Uma semana, um texto: Como esses estúpidos selvagens chegaram a dominar Washington, de George Monbiot

O melhor que li na Internet esta semana foi o texto que transcrevo abaixo, encontrado no RS Urgente.

Como esses estúpidos selvagens chegaram a dominar Washington

Por George Monbiot.

Como se permitiu que se chegasse a esse ponto? Como a política nos EUA chegou a ser dominada por pessoas que fizeram da ignorância uma virtude? Foi a caridade que permitiu que um parente mais próximo do homem chegasse a gastar dois mandatos como presidente? Como foi possível que Sarah Palin, Dan Quayle e outros estúpidos do gênero chegassem aonde chegaram? Como foi possível que os comícios republicanos em 2008 fossem tomados por gritarias ignorantes insistindo que Barack Obama era um muçulmano e terrorista?

Como muitos deste lado do Atlântico, eu fui por muitos anos encantado com a política americana. Os EUA têm as melhores universidades do mundo e atrai as mentes mais brilhantes. Domina descobertas na ciência e na medicina. Sua riqueza e seu poder dependem da aplicação do conhecimento. Ainda assim, de maneira única dentre as muitas nações desenvolvidas (com a exceção possível da Austrália), o conhecimento é uma desvantagem política grave nos EUA.

Houve exceções ao longo do século passado – Franklin Roosevelt, JF Kennedy e Bill Clinton temperaram seu intelectualismo com um toque de senso comum e sobreviveram -, mas Adlai Stevenson, Al Gore e John Kerry foram respectivamente fulminados por seus oponentes por serem membros de uma elite cerebral (como se isso não fosse uma qualificação para a presidência). Talvez o momento decisivo no colapso da política inteligente tenha sido a resposta de Ronald Reagan a Jimmy Carter, no debate presidencial de 1980. Carter – tropeçando um pouco, usando longas palavras – cuidadosamente enumera os benefícios do sistema nacional de saúde. Reagan sorri e diz: “Lá vem você de novo”. Seu próprio programa de saúde teria apavorado muitos americanos, caso tivesse sido explicado tão cuidadosamente como o fez Carter, mas ele tinha encontrado a fórmula para se prevenir de questões políticas sérias ao fazer com que seus oponentes parecessem intelectuais “engomados” que não mereciam confiança.

Não foi sempre assim. Os pais fundadores da República – Benjamin Franklin, Thomas Jefferson, James Madison, John Adams, Alexander Hamilton e outros – estavam entre os maiores pensadores de sua época. Eles não sentiam necessidade de tornar isso um segredo. Como o projeto por eles construído degenerou-se em George W. Bush e Sarah Palin?

Num ponto isso é fácil de responder. Políticos ignorantes são eleitos por povos ignorantes. A educação norte-americana, assim como seu sistema de saúde, é notória por seus fracassos. Na nação mais poderosa do planeta, um em cada cinco adultos acredita que o sol gira em torno da terra; só 26% aceitam que a evolução ocorre por seleção natural; dois terços dos jovens adultos são incapazes de encontrar o Iraque num mapa, dois terços dos votantes norte-americanos não são capazes de nomear três organizações governamentais; a competência matemática dos adolescentes de 15 anos nos Estados Unidos está em vigésimo quarto dos vinte e nove países da OECD.

Mas isso só aumenta o mistério: como tantos cidadãos norte-americanos tornaram-se tão estúpidos, e desconfiados da inteligência? Até onde li, o livro de Susan Jacoby, The Age of America Unreason [algo como A Era da des-Razão Americana], fornece uma explicação completa. Ela mostra que a degradação da política norte-americana resulta de uma série de tragédias interligadas.

Um tema é muito familiar e claro: religião – particularmente religião fundamentalista – torna você estúpido. Os EUA é o único país rico em que o fundamentalismo cristão é vasto e crescente.

Jacoby mostra que já houve uma certa lógica nesse anti-racionalismo. Durante as algumas décadas após a publicação de A Origem das Espécies, por exemplo, os americanos tinham boas razões para rejeitar a teoria da seleção natural e para tratar os intelectuais públicos com suspeita. Desde o começo, a teoria de Darwin foi misturada, nos EUA, com a filosofia brutal – agora conhecida como darwinismo social – do escritor britânico Herbert Spencer. A doutrina de Spencer, promovida na imprensa popular com o financiamento de Andrew Carnegie, John D. Rockefeller e Thomas Edison, sugeria que os milionários estavam no topo da escala estabelecida pela evolução. Ao impedir os desajustados de serem eliminados, a intervenção governamental enfraquecia a nação. A maioria das desigualdades econômicas eram tanto justificáveis como necessárias.

O darwinismo, em outras palavras, tornou-se indistinguível da forma mais bestial do laissez-faire econômico. Muitos cristãos responderam a isso com náusea. É profundamente irônico que a doutrina rejeitada um século atrás por proeminentes fundamentalistas como William Jennings Bryan seja agora determinante para o pensamento da direita cristã. Fundamentalistas modernos rejeitam a ciência darwinista da evolução e aceitam a pseudociência do darwinismo social.

Mas há outras razões, mais poderosas, que explicam o isolamento intelectual dos fundamentalistas. Os EUA são peculiares ao delegarem o controle da educação a autoridades locais. Ensinar nos estados do sul era ser dominado por uma elite aristocrática e ignorante de donos de terras, e um grande abismo educacional foi aberto. “No sul”, escreve Jacoby, “só o que pode ser descrito é que um bloqueio intelectual foi imposto para manter do lado de fora idéias que pudessem ameaçar a ordem social”.

A Convenção Batista do Sul, agora a maior congregação religiosa dos EUA, era para a escravidão e a segregação o que a Igreja Reformada Holandesa (Dutch Reformed Church) era para o apartheid na África do Sul. Ela fez mais do que qualquer força política para manter o sul estúpido. Nos anos 60 tentou disseminar a desagregação estabelecendo um sistema privado de escolas e universidades cristãs. Hoje, um estudante pode ir do jardim da infância até o mais alto grau de estudos sem qualquer exposição ao ensino secular. As crenças batistas do sul também passam imunes ao sistema de escola pública. Uma enquete feita por pesquisadores na Universidade do Texas em 1998 revelou que um em cada quatro professores de biologia das escolas do estado acreditavam que humanos e dinossauros viveram na Terra ao mesmo tempo.

Essa tragédia vem sendo assistida pela fetichização americana da auto-educação. Apesar de seu lamento por sua falta de educação formal, a carreira de Abraham Lincoln é repetidamente citada como evidência de que a boa educação fornecida pelo estado não é necessária: tudo de que se precisa para ter sucesso é determinação e individualismo vigoroso. Isso pode ter servido bem para as pessoas quando os genuínos movimentos de auto-educação, como o que se construiu em torno dos Little Blue Books na primeira metade do século XX estiveram em voga. Na era do info-entreternimento (1), esse tipo de coisa é receita para a confusão.

Além da religião fundamentalista, talvez a razão mais potente para o combate dos intelectuais na eleição seja que o intelectualismo tem sido equiparado à subversão. O breve flerte de alguns pensadores com o comunismo há muito tempo atrás tem sido usado para criar uma impressão na mente do público de que todos os intelectuais são comunistas. Quase todo dia homens como Rush Limbaugh e Bill O’Reilly vociferam contra as “elites liberais” que estão destruindo a América.

O espectro das grandes cabeças alienígenas subversivas foi crucial para a eleição de Reagan e de Bush. Uma elite intelectual genuína – como os neocons (alguns deles ex-comunistas) em torno de Bush – deu o tom dos conflitos políticos como uma batalha entre americanos comuns e bem sucedidos e super-educados pinkos (2). Qualquer tentativa de desafiar as idéias da elite intelectual da direita tem sido atacada, com sucesso, como sendo elitismo.

Obama tem muito a oferecer aos EUA, mas nada disso vai parar se ele vencer. Até que os grandes problemas do sistema educacional sejam revertidos ou que o fundamentalismo religioso perca sua força, haverá oportunidade política para que gente como Bush e Palin ostentem sua ignorância.

Publicado originalmente no Guardian, em 28 de outubro de 2008

O artigo também está publicado na página de George Monbiot.

(1) Neologismo usado pelo autor (infotainment), que resulta da junção das palavras informação com entreternimento. N.deT.

(2) Pinko é um termo pejorativo criado pela direita norte-americana para designar intelectuais supostamente comunistas ou simpáticos ao comunismo que, contudo, não são militantes partidários. A palavra pinko deriva do nome da cor rosa, em inglês – pink -, que resulta da mistura do vermelho com o branco. Pinko seria uma forma light de comunismo, assumida supostamente por aqueles “intelectuais” que não pretendem ser associados diretamente ao comunismo. Termo aparece pela primeira vez, segundo a Wikipédia, em 1926, no semanário Time. N.deT.

Tradução: Katarina Peixoto

5 comments / Add your comment below

  1. Milton,

    uma pena só ter lido hoje! Tenho um blog ( Blog Viciado) onde posto a Melhor postagem da semana, aos Domingos! e esta teria sido com certeza o meu post!
    Vou leva-lo para o Drops…

    Forte abraço, e boas leituras

  2. Milton,
    Voltemos à vendedora. Tenho um fraco por vendedores que sabem vender. São, geralmete, pessoas que gostam de gente. Não só conseguiu que você levasse o livro para casa, como eriquece-se ela própria com a leitura. Se tivesse uma livraria queria tê-la trabalhando comigo.
    Grande abraço

  3. A inflação, a melhor dieta para emagrecer

    Como definir a utopia?

    È um sonho, uma idéia, uma situação que jamais poderá ser realizada.

    Segundo Eduardo Galeano, a utopia é como o horizonte, caminhamos dez passos para ele e ele separa-se os mesmos dez passos, nunca poderá ser alcançado.

    Muita gente saiu da extrema pobreza e passou a comer melhor, mas muita gente ainda continua lá, ouvindo o barulho de seu próprio estômago.

    Velhos ditados populares estão desaparecendo, lembra daquele: “compre a preço de banana”, inexplicável, pois a banana continua a crescer no mato e vale o dobro.

    Tem muita gente preocupada com o futebol, com a bolsa de valores de São Paulo, com a alça do petróleo, tem muito político preocupado com suas próprias ferias, e o governo esta oferecendo as potências estrangeiras nosso biocombustível, a produção de nossas terras, provocando uma bolha gigantesca nos preços dos grãos, mas provocando algo muito pior, o desmatamento pela cobiça, o lucro de poucos.

    Essa disparada dos preços dos grãos puxo tudo para cima, o milho, a soja, o arroz, o feijão, também os preços da carne e o frango, pois a ração e feita de grãos, quem paga as conseqüências é o povo, os pobres.

    A publicidade da ANP fala que o biodiesel favorece a agricultura familiar, eu ate concordo que favorece, mas o 95% dos grãos para fabricar azeite e depois biodiesel é dos grandes produtores de soja, as grandes companhias, esses mesmos que estão de olho na amazônia, as grandes companhias que produziam grãos para alimentos agora desviam toda sua produção para fabricar combustíveis, estão enchendo seus cofres, o preço da soja triplicou, juntam grana com baldes.

    Os grandes plantadores de soja estão pouco preocupados com o meio ambiente, a preocupação deles é a grana, eles estão arrasando a terra fértil do Brasil com soja transgênica e os agro tóxicos, como o Glifosato que envenena a terra.

    A globalização dá com uma mão e com a outra quita, antes éramos seres humanos, hoje somos recursos humanos, formamos parte de uma grande maquina de produzir, quem não produz fica de fora, as grandes empresas nos ensinam a competir, assim, seu vizinho deixa de ser um amigo e passa a ser um concorrente, um inimigo, parece que vivemos numa selva, sobrevive o mais forte.

    A especulação é mais importante que o trabalho, antes a gente ganhava dinheiro com suor e sacrifício, hoje na Bolsa de Valores se ganha sem trabalhar, “Investimentos” é a chave do sucesso, tem muito abutre por ai fisgando otários, no meu bairro mora o senhor Mori, um japonês aposentado, foi enganado, com a promessa de aumentar sua poupança, comprou ações da TansBrasil, perdeu, um aviso aos “investidores”.

    Quem mas sofre é a gente da periferia, os pobres, a gente do interior que chega nas grandes cidades com as malas cheias de sonhos, e o estômago vazio.

    Este governo, favorecido pelas maravilhosas condições do comercio no mundo, tem feito muito para levar comida aos mais pobres, ninguém pode negar esse fato, porém continuamos a ser um pais em desenvolvimento, com graves problemas de saúde, de saneamento básico, de educação, de moradia, de alimentação e muita violência.

    A fome é uma tragédia, podemos ver essa tragédia no rosto das crianças de rua, não é necessário ir ao nordeste, aqui mesmo, no centro de São Paulo, a cidade mais rica do Brasil, podemos ver crianças sem rumo e com fome, descontando a frustração na violência e nas drogas, verdadeiros estagiários do crime.

    As fábricas de veículos superaram os 3.600.000 unidades num ano, ninguém percebeque as ruas são um tapete de carros, as máquinas prevalecem ao ser humano, a cada dia aumentam o tamanho das ruas e diminui as calçadas, o pedestre esta ferrado.

    Os pobres estão sendo encurralados nas favelas, verdadeiros “ghetos” nazistas, ruas e estradas privatizadas, o pedágio esta deixando os humildes sem saída, o triste é que a Constituição do Brasil garante a livre circulação, é uma terrível contradição.

    Ainda temos de ouvir o discurso dos políticos, que as obras foram feitas por eles, uma grande mentira, quem faz a obra é quem paga, do centro de São Paulo a Araraquara, 290 km., 7 pedágios, 36 reais, parece uma piada pois gasta 36 reais de combustível.

    A “bendita globalização”, os donos das estradas privatizadas, são na maioria empresas estrangeiras, que levam os lucros fora do pais, com a permissão de nossos políticos de turno, 40 % da Petrobras pertence a estrangeiros, 40 % da SABESP pertence ao Fundo de Pensão dos Bombeiros de Nova Iorque.

    Temos de abrir os olhos, tudo o que brilha, não é ouro, concorda?

    Como modelos de passarela, os pobres continuaram magros, contra sua vontade.

    Prof. Francisco Emilio Coutinho Goux

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