Ospa em noite de formas clássicas e três heróis

Ospa em noite de formas clássicas e três heróis

A função da última terça-feira foi um concerto de formas clássicas, por assim dizer. Uma sinfonia de espírito vienense com dois Allegri cercando um Adagio e um Scherzo — substituto do minueto — e duas peças em três movimentos no esquema rápido-lento-rápido, mesmo que a obra de Piazzolla seja uma engembração bem feita. Cada uma das músicas teve seu herói.

A sinfonia de Bizet é melodiosa e trabalhosa. Inicia levada pelos violinos; depois, há um gentil adágio onde a oboísta Viktória Tatour — a primeira heroína da noite — , acompanhada pelas cordas em pizzicatto, deu um banho que acabou em fuga (calma, a oboísta não fugiu, tratava-se de um episódio fugatto); segue-se um scherzo bem fuleiro e tudo termina num vivace que quase mata os violinos. É uma sinfonia bonitinha, não passa disso. Mas também é uma obra longa e inadequada para iniciar um programa. Como fazer entrar os chatos dos retardatários? Bem, não é problema meu.

O concerto de Arthur Barbosa trouxe de volta a Porto Alegre o extraordinário trompetista Flávio Gabriel, que já foi da Ospa e hoje está na Osesp. Eu curti o concerto que estreava naquele dia, cheio de ostinati, humor e ritmos latino-americanos. O cearense Barbosa brindou os gaúchos com uma milonga no movimento central. Não sei se o concerto foi dedicado ao trompetista Gabriel, mas, olha, parecia, tal a facilidade com que este enfrentou — com seus três trompetes — as dificuldades do concerto. Parabéns aos envolvidos.

Já o terceiro herói da noite foi o spalla Omar Aguirre, que demonstrou inequivocamente que é platino o sangue que lhe corre nas veias. Seus solos nos tangos de Piazzolla transferiram a Reitoria da Ufrgs para algum canto de San Telmo ou Palermo, onde um casal trançava suas pernas. O mérito transfere-se para toda a orquestra em Fuga y misterio. A fuga é terrível em suas texturas contrapontísticas e o mistério trouxe Aguirre de volta tocando uma melodia melancólica.

Mas não adianta, todo mundo saiu da Ufrgs cantando a fuga. Foi um belo concerto.

Georges Bizet – Sinfonia em Dó Maior
Arthur Barbosa – Concerto latino-americano para trompete e orquestra (estreia mundial)
Astor Piazzolla – Seleção de tangos – “Decarisimo”, “Chiquilin de Bachin” e “Fuga y misterio”

Regente: Enrique Ricci
Solista: Flávio Gabriel (trompete)

Tudo certo com a fotografia, maestro Ricci! | Foto: Augusto Maurer
Tudo certo com a gente, maestro Ricci! | Foto: Augusto Maurer