Michel Moore em 27 de julho: 5 motivos pelos quais Donald Trump será o próximo presidente dos Estados Unidos

Michel Moore em 27 de julho: 5 motivos pelos quais Donald Trump será o próximo presidente dos Estados Unidos

trump

Amigo:

Sinto muito por ser o portador de más notícias, mas fui direto com vocês no ano passado quando disse que Donald Trump seria o candidato republicano à Presidência. E agora trago notícias ainda mais terríveis e deprimentes: Donald J. Trump vai ganhar a eleição de novembro.

Esse palhaço desprezível, ignorante e perigoso, esse sociopata será o próximo presidente dos Estados Unidos. Presidente Trump. Pode começar a treinar, porque você vai dizer essas palavras pelos próximos quatro anos: “Presidente Trump”. Nunca na minha vida quis estar tão errado como agora.

Vejo o que você está fazendo agora. Está sacudindo a cabeça loucamente – “Não, Mike, isso não vai acontecer!”. Infelizmente, você está vivendo numa bolha anexa a uma câmara de eco, onde você e seus amigos vivem convencidos de que o povo americano não vai eleger um idiota como presidente.

Você alterna entre o choque e a risada por causa dos últimos comentários malucos que ele fez, ou então por causa do narcisismo vergonhoso de Trump em relação a tudo, afinal de contas tudo tem a ver com ele. E aí você ouve Hillary e enxerga a primeira mulher presidente, respeitada pelo mundo, inteligente, preocupada com as crianças, alguém que vai continuar o legado de Obama porque isso é obviamente o que o povo americano quer! Sim! Outros quatro anos disso!

Você tem de sair dessa bolha imediatamente. Precisa parar de viver em negação e encarar a verdade que sabe que é muito, muito real. Tentar se acalmar com fatos – “77% do eleitorado é composto por mulheres, negros, jovens adultos de menos de 35 anos; Trump não tem como ganhar a maioria dos votos de nenhum desses grupos!” – ou com a lógica – “as pessoas não vão votar num bufão, ou contra seus próprios interesses!” – é a maneira que seu cérebro encontra para te proteger do trauma. Como quando você ouve um estampido na rua e pensa “foi um pneu que estourou” ou “quem está soltando fogos?”, porque não quer pensar que acabou de ouvir alguém sendo baleado. É a mesma razão pela qual todas as primeiras notícias e relatos de testemunhas sobre o 11 de setembro diziam que “um avião pequeno se chocou acidentalmente contra o World Trade Center”.

Queremos – precisamos – esperar pelo melhor porque, honestamente, a vida já é uma merda, e é difícil sobreviver mês a mês. Não temos como aguentar mais notícias ruins. Então nosso estado mental entra no automático quando alguma coisa assustadora está realmente acontecendo. As primeiras pessoas atingidas pelo caminhão em Nice passaram seus últimos momentos na Terra acenando para o motorista; elas acreditavam que ele tinha simplesmente perdido o controle e subido na calçada. “Cuidado!”, elas gritaram. “Tem gente na calçada!”

Bem, pessoal, não se trata de um acidente. Está acontecendo. E, se você acredita que Hillary Clinton vai derrotar Trump com fatos e inteligência e lógica, obviamente passou batido pelo último ano e pelas primárias, em que 16 candidatos republicanos tentaram de tudo, mas nada foi capaz de parar essa força irresistível. Hoje, do jeito que as coisas estão, acho que vai acontecer – e, para lidar com isso, primeiro preciso que você aceite a realidade e depois talvez, só talvez, a gente encontre uma saída para essa encrenca.

Não me entenda mal. Tenho grandes esperanças em relação ao meu país. As coisas estão melhores. A esquerda ganhou a guerra cultural. Gays e lésbicas podem se casar. A maioria dos americanos têm uma posição liberal em relação a quase todas as questões: salários iguais para as mulheres; aborto legalizado; leis mais duras em defesa do meio ambiente; mais controle de armas; legalização da maconha. Uma enorme mudança aconteceu – basta perguntar ao socialista que ganhou as primárias em 22 Estados. E não tenho dúvidas de que, se as pessoas pudessem votar do sofá de casa pelo Xbox ou Playstation, Hillary ganharia de lavada.

Mas as coisas não funcionam assim nos Estados Unidos. As pessoas têm de sair de casa e pegar fila para votar. E, se moram em bairros pobres, negros ou hispânicos, não só enfrentam filas maiores como têm de superar todo tipo de obstáculo para votar. Então, na maioria das eleições é difícil conseguir que pelo menos metade dos eleitores compareça às urnas.

E aí está o problema de novembro — quem vai ter os eleitores mais motivados e mais inspirados? Você sabe a resposta. Quem é o candidato com os apoiadores mais ferozes? Cujos fãs vão estar na rua das 5h até a hora do fechamento da última urna, garantindo que todo Tom, Dick e Harry (e Bob e Joe e Billy Joe e Billy Bob Joe) tenham votado? Isso mesmo. Este é o perigo que estamos correndo. E não se iluda. Não importa quantos anúncios de TV Hillary fizer, quão melhor ela se portar nos debates, quantos votos os libertários roubarem de Trump — nada disso vai ser capaz de detê-lo.

Você precisa parar de viver em negação e encarar a verdade que sabe que é muito, muito real. Eis as 5 razões pelas quais Trump vai ganhar:

1. A matemática do Meio-Oeste, ou bem-vindo ao Brexit do Cinturão Industrial. Acredito que Trump vá concentrar muito da sua atenção em quatro Estados tradicionalmente democratas do cinturão industrial dos Grandes Lagos — Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin. Estes quatro Estados elegeram governadores republicano desde 2010 (só a Pensilvânia finalmente elegeu um democrata). Nas primárias de Michigan, em março, mais eleitores votaram nos republicanos (1,32 milhão) que nos democratas (1,19 milhão). Trump está na frente de Hillary nas últimas pesquisas na Pensilvânia e empatado com ela em Ohio. Empatado? Como a disputa pode estar tão apertada depois de tudo o que Trump tem dito? Bem, talvez porque ele tenha dito (corretamente) que o apoio de Clinton ao Nafta (acordo de livre comércio da América do Norte) ajudou a destruir os Estados industriais do Meio-Oeste.

Trump vai bater em Clinton neste tema, e também no tema da Parceria Trans-Pacífica (TPP) e outras políticas comerciais que ferraram as populações desses quatro Estados. Quando Trump falou à sombra de uma fábrica da Ford durante as primárias de Michigan, ele ameaçou a empresa: se eles realmente fossem adiante com o plano de fechar aquela fábrica e mandá-la para o México, ele imporia uma tarifa de 35% sobre qualquer carro produzido no México e exportado de volta para os Estados Unidos. Foi música para os ouvidos dos trabalhadores de Michigan. Quando ele ameaçou a Apple da mesma maneira, dizendo que vai forçar a empresa a parar de produzir seus iPhones na China e trazer as fábricas para solo americano, os corações se derreteram, e Trump saiu de cena com uma vitória que deveria ser de John Kasich, governador do vizinho Estado de Ohio.

De Green Bay a Pittsburgh, isso, meus amigos, é o meio da Inglaterra: quebrado, deprimido, lutando. As chaminés são a carcaça do que costumávamos chamar de classe média. Trabalhadores nervosos e amargurados, que ouviram mentiras de Ronald Reagan e foram abandonados pelos democratas. Estes últimos ainda tentam falar as coisas certas, mas na verdade estão mais interessados em ouvir os lobistas do Goldman Sachs, que na saída vão deixar um cheque de gordas contribuições.

O que aconteceu no Reino Unido com a Brexit vai acontecer aqui. Elmer Gantry é o nosso Boris Johnson e diz a merda que for necessária para convencer a massa de que essa é a sua chance! Vamos mostrar para TODOS eles, todos os que destruíram o Sonho Americano! E agora o Forasteiro, Donald Trump, chegou para dar um jeito em tudo! Você não precisa concordar com ele! Você nem precisa gostar dele! Ele é seu coquetel molotov pessoal para ser arremessado na cara dos filhos da mãe que fizeram isso com você! DÊ O RECADO! TRUMP É SEU MENSAGEIRO!

E aqui entra a matemática. Em 2012, Mitt Romney perdeu por 64 votos no colégio eleitoral. Some os votos de Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin. A conta dá 64. Tudo o que Trump precisa para vencer é levar os Estados tradicionalmente republicanos de Idaho à Geórgia (Estados que jamais votarão em Hillary Clinton) e esses quatro do cinturão industrial. Ele não precisa do Colorado ou da Virgínia. Só de Michigan, Ohio, Pensilvânia e Wisconsin. E isso será suficiente. É isso o que vai acontecer em novembro.

2. O último bastião do homem branco e nervoso. Nosso domínio masculino de 240 anos sobre os Estados Unidos está chegando ao fim. Uma mulher está prestes a assumir o poder! Como isso aconteceu?! Diante da nosso nariz! Havia sinais, mas os ignoramos. Nixon, o traidor do gênero, nos impôs a regra que disse que as meninas da escola têm de ter chances igual de jogar esportes. Depois deixaram que elas pilotassem aviões de carreira. Quando mal percebemos, Beyoncé invadiu o campo no Super Bowl deste ano (nosso jogo!) com um exército de Mulheres Negras, punhos erguidos, declarando que nossa dominação estava terminada. Meu Deus!

Este é apenas um olhar de relance no que se passa na cabeça do Homem Branco Ameaçado. A sensação é que o poder se lhes escapou por entre as mãos, que sua maneira de fazer as coisas ficou antiquada. Esse monstro, a “feminazi”, que, como diz Trump, “sangra pelos olhos ou por onde quer que sangre”, nos conquistou — e agora, depois de aturar oito anos de um negro nos dizendo o que fazer, temos de ficar quietos e aguentar oito anos ouvindo ordens de uma mulher? Depois disso serão oito anos dos gays na Casa Branca! E aí os transgêneros! Você já entendeu onde isso vai parar. Os animais vão ter direitos humanos e uma porra de um hamster vai governar o país. Isso tem de acabar!

3. O problema Hillary. Podemos falar sinceramente, só entre nós? E, antes disso, permita-me dizer que gosto de Hillary — muito — e acho que ela tem uma reputação que não merece. Mas ela apoiou a guerra no Iraque, e depois disso prometi que jamais votaria nela de novo. Mantive essa promessa até hoje. Para evitar que um protofascista se torne nosso comandante-chefe, vou quebrar essa promessa. Infelizmente acredito que Hillary vá dar um jeito de nos enfiar em algum tipo de ação militar. Ela está à direita de Obama. Mas o dedo do psicopata Trump vai estar No Botão, e isso é o suficiente. Voto em Hillary.

Vamos admitir: nosso maior problema aqui não é Trump — é Hillary. Ela é extremamente impopular — quase 70% dos eleitores a consideram pouco confiável e desonesta. Ela representa a política de antigamente: faz de tudo para ser eleita. É por isso que ela é contra o casamento gay num momento e no outro está celebrando o matrimônio de dois homens. As mulheres jovens são suas maiores detratoras, o que deve magoar, considerando os sacrifícios e batalhas que Hillary e outras mulheres da sua geração tiveram de enfrentar para que a geração atual não tivesse de ouvir as Barbara Bushes do mundo dizendo que elas têm de ficar quietas e bater um bolo.

Mas a garotada também não gosta dela, e não passa um dia sem que um millennial me diga que não vai votar em Hillary. Nenhum democrata, e seguramente nenhum independente, vai acordar em 8 de novembro para votar em Hillary com a mesma empolgação que votou em Obama ou em Bernie Sanders. Não vejo o mesmo entusiasmo. Como essa eleição vai ser decidida por um único fator — quem vai conseguir arrastar mais gente pra fora de casa e para as seções eleitorais –, Trump é o favorito.

4. O eleitor deprimido de Sanders. Pare de reclamar que os apoiadores de Bernie não vão votar em Clinton — eles vão votar! As pesquisas já mostram que um número maior de eleitores de Sanders vai votar em Hillary este ano do que o de eleitores de Hillary que votaram em Obama em 2008. Não é esse o problema. O alarme de incêndio que deveria estar soando é que, embora o apoiador médio de Sanders vá se arrastar até as urnas para votar em Hillary, ele vai ser o chamado “eleitor deprimido” — ou seja, não vai trazer consigo outras cinco pessoas. Ele não vai trabalhar dez horas como voluntário no último mês da campanha.

Ele nunca vai se empolgar falando de Hillary. O eleitor deprimido. Porque, quando você é jovem, não tem tolerância nenhuma para enganadores ou embusteiros. Voltar à era Clinton/Bush para eles é como ter de pagar para ouvir música ou usar o MySpace ou andar por aí com um celular gigante. Eles não vão votar em Trump; alguns vão votar em candidatos independentes, mas muitos vão ficar em casa. Hillary Clinton vai ter de fazer alguma coisa para que eles tenham uma razão para apoiá-la — e escolher um velho branco sem sal como vice não é o tipo de decisão arriscada que diz para os millennials que seu voto é importante. Duas mulheres na chapa — isso era uma ideia boa. Mas aí Hillary ficou com medo e decidiu optar pelo caminho mais seguro. É só mais um exemplo de como ela está matando o voto jovem.

5. O efeito Jesse Ventura. Finalmente, não desconte a capacidade do eleitorado de ser brincalhão nem subestime quantos milhões de pessoas se consideram anarquistas enrustidos. A cabine de votação é um dos últimos lugares remanescentes em que não há câmeras de segurança, escutas, mulheres, maridos, crianças, chefes, polícia. Não tem nem sequer limite de tempo. Você pode demorar o tempo que for para votar, e ninguém pode fazer nada. Você pode votar no partido, ou pode escrever Mickey Mouse e Pato Donald. Não há regras, E, por isso, a raiva que muitos sentem pelo sistema político falido vai se traduzir em votos em Trump. Não porque as pessoas concordem necessariamente com ele, não porque gostem de sua intolerância ou de seu ego, mas só porque podem.

Só porque um voto em Trump significa chutar o pau da barraca. Assim como você se pergunta por um instante como seria se jogar das cataratas do Niágara, muita gente vai gostar de estar no papel de titereiro, votando em Trump só para ver o que acontece. Lembra nos anos 1990, quando a população de Minnesota elegeu um lutador de luta livre para governador? Elas não o fizeram porque são burras ou porque Jesse Ventura é um estadista ou intelectual político. Elas o fizeram porque podiam. Minnesota é um dos Estados mais inteligentes do país. Também está cheio de gente com um senso de humor distorcido — e votar em Ventura foi sua versão de uma pegadinha no sistema político. Vai acontecer o mesmo com Trump.

Voltando para o hotel depois de participar de um programa da HBO sobre a convenção republicana, um homem me parou. “Mike”, ele disse, “temos de votar em Trump. TEMOS que dar uma chacoalhada as coisas”. Foi isso. Era o suficiente para ele. “Dar uma chacoalhada nas coisas”. O presidente Trump certamente faria isso, e uma boa parcela do eleitorado gostaria de sentar na plateia e assistir o show.

Fonte: BrasilPost

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Ouvindo a Missa em Si Menor de J. S. Bach

Ouvindo a Missa em Si Menor de J. S. Bach

bach-caricatura11Mesmo com o início do verão e do expressivo aumento do suor diário, é prazerosa a caminhada matinal de 20 minutos para o trabalho. Fundamental é ter um bom fone de ouvidos, o que desafia toda prevenção de segurança em nossa tranquila cidade que possui a cesta básica mais alta do país e nenhum brigadiano para nos desejar bom dia pelo caminho. Bem, a programação musical de hoje era, indiscutivelmente, a melhor possível.

Aos que não têm vivência com a música, aconselho consultar qualquer enciclopédia, ler qualquer musicólogo, acessar o Google, etc. a fim de ler o que está lá descrito sobre a Missa em Si Menor BWV 232. Boa parte dos comentaristas que têm o viciante hábito de criar listas e classificações de maiores e melhores, costumam colocar a Missa como a maior obra musical de todos os tempos. Boa parte. Tenho treinado para não sair impondo às pessoas prólogos inúteis do tipo “é o melhor filme”, “é o maior dos livros”, e coisas do gênero. No mínimo, é melhor antecedê-las de um “em minha opinião” ou “penso que”.

Tenho ouvido a Missa em Si Menor desde minha adolescência e parece-me que sempre descubro nela um detalhe a mais, um novo encanto. Hoje pela manhã, coloquei nos fones o CD duplo da gravação de Philippe Herreweghe e, por quase duas horas, acreditei num outro mundo. A noção de divindade sempre evitou este cético, mas, como afirmou o também descrente Ingmar Bergman, é impossível ignorar que Bach (1685-1750) nos convence do contrário através de sua arte perfeita. Um dos poucos indultos que concedo ao cristianismo é o de ter sido uma das musas de Bach, embora nas muitas vezes em que o compositor fugiu do sacro, tenha atingido uma qualidade igualmente insuperável.

A grandeza da Missa não é casual. Bach escreveu-a em 1733 (revisou-a em 1749) com a intenção de que ela fosse uma obra ecumênica. Seria a coroação de sua carreira de compositor sacro. Quando a Bach, roubou de si mesmo ou fez retornar alguns de seus melhores trabalhos de sua longa obra. Imaginem que ele trouxe para a Missa uma ária que compusera em 1714! Naquele momento ele fazia uma revisão de si mesmo e, por isso, a Missa também é um compêndio de Bach. Para completar, o trechos compostos especialmente foram criados por um compositor no auge de sua capacidade. A Missa é cantada em latim. Suas outras obras sacras (Missas, Oratórios, Paixões, Cantatas, etc.) sempre utilizaram o alemão e foram apresentadas em igrejas luteranas, porém, na Missa, Bach usa o latim que, em sua opinião, seria mais cosmopolita e poderia trafegar em outras religiões, principalmente a católica. O texto utilizado não foi o das missas de sua época. Era mais antigo e inclui versos retirados após a Reforma, como o significativo Unam sanctam Catholicam et apostolicam Ecclesiam, que é cantado no Credo. É como se Bach pretendesse demonstrar a possibilidade de entendimento entre católicos e protestantes.

Curiosamente, esta obra tão profundamente erudita e religiosa, é hoje mais apresentada em salas de concertos do que em igrejas, pois suas necessidades de tempo (105 a 120 minutos) e de número de executantes são maiores do que as igrejas normalmente dispõem. Não obstante o problema, Bach consegue transformar tanto as salas de concerto quanto nossas casas — assim como nossos ouvidos durante uma caminhada na chuva — em locais de devoção, musical ou religiosa.

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Desde os anos 70, compro gravações da Missa. Comecei por uma que não recomendo, a de Karl Richter (3 LPs ou 2 CDs) com a Orquestra e Coro Bach de Munique. Sem dúvida é o registro mais obeso que possuo da Missa e também o mais remendado, uma mistura barrocorromântica das mais estranhas, não obstante o excepcional time de músicos e cantores. A orquestra utilizada por Richter é maior que a dos padrões barrocos e, para fazer frente a isto, o coral teve de ser multiplicado. Há enorme intensidade dramática nos tutti, porém, os trechos camarísticos só valem pelos cantores. É uma gravação sem muito senso de estilo, maníaco-depressiva, capaz de passar da mais louca alegria à expressão mais triste e íntima em segundos. Não gosto.

Minha segunda experiência foi com Andrew Parrott (Solisten des Tölzer Knabenchors e Taverner Consort & Players). Depois da multidão, fui para uma gravação que envolve um contingente mínimo de cantores e instrumentistas. Parrott é um dos precursores da execução de músicas com instrumentos originais. Em minha opinião, a tese é correta. Apesar de achar que cada época possa dar uma interpretação e expressão, busco ouvir preferencialmente o que o compositor ouvia. Porém, como muitos revolucionários, talvez Parrott exagere. Bach dava liberdade a que se executassem suas músicas com grupos maiores ou menores, então Parrott não o contraria, mas torna seu registro indigente. Fiquei sonhando com um meio termo entre Richter e Parrott, entre o faraônico e o indigente.

Então conheci uma gravação mais antiga e muito melhor que a de Parrott. Sim, a solução veio dos Países Baixos. Primeiro com Gustav Leonhardt. Quando a ouvi, pensei: aí está, para mim, esta é a melhor de todas as gravações da Missa. Fui ler as principais publicações e minha impressão foi avalizada. Leonhardt, que foi holandês, convidou outros da orquestra de câmara La Petite Bande e do Collegium Musicum e conseguiu nos enviar sem escalas ao coração de Bach. Porém… Em 1998, veio um registro a cargo do belga Philippe Herreweghe. Claro, deve ser mais fácil fazer uma gravação melhor depois de ouvir seus antecessores; diria até que há ecos do melhor de Richter, Leonhardt, Parrott e Harnoncourt em seu registro, mas há muito de mérito próprio. Herreweghe é difícil de superar.

Hoje, acho ainda que Philippe Herreweghe e seu bom coro, instrumentistas e solistas superam qualquer outra gravação da Missa. E que maneira encontrou Herreweghe e o Collegium Vocale para fazê-la! Ele nunca usa mais de 5 cantores por parte, então o coro é uniforme, de grande sonoridade e dicção clara. Cada linha e voz pode ser ouvida e compreendida distintamente. Os sopranos e contraltos não são feitos por meninos, como nas gravações de Harnoncourt. Com alta maturidade na expressão do barroco, seus poucos vibratos não pesam — são suaves e parecem vir diretamente do século XVIII. Meus ouvidos e mente de velho ouvinte de Bach dizem que Herreweghe faz o que Bach desejava para o seu próprio coro na Igreja de São Thomas em Leipzig.

Li em algum lugar que Herreweghe é agnóstico. Belo ponto pra nós. Será que isso teve alguma influência? Nos primeiros compassos do Kyrie, onde a tradição manda começar por um poderoso grito de agonia por misericórdia, ele nos oferece um apelo perplexo e suave, quase cansado. Movimentos extrovertidos como o Gloria, Et resurrexit e o Sanctus são cheios de emoção. O Qui tollis e o Dona nobis pacem chegam como fervorosas orações. Gostaria de dizer que o Collegium Vocale de Herreweghe tem uma “sonoridade luminosa” e que os instrumentistas estão corretos a cada gesto. Os solistas alcançaram um notável equilíbrio com os instrumentos de época. O tenor Christoph Prégardien e contratenor Andreas Scholl estão magníficos. Subjacente ao profundo sentimento religioso que a obra exala, o ateu pode desmilinguir-se de admiração.

Aqui, você tem a gravação da Missa em Si Menor por Philippe Herreweghe.

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Um amigo português, anos atrás, mandou-me um e-mail assim:

Milton. Tens razão (ou quase) do que dizes sobre a Missa do Deus Homem ou do Homem Deus. Ai, Bach, Bach, nestes dias conturbados que passo tenho-te a ti. Olho para o quadro dele que tenho na minha sala de estar e respiro melhor. És o apogeu da Humanidade agora e sempre, hoje e daqui a bilhões de anos se este planeta existir. Jamais haverá outro. Dois Bachs são demais para o Mundo, para a decadente raça humana. Eu tenho pena de morrer (lembra-te do tema) e não poder ouvir a tua musica. Se eu pudesse me levantar da campa de dez em dez anos por duas horas e meia (o tempo da Paixão de S.Mateus) não me importava de morrer já. E já que falo na Paixão de S. Mateus, a do Leonhardt (o pai dos outros todos) é a melhor, ou a de que eu gosto mais. Voltando à Missa… A do Leonhardt, como a ti, também é um disco que me tem acompanhado ao longo da minha vida, também era um dos discos que levava para a ilha deserta. A do Gardiner não, dispenso (É aqui que está o quase). Grande interpretação e uma das referências, sem duvida, a de Phillippe Herreweghe (e uma qualidade de som soberba). A de Masaaki Suzuki da Bis é outra a ouvir e a comprar. Com coro de crianças aconselho também uma boa interpretação de Robert King com a Tolzer Knabenchor da Hyperion.

E é melhor parar por aqui que se eu começo a escrever sobre Ele nunca mais paro. Prefiro ouvi-lo, o que faço religiosamente todos as semanas. TODAS AS SEMANAS. No bom sentido ela é viciante, inebriante, comovente e arrasadora. Ao ouvir as suas grandes obras, deitado de olhos fechados, tenho a sensação que pela primeira vez e única alguém atingiu a perfeição. A sua obra desfaz-me em pedaços, arrasa-me, emagreço, tira-me a dor de dentes e da alma. Sinto-me um anão e ao mesmo tempo um gigante (por o ouvir).

Ai, Bach, Bach… E eu vou morrer um dia!
Cumprimentos

O compositor Gilberto Agostinho acaba de fazer um belo e enriquecedor comentário a este post. Faço questão de publicá-lo como parte do mesmo.

Sempre que possível eu gosto de ouvir música com a partitura na mão. Hábito de músico, além de ser um ótimo jeito de aprender coisas e estudar. Mas existem algumas partituras que assustam a gente, pela clareza e simplicidade na escrita e pelo resultado fenomenal. Bach e Brahms tem disso. Eu fico horas analisando uma passagem simples, a duas vozes, e procurando entender o porque daquela sonoridade fantástica, mas muitas vezes não chego a conclusão nenhuma. Simplesmente não entendo. Parecem notas normais, que qualquer um poderia ter escrito, mas elas não soam assim! Com Mahler, você sabe que aquilo vai soar grande, você enxerga tudo, mesmo na passagem mais complexa. Não é o momento que vale, mas sim a construção. Você tem que caminhar junto com ele. Já Bach… O primeiro compasso (o primeiro compasso!) da Paixão Segundo São Mateus é capaz de me arrebatar, e ali já se encontra toda a profundidade que esta obra vai carregar durante duas horas. Em um compasso! E os recitativos, acordes simples e uma melodia, nada mais. Tudo mais!, na verdade, e eu nunca ouvi recitativos tão profundos como em Bach. As vezes eu me sinto um relojoeiro inexperiente, que tenta abrir os relógios mas não consegue entender nada, muito menos montá-los de volta. A diferença é que a música não é simplesmente uma pequena máquina, e não existem manuais. É uma das coisas que eu lamento ao ouvir Bach, imaginar que eu nunca vou conseguir uma profundidade como aquela nas minhas composições.

E ainda voltou para completar:

Obrigado por colocar meu comentário no corpo do post. Eu não sei se consigo explicar um pouco melhor o que penso, mas vale a tentativa. Já relembro, antes de receber uma chuva de xingamentos, que tudo aqui se trata da minha humilde opinião. Enfim, uma das formas mais simples de se fazer música, na opinião deste declarado contrapontista, é a melodia acompanhada. Mozart e Schubert foram os maiores mestres nesta arte. A coisa é simples: existe um tema, normalmente fácil de ser reconhecido tanto auditivamente quanto pelo olhar (a figuração das notas muitas vezes nos chamam atenção para melodias escondidas, ou para vozes de menor importância, mas que carregam informações do tema). Acontece que em Brahms, por exemplo, muitas vezes nós não enxergamos o tema. Ele simplesmente não está lá! Você ouve a música, você até consegue cantarolar algo incerto mas não enxerga. As notas são muito simples, os ritmos todos simples também. Tudo aquilo podem ser fragmentos de informação. E são. Você tenta analisar harmonicamente, e é tudo fácil. Contrapontisticamente, sem segredos. O ritmo, simples. E então? Por que raios aquilo soa denso, e não só soa, mas é denso? Como carregar estas simples notas com toda esta conotação? Em Bach a ideia de tema e desenvolvimento, como nós conhecemos hoje, nem existia. Mas está lá, a obra é permeada destes fragmentos de informação. Você ouve o baixo, e pronto, lá está uma inversão da melodia principal. Você ouve a linha da soprano, ela também é uma consequência desta. Toda a obra é erguida sobre pilares limpos, claros, simples. E, no entanto, ninguém conseguiu chegar próximo deste domínio artístico. Sibelius é simples também, assusta no começo, mas logo que se ouve o susto passa. A música dele as vezes é rarefeita em informações, e condiz com a partitura. Agora eu ainda não entendo Bach. Parece mecânica quântica, ou uma piada divina. “Se queres olhar fundo, então olhes. Mas não entenderás nadica de nada.”

Francis Marshall mete sua qualificada colher para discordar de alguns pontos do texto:

Leute, mesmo endossando as loas e teses acima, acrescento:
1. Duvido que Bach tenha pensado em solução ecumênica ao compor a Missa em si menor. Na verdade, ele a finalizou, quase toda, e apresentou em partes (com manuscritos, como de costume, copiados na corrida por toda a tropa Bach, inclusive Anna Magdalena, que tinha uma ótima caligrafia) para pleitear um emprego junto ao Rei “católico” em Dresden, Augusto II (Augustus der Stark, ou Augusto, o forte), no final de julho de 1733. Isso explica a linguagem católica meio desajeitada, com arremedos de sua verdadeira e irrevogável fé, luterana. Bach certamente não possuía tempo, biblioteca e motivação para elaborações teológicas maiores. O luteranismo, para ele, era suficientemente universal.
2. Ele cobiçava um cargo em Dresden, doidamente. Era a melhor corte musical da Europa, repleta de Vivaldi, dinheiro, bons amigos… Bach correu a vida toda atrás de melhores postos, e ficou sempre, infelizmente, aquém. Assim, na apresentação da Missa em Dresden,fez uma aposta alta e reuniu seus melhores materiais, reciclando muito de seus arquivos, o que sempre fez com perícia e tino estratégico.
3. Destaque para o Crucifixus, música de uma gravidade patética imensa, pungente. Provém, todavia, de uma cantata amorosa de Vivaldi (RV675), adaptada em seus tempos de Weimar, primeriamente na cantata BWV12 (Weinen, Klagen, Sorgen, Zagen = chorar, lamentar, lastimar, temer), apresentada a 22/04/1714. Este coro reaparece no grande coral inicial da cantata BWV78 (de Leipzig); seu belo baixo cromático tem precedente não só em Vivaldi, mas também na ária do baixo da cantata BWV4 (de Arnstadt, 1707, reapresentada em Leipzig em 1724 e 1725). Eu não consigo passar muitos dias sem ouvir essa música, é algo que muda a cor da paisagem e do tempo vivido. A versão com nossa deusa Emma Kirkby é de se ouvir entra as nuvens e Jupiter.
4. Apesar de tudo, Bach, uma vez mais, saiu de Dresden cheio de honras e nenhum florim a mais no bolso. Recentemente, ofereci-lhe emprego bom, compondo a trilha deste filmeco: http://moviolafm.blogspot.com/2008/10/dresden-glria-morte-e-ressurreio.html
5. Eu sou ateu, agnóstico e pagão estético, mas a espiritualidade musical de Bach é mesmo irresistível, sublime.

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Olha, para salvar o Inter, só tirando Celso Juarez Roth nesta retinha final e mesmo assim…

Olha, para salvar o Inter, só tirando Celso Juarez Roth nesta retinha final e mesmo assim…
Foto: Tomás Hammes / Globoesporte
Foto: Tomás Hammes / Globoesporte

Um dia depois de Celso Juarez Roth, o pior treinador do Brasil, dar mais uma demonstração de incompetência e insensibilidade — que vamos discutir rapidamente a seguir — o Conselho Deliberativo do SC Internacional escolherá os candidatos que, em dezembro, administrarão o que sobrar do clube nos anos de 2017 e 18. A eleição será decidida pelos sócios em dezembro.

Sejam eles A, B ou C, o dano está feito e levaremos muito tempo para voltar a sermos vencedores. O mais votado deverá ser o coitado do candidato do Piffero: Pedro Afattato e Luiz Henrique Nuñes. Depois, devem vir a dupla Medeiros / João Patrício e em terceiro Amarante. O Conselho do Inter é isso aí mesmo. Uma merda cheia de formadores de opinião, uns famosos alguéns de nossa cidade que nada sabem de futebol. Uma pena.

Os últimos anos 6 anos Luigi-Piffero foram de desmonte do clube. O nível de nossas comissões técnicas pode ser medido por um item simples. Vejam quem está nos desclassificando nesta parte do campeonato. O jogador Marinho, do Vitória, fez três gols ontem e esteve quatro anos no Internacional — emprestado a maior parte do tempo, Não lembro de ter jogado por nós. Se você observar quem fez o gol do Palmeiras verá que foi de autoria de Cleiton Xavier, do Palmeiras, que esteve seis anos no Internacional — emprestado a maior parte do tempo. Além disso, o melhor jogador do Santos é Lucas Lima, que esteve dois anos no Inter e foi emprestado. Não marcou nenhum gol aqui… Nem vou citar outros casos de jogadores, como Ricardo Goulart, que não tiveram bom ambiente ou preparo no clube e que estouraram assim que foram transferidos.

Hoje temos um caso de paroxismo de ruindade na comissão técnica. A única coisa que se salva é o preparador físico, o resto pode ser colocado no moedor de carne. Não temos um time tão ruim a ponto de estarmos onde estamos. Mas merecemos estar lá em razão da diretoria que contratou Celso Roth para afundar toda a instituição. Por que Seijas foi contratado? Por que Alex atua sempre (e não joga nunca)? Para que colocar em campo aquele menino Diego contra o líder do campeonato, fora de casa, com o time jogando nada? Para queimá-lo de vez?

Nossos quatro próximos adversários, isto é, nosso adversários até o final do campeonato, não têm mais nada para disputar: Ponte Preta, Cruzeiro, Corinthians e Fluminense já estão garantidos na série A e não disputam título ou vaga. Resta-lhes a diversão de brincar e tripudiar sobre nosso time.

Mesmo que Mano Menezes esqueça seu justificado ódio ao Piffero e ao fato de ter sido dispensado das categorias de base por Fernando Carvalho, mesmo que o Corinthians não encare o jogo contra nós como uma oportunidade de vingança, a coisa toda vai ser complicadíssima pelo simples fato de que temos que jogar e isto não acontece.

As esdrúxulas escalações de Celso Juarez estão garantindo a queda. E há apatia na direção. Não entendo porque não tentam um Mario Sérgio ou um Osmar Loss nesta retinha, em uma última tentativa desesperada. Temos dez dias antes da próxima partida! Sabe porque eles não fazem isso? Por que não estão desesperados como a torcida está. São ricos e acomodados rentistas. Nada os abala.

Ontem, não criamos nenhuma oportunidade de gol. Além de voltar a escalar o inútil Alex, este ficou em campo por 73 minutos… E William passou o primeiro tempo no meio-de-campo, perdido. E Géferson jogou toda a partida… É cansativo repetir as mesmas coisas após os jogos. Meus caros sete leitores, não há equipe que permaneça em pé com uma comissão técnica dessas. E estamos efetivamente vergados. Não vencer o Santa Cruz em casa, com estádio lotado, perder para o América-MG e para o Vitória foram resultados de Celso Roth que só serão recuperados se ele sair. Mas a dupla Piffero e Carvalho gosta assim então estamos feitos.

(Até o site do Inter decidiu não dar notícia da partida de ontem; deste modo ficamos sem as fotos do excelente Ricardo Duarte).

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Enclausurado, de Ian McEwan

Enclausurado, de Ian McEwan

enclausurado-mcewanA ideia é insólita e tinha tudo para dar errado, acho. Mas do outro lado não estava um diretor de comédias norte-americanas e sim Ian McEwan. Bem, gente, o narrador de Enclausurado é um feto. Dentro do útero, ele aprende as coisas da vida ouvindo programas de rádio que sua mãe tanto aprecia. Ouvindo tais programas, que falam da política e da situação mundial, o feto teme por seu futuro. Além disso, degusta e tem opiniões acerca dos vinhos que ela ingere não obstante a gravidez. Sua mãe prefere o Borgonha, ele, o Sancerre. (McEwan afirmou que se trata de um feto alcoolista). E ali, dentro do útero de sua genitora, fica sabendo dos planos de Trudy, a mãe, para matar o pai em conluio com o amante que é irmão do pai, ou seja, seu tio.

Apesar de estarem sempre misturados ao desconforto e, às vezes, à burrice e ao descontrole, o livro tem momentos absolutamente hilariantes. Há alta e baixa comédia. O feto declara-se impotente para alterar tanto o destino da trama que vê ocorrer em torno de si, como da situação do mundo onde vai chegar, mas faz comentários acerca de tudo. Preocupa-se demais, inclusive em se esquivar das estocadas do pênis do tio, o insuportável Claude. Então, o romance tem uma base absolutamente fantasiosa, momentos de comédia e outros de grande realismo e sinceridade, guardando também pontos de contato com as tragédias shakespearianas, apesar da ambientação 100% contemporânea. O nome da mãe, Trudy, obviamente vem de Gertrudes, a Rainha da Dinamarca de Hamlet; enquanto que o nome do irmão do pai é Claude, um sujeito traidor, assassino e tolo. Lembram que o irmão de Hamlet chama-se Claudius?

O feto desaprova os planos, porém não consegue detestar a mãe e sua placenta saudável e alcoolizada. Neste livro, McEwan mantém as detalhadas descrições de seus melhores textos, mas revisita o espírito de suas primeiras obras que lhe valeram o apelido de Ian MacAbre (Ian Macabro).

Há um momento em que levantei e comecei a caminhar rindo. O marido inverte o discurso e Trudy fica enfurecida em razão de que o abandono deve ser uma decisão dela, não dele. Ela quer se separar, não ele… A raiva de Trudy é “vasta e profunda e é seu meio ambiente, sua personalidade”. Puxa, como eu conheço isso!

Enclausurado é uma pequena joia. De início tão inverossímil quanto Memórias Póstumas de Brás Cubas, o livro ganha enorme força através da arte de um McEwan inspiradissimo como em Reparação e Amsterdam.

Recomendo fortemente!

Livro comprado na Bamboletras.

Ian McEwan
Ian McEwan

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2666, de Roberto Bolaño, é considerado melhor livro em castelhano dos últimos 25 anos

2666, de Roberto Bolaño, é considerado melhor livro em castelhano dos últimos 25 anos

Do Publico.pt (Portugal)

A obra monumental do chileno Roberto Bolaño surge em primeiro lugar numa lista criada para comemorar o quarto de século do Babelia, suplemento cultural do El País. O Nobel da Literatura Mario Vargas Llosa surge logo a seguir, com A Festa do Chibo

26662666, do chileno Robert Bolaño, foi considerado o melhor livro em castelhano dos últimos 25 anos. A lista de 100 obras foi elaborada por 50 escritores, críticos e editores de países com o castelhano como língua oficial. A iniciativa surgiu para comemorar o quarto de século de vida do Babelia, suplemento cultural do El País.

O escritor, que morreu em Barcelona em 2003 e que é considerado o mais relevante, ou um dos mais relevantes, escritores latino-americanos da sua geração, surge novamente em terceiro lugar na lista, com Detectives Selvagens. Entre os dois, surge A Festa do Chibo, do peruano Mario Vargas Llosa, o único Nobel da Literatura presente na lista. A distinção surge no momento em que a Quetzal, que edita o autor de 2666 em Portugal, anuncia o seu 2017 como “ano Bolaño”.

Em comunicado de imprensa, a editora anuncia que, em Abril, publicará o inédito O Espírito da Ficção Científica, com tradução de Cristina Rodriguez e Artur Guerra (dupla que já traduzira obras anteriores do escritor). Outro inédito, Pátria, que reúne três novelas, será também publicado, bem como uma nova tradução de Detectives Selvagens e uma edição especial de 2666 que, lê-se no comunicado, “constituirá uma grande surpresa do ponto de vista gráfico, um objecto de grande beleza, desde a escolha do papel até à tipografia, à capa e ao número de páginas”. Putas assassinas, numa primeira tradução para português, é outra das novidades do ano Bolaño da Quetzal.

O top 10 elaborado pelo júri escolhido pelo Babelia inclui, depois das duas obras de Bolaño e da de Vargas Llosa, é completado por Tu Rostro Mañana, de Javier Marías, Bartleby & Companhia, de Enrique Vila-Matas, La Novela Luminosa, de Mario Levrero, Soldados de Salamina, de Javier Cercas, Borges, de Adolfo Bioy Casares, Coração tão Branco, de Javier Marías, e Rabos de Lagartixa, de Juan Marsé.

A lista completa

(APÓS A LISTA, COLOCAMOS AS VINTE PRIMEIRAS OBRAS COM AS REFERÊNCIAS DAS TRADUÇÕES BRASILEIRAS, FEITAS PELO BLOG MUNDO DE K., do amigo Alexandre Kovacs):

1. 2666, Roberto Bolaño (2004)

Trecho: “Escolhia A metamorfose em vez de O processo, escolhia Bartleby em vez de Moby Dick, escolhia Um coração simples em vez de Bouvard e Pécuchet, e Um conto de natal em vez de Conto de duas cidades ou Os papeis de Pickwick. Que triste paradoxo, pensou Almafitano. Nem os farmacêuticos ilustrados se atrevem com as grandes obras, imperfeitas, torrenciais, as que abrem caminho no desconhecido. Escolhem os exercícios perfeitos dos grandes mestres. Ou, o que dá na mesma: querem ver os grandes mestres em sessões de esgrima de treinamento, mas não querem saber nada dos combates de verdade, onde os grandes mestres lutam contra aquilo, esse aquilo que nos amedronta a todos, esse aquilo que acoquina e embainha, e há sangue e feridas mortais e fetidez”.

Trad. de Idelber Avelar

2. La Fiesta del Chivo, Mario Vargas Llosa (2000)

3. Los detectives salvajes, Roberto Bolaño (1998)

4. Tu rostro mañana, Javier Marías (2002)

5. Bartleby y compañía, Enrique Vila-Matas (2000)

6. La novela luminosa, Mario Levrero (2005)

7. Soldados de Salamina, Javier Cercas (2001)

8. Borges, Adolfo Bioy Casares (2006)

9. Corazón tan blanco, Javier Marías (1992)

10. Rabos de Lagartija, Juan Marsé (2000)

11. La grande, Juan José Saer (2005)

12. Anatomía de un instante, Javier Cercas (2009)

13. El desierto y su semilla, Jorge Baron Biza (1998)

14. Crematorio, Rafael Chirbes (2007)

15. Tinísima, Elena Poniatowska (1992)

16. La noche de los tiempos, Antonio Muñoz Molina (2009)

17. El desbarrancadero, Fernando Vallejo (2001)

18. La pesquisa, Juan José Saer (1994)

19. Son Memorias, Tulio Halperin Donghi (2008)

20. Vendrán más años malos y nos harán más ciegos, Rafael Sánchez Ferlosio (1993)

21. Fragmentos de un libro futuro, José Ángel Valente (2000)

22. Jamás el fuego nunca, Diamela Eltit (2007)

23. Nubosidad variable, Carmen Martín Gaite (1992)

24. Santa Evita, Tomás Eloy Martínez (1995)

25. El día del Watusi, Francisco Casavella (2002-2003)

Los restantes 75 libros más votados, en orden alfabético de autor:

El olvido que seremos, Héctor Abad Faciolince (2006)

Diario de la hepatitis, César Aira (1993)

Mater Dolorosa, José Álvarez Junco (2001)

Los peces de la amargura, Fernando Aramburu (2006)

Las contemplaciones, María Victoria Atencia (1997)

Diccionario de las artes, Félix de Azúa (1995)

Salón de belleza, Mario Bellatin (1994)

Las poetas visitan a Andrea del Sarto, Juana Bignozzi (2014)

Lo que no tiene nombre, Piedad Bonnett (2013)

El hambre, Martín Caparrós (2014)

Espejo de gran niebla, Guillermo Carnero (2002)

Potlatch, Arturo Carrera (2004)

El asco, Horacio Castellanos Moya (1997)

Rito de iniciación, Rosario Castellanos (2012)

Pretérito imperfecto, Carlos Castilla del Pino (2004)

Febrero, Julia Castillo (2008)

El metal y la escoria, Gonzalo Celorio (2015)

La larga marcha, Rafael Chirbes (1996)

Desiertos de la luz, Antonio Colinas (2008)

La ruina del cielo, Luis Mateo Díez (1999)

Las cosas que perdimos en el fuego, Mariana Enríquez (2016)

Karnaval, Juan Francisco Ferré (2012)

El naranjo, Carlos Fuentes (1993)

El síndrome de Ulises, Santiago Gamboa (2005)

Libro del frío, Antonio Gamoneda (1992)

Vivir para contarla, Gabriel García Márquez (2002)

Habitaciones separadas, Luis García Montero (1994)

Lo solo del animal, Olvido García Valdés (2012)

Devastación del hotel San Luis, Lorenzo García Vega (2007)

Santo oficio de la memoria, Mempo Giardinelli (1991)

Tiempo de vida, Marcos Giralt Torrente (2010)

La conquista del aire, Belén Gopegui (1998)

La balada del abuelo, Palancas, Félix Grande (2003)

La fantasía de la individualidad, Almudena Hernando (2012)

El bucle melancólico, Jon Juaristi (1997)

Hoy, Júpiter, Luis Landero (2007)

Romanticismo, Manuel Longares (2001)

Bella en las tinieblas, Manuel de Lope (1997)

El homóvil, Jesús López Pacheco (2002)

La mujer de pie, Chantal Maillard (2015)

El embrujo de Shanghai, Juan Marsé (1993)

Los girasoles ciegos, Alberto Méndez (2004)

Riña de gatos, Madrid 1936, Eduardo Mendoza (2010)

Yo nunca te prometí la eternidad, Tununa Mercado (2005)

Sangre en el ojo, Lina Meruane (2012)

El jinete polaco, Antonio Muñoz Molina (1991)

Como la lluvia, José Emilio Pacheco (2009)

El hombre que amaba a los perros, Leonardo Padura (2009)

Vislumbres de la India, Octavio Paz (1995)

Hombres buenos, Arturo Pérez-Reverte (2015)

Los diarios de Emilio Renzi, Ricardo Piglia (2015)

Plata quemada, Ricardo Piglia (1997)

El arte de la fuga, Sergio Pitol (1996)

Gente que vino a mi boda, Soledad Puértolas (1998)

Lo que soñó Sebastián, Rodrigo Rey Rosa (1994)

La tentación del fracaso, Julio Ramón Ribeyro (2002)

Catch and release, Reina María Rodríguez (2006)

Definiciones mayas, Mercedes Roffé (1999)

Quedeshim quedeshoth, Gonzalo Rojas (2009)

El vano ayer, Isaac Rosa (2004)

Los ejércitos, Evelio Rosero (2007)

Cámara Gesell, Guillermo Saccomanno (2012)

Porque parece mentira la verdad nunca se sabe, Daniel Sada (1999)

Lección de anatomía, Marta Sanz (2008)

La ciudad vista, Beatriz Sarlo (2009)

Diccionario filosófico, Fernando Savater (1995)

Estuario, Tomás Segovia (2010)

La manía. Salón de pasos perdidos, Andrés Trapiello (2007)

Habíamos ganado la guerra, Esther Tusquets (2007)

Guiando la hiedra, Hebe Uhart (1997)

Concierto animal, Blanca Varela (1999)

Los informantes, Juan Gabriel Vásquez (2004)

En busca de Klingsor, Jorge Volpi (1999)

Cosas del cuerpo, José Watanabe (1999)

Capital de la gloria, Juan Eduardo Zúñiga (2003)

Zurita, Raúl Zurita (2011)

.oOo.

(01) 2666, Roberto Bolaño (2004) – Chile
(Ler aqui resenha do Mundo de K)
(02) La Fiesta del Chivo, Mario Vargas Llosa (2000) – Peru
(03) Los detectives salvajes, Roberto Bolaño (1998) – Chile
(04) Tu rostro mañana, Javier Marías (2002) – Espanha
(05) Bartleby y compañía, Enrique Vila-Matas (2000) – Espanha
(06) La novela luminosa, Mario Levrero (2005) – Uruguai
No Brasil: Livro inédito no Brasil
(Alternativa do mesmo autor: “Deixa Comigo” – Editora Rocco)
(07) Soldados de Salamina, Javier Cercas (2001) – Espanha
(08) Borges, Adolfo Bioy Casares (2006) – Argentina
No Brasil: Livro inédito no Brasil
(09) Corazón tan blanco, Javier Marías (1992) – Espanha
No Brasil: “Coração Tão Branco” – Editora Companhia das Letras
(10) Rabos de Lagartija, Juan Marsé (2000) – Espanha
No Brasil: “Rabos de Lagartixa” – Editora Siciliano (Esgotado)
(11) La grande, Juan José Saer (2005) – Argentina
No Brasil: “O Grande” – Editora Companhia das Letras
(12) Anatomía de un instante, Javier Cercas (2009) – Espanha
No Brasil: “Anatomia de um Instante” – Editora Globo
(13) El desierto y su semilla, Jorge Baron Biza (1998) – Argentina
No Brasil: Livro inédito no Brasil
(14) Crematorio, Rafael Chirbes (2007) – Espanha
No Brasil: Livro inédito no Brasil
(15) Tinísima, Elena Poniatowska (1992) – México
No Brasil: Livro inédito no Brasil
(Alternativa do mesmo autor: “A Pele do Céu” – Editora Objetiva)
(16) La noche de los tiempos, Antonio Muñoz Molina (2009) – Espanha
No Brasil: Livro inédito no Brasil
(Alternativa do mesmo autor: “Carlota Fainberg” – Editora Companhia das Letras)
(17) El desbarrancadero, Fernando Vallejo (2001) – Colômbia
No Brasil: “O Despenhadeiro” – Editora Objetiva
(18) La pesquisa, Juan José Saer (1994) – Argentina
No Brasil: “A Pesquisa” – Editora Companhia das Letras
(19) Son Memorias, Tulio Halperin Donghi (2008) – Argentina
No Brasil: Livro inédito no Brasil
(20) Vendrán más años malos y nos harán más ciegos, Rafael Sánchez Ferlosio (1993) – Espanha
No Brasil: Livro inédito no Brasil

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As Variações Goldberg, a música para dormir de Johann Sebastian Bach

As Variações Goldberg, a música para dormir de Johann Sebastian Bach
Só para irritar o Conde Keyserling: Charles Auguste Emile Carolus-Duran “Sleeping Man” (1861)
Só para irritar o Conde Keyserling: Charles Auguste Emile Carolus-Duran “Sleeping Man” (1861)

Eu nunca tive insônia. Talvez, em razão de alguma dor ou febre, não tenha dormido repousadamente apenas uns dez dias em minha vida. Não é exagero. Quando me deprimo, durmo mais ainda e acordar é ruim, péssimo. O sono é meu refúgio natural. Mas há pessoas que reclamam (muito) da insônia. Saul Bellow escreveu que ela o teria deixado culto, mas que preferiria ser inculto e ter dormido todas as noites — discordo do grande Bellow, acho que ele deveria ter ficado sempre acordado, escrevendo, vivendo e escrevendo para nós. Também poucos viram Marlene Dietrich adormecida. Kafka era outro, qualquer barulho impedia seu descanso, devia pensar no pai e passava suas noites acordado, amanhecendo daquele jeito após sonhos agitados… Groucho Marx, imaginem, era insone, assim como Alexandre Dumas e Mark Twain. Marilyn Monroe sofria muito e Van Gogh acabou daquele jeito não por ser daltônico, característica que apenas gera inteligência e genitália avantajadas.

O Conde Keyserling sofria de insônia e desejava tornar suas noites mais agradáveis. Ele encomendou a Bach, Johann Sebastian Bach, algumas peças que o divertissem durante a noite. Como sempre, Bach fez seu melhor. Pensando que o Conde se apaziguaria com uma obra tranquila e de base harmônica invariável, escreveu uma longa peça formada de uma ária inicial, seguida de trinta variações e finalizada pela repetição da ária. Quod erat demonstrandum. A recuperação do Conde foi espantosa, tanto que ele chamava a obra de “minhas variações” e, depois de pagar o combinado a Bach, deu-lhe um presente adicional: um cálice de ouro contendo mais cem luíses, também de ouro. Era algo que só receberia um príncipe candidato à mão de uma filha encalhada.

A história da criação das variações foi tirada da biografia de Bach escrita por Johann Nikolaus Forkel:

(Quanto a essas variações), devemos agradecer ao pedido do ex-embaixador russo na corte eleitoral da Saxônia, o conde Hermann Karl von Keyserling, que frequentemente passava por Leipzig e que trouxe consigo o cravista Goldberg para receber orientações musicais de Bach. O conde tinha frequentes acometimentos de doenças e ficava noites sem dormir. Em tais ocasiões, Goldberg, que vivia em sua casa, tinha que passar a noite na antecâmara para tocar para ele durante sua insônia. … Certa vez, o conde mencionou, na presença de Bach, que ele gostaria de ter algumas obras para teclado para Goldberg executar, que deveriam ser de caráter suave e algo vigoroso de modo que ele pudesse ser um pouco consolado por elas em suas noites sem dormir. Bach imaginou que a melhor maneira de atender a esse desejo seria por meio de variações, cuja escrita ele considerava, até àquela data, uma tarefa ingrata devido ao fundamento harmônico repetidamente semelhante. Mas, uma vez que a essa época todos os seus trabalhos já eram padrões de arte, tais se tornaram, em suas mãos, estas variações. Mesmo assim, ele produziu um único trabalho desta espécie. Daí em diante, o conde sempre as chamava de “as suas” variações. Ele nunca se cansou delas e, por um longo período, noites sem dormir significavam: ‘Caro Goldberg toque minhas variações para mim’. Provavelmente Bach nunca foi tão bem recompensado por um trabalho quanto foi neste. O conde o presenteou com um cálice de ouro com 100 luíses de ouro. Não obstante, mesmo que o presente tivesse sido mil vezes maior, seu valor artístico nunca teria sido pago.

O Conde tinha a seu serviço um menino de quinze anos chamado Johann Gottlieb Goldberg. Goldberg era o melhor aluno de Bach. Foi descrito como “um rapaz esquisito, melancólico e obstinado” que, ao tocar, “escolhia de propósito as peças mais difíceis”. Perfeito! Goldberg era enorme e suas mãos tinham grande abertura. O menino era uma lenda como intérprete e o esperto Conde logo o contratou para acompanhá-lo não somente em sua residência em Dresden como em suas viagens a São Petersburgo, Varsóvia e Postdam. (Esqueci de dizer que o Conde Keyserling era diplomata). Bach, sabendo o intérprete que teria, não facilitou em nada. As Variações Goldberg, apesar de nada agitadas, são, para gáudio do homenageado, dificílimas. Nelas, as dificuldades técnicas e a erudição estão curiosamente associadas ao lúdico, mas podemos inverter de várias formas a frase. Dará no mesmo.

O nome da obra — Variações Goldberg, BWV 988 — é estranho, pois pela primeira vez o homenageado não é quem encomendou a obra, mas seu primeiro intérprete.

O princípio de quase toda obra de variações consiste em apresentar um tema e variá-lo. (Lembram que Elgar fez uma obra de variações sem apresentar o tema, chamando-a de Variações Enigma?). Assim, o ouvinte tem a impressão de estar ouvindo sempre algo que lhe é familiar e, ao mesmo tempo, novo. A escolha de Bach por esta forma mostrou-se adequada às pretensões do Conde. E a realização não poderia ser melhor, é uma das maiores obras disponibilizadas pela e para a humanidade pelo mais equipado dos seres humanos que habitou este planeta, J. S. Bach. O jogo criado pelo compositor irradia livre imaginação e enorme tranquilidade. A Teoria Geral das Belas-Artes, espécie de Bíblia artística goethiana de 1794, diz o seguinte sobre as Goldberg: “em cada variação, o elemento conhecido está associado, quase sem exceção, a um canto belo e fluido”. E está correto. Só esqueceu de dizer que tudo isso tinha propósito terapêutico.

As Variações Goldberg eram tidas no passado como um exercício técnico árido e aborrecido. Mas já faz quase um século que o conteúdo e a abrangência emocional da obra foi reconhecido e se tornou a peça favorita de muitos ouvintes de música erudita. As Variações são largamente executadas e gravadas.

É muito provável que o enfermo Conde concordasse com a Theorie para descrever seu prazer de ouvir aquela música, mas diria mais. Seus efeitos fizeram que Goldberg a tocasse centenas de vezes para ele. O cálice repleto de ouro significava gratidão pela diversão emocional e intelectual. Dormimos por estarmos calmos e felizes, talvez.

Não posso distribuir cálices de ouro por aí, mas talvez devesse dar alguma coisa a Pierre Hantaï, o maior intérprete da obra. (Por favor, neste momento não me venham com Gould; afinal, o som do cravo é fundamental e só aceito fazer a final contra o grande Gustav Leonhardt. Gould ficou lá pelas quartas-de-final).

Então, para os insones ou não, aqui estão as Variações Goldberg com Pierre Hantaï.

Figura su fondo celeste - Felice Casorati
Figura su fondo celeste – Felice Casorati

Obs.: Este post foi escrito meio de memória, mas também consultando o livro “48 variações sobre Bach” de Franz Rueb, Companhia das Letras, 2002.

Abaixo, Hantaï mandando bala nas Goldberg:

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O Messias, de Handel

O Messias, de Handel

O Messias é o oratório mais popular de Handel. É grande número dos corais que atacam, confiantes e sorridentes, o coral Hallelujah. Eles estão certos, não serei eu que irei criticá-los. Só que esta peça está longe de figurar entre o que há de melhor neste oratório cheio de lirismo e de um melodismo raro, riquíssimo. É difícil de se encontrar árias mais inspiradas do que He shall feed His flock, Ev`ry valley shall be exalted, Why do the nations?, corais como For unto us a child is born, And the glory of the Lord, And He shall purify, além da ária-coral O thou thet tellest good tidings to Zion. Handel era genial e aqui tem seu ponto mais alto. A popularidade de O Messias é merecida.

O Messias normalmente ouvido por nós, principalmente no célebre Hallelujah, está bem longe daquilo que foi planejado originalmente por Handel. Pode parecer surpreendente a muitos o fato de que Handel, enquanto compunha o Oratório, lutava contra problemas administrativos que o levaram a utilizar um grupo pequeno de músicos, pela simples razão de que não os havia na Dublin de 1742 e de que era oneroso buscá-los em outras cidades. Handel dispunha apenas de 16 cantores-solistas e uma orquestra mínima. A estréia foi assim mesmo. No curso destes mais de 260 anos, o popular Messias foi executado de todas as formas imagináveis. Nas antigas gravações da obra e até hoje, são ouvidos enormes corais, oboés dobrando as vozes — não há oboés na versão original –, fagotes no baixo contínuo — fagotes, que fagotes? — etc.

Nos anos 70, quando ouvi esta obra prima pela primeira vez, foi na mastodôntica versão de Karl Richter. Achei uma maravilha o que hoje acho estranho. Richter usou enorme coral e um potente conjunto instrumental, tudo muito pouco barroco. Só que a gravação era linda, avassaladora. Ouvia-se ali o precursor do Beethoven da 9ª Sinfonia. Os anos seguintes nos trouxeram as gravações em instrumentos originais, com as obras sendo executadas dentro da exata formação prescrita pelo compositor e com os instrumentos originais, as tais execuções historicamente informadas. Muitas coisas que conhecíamos foram definhando em potência sonora para ganhar outros coloridos. A partir da década de 80, fomos nos acostumando a deixar o volume sonoro para compositores mais modernos e a fruir a delicadeza barroca. Não, não é proibido ouvir as velhas gravações que utilizam exércitos fortemente armados na interpretação deste oratório — e nem as novas que ainda fazem o mesmo! –, mas alguém com tendência purista, como eu, teve de acostumar-se ao uso de forças menores na interpretação do powerful Messiah. Hoje, parece a mim uma desonestidade ouvir uma obra interpretada dentro de uma concepção tão longínqua das intenções do compositor, ou seja, tão longe daquilo que Handel ouvia. Sei que estou em terreno perigoso e que há fóruns que estão discutindo isto há anos. Tudo começa com alguém perguntando “Mas, e se Handel dispusesse de um coral de 96 elementos e pudesse quadruplicar a orquestra, a música seria diferente?”. Tenho posições nestas questões, porém aqui a intenção é a de modestamente descrever e louvar um pouco de O Messias, esta delicada e poderosa obra de câmara…

É lendária velocidade com que Handel escrevia suas obras. Imaginem que os mais de 140 minutos deste oratório foram escritos em apenas 21 dias. Por exemplo, seus doze concerti grossi, opus 6, foram escritos em 24 dias, quando há pessoas que não conseguiriam sequer copiá-los neste período! Quando inspirado, o homem era rápido mesmo.

Mais curiosidades? Quando houve a elogiada e aplaudidíssima estréia em Dublin (em 13 de abril de 1742), Londres recebeu a obra com calculado distanciamento pela simples razão de que os londrinos não podiam ouvi-la. Ocorria que era proibido falar de coisas sagradas nos teatros e não se podia trazer profissionais dos teatros para cantarem numa igreja. Então o oratório, tal qual uma alma penada, caiu numa espécie de limbo espírita. Só com alguns de atraso e bem velho, Handel pode ver seu oratório triunfar na capital.

Em 1741, Händel recebeu um convite do Lord Lieutenant da Irlanda para ajudar a angariar dinheiro para três instituições de caridade de Dublin através de apresentações musicais. Embora doente, Händel estava determinado a compor um novo oratório sacro para a ocasião, pedindo a Charles Jennens (libretista de Saul e Israel in Egypt) um tema apropriado. Jennens respondeu com uma criteriosa recolha de versículos e escrituras do Velho e Novo Testamentos arranjados num “argumento” em três partes (como ele o descreveu). Como dissemos acima, a obra estreou-se em Dublin, no período da Páscoa de 1742.

O nome “Oratório” é algo que fica entre a música sacra e a secular. Trata-se de um gênero de composição musical cantado e de conteúdo narrativo. Semelhante à ópera quanto à estrutura (árias, coros, recitativos, etc.), difere desta por não ser destinado à encenação. Em geral, os oratórios têm temática religiosa, embora existam alguns de temática profana. Handel era um cristão devoto e a obra é uma apresentação da vida de Jesus e de seu significado de acordo com o cristianismo. Claro que provocou acusações de blasfêmia por não ser exatamente sacra.

Sim, o Messias é uma obra religiosa mas não é sacra, isto é, trata de temas religiosos mas não é um música para ser tocada em contexto litúrgico. A Igreja, enquanto instituição, sempre foi conservadora no que respeita à liturgia, e esta não era concebida como um espetáculo. Daí a diferenciação que fazemos entre a “ópera”, o oratório e a músi20ca sacra. Por outro lado, as tradições musicais do sul da Europa (católico) e o norte (protestante) eram bastante diferentes. No sul, o barroco mostrava-se mais “espetacular” e “operático”, enquanto que no norte, particularmente na Inglaterra, a simplicidade e depuração estilística consistiam a regra em termos litúrgicos.

Mesmo que não houvesse lugar à encenação, a Igreja mais conservadora repudiava a prática da oratório, porque, afinal de contas, eram utilizadas as escrituras sagradas para efeitos cênicos e espetáculo público. Foi em torno destas questões que alguns jornais ingleses mais conservadores consideraram a obra como uma blasfêmia.

À parte disto, o Messias é uma obra imersa em espiritualidade. Para os crentes e fiéis é uma prova da mais fervorosa devoção. Para os não-crentes, para além do desafio intelectual, o Messias condensa emoções mais da esfera humana do que da divindade. Porém, uns e outros reconhecem o enorme prazer estético de ouvir a composição.

As melhores gravações que conheço:

— A do Dunedin Consort e Dunedin Players, sob a regência de John Butt. É a melhor.

— A de Trevor Pinnock (Archiv). É a segunda opção.

– Para quem tem limitações financeiras (como eu), há o sensacional registro feito pela Naxos nos CDs duplos 8.550667-668, com o The Scholars Baroque Ensemble.

Tendo uma destas três em casa, você tem O Messias. A gravação da Naxos e a de Butt obedecem a rarefeita formação dublinense da estreia; já Pinnock aparece com alguns reforços no coral, o que vamos perdoar desta vez. Para quem não está nem aí para estas filigranas, indico também a clássica gravação de Karl Richter com a Orquestra Filarmônica de Londres e o coro John Alldis. Sim, é bonita, mas talvez não seja mais Handel, sei lá.

O nome de Handel também aparece como Händel ou Haendel. Este alemão que produziu parte de sua obra na Inglaterra teve seu nome grafado nas três formas citadas. Seu nome original é Georg Friedrich Händel, mas ele tornou-se George e Handel na Inglaterra. Costumo utilizar a forma inglesa, mais fácil.

handel

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Inter corria o risco de se classificar. Então, Celso Juarez Roth…

Inter corria o risco de se classificar. Então, Celso Juarez Roth…
Anderson era o melhor em campo. Celso o substituiu para equilibrar a partida.
Anderson era o melhor em campo. Celso Juarez retirou-o para equilibrar a partida.

A gente aprende com o tempo. Certo, tem gente que não aprende, mas devia.

Ontem, assisti ao primeiro tempo do jogo, vendo o quanto o Atlético-MG é ruim, constrangedoramente ruim. No intervalo, nosso time reserva vencia por 2 x 1 e cabia mais. Então, anunciei a um grupo de amigos do Facebook: “Vou dormir. O Celso Juarez vai estragar tudo, vamos tomar a virada e não quero ver. Boa noite”. E fui pra cama. Não tenho TV no quarto.

Hoje vi o que ele fez. Não tomamos a virada, mas estamos desclassificados com o empate. Dei risada ao saber que ele colocara Ariel e Andrigo após o gol de empate do Galo, logo no início do segundo tempo.

O cara é um piadista. De onde ele desencavou esses jogadores que estavam fora há tantas rodadas, ignorando, por exemplo, o bom futebol do venezuelano Seijas? Tirou Anderson, o melhor em campo no primeiro tempo para colocar o “ofensivo” Andrigo! Meu deus, é de rir!

Andrigo é um ex-futuro craque que fez um bom campeonato gaúcho e que desapareceu em maio. Desde lá, deve ter jogado vinte minutos. E, no lugar de Aylon, um bom jogador que preocupava a péssima defesa do Atlético, colocou o ratão torto e sem pelo do Ariel! Completando a obra, enfiou o pobre Sasha em campo, jogador que também faz um péssimo ano.

Há algo de muito estranho no Inter. Eu e amigos colorados não entendemos esse auto-boicote que se repete a cada rodada. Deve ter interesses financeiros em jogo. É bom descobrir quem bancou Seijas e Nico López (atualmente lesionado). Foi o empresário Delcir Sonda? Ambos? É bom investigar.

Não há time que suporte tanta burrice, tantas opções equivocadas. Ontem, Celso Juarez chegou a um novo patamar de despropósito.

No final do jogo, infelizmente, houve um pênalti não marcado a favor do Inter. A velha e conhecida arbitragem caseira… O fato deve ter sido a pauta principal das entrevistas após o jogo para mascarar nossas cagadas e ainda tornar vítima Celso Juarez.,

Corríamos o risco de nos classificarmos. Aí ele vai lá e tira todo o ataque. Ainda estou pasmo.

Mas digamos que não haja interesses financeiros. Deste modo, pergunto: “Será que o medo do Grêmio fez com que Roth escolhesse a desclassificação?”. Será que Roth tem medinho de dois Gre-Nais?

Como escreveu agora o Corneta Colorada no Facebook: “Roth fez um trabalho histórico de demolição do futebol colorado hoje. E eu achava que esse tipo de recorde era imbatível da parte dele. Quanta inocência.”

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