dia seguinte. Marina Colasanti, Vilma Arêas e Benedito Nunes falavam sobre Clarice. Apesar do enorme conhecimento de Vilma, foi médio. Ficou a impressão de que se ela estivesse sozinha, seria fantástico. Depois pulamos para a mesa de David Grossman e Michel Ondaatje, que foi monótona para quem não conhecia suas obras. Eles se referiam demasiadamente a questões judaicas bem conhecidas e Grossman parecia muito ressentido com o mundo, enquanto Ondaatje queria falar sobre poesia. Havia um chiado preocupante que parecia sair dos altos falantes. Uma falha técnica? Não! Era a chuva, que viera para acompanhar o frio. Fomos para o Restaurante do Fogo. Ali, eles flambam tudo com cachaça e é aquele fogaréu. Entramos molhados pela chuva fria e começamos a função tomando uma Gabriela, que é uma cachaça licorosa, com cravo e canela. Muito boa. A comida era excelente, apesar das porções resumidas. Resolvemos reforçar o estômago com uma sobremesa. Entramos num bar em que havia música esplêndida de jazz e bossa nova. Os caras eram ótimos mesmo. Não sei quem eram. Comemos e ficamos assistindo ao grupo acompanhados novamente daquele líquido, agora em versão incolor, apesar do apelido de “branquinha”. Ficamos com sono – eu e a Claudia – e fomos para o hotel. Perdi o grande momento em que a Mônica foi convidada a cantar desafinada, ops, Desafinado, Garota de Ipanema e todo o cerne do repertório jobiniano. Ela costuma cantar enquanto caminha, enquanto anda de carro, enquanto come, ela está sempre cantando. Tem uma voz grave, rouca e afinada. Cantava em sua mesa no bar e foi chamada ao palco. O problema é que seu marido começou a fazer gestos indicando que o couvert teria de ser dividido entre ele – agora travestido de empresário – e os músicos; desta forma, sua carreira foi abortada por uma dispensa entre risos. Perdi tudo isto! E, para completar, as fotos estão sob inflexível censura.

No dia seguinte, tornamo-nos intelectuais sérios. Assistimos à melhor palestra da FLIP: Beatriz Sarlo e Roberto Schwarz (Um Lugar para as Idéias). Deveria ter sido gravada. Foi uma inesquecível lição sobre Jorge Luis Borges, Machado de Assis, engajamento, compromisso intelectual e Juan José Saer.

Fomos almoçar no Bartolomeu, que tem boa comida e uma loira gostosa que olhava para mim e que provocou ciúmes não na Claudia, mas no Luiz, pois ele não fora aquinhoado com os mesmos olhares… Depois chegaram outras mulheres lindas – lindas mesmo – e ele dizia: tudo bem, me dá a pior e eu fico satisfeito! Eu e a Mônica ficamos boiando enquanto ele e a Claudia conversavam de forma minuciosa sobre comida. Antes de 2002, não conhecia pessoas assim. A Claudia estava encantada, porque o Luiz “pensava” a comida de forma semelhante a dela. Trocavam receitas e receitas, inventavam pratos, faziam variações mentais a respeito e elas pioravam ou melhoravam. Concordavam em tudo e reviravam os olhos de prazer, enquanto eu e a Mônica observávamos. E informo-lhes que estavam sempre sóbrios. (Descobri um fato que desconhecia. Esses chefs em potencial escolhem seus restaurantes pelo cheiro. É ele que determina se a comida oferecida é boa. Estou definitivamente fora desta especialidade. Sou um insensível.)

Deixamos minha loira e fomos para Orhan Pamuk (Mar de Histórias II: As Mil e uma Noites). A Flip tinha engrenado. O turco Pamuk é uma metralhadora informativa. Explicou-nos a imensa influência de Borges na divulgação das Mil e Uma Noites no mundo e a visão do oriente e do ocidente sobre o livro. Pamuk não esperava pelas perguntas, interrompia o entrevistador, sorria aparentemente sem motivo, mexia pernas e mãos para falar, era de tal forma agitado que era difícil manter a atenção em seu discurso. Depois de uma hora, a Claudia irritou-se e disse que não conseguia mais fixar sua atenção naquele maluco. Foi embora, enquanto eu jogava o corpo para a frente, tentando não perder nada do diferenciado conhecimento daquele homem que estava física e intelectualmente sobre aquela ponte de Istambul que é Àsia de um lado e Europa de outro e que tomava os dois mundos num só olhar. Outra grande palestra. À noite, assistimos a um recital es-pe-ta-cu-lar de Hamilton de Holanda. Garanto-lhes que o homem é um gênio e que nunca tinha visto alguém tocar bandolim daquela maneira.

O dia seguinte começou com a concorrida mesa de Arnaldo Jabor e do rapper MV Bill. Não a assisti, mas toda Parati estava lá. A mesa seguinte teve uma Parati desatenta e dispersa, mas foi do mesmo nível da de Schwarz e Sarlo. Chamava-se Zona de Conflito e foram entrevistados os correspondentes de guerra Jon Lee Anderson (Guerra do Iraque) e Pedro Rosa Mendes (Guerra de Angola). O educadíssmo americano Anderson cedeu grande parte de seu tempo para que o português falasse sobre uma guerra desconhecida e sobre o seu multi-premiado livro Baía dos Tigres, que descreve a guerra. Desculpem, não dá para resumir. Ouvimos um tremendo documento humano sobre uma população paupérima – e em grande parte mutilada pelas minas – subjugada por interesses de vários países, entre eles Portugal, Estados Unidos, Cuba e Brasil (Petrobrás e Odebrecht) e curvado por interesses tribais e de grupos armados como UNITA, MPLA, FNLA, FRELIMO, RENAMO, etc., etc. etc., além de por ditadores riquíssimos que dominam o cenário, o qual é literalmente tão minado e estropiado que criou uma cultura dantesca. Por exemplo, alguns angolanos cortam suas vacas a fim de tirar-lhe alguns bifes, depois, costuram alguns pontos e tratam de recuperá-la, pois não podem sobreviver sem ela. Assim, todos são mutilados. Lembrei do Holy Grail (do Monty Phyton), lembrei daquele guerreiro que quer lutar sem braços e pernas, mas aqui não tratava-se de comédia.

Saímos de lá e vimos a Sílvia Chueire. Estava acompanhada do escritor português Paulo José Miranda, que me presenteou com um livro de sua autoria onde a ficção entrelaça-se com metáforas sempre musicais. Li um pouco e parece tratar-se de algo muito bom. Recebeu alguns prêmios, mas esqueci-me deles. Desculpa, Paulo. Os dois foram encantadores e Paulo fez-nos dar risadas com suas histórias, além de revelar-se um exímio conhecedor de futebol.

** Atualização feita no mesmo dia, às 14h40. Nos comentários a este post, o Paulo explica: O prémio que esqueceste é o primeiro prémio José Saramago (que é extensivo a todos os países de língua portuguesa). Mas não tem problema, não! Problema mesmo é essa sua fixação pelo SLB (Benfica). Abraço, Paulo. **

À noite, chegou a vez de Salman Rushdie (O Equilibrista), que fez uma mesa muito alegre, inteligente e comovente. Fez a platéia emocionar-se – é um perfeito ator! – durante a leitura de um trecho de seu último livro em que refere-se a sua Caxemira natal, depois endureceu dizendo que só um idiota escreveria um simples livro pastoril de memórias sobre a Caxemira, que a literatura deve espelhar a realidade e que impôs-se a destruição daquela Caxemira, tal como o fizeram indianos e paquistaneses. Disse que chorava ao escrever a segunda parte do livro e perguntava-se a cada momento se valia a pena torturar-se daquela forma, mas concluíra que tinha de ir em frente. Naquela noite, não houve festa, pois a Claudia e a Mônica tombaram de cansaço.

No último dia, almoçamos num indiano ótimo (Ganges) que a Claudia descobrira pelo cheiro, é claro… Foi nossa melhor refeição, não foi, Luiz? Depois, assistimos à palestra O Sabor da Letras, de Anthony Bourdain, ex-chef do badalado restaurante “Les Halles”, de Nova York, e que escreve sobre gastronomia, além de trafegar na área da literatura policial. O cara, que é excelente escritor, já era conhecido do Luiz e, por sugestão deste, era a leitura da Claudia durante a FLIP. Ela engoliu as 400 páginas do livro Cozinha Confidencial em tempo recorde e chegou entusiasmada, como todos nós, para assistir à mesa. Mas a entrevistadora era uma débil mental. Acho que foi ela quem tornou o excelente Bourdain tão desbocado e desmotivado.

Tiagón perguntou-me ontem: o chef que a Claudia engoliu é o Bourdain? Essa era a mesa que eu mais queria assistir. Li Cozinha Confidencial umas dez vezes… Viram? O cara tem leitores realmente qualificados.

Foi uma boa Flip. De resto, houve as merecidas babações para Clarice, o contínuo frio estranho que impediu as escunas de saírem e que nos atirou para dentro dos restaurantes, bares e casas de espetáculos (todos os músicos bons estavam lá, incrível!) e… para a pinga salvadora. Ah, e houve o susto de Parati, pois a prefeitura de Ouro Preto quer desesperadamente sediar a próxima edição. Porém Liz Calder já disse: no way, ficamos em Parati. O evento é daqui. Alívio dos nativos.

Como no ano passado, retiramos-nos já com saudades e planejando a Flip 2006. Porém, é indiscutível que o fato principal da edição 2005, do ponto de vista pessoal, foi a presença da Mônica. Ela é a pessoa com quem tenho a relação mais curiosa da blogosfera. Em dois anos de amizade, tivemos duas enormes brigas. A primeira, causada por um comentário horrível e desajeitado que fiz em seu blog, durou uma semana; a segunda durou muito mais, houve um afastamento de uns quatro meses e conseguimos conversar somente após a providencial intervenção de sua irmã . Não éramos obrigados a reatar, não somos parentes e nem nos conhecíamos pessoalmente, mas os vínculos que a blogosfera e as palavras criam não podem ser chamados de fracos ou descartáveis. Já amiguinhos de novo, acertamos a viagem dos dois casais através do MSN e foi a decisão mais correta. Estas viagens são de alto risco; podem ser chatas pelo contato intensivo, pelo comportamento inesperado de alguém, pelas manias que se revelam, por coisas que não sabemos avaliar previamente, etc. Fazíamos juntos as refeições e o festerê, mas hospedamo-nos em hotéis separados. Quando a coisa parecia demais, ou seja, quando já estávamos muito tempo juntos, o casal Mônica e Luiz sumia como que por encanto (como eles adivinharam a hora certa?), a ponto de eu pensar se não tinha cometido nenhuma grosseria (quem não é um pouquinho paranóico?). Depois, nos reencontrávamos e a mágica se restabelecia. A Claudia e o Luiz são pessoas encantadoras e tranqüilas, e demonstraram perfeita disponibilidade para conhecerem-se e conviverem, com cachaça ou sem. Sempre houve um sincero interesse de uns pelos outros, rimos muito (o Luiz é um piadista nato) e tudo foi simples como conversar com velhos amigos num bar conhecido. Passamos a noite de domingo na belíssima casa deles em São Paulo e, ao saírmos de madrugada (3h45) para ir ao aeroporto, pisamos – eu, a Claudia e o taxista – em volumosos cocôs de cachorros que decoravam a calçada. Dizem que é sorte.

(Mais, melhor e a origem das fotos: aqui.)