100 anos do genocídio armênio, o massacre que “inspirou” Hitler

100 anos do genocídio armênio, o massacre que “inspirou” Hitler

Publicado em 18 de abril de 2015 no Sul21

A data de 24 de abril de 1915, o Domingo Vermelho, foi estabelecida como a de início do genocídio armênio, por ter sido o dia em que dezenas de lideranças armênias foram presas e deportadas em Istambul. Apesar da negativa quase centenária do governo turco em reconhecer o massacre, o fato está firmemente estabelecido como verdadeiro. Há evidências de um plano organizado do Império Otomano para eliminar sistematicamente os armênios. O evento serviu de “inspiração” para Hitler e os nazistas porem em prática o Holocausto judeu durante a Segunda Guerra Mundial. Em defesa do holocausto e de seu esquecimento futuro, Hitler afirmou: “Quem lembra do extermínio dos armênios?”. Cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos e outro tanto foi deportado.

Até hoje a Turquia rejeita o termo genocídio organizado e nega que as mortes tenham sido intencionais. Por outro lado, a França reconhece dois genocídios por lei: o dos judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, e o armênio. O texto prevê pena de prisão por um ano e multa de 45 mil euros para a negação pública de um genocídio reconhecido pela lei. Após a promulgação, em 2011, a Turquia suspendeu as visitas políticas e os acordos de cooperação militar com a França.

O Brasil não reconhece o genocídio armênio, ainda que a presidente Dilma Rousseff seja de origem búlgara. A Bulgária foi outro país que sofreu por séculos violências sob o domínio do Império Otomano. Na última segunda-feira (13), o papa Francisco defendeu a posição da Igreja de considerar genocídio os massacres de armênios há um século. A declaração irritou as autoridades turcas, que classificaram de insultuosas as palavras do pontífice e retiraram seu embaixador no Vaticano.

Três dias depois, foi a vez do Parlamento Europeu deixar furioso o governo turco.  Os eurodeputados exigiram que a Turquia “reconhecesse o genocídio armênio, abrindo caminho para a verdadeira reconciliação entre os povos turco e armênio.” O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, respondeu que o apelo europeu lhe “entrou por um ouvido e saiu pelo outro”.

armenian-genocide

Os antecedentes históricos

Desde o século XV, os armênios estavam sob o domínio otomano. Quando a ideia de independência amadureceu, o império reagiu matando 20 mil armênios no episódio conhecido como o Massacre de Adana (1909), nome de uma província otomana. Foi uma série de pogroms (atos de violência em massa, premeditada ou espontânea) anti-armênios em todo o distrito, protagonizados pelas forças imperiais. Além disso, durante a Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano recrutou soldados para a guerra. Muitas minorias étnicas eram contra o recrutamento, inclusive os armênios. Com isso, em 24 de abril de 1915, o governo turco reuniu 250 líderes da comunidade armênia, alguns foram deportados, outros, executados. Depois de privar os armênios de suas principais lideranças, começou a deportação e o massacre dos armênios.

Justificando o ato de 24 de abril de 1915 , o ministro do interior, Mehmed Talat Bey, alegou que os comitês armênios “há muito tempo perseguem autonomia administrativa e este desejo é exibido uma vez mais, em termos inequívocos, com a inclusão dos armênios russos que assumiram uma posição contra nós”. A Primeira Guerra Mundial estava acontecendo e o texto dizia que “os armênios estão em conluio com o inimigo. Eles vão lançar um levante em Istambul”.

Os métodos

No extermínio foram utilizados a incineração coletiva,

O tenente Hasan Maruf, do exército otomano, descreve como os habitantes de uma aldeia foram reunidos e depois queimados: “prisioneiros turcos que tinham presenciado algumas dessas cenas ficaram horrorizados e enlouquecidos com a lembrança desta visão. Russos afirmaram que, vários dias depois, o odor da carne humana queimada ainda impregnava o ar. As populações civis foram fechadas em igrejas e queimadas, reduzidas a cinzas” .

afogamentos,

O cônsul italiano de Trebizonda, em 1915, Giacomo Gorrini, escreveu: “Vi milhares de mulheres e crianças inocentes colocadas em barcos que foram emborcados no Mar Negro. Outros, foram jogados amarrados no Eufrates”.

agentes químicos e biológicos,

O psiquiatra Robert Jay Lifton, ao descrever os crimes dos médicos nazistas: “talvez os médicos turcos, em sua participação no genocídio contra os armênios, foram os que mais se aproximaram dos nazistas disto, como comprovarei a seguir”.

como overdose de morfina, gás tóxico e inoculação de tifo, além de enfocamentos, deportações em massa e as chamadas Marchas da Morte.

Abril de 1915: armênios escoltados por soldados turcos marchando em direção à Síria.
Abril de 1915: armênios escoltados por soldados turcos marchando em direção à Síria.

As Marchas da Morte

Parte da população armênia foi levada para a cidade síria de Deir ez-Zor e para o deserto ao redor. O governo otomano não forneceu quaisquer instalações ou suprimentos para sustentar os armênios durante a sua deportação, nem quando eles chegaram. Privados de seus pertences e marchando para o deserto, centenas de milhares de armênios morreram. O general Friedrich von Kressenstein observou que “A política turca de causar a fome é uma prova muito óbvia de que a Turquia está decidida a destruir os armênios”.

Um registro fotográfico especialmente chocante é o de um oficial turco mostrando um pão para crianças armênias famintas.

Oficial turco exibindo um pão, para provocar crianças armênias famintas (1915)
Oficial turco exibindo um pão, para provocar crianças armênias famintas (1915)

Acredita-se que 25 grandes campos de extermínio existiram, sob o comando do ministro Mehmed Talat. A maioria deles situavam-se perto das atuais fronteiras da Turquia, Síria e Iraque.

Um fato que torna ainda mais absurda a negação dos turcos em admitirem o genocídio é o julgamento ocorrido em janeiro de 1919. Nele, o tribunal militar fala claramente sobre o “desejo” do Comitê de União e Progresso de eliminar os armênios fisicamente, através da chamada organização especial.

“Levando em consideração os crimes acima mencionados, o tribunal marcial declara, por unanimidade, a culpabilidade, como principais autores destes crimes os fugitivos: Mehmed Talat. (…) A Corte Marcial pronuncia, a Lei a pena de morte contra Talat, Enver, Cemal e Dr. Nazim”.

Porém, em uma sessão da Assembléia Nacional, realizada em 17 de outubro de 1920, Hasan Fehmi Bey, deputado de Bursa, talvez tenha dado o pontapé inicial para a negação:

“A questão da deportação foi um evento que fez o mundo protestar e fez todos nós sermos considerados assassinos. Nós sabíamos, antes de termos feito isso, que o mundo cristão não toleraria isso e que iria dirigir sua fúria contra nós. Por que imputar o título de assassina a nossa raça? Por que entramos numa luta decisiva e tão difícil? Ora, isso foi feito apenas para garantir o futuro de nosso país que nós conhecemos como mais precioso e sagrado do que nossas vidas”.

Cerca de 1,5 milhão de armênios foram mortos durante o genocídio. Dentre eles, vários morreram assassinados por tropas turcas, em campos de concentração, queimados, enforcados e jogados amarrados ao Rio Eufrates, mas a maior parte dos armênios morreu por inanição, ou seja, falta de água e alimento. Dois milhões de armênios instalaram-se em outros países, na chamada Diáspora Armênia. O número de armênios no Brasil, conforme estimativas, chega a 25 mil, sendo em sua maioria em São Paulo.

armenios enforcados

As perdas culturais

A destruição do patrimônio cultural, religioso, histórico e comunitário armênio também foi um objetivo do genocídio e da campanha de negação pós-genocídio. Igrejas armênias e mosteiros foram destruídos ou transformados em mesquitas. Cemitérios armênios foram destruídos, e, em várias cidades, bairros armênios foram demolidos.

Além das mortes, os armênios perderam suas propriedade e bens, sem compensações. Empresas e fazendas foram perdidas e todas as escolas, igrejas, hospitais, orfanatos, conventos e cemitérios tornaram-se propriedade do Estado turco. Em janeiro de 1916, o Ministro Otomano do Comércio e Agricultura emitiu um decreto ordenando a todas as instituições financeiras que operavam dentro das fronteiras do império a entregar dos ativos armênios ao governo. Os ativos foram canalizados para os bancos europeus, incluindo Deutsche Bank e Dresdner Bank. Após o fim da Primeira Guerra Mundial, os sobreviventes do genocídio tentaram retornar e recuperar seus antigos lares e bens, mas foram expulsos pelo governo de Ancara.

Em 1914, o patriarca Armênio de Constantinopla apresentou uma lista dos locais sagrados armênios sob sua supervisão. A lista continha 2.549 lugares religiosos, dos quais 200 eram mosteiros e 1.600 igrejas. Em 1974, a Unesco declarou que, após 1923, de 913 monumentos históricos armênios na Turquia oriental, 464 desapareceram completamente, 252 estão em ruínas, e 197 necessitam restauração.

Pamik: problemas em casa
Pamik: problemas em casa

Pamuk, um exemplo

O romancista Orhan Pamuk é o primeiro e único cidadão turco a receber um Prêmio Nobel. Recebeu o de Literatura em 2006. Pamuk foi processado em dezembro de 2004 por “insultar e debilitar a identidade turca” (artigo 301 do código penal) em uma entrevista a um periódico suíço na qual disse a seguinte frase: “Na Turquia mataram um milhão de armênios e 30 mil curdos; ninguém fala nisso e me odeiam por fazê-lo”. A primeira sentença era uma condicional de seis meses, durante os quais devia abster-se de cometer quaisquer outros delitos do gênero para manter sua liberdade. Ele reafirmou suas palavras em outubro de 2005.

É claro que a posição de Pamuk sobre a questão armênia na Turquia tornou-o um personagem polêmico em sua terra natal. Enquanto alguns poucos admiraram-no, a maioria considerou-o um traidor. Houve uma campanha de ódio desencadeada contra o escritor e Pamuk deixou o país por algum tempo. Alguns meios de comunicação turcos escreveram que ele teria usado a pretensa perseguição como pretexto para ganhar dinheiro dando palestras na Universidade de Columbia, nos EUA.

Erdogan: entrou por um ouvido, saiu pelo outro.
Erdogan: entrou por um ouvido, saiu pelo outro.

A Turquia

Este ano, o estado turco marcou as comemorações da batalha de Galípoli para o dia 24 de abril — mesmo ela tendo começado em 25 de abril –, numa nova tentativa de encobrir o genocídio armênio. Na Batalha, forças britânicas, francesas, australianas e neozelandesas desembarcaram em Galípoli, numa tentativa de invasão da Turquia. Foram rechaçados no início do ano seguinte.

O curioso é que os dirigentes turcos, ao negarem o genocídio, parecem confirmá-lo: “Não deixaremos a nossa nação ser insultada por causa da sua história”, disse o primeiro-ministro turco, Ahmet Davutoglu. Faz cem anos que a negação deste crime se situa no coração da política e da diplomacia do Estado turco. Há cem anos que tal negação alimenta o nacionalismo, os conflitos étnicos e impede o desenvolvimento da liberdade de expressão na Turquia.

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E tudo acabou em pizza: Galileu e seu julgamento pela Inquisição

E tudo acabou em pizza: Galileu e seu julgamento pela Inquisição
Este confronto entre ciência e religião ocorreu em uma sala do convento dominicano de Santa Maria sopra Minerva, em Roma. A Inquisição queria a retratação de Galileu para que o modelo heliocêntrico voltasse a ser uma simples suposição de fundo matemático.
Este confronto entre ciência e religião ocorreu em uma sala do convento dominicano de Santa Maria sopra Minerva, em Roma. A Inquisição queria a retratação de Galileu para que o modelo heliocêntrico voltasse a ser uma simples suposição de fundo matemático.

Publicado no Sul21 em 12 de abril de 2015.

Em 12 de abril de 1633, o cientista Galileu Galilei (1564-1642) foi julgado pelo Santo Ofício, a Inquisição romana, para dar explicações a respeito de um livro que havia publicado um ano antes, Diálogo sobre os dois principais sistemas do mundo, no qual ele defendia, de forma moderada e bem-humorada, o modelo heliocêntrico proposto por Copérnico, no qual a Terra e os planetas giravam em torno do sol. A publicação era um longo diálogo entre três personagens: Salviati (que defendia o heliocentrismo), Simplício (que defendia o geocentrismo e era um pouco tolo) e Sagredo (que não tinha opinião formada e que termina por concordar com Salviati). Para bom entendedor, o livro ridicularizava o geocentrismo, que colocava a Terra no centro fixo o universo, baseado na física aristotélica e, acima de tudo, no modelo ptolomaico que melhor se encaixava às Escrituras.

Em 1616, o cardeal Belarmino, inquisidor do Santo Ofício, o mesmo que havia realizado o julgamento do filósofo Giordano Bruno, que acabou queimado vivo na fogueira, havia advertido Galileu que defender as idéias de Copérnico e questionar a representação tradicional do mundo era perigoso. Após longo processo — para os padrões da época –, em 22 de junho, Galileu foi forçado a ficar de joelhos para pronunciar a abjuração de sua doutrina diante da comissão de inquisidores, sob as ordens do Papa Urbano VIII, que era seu amigo. O cientista tinha 69 anos.

Este confronto entre ciência e religião ocorreu em uma sala do convento dominicano de Santa Maria sopra Minerva, em Roma. A Inquisição queria a retratação de Galileu para que o modelo heliocêntrico voltasse a ser uma simples suposição de fundo matemático. Obviamente, mesmo durante a dourada prisão domiciliar a que foi condenado, Galileu permaneceu fiel a suas ideias. Ele veio a falecer em 1642, ano do nascimento de Isaac Newton.

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Detalhes

Décadas antes, o cônego da Igreja Católica, jurista, médico e astrônimo Nicolau Copérnico (1473-1543) já tinha desenvolvido a Teoria Heliocêntrica do Sistema Solar. A Teoria colocava o sol como o centro do sistema, contrariando a então vigente Teoria Geocêntrica. A teoria de Copérnico é considerada uma das mais importantes hipóteses científicas de todos os tempos, tendo constituído o ponto de partida da astronomia moderna. O heliocentrismo era aceito pela Igreja, mas apenas como uma hipótese.

O papa Urbano VIII — cujo pontificado durou de 1623 até 1644 — não aceitou o pedido de Galileu de revogar um decreto de 1616, emitido pelo Vaticano, contra o heliocentrismo. Foi neste contexto que Galileu escreveu Dialogo sopra i due massimi sistemi del mondo completado em 1630 e publicado em 1632, onde voltou a defender o sistema heliocêntrico.

Amigo de Galileu, craque do jogo político e homem de posições arejadas, Urbano VIII tinha-lhe sugerido escrever um livro em que os dois pontos de vista, o hélio e o geocentrismo, fossem defendidos em igualdade de condições. Estaria assim aberta a possibilidade de levar o heliocentrismo adiante, auxiliando abordagens teológicas mais, digamos, modernas.

Em 1630, com a obra terminada, Galileu viajou a Roma para apresentá-la pessoalmente ao Papa. Este fez uma leitura brevíssima e entregou-a aos censores do Vaticano para avaliar se estava ou não de acordo com o decreto de 1616. Só que os censores não entendiam nada de astronomia e o livro foi publicado sem alterações em 1632. No ano seguinte, Galileu foi declarado suspeito de heresia.

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Assim, no dia 12 de abril de 1633, foi iniciado o processo da Inquisição contra Galileu Galilei. Ele não era um prisioneiro comum. Em vez de ocupar uma cela, ficou na hospedaria do palácio do Santo Ofício, uma deferência especialíssima para com um acusado. Também, durante o processo, o comportamento do Papa foi desconcertante: em vez de deixar o inquérito seguir seu curso normal junto ao Santo Ofício, chamou para si a instrução, ocultou as denúncias, traindo o desejo de livrar o autor de algo grave, como o ocorrido com Giordano Bruno.

Galileu vivia numa época em que a Igreja Católica endurecia sua vigilância sobre a doutrina para fazer frente às derrotas que sofria para o protestantismo. Galileu foi condenado a abjurar publicamente as suas ideias e à prisão por tempo indefinido. Seus livros foram incluídos no Index, censurados e proibidos, mas seguiram publicados nos Países Baixos, onde o protestantismo tinha já substituído o catolicismo, o que havia tornado a região livre da censura do Santo Ofício. Aliás, Galileu havia escolhido precisamente a Holanda para executar uma experiência com um telescópio que anteriormente construíra.

Reza a lenda que, ao sair do tribunal, após a condenação, ele teria dito a frase célebre: “Eppur si muove!”, ou seja, “Todavia, ela se move”, referindo-se à Terra. Com o auxílio papal, Galileu obteve comutar a pena para prisão domiciliar, primeiro no palácio do embaixador do Grão-duque da Toscana em Roma, depois na casa do arcebispo de Siena e mais tarde na sua própria casa de campo em Arcetri, chamada de “A joia”.

Há muitos equívocos quanto à morte de Galileu, pois não foi ele o cientista queimado vivo por sua concepção astronômica, mas Giordano Bruno (1548-1600) que havia sido condenado à morte por heresia nos tribunais da Inquisição ao defender ideias semelhantes. Galileu Galilei morreu cercado de alunos e de sua filha Maria Celeste. Foi enterrado na Basílica de Santa Cruz em Florença, onde também estão Maquiavel e Michelangelo.

Galileo Galilei04A oposição ao heliocentrismo e sua aceitação

Lutero julgava que as ideias de Copérnico eram ideias de um louco, coisas que tornavam confusa a astronomia. Em 1662, a Faculdade de Teologia protestante da Universidade de Estrasburgo afirmou que o heliocentrismo estava em contradição com as Sagradas Escrituras. Em 1679, a Faculdade de Teologia protestante de Upsala (Suécia) condenou Nils Celsius por ter defendido o sistema de Copérnico. Ainda no século XVIII, a oposição luterana contra o sistema de Copérnico era forte: em 1744, o pastor Kohlreiff, de Ratzeburg, pregava energicamente que a teoria do heliocentrismo era uma abominável invenção do diabo.

No decorrer dos séculos, a Igreja Católica reviu as suas posições no confronto com Galileu. Houve nova distensão na interpretação das Sagradas Escrituras. Em 1846 — mais de duzentos anos depois — , foram retiradas todas as obras que apoiavam o sistema de Copérnico do Index Librorum Prohibitorum. E, depois de mais de trezentos anos de sua condenação, foi iniciada a revisão do processo contra Galileu. Sua absolvição foi decidida apenas em 1983.

No ano 2000, o Papa João Paulo II emitiu finalmente um pedido formal de desculpas por todos os erros cometidos pela Igreja Católica nos últimos 2000 anos, incluindo o julgamento de Galileu Galilei pela Inquisição.

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O dia em que o mundo não acabou

Publicado em 22 de dezembro de 2012 no Sul21

Imagem do filme Melancolia (2011), de Lars von Trier

Esta matéria foi escrita na tarde de 21 de dezembro e programada para ser publicada na madrugada do dia 22. Evidentemente, quando foi escrita, o mundo ainda existia e, se você a está lendo neste momento, temos outra evidência de que o mundo, mais uma vez, não acabou e que você pode preparar-se com tranquilidade para as festividades natalinas. Este é o motivo de nosso título altamente confiante.

A sigla Nasa significa National Aeronautics and Space Administration. Ignoramos como os EUA obtêm administrar o espaço sideral, mas estivemos de olho em seus informes. Estes garantiam que nada estava sendo ocultado e que nenhum fenômeno celeste rondava nosso planeta. O tal Niburi, planeta quatro vezes maior que a Terra e que estaria em rota de colisão conosco — em exata analogia com o filme Melancolia, de Lars von Trier — , nem passou perto. Se o Niburi viesse de encontro à Terra, seria uma catástrofe muito maior do que aquela que teve como resultado a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. Na época, um asteroide de 10 a 15 km de diâmetro caiu sobre a atual península de Yucatán, no México. Don Yeomans, cientista do Laboratório de Propulsão de Jatos da Nasa, acrescenta que, se o Nibiru estivesse chegando, ele seria visível, muito visível, mesmo a olho nu, como o foi no filme de von Trier.

O Sol se extinguirá, mas só daqui a 5 bilhões de anos

Nada visível foi outra ameaça prevista e que também foi afastada pela Nasa: a de uma grande tempestade solar. Segundo a Nasa, a previsão do tempo no Sol é a seguinte para os próximos meses: as tempestades solares se acentuarão e seu máximo deverá ser no mês de maio. Mas, garante Yeomans, trata-se de ciclos normais. A cada 11 anos, o sol passa por uma fase chamada de “máxima solar”. Durante esta fase ou qualquer outra, a Terra é muito pouco afetada. Diz a Nasa que um “apagão solar” está previsto apenas para daqui a 5 bilhões de anos, quando Sol se tornará um gigante vermelho. Antes disso, o calor galopante provocará a evaporação dos oceanos e o desaparecimento de nossa atmosfera. Depois, o astro-rei se resfriará até a extinção. Então, em nota tranquilizadora emitida dias antes do suposto fim do mundo, a Nasa negou também o fim do Sol, ao menos nos próximos dias.

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Buscando contato com o travesseiro de Dilma Rousseff

No dia 8, Dilma Rousseff brindou-nos com um belo discurso no Dia Internacional da Mulher. Foi um discurso feminista e interessante sob todos os aspectos. E, falemos sério, era autêntico. Hoje ela está em Roma a fim de depositar seu ósculo na mão do novo Papa. Acho lamentável que ela se submeta a um Papa tão conservador e que já deu sinais bastante antifeministas, mas o travesseiro de Dilma deve ter-lhe dito coisas terríveis nos últimos dias… Há um grande eleitorado que se diz católico, Dilminha… O Papa é populista e será pop… Ele fala em opção pelos pobres, tu também… É um hermanito e, indo lá, tu fazes alguns pontos com eles… A mídia virá de graça até no Jornal Nacional — que vai te dar 4 preciosos segundos…

Maldito travesseiro! Resultado, ela foi, está lá, já beijou e tirou as tais fotografias.

Chico, Dilma e, de vermelho, o bonitão de Bento XVI | Foto: Roberto Stuckert Filho

Hoje, a Agência Brasil diz que, antes de falar com o Bergoglio, ela elogiou a iniciativa do papa de dar atenção aos pobres. “É claro que o mundo pede hoje, além disso [da preocupação com os pobres], que as pessoas sejam compreendidas e que as opções diferenciadas das pessoas sejam respeitadas”, acrescentou. Será que ela vai dizer isto a ele? Se disser, sobe no meu conceito. Mas nem teve tempo, claro, foi um encontro em pé, rapidinho, ao lado do padre-sexy Georg Gänswein. Só espero que ela não diga que, dã, “Nunca um papa tinha me beijado”, como disse Cristina Kirchner tentando embarcar na onda do papa pop. (Me deu um enjoo agora, sei lá).

Porque a Dilma morre de medo da migração dos votos dos religiosos, dos evangélicos e também da grande imprensa — financiada pelo governo para bater no governo. Tanto que 70% da verba federal para a publicidade vai para os dez maiores veículos de informação, justamente os mais conservadores e direitistas, que consideram satanistas quem olha os indicadores e aprova o governo do ex-presidente Lula e o da atual presidente.

Mas acordei mal humorado. Sei que desde sempre a política foi e seguirá sendo algo tortuoso e não devo esperar que um governante siga meu ideário sem fazer pit stops em prostíbulos. OK, Dilma, beije a mão do homem, mas, já que estás na Europa, dê uma olhada nos jornais. Alô, travesseiro da Dilma?, aconselhe-a a dar uma olhada na mídia. Aí, do ladinho, existem opções à direita e à esquerda. Os canhotos também recebem publicidade pública (e privada) que lhes permitem manter uma boa qualidade, competindo com os PIGs deles. Pergunta aí na Itália, Dilma, como vai la stampa suini. Verás que ela não é tão hegemônica quanto é aqui. Pergunta se a Miei cari amici daí demitiu seus jornalistas, pergunta!

E mais não digo porque o trabalho me aguarda.

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Desbatizamento com a finalidade de ter o nome retirado dos anais (ui!) do Vaticano

Uma ajudinha para quem quiser fazer isso. É perfeitamente válido. Conheço alguns que fizeram. O requerimento, datado, deve ser endereçado ao padre atual da paróquia.

~o~

CARTA DE DESBATIZADO

Senhor Padre.

Tendo sido batizado na Igreja ……………………………………………… será do meu agrado possuir no registro de batismos relacionado ao meu nome a seguinte menção: Renunciou a seu batismo por carta datada de ………………………..

De fato, minhas convicções filosóficas não correspondem àquelas das pessoas que, de boa fé, acharam que deviam me batizar.

Será assim a perfeita expressão da verdade, evitando a inverdade que poderia fazer crer, vendo meu nome nestes registros, que faço parte da comunidade católica.

Assim, meus escrúpulos e os seus serão preservados, e vossos registros livres de qualquer ambiguidade.

Note que, legalmente, a igreja não pode recusar um requerimento de desbatismo, porque seria possível recurso legal contra, não importa que seita.

Aguardando vossa confirmação escrita, vos peço que aceite a expressão de meus distintos sentimentos.

Data: … /…/…

________________________________
assinatura

Ops... Escapou.
Nossa Senhora!

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Vaticano dispensa Carla Bruni por ter posado nua

Apesar das greves e dos problemas internos que tem enfrentado (e que causa), o presidente da França, Nicolas Sarkozy, é invejado. Imaginem que é casado com Carla Bruni, a baranga que você vê abaixo. Na semana passada, ele foi ao Vaticano para uma visita daquelas de boa vizinhança para com quem é o pastor de tantas almas. A finalidade seria a de conversar a respeito da grave questão dos ciganos na França, porém, antes da visita, recebeu um recado. Este dizia que Carla Bruni “não seria bem-vinda no Vaticano”.

O papa estaria preocupado com a fama excessiva de Bruni, acrescida do fato de ela já ter posado nua… Tá bom.

Mas Jesus Cristo não defendeu a prostituta Maria Madalena de um apedrejamento? E ela não teria se tornado sua discípula? Por que a ex-modelo Bruni não poderia privar com o papito? Afinal, ela é hoje a primeira dama da França. Quanta hipocrisia. Não sei como algumas pessoas ainda suportam a religião católica.

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Para não dizerem que não cantei as maravilhas do Vaticano…

Clique aqui e gire, suba, desça, aproxime, etc.

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Petição «Cidadãos pela Laicidade»

Senhor Presidente da República Portuguesa,

Nós, cidadãs e cidadãos da República Portuguesa, motivados pelos valores da liberdade, da igualdade, da justiça e da laicidade, manifestamos, através da presente carta, o nosso veemente protesto contra as condições – oficialmente anunciadas – de que se revestirá a viagem a Portugal de Joseph Ratzinger, Papa da Igreja Católica.

Embora reconhecendo que o Estado português mantém relações diplomáticas com o Vaticano e que a religião católica é a mais expressiva entre a população nacional, não podemos deixar de sublinhar que ao receber Joseph Ratzinger com honras de chefe de Estado ao mesmo tempo que como dirigente religioso, o Presidente da República Portuguesa fomenta a confusão entre a legítima existência de uma comunidade religiosa organizada, e o discutível reconhecimento oficial a essa confissão religiosa de prerrogativas estatais, confusão que é por princípio contrária à laicidade.

Importa ter presente que o Vaticano é um regime teocrático arcaico que visa a defesa, propaganda e extensão dos privilégios temporais de uma religião, e que não reúne, de resto, os requisitos habituais de população própria e território para ser reconhecido como um Estado, e que a Santa Sé, governo da Igreja Católica e do «Estado» do Vaticano, não ratificou a Declaração Universal dos Direitos do Homem – não podendo portanto ser um membro de pleno direito da ONU – e não aceita nem a jurisdição do Tribunal Penal Internacional nem do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antes utilizando o seu estatuto de Observador Permanente na ONU para alinhar, frequentemente, ao lado de ditaduras e regimes fundamentalistas.

Desejamos deixar claro que, se em Portugal há católicos dos quais uma fracção, mais ou menos importante, se regozijará com a visita de Joseph Ratzinger, há também católicos e não católicos para quem o carácter oficial da visita papal, o seu financiamento público e a tolerância de ponto concedida pelo Governo, são agressões perpetradas contra os princípios de laicidade do poder político que a própria Constituição da República Portuguesa institui.

Esta infracção da laicidade a que estão constitucionalmente vinculadas as autoridades republicanas torna-se ainda mais gritante e deletéria quando consideramos que se celebra este ano o Centenário da Implantação da República, de cujo legado faz parte o princípio de clara separação entre Estado e Igreja, contra o qual atentará qualquer confusão entre homenagens a um chefe de Estado e participação oficial dos titulares de órgãos de soberania em cerimoniais religiosos.

Declaramos também o nosso repúdio pelas posições veiculadas pelo Papa em matéria de liberdade de consciência, igualdade entre homens e mulheres, autodeterminação sexual de adultos, e outras matérias políticas.

Porque nos contamos entre esses cidadãos que entendem que a laicidade da política é condição fundamental das liberdades e direitos democráticos em cuja defesa e extensão estão apostados, aqui deixamos o nosso protesto e declaramos a Vossa Excelência o nosso propósito de o mantermos e alargarmos através de todos os meios de expressão e acção ao nosso alcance enquanto cidadãos activos da República Portuguesa.



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Papa Bento XVI em marca de preservativos?

Segundo o ministério britânico dos Negócios Estrangeiros, o Papa devia lançar sua própria marca de preservativos, abençoar o casamento homossexual e ordenar mulheres católicas. Estas são as sugestões que aparecem quando faltam poucos meses para a visita de Ratzinger ao Reino Unido — ele não impõe sua presença no país desde 1982.

Lançadas numa reunião para preparar “uma visita ideal” de Bento XVI ao país em setembro, as ideias constam num memorando, mas nunca deviam ter vindo a público. Fuga de informação: foram publicadas nas páginas do “Sunday Telegraph”. Resultado: o “Foreign Office” teve de apresentar desculpas ao Vaticano.

“Trata-se de um documento estúpido, que não representa em nenhum caso a posição do Ministério das Relações Externas, nem do governo britânico”, assegurou um porta-voz do ministério. O Ministro dos Negócios Estrangeiros David Miliband, afirmou estar “horrorizado” e o embaixador britânico no Vaticano, Francis Campbell, reuniu-se com vários funcionários da Santa Sé para transmitir os arrependimentos de Londres.

Pô, eu achei ótimas as sugestões!

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Enquanto isso, no Vaticano

Alguns…

… agem profilaticamente.

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Dia Internacional da Mulher: "Máquina de lavar fez mais pela mulher do que a pílula", diz Vaticano

No ano passado, em pleno Dia Internacional da Mulher, o Vaticano fez publicar em seu jornal um artigo de extrema sensibilidade, pois parte da indiscutível posição de que a mulher é quem deve lavar a roupa… Como achei o artigo cômico em seu preconceito, guardei-o por um ano entre meus “Favoritos”. Ele está copiado abaixo.

Por outro lado, a data de hoje serve para celebrar os avanços sociais, econômicos e políticos alcançados pelas mulheres. Escrevo isso e penso na empregada aqui de casa: casou-se aos 12 anos com um homem de 27, teve uma filha aos 14. Dias atrás, aos 23, tentava se separar mas era ameaçada, física e materialmente, pelo marido. Tratamos de aconselhá-la — advogados, delegacia da mulher, justiça gratuita, tudo — , enquanto ela seguia sendo perseguida pelo sujeito, e contava horrores. O advogado da Defensoria Pública disse que chamaria não apenas o cônjuge como seus pais e o mundo, pois como é que fora autorizado um casamento aos 12 anos? Resultado: ficou assustada, demitiu-se aqui de casa e voltou para o marido. Sim, ainda há um longo caminho a ser percorrido.

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O jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, publicou artigo neste fim de semana no qual afirma que a máquina de lavar talvez tenha feito mais pela liberação da mulher no século 20 do que a pílula anticoncepcional ou o acesso ao mercado de trabalho. A declaração faz parte de um artigo em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

O artigo é intitulado “A Máquina de lavar e a liberação das mulheres –ponha detergente, feche a tampa e relaxe”.

“O que no século 20 fez mais para liberar as mulheres ocidentais?”, questiona o artigo, escrito por uma mulher. “O debate é acalorado. Alguns dizem que a pílula, alguns dizem que o direito ao aborto, e alguns [dizem que] o direito a trabalhar fora de casa. Alguns, porém, ousam ir além: a máquina de lavar.”

O texto então conta a história da máquina de lavar, desde um modelo rudimentar de 1767 na Alemanha, até os modernos equipamentos com os quais a mulher pode tomar um capuccino com as amigas enquanto a roupa é lavada.

O artigo cita as palavras da feminista americana Betty Friedan, que, em 1963, descreveu “o momento sublime de poder trocar a roupa de cama duas vezes por semana em vez de uma só”.

Segundo o texto, embora os primeiros modelos fossem caros e pouco confiáveis, a tecnologia evoluiu a tal ponto que há agora “a imagem da super mulher, sorrindo, maquiada e radiante entre os equipamentos de sua casa”.

Da Reuters, Cidade do Vaticano.

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Relato de uma Viagem à Itália (II)

Pegamos o vôo para Roma pela Ibéria, já acostumados ao mau tratamento e aos atrasos da empresa. Chegamos às 22h ao aeroporto de Fiumicino e o amigo da Claudia, Mario De Cristoforo, já estava nos esperando. Ele me perguntou se eu já conhecia Roma e, ouvindo minha resposta negativa, propôs a seu colega Pedro, que dirigia o carro, um rápido tour pela cidade. Senti-me protagonizando a cena final de Roma de Fellini, na qual um grupo de motociclistas percorrem alucinadamente a cidade, passando — e não poderia ser diferente, porque a cidade é um museu a céu aberto — por vários de seus monumentos históricos. Vimos o Altar de Pátria, o qual foi descrito por Pedro como um horror criado por Mussolini (verdade); paramos em frente ao Coliseu, muito bonito e fantasmagórico à noite; e vi ruínas, ruínas, ruínas por todo o lado, as quais vão sendo sistematicamente cuidadas, recolhidas e remontadas. Percorrendo Roma de carro, à noite, certamente estava despejando ohs! e ahs! para todo o lado, nem que fosse em silêncio.

Ficamos insuficientes 4 dias na cidade. A chuva, aquela que costuma me acompanhar e que desta vez até transformou-se em neve, esteve sempre presente em Roma, mas não nos impediu de passar todo o tempo fora de casa. Penso que o ponto alto foram as caminhadas pelas ruelas da cidade histórica, com o ambiente barulhento e desorganizado em torno de nós e as surpresas que aconteciam a cada virada de esquina. Deixando de lado o mapa, tínhamos a possibilidade de ver uma Piazza Navona, uma Fontana di Trevi, o bairro judeu, uma pequena piazza ou apenas mais uma rua ao fazermos uma curva. Se tivesse que eleger o que mais gostei em Roma, ficaria com suas ruas, depois com o Pantheon, a Fontana di Trevi, a Piazza Navona, a Piazza di Spagna ligada à Scalinata della Trinità dei Monti, o Caffè Greco, os estupendos Musei Vaticani, a estranha imensidão do Circo Massimo com seus atletas de fim de semana e o mercadão dominical de Porta Portese. Também adorei as pequenas igrejas da Via del Corso, os notáveis afrescos de Santa Maria del Popolo na Piazza del Popolo e mais vinte outras que esqueci os nomes.

As decepções foram a Catedral de São Pedro, uma ostentação medonha que parece existir mais com a intenção de oprimir os pobres seres humanos com o poder da igreja do que ser um local de devoção e fé. Sinceramente, a Catedral do Papa pareceu-me destinada a arrancar exclamações de turistas deslumbrados. A mim, causou um pouco de medo e fantasias rápidas de inquisição. Também fiquei desiludido ao ver a chocha expressividade perfeita da Pietà – esperava algo com a intensidade da clássica cena de Bergman em Gritos e Sussurros e vi apenas algo impecável, perdido na riqueza da Catedral. E voltando ao Altar da Pátria (Altare della Patria)… aquilo é um trambolho imenso, heróico e mussoliniano a estragar a paisagem, só tornando-se interessante de longe, quando não se vê seus detalhes.

Comemos sempre muito bem. Se íamos fazer economia nas pizzeria al taglio, o resultado era maravilhoso; se íamos gastar numa gelateria das piazze, experimentávamos o melhor dos sorvetes; se estávamos congelando e entrávamos num caffè ou numa cioccolateria, tínhamos vontade de passar lá o resto da tarde, lendo, bebendo e conversando. É natural que a comida italiana seja melhor na Itália, não? As pizza al taglio deles – que ficam atrás de vitrines acompanhadas de atendentes apressadas e simpáticas, sempre querendo nos cortar pedaços muito maiores do que o solicitado — poderiam ser servidas, com vantagem, nas melhores pizzarias brasileiras. Uma questão de qualidade dos ingredientes, explicava-me a Claudia.

Gastamos muito e bem em Roma. Há coisa barata e boa fora do circuito Helena Rubinstein; deveríamos ter viajado com a mala vazia para enchê-la com roupas de inverno na Itália. Os eletrônicos de pequeno porte também são acessíveis. Comprei um Walkman com CD, MP3, etc. por 39 euros. Tinha I-Pods a partir de 50 euros. Por que o mesmo Walkman custa R$ 300,00 no Brasil? Já os CDs são caros, principalmente para alguém financeiramente contido como eu, mas há honestos balcões de ofertas que me fizeram comprar uns 20 de primeira linha, sem cometer suicídio financeiro. Os livros também são muito acessíveis. O que é caro é a comida, as lojas para turistas e a hospedagem.

Depois destes 4 dias de caminhadas malucas, fomos para Verona de carro, com o casal Marisa Machado e Mario De Cristoforo, amigos da Claudia, como já disse. Mas isso fica para um próximo post. Finalizo Roma com fotos.

Escultura de Arnaldo Pomodoro na parte interna dos Museus do Vaticano, adornada pelo brinco da Claudia (lado direito da foto).

Os museus do Vaticano têm um acervo artístico interminável, seja em obras sacras, seja em profanas, afrescos, etc. De quebra, ainda temos a insuperável Cappella Sistina e os aposentos de Rafael, etc. Compreensivelmente, as fotografias são proibidas, mas não aqui, neste corredor bloqueado.

Caffè Greco: local onde pobres mortais podem alimentar-se acomodados em salas antes frequentadas por gentalha como Goethe e Byron.

O Coliseu: o cartão postal é uma ruína mais bonita por fora do que por dentro. A Arena de Verona, apesar de menor, é mais interessante.

Mesmo sem Anita Ekberg e com um frio do cão, a Fontana di Trevi é belíssima.

Do outro lado, o Imperador; deste lado, o povo; no meio, corridas de bigas e outras competições. Hoje, apenas atletas de fim de semana com seus abrigos e Nikes.

A escadaria da Trinità dei Monti com a Piazza di Spagna lá embaixo. Procurei em vão a janela utilizada por Bertolucci em Assédio. Acho que foi montagem…

Chamem a Inquisição! Perdoem-me, mas penso que a Pietà montada por Bergman em Gritos e Sussurros era tão intensa que olhei para aquela coisa toda perfeitinha  e achei sem nenhuma alma… Esperava muito mais. Pietà por Pietà, fico com esta, muito mais humana.

Não pensem que vou só ficar falando mal de Michelangelo por aí… Vale o torcicolo ficar admirando esta pequena parte do teto da Cappella Sistina. Melhor sentar ao fundo da Cappella para olhar. Mesmo assim, saí com o pescoço duro. A Sistina é o ponto alto dos Musei Vaticani e, mesmo que estejamos acompanhados por centenas de turistas, observá-la é uma experiência inteiramente individual que nos leva aos céus e nos traz de volta várias vezes. É Bach em pintura.

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O Novo Papa – A Opinião do L`Osservatore Ateo

Eu publiquei o texto abaixo em meu ex-blog. Era o dia 7 de abril de 2005 e o mundo só falava na complicada eleição do novo Papa. Foi uma época insuportável, só se falava em santidades, mudanças, etc. Não sei por quê, fui atacado por um bando de católicos furiosos que reclamavam que… Bem, melhor reproduzir parte do mais tranquilo comentário da época, feito por um sujeito habitualmente fascista:

Caro Milton, o que me tem fascinado ultimamente é a enorme preocupação dos não-católicos com o que se passa na Igreja Católica. Infelizmente o que acontece é que o Vaticano é considerado simplesmente como uma super-estrutura política, o que é, mas sem levar em conta a sua dimensão espiritual e moral, quando é essa dimensão lhe dá a relevância única que ela tem no mundo crente e não-crente. Se lhe interessar o que filosoficamente penso do assunto, passe no meu blogue…

E lá no “blogue” dele o que havia era uma louvação sem fim ao Wojtila. Ele devia saber, pois veio o Ratzinger e tudo seguiu exatamente igual. Mas achei divertido reler sobre as esperanças de mudanças que até os católicos tinham na época. Tolinhos… Foram mais de 100 comentários, a metade me ofendendo. Hoje, passados 4 anos e fora do período de campanha eleitoral às claras, não vejo nada de extraordinário no post.

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Há algo estranho em minha conformação cerebral que impede a instalação de noções como Deus, milagres, religiões, etc. Porém, reconheço a importância que tais fés têm para a humanidade e sei ser impossível um mundo formado por pessoas sem Deus, apesar de pensar que é assim que sempre estivemos. É com este espírito cético (louco para tirar em sarro) e respeitoso (sabendo que, infelizmente a religião é inerradicável) que escrevo o post abaixo.

Minha formação religiosa é inexistente. Nunca frequentei igrejas, nunca me senti tentado a recorrer a algo superior quando as coisas foram mal ou bem, não li a Bíblia e não conheço nem aqueles movimentos que devemos fazer com a mão direita quando entramos numa igreja. Minha proximidade com o Espírito Santo limitou-se aos torneios de pingue-pongue que jogava, ainda criança, na Igreja Metodista Central de Porto Alegre.

Para mim, é desconfortável ver e ouvir a mídia nestes dias. Além da nauseante super-oferta de Vaticano, penso que a ignorância dos comentaristas esteja muito próxima à minha. As descrições incompletas dos rituais que cercam a morte do Papa e a futura eleição causam-me frouxos de riso. A simbologia parece impermeável a eles e os abandonaria se não soubesse da importância política que tem a escolha do chefe da Igreja Católica.

Ouço e leio todas as notícias que me passam por perto e não posso evitar mal estar e irritação com as longas digressões acerca da santidade de Wojtyla. Quando começam tais delírios, desligo o rádio ou mudo de artigo. Os vaticanólogos reais, os entendidos nestas questões políticas, dão-me clara impressão de que João Paulo II teve um prelado mais longo do que desejaria o Colégio de Cardeais. Ele era o Papa que deveria empurrar pela linha de fundo o comunismo polonês e, se possível, fazer o mesmo com os vizinhos. Ajudou a fazer o serviço, mas viveu demais. Neste ínterim, revelou-se um marqueteiro de primeira e um conservador que impediu avanços que estavam maduros até mesmo em seu meio. Dizem os especialistas que a maioria dos Cardeais desejariam finalmente “dar continuidade aos milimétricos passos em direção ao mundo” – expressão minha – e que, para tanto, seria melhor haver papados de aproximadamente dez anos, ao invés de um super-papado conservador de 26. Além disto, dizem eles que a tendência histórica é da alternâcia entre papas conservadores e “liberais”.

Se estes caras têm razão, o novo Papa será um septuagenário bom de conversa e que saiba jogar no ataque. Não seria eleito novamente um volante brucutu de 58 anos. Mais: seria alguém que, finalmente, daria os tais passinhos em perseguição ao mundo. Abro o jornal e leio Dom Claudio Hummes, arcebispo de São Paulo, dizer vagamente: “O próximo Papa será diferente”. Esperamos que sim, Dom Claudio.

Os passinhos seriam (1) a permissão para os padres casarem. Cá para nós, isto é uma maldade prima-irmã da autoflagelação. A igreja está atrasadíssima na liberação destes seres humanos para que eles possam ter prazer sexual, filhos e — grandes problemas — futuras viúvas, pensões e herdeiros que não sejam a oniparente Santa Madre. Na mesma linha está (2) a liberação da pílula para as mulheres e (3) dos preservativos para os homens. Somos os únicos seres vivos que mantêm relações sexuais por puro prazer — por que é tão difícil reconhecer isto? — e sabemos quão positivo para um casal é ter uma vida sexual saudável e prazerosa. A igreja poderia dar uma forcinha a seus fiéis, não? Outro item necessário seria a eliminação de um machismo que nem os CTGs (Centros de Tradições Gaúchas) mantêm mais, ou seja, (4) o da exclusão feminina nos postos de importância do clero. Hoje, se não há uma impossibilidade de direito, é factualmente impossível a ascensão de uma Papisa. Não é um absurdo?

Aborto, eutanásia e tudo aquilo que acompanha o progresso científico (pesquisas com células-tronco, etc.) ficariam para depois. Calma, a atualização far-se-á passo a passo, bem devagarinho.

Espero que um dia, provavelmente quando este blogueiro já estiver morto, a igreja torne-se a verdadeira reserva moral da humanidade. Neste dia, ela aceitará que muçulmanos, judeus, budistas e gente como eu (ético até a medula quando não se trata de roubar livros, não-cristão, bom e mansinho) mereçam viver tranquilamente no Céu, talvez em local privé, convivendo com um monte de ateus e cristãos legais.

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