Neste artigo, Tim Berners-Lee alerta para a perda de controlo dos dados pessoais que acabam por se virar contra os utilizadores através de campanhas personalizadas de desinformação.
A 12 de março completaram-se 28 anos desde que entreguei a minha proposta original para a internet global. Imaginei a rede como uma plataforma aberta que permitiria a toda a gente, em todo o lado, partilhar informações, ter acesso a oportunidades e colaborar rompendo limites geográficos e culturais. De várias maneiras a internet cumpriu esta visão, embora tenha sido uma batalha recorrente para mantê-la aberta. Mas nos últimos doze meses, tornei-me cada vez mais preocupado com três novas tendências, que acredito devemos enfrentar para que a rede cumpra o seu verdadeiro potencial como uma ferramenta que serve toda a humanidade.
1) Perdemos o controle dos nossos dados pessoais
O modelo atual de negócios de muitos sites oferece conteúdo grátis em troca de dados pessoais. Muitos de nós concordamos com isso – embora frequentemente aceitando documentos com termos e condições (T&Cs) longos e confusos – mas fundamentalmente não nos importamos que recolham algumas informações a nosso respeito em troca de serviços gratuitos. Mas há um truque que nos escapa. Como os nossos dados são então mantidos em grandes espaços de armazenamento privados, longe da nossa vista, perdemos os benefícios que poderíamos ter se tivéssemos controle direto sobre esses dados e escolhêssemos quando e com quem partilhá-los. Pior ainda, muitas vezes não temos como comunicar às empresas quais os dados que não gostaríamos de partilhar – especialmente com terceiros –, os T&Cs são tudo ou nada.
A recolha generalizada de dados pelas empresas tem também outros impactos. Através da colaboração – ou da coação sobre – essas empresas, alguns governos também estão a vigiar cada vez mais os nossos passos na rede e aprovando leis extremas que destroem o nosso direito à privacidade. Em regimes repressivos, é fácil ver o mal que pode ser causado – bloggers podem ser presos ou assassinados, e opositores políticos podem ser vigiados. Mas mesmo em países onde acreditamos que os governos são bem intencionados, vigiar toda a gente o tempo todo é simplesmente ir longe demais. Isso cria um efeito que amedronta a liberdade de expressão e não permite que a rede seja usada como um espaço para explorar temas importantes tais como questões sensíveis de saúde, sexualidade e religião.
2) É demasiado fácil espalhar falsas informações na rede
Hoje em dia, a maioria das pessoas recebe notícias e informações na rede a partir de apenas um punhado de sites, redes sociais e ferramentas de busca. Esses sites ganham mais dinheiro quando a gente clica nos links que eles nos mostram. E eles escolhem o que nos mostrar com base em algoritmos que aprendem a partir dos nossos dados pessoais, que estão a recolher constantemente. O resultado é que esses sites mostram-nos conteúdos que eles pensam que clicaremos – o que significa que informação incorreta, ou falsas notícias, que são surpreendentes, chocantes ou feitas para apelar aos nossos preconceitos, podem alastrar como fogo. E através do uso de dados científicos e exércitos de robôs [bots], pessoas com más intenções podem desvirtuar o sistema para espalhar desinformação para obter vantagens financeiras ou políticas.
3) A publicidade política online precisa de transparência e compreensão
A publicidade política online tornou-se rapidamente uma indústria sofisticada. O facto da maioria das pessoas obter informações através de poucas plataformas e a crescente sofisticação de algoritmos desenhados a partir de valiosas bases de dados pessoais significa que as campanhas políticas estão agora a fazer anúncios políticos individuais tendo como alvo cada grupo de utilizadores. Uma fonte indica que nas eleições norte-americanas de 2016 cerca de 50 mil variações de anúncios foram servidos a cada dia pelo Facebook, uma situação quase impossível de fiscalizar. E há indícios de que alguns anúncios políticos – nos EUA e em todo o mundo – estão a ser usados de modo nada ético, dirigindo os eleitores para sites de notícias falsas, por exemplo, ou tentando mantê-los afastados das urnas. A publicidade segmentada possibilita que uma campanha política diga coisas completamente diferentes, possivelmente contraditórias, a grupos diferentes de pessoas. Será isto democrático?
Todos fomos necessários para construir a web que temos, e agora cabe-nos a nós construirmos a wem que queremos – para toda a gente.
Esses problemas são complexos, e as soluções não serão simples. Mas alguns grandes passos para avançar já estão claros. Precisamos definir em conjunto com as empresas web um equilíbrio que coloque novamente nas mãos das pessoas um grau algum controlo sobre dados. Isso inclui o desenvolvimento de novas tecnologias tais como “nichos de dados” pessoais, se necessário, e explorar modelos alternativos de receita tais como assinaturas e micropagamentos. Temos de lutar contra os abusos governamentais em leis de vigilância, incluindo através dos tribunais, se necessário. Temos de combater a desinformação pressionando os “gatekeepers” como o Google e o Facebook a prosseguirem os seus esforços para combater o problema, e ao mesmo tempo evitar a criação de qualquer organismo central para decidir o que é ou não é “verdade”. Precisamos de mais transparência nos algoritmos para percebermos como estão a ser tomadas decisões importantes que afetam as nossas vidas, e talvez um conjunto de princípios comuns a ser seguidos. Precisamos urgentemente fechar o “ponto cego da internet” na regulação de campanhas políticas.
A nossa equipa na Web Foundation vai tratar de muitos desses temas que são parte da nossa estratégia quinquenal — investigando os problemas em maior detalhe, trazendo soluções políticas proativas e articulando alianças que conduzam a avanços em direção a uma web que dê poder e oportunidades iguais para todos.
Eu posso ter inventado a web, mas todos vocês ajudaram a fazer dela o que é hoje. Todos os blogs, posts, tweets, fotos, vídeos, programas, páginas web e muito mais representam os contributos de milhões em todo o mundo construindo a nossa comunidade online. Todo o tipo de pessoas têm ajudado, dos políticos que lutam para manter a internet aberta, organizações como a W3C que promovem o poder, acessibilidade e segurança da tecnologia, e pessoas que saem à rua em protesto. No ano passado, vimos como os nigerianos enfrentaram uma lei das redes sociais que teria destruído a liberdade de expressão online, os protestos populares contra os “apagões” da internet nos Camarões, e grande apoio público à neutralidade da net tanto na India como na União Europeia.
Todos fomos necessários para construir a web que temos, e agora cabe-nos a nós construirmos a wem que queremos – para toda a gente.
Tim Berners-Lee foi o cientista que criou a World Wide Web. Fundador da World Wide Web Foundation, dirige o World Wide Web Consortium (W3C) e é investigador no Massachusetts Institute of Technology.
Artigo publicado no Guardian e traduzido por Inês Castilho para o portal Outras Palavras. Revisto e adaptado por Luís Branco para o esquerda.net.
Aury Hilário é um cirurgião plástico de Porto Alegre. Mas também é muito mais: por 14 anos, ele nos enviou newsletters informando sobre tudo o que acontecia na cidade em termos musicais. Assim, ele provava que se podia ter uma vida cultural mais rica do que normalmente se imagina nesta cidade abandonada. E mais ainda: através dele, muitas vezes descobríamos que podíamos ter vida musical sem pagar nada. Sei de gente que recebia seus e-mails e, com tempo livre e recebendo uma aposentadoria vergonhosa, ia apenas nos gratuitos. Aury fez muito. Eu acho que, como ele sugere na comunicação abaixo, alguém poderia assumir seu trabalho. Infelizmente, falta-me tempo para me oferecer e já tenho o compromisso do PQP Bach, mas fica a dica. Quem quiser contribuir para o bem cultural da cidade, ai está o convite.
O Bola em Transe é um programa de discussões esportivas que se propõe a debater o futebol para além das questões técnicas e táticas — sem descartá-las –, abordando também seus aspectos sociais e culturais. O time que entra em campo é formado por Débora Nunes, Francisco Éboli, Moysés Pinto Neto, e eu, Milton Ribeiro.
No programa dessa semana: Machismo no futebol / #DeixaElaTrabalhar.
Para fanáticos por futebol com um parafuso a mais.
No último sábado, fui assistir ao concerto inaugural da Casa da Música da Ospa. Fiquei muito impressionado com o belo resultado obtido em tão pouco tempo. O que nos salta aos olhos e aos ouvidos de cara: a sala é muito bonita, o local é adequado, as cadeiras e o colorido das madeiras lembram a Sala São Paulo e o teto baixo parece ter sido bem resolvido do ponto de vista acústico. Talvez apenas os instrumentos de madeira tenham sofrido um pouco com a cortina de cordas logo à frente.
É claro que era uma noite especial, nervosa e muito emocionante. Afinal, após várias décadas difíceis de nomadismo, a orquestra finalmente teria uma sede própria. A sequência de discursos e leituras foi massacrante — duraram mais de uma hora –, houve muito estresse nos últimos dias e horas a fim de finalizar a obra, chovia forte lá fora, o público de Marchezan City chegava lentamente, tudo atrasou, a orquestra esfriou e o concerto não foi lá essas coisas, mas jamais deixaria de dar todos os descontos citados.
Imaginem que não havia ingressos disponíveis, só que a chuva era tal que muita gente optou por permanecer em casa. Creio que a lotação não ultrapassou os 80% da capacidade do teatro de 1100 pessoas. Soube que o segundo concerto (o de domingo) teve resultado artístico muito melhor, além de um público mais entusiasmado e afeito à música, diferente das autoridades, jornalistas e penetras indiferentes de sábado.
O programa não era do meu agrado, apesar de coerente. Uma obra de Arthur Barbosa, Mba’epu Porã, cujo tema era a formação musical do sul da América, a ultra norte-americana Rhapsody in Blue, de George Gershwincom o excelente pianista Cristian Budu, e a Sinfonia Nº 9, Novo Mundo de Dvořák, mistura de música checa com uma tentativa de fazer música norte-americana em 1893. Ou seja, não era uma coisa de louco, mas tem gente que ama este repertório.
Só que ontem nada disso interessava. Afinal, estávamos dentro de uma raríssima construção de nosso estado feita exclusivamente para a cultura. Há quantos anos não se fazia uma obra dessas para o setor patinho feio do Estado? Além da sala de concertos, haverá camarins, café, salas de estudos, saguão, entre outros espaços. Tudo para a música. É claro que faltam ainda algumas coisas, porém a sala já é superior a tudo o que há disponível para a orquestra em Porto Alegre. E para o público também.
A Ospa, o diretor artístico (e herói) Evandro Matté — principal líder desta odisseia –, o superintendente da Ospa Rogério Beidacki e o engenheiro acústico Marcos Abreu estão de merecidíssimos parabéns. Nós também.
A construção, que é a primeira Sala Sinfônica de Porto Alegre, produzirá muita felicidade. A Casa está de pé e será um dos principais pontos de cultura de nosso combalido Rio Grande.
No último sábado, vimos a barbárie dar um passo atrás.
Evandro Matté já era o Diretor Artístico da Orquestra Unisinos Anchieta quando assumiu a mesma função na Ospa. Chegou ao novo cargo no início do governo Sartori e é uma exceção no enorme leque de críticas que o governo recebe, principalmente em Porto Alegre.
A entrevista sobre o novo momento que vive a Ospa foi feita no último sábado no Agridoce Café. Acreditamos que o caráter da conversa — muito informativa — foi descansado, ainda mais se considerarmos a folga que tivemos do calor.
Os assuntos foram muitos. Afinal, após mais de uma década, a Ospa voltará a ter um mesmo local para ensaios e concertos, o Conservatório Pablo Komlós irá para o Palacinho e será ampliado, a orquestra voltará a excursionar, novos músicos foram nomeados em troca do enxugamento do setor administrativo, o tradicional dia de concertos será mudado, entrando num padrão que é internacional, etc. Ou seja, assunto não faltou.
Em apoio, contamos não somente com os cafés e o tiramisù do Agridoce, mas também com as excelentes fotos de Guilherme Santos. Ao final de entrevista, notei que tanto Evandro quando Guilherme têm seus instrumentos de trabalho tatuados no antebraço direito.
Impossível não notar uma tatuagem no braço de um descendente de italianos que usa muito as mãos para falar e ainda é regente de orquestra, imaginem. Mas vamos à entrevista:
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Guia21 — Mesmo com a crise financeira, com o Governo do Estado cortando tudo, com a Cultura eternamente na linha de frente para os cortes, a Ospa conseguiu um bom ano, com crescimento, planos de nova sede, nomeações, etc. Qual é o segredo?
Evandro — Esses 27 anos que estou na Ospa foram uma grande escola. Além de trompetista e regente, fui presidente da Associação de Músicos da orquestra. Sei como se sentem os músicos. Sei que quem administra não deve ficar apenas focado na programação, mas também na estrutura da Fundação. Houve períodos em que nos tocávamos em cadeiras de plástico amarelas, as estantes eram complicadas de usar, eram totalmente inadequadas. Então, se algum dia eu assumisse a Ospa — algo para o qual me preparei –, eu queria não somente olhar a parte artística, mas também a estrutural. Quando fui convidado pelo secretário Victor Hugo, em razão do trabalho que eu fazia com a Unisinos e nos Festivais do Sesc, elaborei uma série de metas ou objetivos. Minha lista de prioridades está quase toda cumprida. A ideia prioritária era de resolver as questões estruturais que atrapalhavam a orquestra para que a Ospa pudesse dar um salto. Precisávamos de estabilidade no trabalho e no fluxo financeiro, apesar da crise. No último quesito, usamos nossa rede de relacionamentos, mas não podemos jamais reclamar do governo, que nos apoiou inclusive com suplementação orçamentária em alguns momentos.
Guia21 — Conta um pouco da tua vida como músico antes de chegar ao cargo de Diretor Artístico da Ospa?
Evandro — É uma longa história. Eu conheço muito bem a instituição. Na verdade, se somar tudo, minha história na Ospa tem 30 anos. Eu tenho 47. Fui assistir pela primeira vez a uma orquestra sinfônica em Gramado quando tinha 13 anos. A banda marcial onde eu tocava foi a um concerto em Gramado e, para minha sorte, a Ospa ia tocar a 9ª Sinfonia de Beethoven regida por Eleazar de Carvalho. Foi a primeira vez que estive frente a frente com uma orquestra. Eu sou filho de um mecânico e de uma dona de casa e a cultura não era algo muito presente dentro de casa. Aquilo me impressionou muito. Ao final do concerto, subi no palco e perguntei para os trompetistas como se fazia para entrar na Ospa… Eu tocava desde os 7. Eles riram, mas ficou aquele desejo. Aos 17 anos, eu vim para Porto Alegre. Trabalhava no Banco do Brasil como boy (menor auxiliar). Para enganar a família, fiz vestibular para Engenharia Civil. E, no mesmo ano, na verdade no mesmo dia em que entrei na Engenharia — acabei fazendo todas as cadeiras do curso, faltou só o estágio — entrei também na Escola de Música da Ospa. E, quando terminei a Engenharia, passei no Concurso da Ospa como trompetista. Então desisti do estágio e do título de engenheiro para ser músico. Quando comecei na Ospa, fiz vestibular para Música na Ufrgs, me formei aqui e fora, segui toda a carreira de trompetista. Então eu estou vinculado a Ospa faz 30 anos, 27 como músico da orquestra. Eu vivenciei períodos muito difíceis, quando todos reclamavam de uma orquestra que, na verdade, não tinha as mínimas condições de trabalho e pouco respaldo. Passamos por diversos governos e diretores artísticos, alguns muito bons.
Guia21 — Neste semestre deve ser inaugurada a Casa da Música da Ospa, como estão as obras e de onde surgiu este nome?
Evandro — Devido a vários problemas, a construção da Sala Sinfônica da Ospa foi suspensa e substituída pela Casa da Música. Hoje, é onde ensaiamos. Nós mudamos o nome para não haver confusão entre o plano antigo e o novo. O nome foi inspirado pela magnífica Casa da Música na Cidade do Porto (Portugal). Nossa sala de ensaios irá se transformar numa sala sinfônica e em outras coisas que falarei a seguir. Por vários motivos, eu defendia esse espaço para a Ospa há 15 anos. É um espaço que está dentro do complexo administrativo do Governo do Estado, era um local que já estava semi-pronto, pois, no plano diretor, era para ser um Centro de Convenções com um Teatro. A Secretaria de Educação ocupava o espaço que deveria ser o Centro de Convenções e a estrutura do Teatro estava fechada com tapumes há 48 anos… Imagina que ele tem um ângulo de plateia, que cabem 1100 pessoas, que tem um estacionamento embaixo para 300 vagas e mais 1000 fora. Então, como o projeto anterior foi ficando cada vez mais inviável em razão de questões financeiras e burocráticas, além do fato de que, das duas empresas que venceram a licitação, uma não era séria e a outra quebrou… Ficamos sem empresas para fazer as obras. Teríamos que fazer novas licitações e isso demora. Além do mais, precisaríamos buscar um dinheiro do governo federal que, sabemos, dificilmente seria liberado com agilidade. Mas o mais importante é o seguinte. Qual seria o custo de manutenção do novo espaço? Seria absurdo. Para nós mantermos o novo prédio, seríamos obrigados a baixar o nível artístico para pagar contas de manutenção, o que já ocorrera no passado com antigo teatro Leopoldina. Então chegamos ao projeto no Caff (Centro Administrativo Fernando Ferrari).
Guia21 — O que é este projeto?
Evandro — Uma Sala de Concertos para 1100 lugares, com mezaninos, saguão e memorial com fotos de todos os músicos e regentes da orquestra desde a fundação, mais bilheteria, chapelaria, depósito, arquivo de partituras — pela primeira vez teremos isso em nosso local de ensaio –, salas de estudo, camarins, cafeteria, restaurante e sala híbrida para recitais e eventos. Nesta sala, pensamos em fazer um programa chamado Minha Primeira Vez, destinado a quem nunca foi a um concerto, para aprender noções. Isso gera uma vinculação, é o que desejamos. Temos uma LIC aprovada e as empresas estão vindo. Talvez a gente não consiga deixar a sala disponível para o dia 10 de março, que era a nossa intenção. Mas esperamos abri-la no final de março.
Guia21 — Quais serão as vantagens do novo espaço?
Evandro — Primeiramente, os 1100 lugares, que é um número muito bom para a Ospa e Porto Alegre. Já falei no arquivo de partituras. Também há o ponto, a localização é ótima e nós vamos ter um custeio muito baixo. Ou seja, o novo espaço só vai nos gerar receitas. Luz, IPTU, segurança, tudo está dentro do complexo do Centro Administrativo. E a Ospa ainda poderá explorar o estacionamento coberto, bar e restaurante. Vamos poder locar a Sala quando a Ospa não a estiver utilizando. Ou seja, será um grande salto para a orquestra. Mas o mais importante mesmo é o salto artístico. Depois de muitos anos, vamos ensaiar no local do concerto.
Guia21 — E a acústica da Sala?
Evandro — Neste primeiro momento, estamos apenas ensaiando lá. Somos bastante conscientes dos atuais problemas de acústica, mas eles estão sendo sanados pelos especialistas que contratamos. Nós temos casos em Nova Iorque e Paris em que salas foram fechadas para acertos. Depois, houve a retomada. São muitas pequenas variáveis que influenciam. É claro que a aplicação dos conceitos básicos já deve melhorar muito nossa condição atual. Vamos chegar certamente a um ponto ótimo. Agora, estamos nos dedicando a reduzir a reverberação e seguir um processo de melhoria contínua.
Guia21 — Vocês têm um crowdfunding em andamento, não?
Evandro — Sim, mas isso é para pagamento de parte do projeto, não do projeto completo. Há um esforço para a venda de poltronas que receberão o nome de quem contribuiu. Temos uma LIC especial, porque é para patrimônio público, que dá 95% de abatimento. Estamos visitando empresas com excelente retorno. Isso visa a obra civil para finalizar a Sala de Concertos e o saguão, o que permitirá que a gente abra a Sala para o público. E a segunda etapa é o restante.
Guia21 — Há a ideia de endowment?
Evandro — Isso seria um sonho. Está na minha lista. É algo que nos daria sustentabilidade a longo prazo. Porém, no Brasil não há a tradição de retornar à sociedade aquilo que ela deu a alguém. Não há quase mecenato. É muito complicado, mas seria o ideal pela longevidade que daria à Fundação. O endowment é perfeito para uma fundação como a nossa porque o principal nunca pode ser mexido, apenas o rendimento. Mas o fundo demora a ser criado, ainda mais no Brasil. Imagina que Harvard tem um fundo de endowment de 4 bilhões de dólares. Eles mantém toda a pesquisa da Universidade só a partir destes rendimentos. Quem investe em um endowment tem a segurança de que o dinheiro doado não será “torrado”, mas dará frutos contínuos. Eu gostaria de criar o endowment da Ospa, mas hoje não há nem segurança jurídica para fazê-lo.
Guia21 — Como fica o antigo projeto de Sala Sinfônica? Quais são os planos para ela? Ficará no papel?
Evandro — Aquele terreno é nosso e localiza-se em local nobre. Houve investimento em fundações e não podemos ignorar que 6 milhões de reais foram investidos ali. Nós vamos chamar um concurso pelo IAB para reestruturar o projeto, aproveitando o investimento feito nas fundações que lá estão. Nós vamos criar uma concha acústica no local. Eu não gosto deste termo, prefiro falar em Teatro Aberto. Ao lado deste teatro, haverá dois pequenos prédios: um para a Escola da Ospa — para aqueles que vão ter sua iniciação no instrumento, não falo do Conservatório — e outro para o Museu da Ospa. O primeiro seria um projeto social mesmo. O Teatro Aberto nos permitiria concertos de verão e locações para shows. Seria mais uma forma de receita.
Guia21 — Poderia nos falar sobre o milagre das nomeações?
Evandro — (risadas) Eu ganhei três jantares em apostas. Ninguém acreditava na possibilidade de haver nomeações. O que aconteceu foi que nós enxugamos num ponto para sobrar do outro. Nós tratamos de mostrar ao governo a importância da Fundação Ospa, tudo o que ela dá de retorno para a sociedade. Paralelamente, nós pegamos o quadro que foi criado em 2014 no governo Tarso pelo secretário Assis Brasil e pelo ex-Diretor Artístico Tiago Flores. Esse quadro trazia um setor administrativo muito grande. Havia mais cargos do que o necessário. Então, uma das contrapartidas que nós oferecemos foi uma redução da estrutura administrativa para priorizar a contratação de músicos. Isto gerou também uma redução na contratação de músicos extras. Além do mais, nós tivemos boas receitas durante este período. Acabamos conseguindo.
Guia21 — Quais são os ganhos sociais e culturais que a Ospa dá?
Evandro — Os ganhos são claros. Há o trabalho social feito pela Escola da Ospa. Nós ampliamos muito o número de alunos que na Escola não pagam pelo aprendizado. É um trabalho social onde os professores são os músicos da orquestra. Ampliamos as atividades do coro e da Ospa jovem. Houve também uma ampliação de público. Nós estamos com 30% a mais de público do que na gestão anterior. Criamos os concertos no Margs. Com a diversificação das séries de concertos, estamos em muitos locais. Temos os concertos no interior, no Araújo Vianna, na Ufrgs, nas igrejas, no Theatro São Pedro, etc. Isso nos deu um crescimento do público dos concertos. Temos também muita mídia. Hoje a Ospa aparece muito graças a vocês da imprensa. E há o reconhecimento da sociedade como um todo, porque aumentamos a captação em 400%.
Guia21 — A Ospa vai viajar bastante em 2018, não?
Evandro — Nem tanto. As idas ao interior permanecem na mesma base, mas é natural que, neste quarto ano de gestão, comemoremos o que se obteve. Vamos mostrar a Ospa que está em excelente nível artístico. Vamos a Campos do Jordão, à Sala São Paulo, ao Sodre em Montevidéu e ao CCK em Buenos Aires. Gravaremos também um CD em maio.
Guia21 — Outra mudança histórica, e esta envolve o público, é a mudança de horário e do dia dos concertos após 67 anos.
Evandro — Desde o tempo em que eu era músico, achava absurdo nosso esquema de ensaios com um fim de semana no meio. A gente ensaiava quinta, sexta e sábado pela manhã, parava no domingo, tínhamos mais ensaios na segunda e terça, dia também do concerto. Nunca vi outra orquestra que trabalhasse assim. Todas as orquestras fazem o trabalho dentro da semana, e apresentando o concerto no final da mesma. Outro problema são os regentes convidados. Quando eles são de determinado padrão, têm agendas mais lotadas, sempre com trabalhos de ensaio e apresentação dentro de uma única semana. É claro que, para vir à Ospa, eles tinham que reservar duas semanas. O padrão é a semana. Qualquer regente nos pergunta: “Qual é a semana?”. Outro fator é o público. Tenho feito levantamentos de como trabalham Osesp, OSB, Minas e orquestras do exterior que tenho regido ou não. As quintas-feiras têm o menor público, nas sextas já é maior e nos sábados lota. Não há sentido em manter os concertos às terças à noite. Pior: as pessoas de mais idade, com a violência e a insegurança, não vão aos concertos às 20h30 das terças. O horário de sábado, às 17h, permitirá que as pessoas saiam de casa mais tranquilas. Por exemplo, a série de música de câmara que eu criei no Margs — nos dois primeiros meses, o horário era o das 18h30 e o público era médio. Quando passamos para às 16h30, passou a lotar.
Guia21 — As atrações deste ano?
Evandro — Para confirmar, eu preciso ter a data em que inauguraremos a Casa da Música da Ospa. Mas traremos o balé do Colón de Buenos Aires, a ópera A Viúva Alegre e uma turma de regentes muito boa, como têm sido nos últimos anos.
Guia21 — Nós passamos por cima de outra novidade, a utilização do Palacinho pela Escola de Música da Ospa.
Evandro — Sim, é um local impressionante, muito bonito, de 2500 m². Lá há vitrais e escadarias belíssimas. Foi-nos cedido por 30 anos. Nesta primeira fase, começaremos com o mesmo nível de conforto da atual escola, mas com muito mais salas. Num segundo momento, já temos aprovada uma Lei Rouanet de restauro na casa de 4 milhões de reais. Ainda vamos tentar recuperar algo do valor que seria destinado para a Sala Sinfônica do Parque da Harmonia para o Palacinho. A outra parte seria para a Concha Acústica (Teatro Aberto). A mudança para o Palacinho está prevista para entre os meses de abril e maio. Passaremos de nossas atuais 7 salas de aula para 22 e levaremos a administração da Ospa junto para lá. Isso é mais economia, porque a administração na 24 de Outubro, zona nobre próxima ao Parcão, é muito onerosa. Só o condomínio já é absurdo. E vamos aumentar o número de instrutorias no Palacinho, claro.
Guia21 — Para finalizar. Sei que tu também administras a Orquestra da Unisinos, os Festivais do Sesc e os concertos Zaffari. Como é que tu consegues fazer tudo isso? Como convivem o gestor, o regente e o trompetista?
Evandro — O trompetista está parado, mas pode ter que voltar. O cargo que ocupo é de confiança e as administrações mudam. Hoje eu toco muito pouco. Quanto às outras atividades, posso dizer que sempre fui acostumado a trabalhar muito. Deve ter vindo no DNA, porque meu pai é também assim. Durmo pouco e trabalho muito. Minha vida sempre tem três turnos, mas o terceiro eu considero prazer. Corro e resolvo coisas durante o dia e, no terceiro turno, à noite, estudo. A gente tem que saber o que está fazendo na frente de orquestra porque senão os músicos te engolem… (risadas). Mas, na verdade, eu tenho pouco lazer e preciso mudar isso em minha vida.
Gosto dos algarismos, porque não são de meias medidas nem de metáforas. Eles dizem as coisas pelo seu nome, às vezes um nome feio, mas não havendo outro, não o escolhem. São sinceros, francos, ingênuos. As letras fizeram-se para frases: o algarismo não tem frases, nem retórica.
Assim, por exemplo, um homem, o leitor ou eu, querendo falar do nosso país dirá:
– Quando uma constituição livre pôs nas mãos de um povo o seu destino, força é que este povo caminhe para o futuro com as bandeiras do progresso desfraldadas. A soberania nacional reside nas Câmaras; as Câmaras são a representação nacional. A opinião pública deste país é o magistrado último, o supremo tribunal dos homens e das coisas. Peço à nação que decida entre mim e o Sr. Fidélis Teles de Meireles Queles; ela possui nas mãos o direito a todos superior a todos os direitos.
A isto responderá o algarismo com a maior simplicidade:
– A nação não sabe ler. Há 30% dos indivíduos residentes neste país que podem ler; desses uns 9% não lêem letra de mão. 70% jazem em profunda ignorância. Não saber ler é ignorar o Sr. Meireles Queles: é não saber o que ele vale, o que ele pensa, o que ele quer; nem se realmente pode querer ou pensar. 70% dos cidadãos votam do mesmo modo que respiram: sem saber por que nem o quê. Votam como vão à festa da Penha, – por divertimento. A constituição é para eles uma coisa inteiramente desconhecida. Estão prontos para tudo: uma revolução ou um golpe de Estado.
Replico eu:
– Mas, Sr. Algarismo, creio que as instituições …
– As instituições existem, mas por e para 30% dos cidadãos. Proponho uma reforma no estilo político. Não se deve dizer: “consultar a nação, representantes da nação, os poderes da nação”; mas – “consultar os 30%, representantes dos 30%, poderes dos 30%”. A opinião pública é uma metáfora sem base: há só a opinião dos 30%. Um deputado que disser na Câmara: “Sr. Presidente, falo deste modo porque os 30% nos ouvem…” dirá uma coisa extremamente sensata.
E eu não sei que se possa dizer ao algarismo, se ele falar desse modo, porque nós não temos base segura para os nossos discursos, e ele tem o recenseamento.
Gustavo Melo Czekster é um homem que escreve. Passa seus dias escrevendo petições, recursos e ações e, ao chegar em casa, segue escrevendo contos, ensaios, romances. Como revelou aqui, escreve até dormindo. Teve que afastar o celular de si porque respondia dormindo às perguntas que lhe faziam nas redes sociais e, ao acordar, não lembrava de nada. Chegou a revisar textos dos quais não sabia uma palavra ao acordar.
Publicou dois livros de contos muito elogiados: O Homem Despedaçado, em 2011, e Não há amanhã, em março deste ano. Suas obras completas estão em computadores e em oito caixas de papelão que, segundo ele, estão cheias de insetos e ignomínias. Já prepara seu primeiro romance, que será sobre a grande violoncelista inglesa Jacqueline du Pré, cuja carreira foi tragicamente abreviada em razão da esclerose múltipla que a forçou deixar os palcos aos vinte e oito anos de idade.
Na entrevista que ele concedeu ao Guia21 no Bar Chopp Tuim, falou sobre seu segundo livro, sobre os dias que correm, a posição da literatura e da cultura no Brasil e sobre o pintou na conversa.
Guia21 — Comecemos pelo teu livro Não há amanhã. Há quanto tempo foi lançado e como tem sido a recepção?
Gustavo Melo Czekster — O livro foi lançado há seis meses e a recepção tem me surpreendido favoravelmente. As pessoas reclamam da fuga dos leitores, mas talvez o que esteja faltando seja escritores contando boas histórias. Tento fazer isso em meu livro. Também me surpreende a forma com que as pessoas têm interagido comigo. Muitos mandam mensagens com impressões e comentários. As redes sociais ajudam nisso, claro. Da minha perspectiva, a melhor parte de escrever é ver que nosso trabalho não é lido com indiferença. Vi exemplares do Não há amanhã bastante anotados. Claro que fiquei feliz.
Guia21 — Não há amanhã não é um livro fácil.
Gustavo Melo Czekster — Não, não é fácil e as pessoas parecem desafiadas a apresentarem interpretações para algumas das histórias. É muito interessante porque algumas vezes o que é comentado não passou pela minha cabeça, mas deve estar ali de alguma forma. Posso dizer que recebi leituras atentas.
Guia21 — São 30 contos no Não há amanhã. Apesar da variedade de temas há uma grande unidade. Como foi escrito?
Gustavo Melo Czekster — Quando eu planejei o livro, logo pensei: meu tema será o sentido. “O Homem Despedaçado” fora sobre a fragmentação humana — ou seja, sobre quantas pessoas existem dentro de nós mesmos — e agora meu tema será o sentido, que é um conceito com vários usos e significados. Aliás, o nome do livro era “O Sentido”. Quando fui pesquisar na filosofia, vi que o sentido é sempre associado a algo, o sentido da vida, da morte, etc. O único autor que chegou mais perto do sentido como conceito puro foi Camus em O Mito de Sísifo. É o homem em busca de sentido diante de um mundo ininteligível, sem Deus e eternidade. Ele fala sobre o absurdo de pensar que a vida teria um sentido e que a única decisão efetivamente livre seria a dar cabo da própria vida. Mas o nome do livro foi alterado porque vários colegas acharam o título ridículo. Me avacalharam. Disseram que parecia autoajuda e que não era marcante. Então, voltei para casa, folheei Camus e encontrei a frase que diz que “O absurdo me esclarece o seguinte ponto: não há amanhã.” E então escolhi Não há amanhã. Ficou meio Sidney Sheldon, “Se houvesse amanhã”.
Guia21 — Gostei também de “O Sentido”, mas voltemos a um ponto inicial. Tu disseste que as pessoas têm lido Não há amanhã porque há poucas pessoas contando histórias.
Gustavo Melo Czekster — Sim, o que te leva a ler um livro de ficção? Ora, tu compra porque quer ler uma boa história. Afinal de contas, é isso que atrai na literatura em prosa desde que começamos a ler, só que hoje há uma curiosa massificação. Parece que os 6 ou 7 principais editores do país se reúnem periodicamente e decidem o que as leitores desejam ler. E então todos os livros saem mais ou menos iguais. Hoje, na minha opinião, a literatura mais excitante é aquela que está sendo publicada fora das grandes editoras. Porém, como as grandes se impõem junto ao público, as boas histórias, as coisas realmente diferentes, as coisas que prendem o leitor, estão fazendo falta. Há livros contemporâneos que a gente lê e depois pensa: o que eu acabei de ler? Que sentido tem isso? E o resultado é que a gente esquece logo. Quando alguém vai contar sobre o que leu, tem dificuldade para fazer um resumo em poucas frases… Normalmente as capas são maravilhosas, na maioria das vezes são livros bem escritos, mas que não nos dão a sensação de estarmos melhores ou piores com o livro, é puro entretenimento, falta interiorização. Alguns escritores querem o preto e o branco, certo e errado, sem ver que a realidade é nebulosa, que há uma zona cinza escura e outra cinza mais clara. Outra coisa que tem prejudicado a produção atual é a autocensura. A originalidade da história entra pelo ralo porque o escritor tem medo do que o pai e a mãe vão pensar, do que as feministas vão pensar, do que os deficientes e os políticos de todos os gêneros vão pensar. Isso é um crime contra a criatividade. Eu acho que temos que ser fiéis às nossas histórias mesmo que elas possam ofender alguém, mesmo que ninguém a leia. Acho que a voz autêntica é a única que pode devolver algo ao autor.
Guia21 — Falta sentido ou falta contar histórias?
Gustavo Melo Czekster — As duas coisas. Falta a sensação de imanência da arte. Por exemplo, Balzac nos envolve pela humanidade, sinceridade, pela história. Veja Anna Kariênina. Há uma certa perversidade na história que, bem, poderia acontecer conosco… O livro verbaliza coisas que talvez alguns de nós tenham vergonha de verbalizar. Eu poderia ser Kariênina em outras circunstâncias, em outro mundo. Hoje é difícil construir esta empatia com os personagens que são criados. Há uma postura blasé que diz que o autor não deve se envolver tanto com o personagem. Parece que os autores têm receio de mostrar muito de si em suas criações. Não há o pensamento de que o personagem é outra vida.
Guia21 — E temos boa literatura sendo produzida?
Gustavo Melo Czekster — Certamente, mas como disse, a boa literatura está correndo por fora, à margem. Por exemplo, os romances que são premiados não refletem a diversidade e a qualidade da literatura atual. É curioso: os grandes editores querem romances, dando absoluta preferência aos de detetive, aos de dragões ou aos de senhoras de 50 anos que descobrem o sexo. Um editor me disse isso uma vez e eu brinquei com a ideia de escrever um romance com detetives, dragões e senhoras recém liberadas. Seria um arraso. (risadas)
Guia21 — Com todas esta limitações…
Gustavo Melo Czekster — Sim, o patrulhamento. O pior patrulhamento nem é o da sociedade, mas o que é autoimposto ou que tenta se agregar a modas. A história pede um personagem X, mas o escritor usa um transsexual porque quer ser atual. Há também uma coisa forçada que impede vilões negros ou vilãs, por exemplo. O autor receia críticas do tipo “Quem tu pensa que é para dizer isso?” Não há desligamento do autor destes arquétipos, ele os procura para ser melhor aceito. Li recentemente um livro onde havia um relacionamento de 5 páginas entre duas mulheres. Não há problema nisso, só que não se sabe porque chegamos ali nem porque foi abandonado subitamente. Ou seja, o escritor forçou a barra e a excrescência não contribuiu para o que interessa, que é contar uma história, que é o motivo pelo qual o leitor está na frente do livro.
Guia21 — Os escritores também têm medo de outras coisas, como de não serem chamados para eventos…
Gustavo Melo Czekster — Certa vez, contestei a forma de organização de um concurso. Vieram pessoas inbox me parabenizar pela coragem, mas dizendo que eu não esperasse ganhar prêmios… Bem, eu não escrevo pela possibilidade de prêmios. Até me sentiria tolhido se tivesse uma meta dessas. E, ademais, as pessoas simplesmente esquecem de quem ganhou. Tu lembra quem ganhou o Açorianos no ano passado?
Guia21 — Não. Sei que eu ganhei em 2012 ou 13 um e ninguém sabe dele.
Gustavo Melo Czekster —(Risadas) Noto que pouca gente reclama, pouca gente protesta. Todos querem ser bonzinhos. Isso é muito de nossa época. Quase todos querem convites para feiras, para financiamento de livros, quase todos querem ver o governo comprando seus livros infantis, etc. E então o escritor não pode isso nem aquilo. Isto limita a literatura. Eu tenho a sorte de não viver da literatura. É uma sorte. Eu não preciso me comportar, não preciso colocar a última e mais atual pregação ideológica na obra para vender — não que isso funcione… Hoje, por exemplo, é muito difícil escolher um livro infantil. Dia desses fui dar um presente para uma criança e conferi o fato de que há muitos livros que, em resumo, eram a manipulação de uma história para agregar posicionamentos e não para contar uma história autêntica. Acabei nos clássicos.
Guia21 — Depois de Roald Dahl tem pouca coisa efetivamente interessante. Os personagens são ruins porque são ruins em razão de um trauma, coitados. Ninguém é ruim quis fazer uma maldade. Há medo da história?
Gustavo Melo Czekster — Sim, é como o cavalo que refuga um salto numa competição de hipismo. Muitas vezes estou lendo uma história e sinto que tal coisa vai acontecer. Então vem um balde de água fria. Há o medo de desagradar, o escritor passa a evitar sutilmente certas palavras. Já vi discussões de casal onde ambos evitavam palavras pesadas… Às vezes sabemos que o personagem deve se encaminhar para um destino, que aquilo vai acontecer, que ele vai descobrir algo, vai abrir uma porta, mas o autor segura e decide ficar no comando. Ele pensa “isso é muito sombrio para meu personagem”. O sistema de causa e efeito é quebrado. Voltemos à Anna Kariênina: se ela quisesse ser boazinha o livro não seria a obra-prima que é. Mas ela é apaixonante, vai se afundando e afundando. Imagina se Tolstói resolvesse que Anna voltasse atrás para ser uma boa mãe?
Guia21 — Por falar em censura e autocensura, o que tu achaste sobre o episódio do Queermuseu?
Gustavo Melo Czekster — Eu fui na exposição. Não tinha quase ninguém, nem seguranças em torno. Ela não me cativou nem escandalizou. Acho Caravaggio mais ousado. Também não encontrei pedofilia, nada. As pessoas veem o que querem ver. Eu não vou procurar obras de arte como comprovações de minhas teses. Quem viu escândalo estava procurando escândalo. Como é que as pessoas procuram isso? Por quê? O que eu vi foi uma desconstrução de várias imagens, mas jamais zoofilia, pedofilia, etc. Há duas semanas fui denunciado por pornografia pelo administrador de uma rede social porque postei uma pintura de Cézanne onde uma mulher amamentava seu filho. O outro seio aparecia nu. Ou seja, há o crescimento de um conservadorismo torto que é inclusive auxiliado pelas redes sociais. Nós já temos censura. E isso pode invadir a literatura. Por outro lado, chocar por chocar, escandalizar por escandalizar, envolvendo às vezes gratuitamente poder, sexo ou religião, é inútil. A arte tem que ter um objetivo. Por exemplo, Caravaggio usava prostitutas e mendigos para mostrar que aquilo existia. Acho que falta uma ideia além da provocação. Voltando à pergunta. acho que o Santander teve uma reação desproporcional e eu gostaria que os quadros fossem apresentados em outro espaços. Mas a mentalidade conservadora está se inserindo entre as pessoas mais jovens e vem subindo. A nova geração está chegando mais engessada, certinha, contida, sem ironia e isso gera conservadorismo.
Guia21 — Na época do lançamento de Tristram Shandy, os jovens eram mais conservadores que os velhos.
Gustavo Melo Czekster —Tristram Shandy é um livraço! Na época de Sterne, na Inglaterra, o mundo não estava, digamos, evoluindo. É o que ocorre também agora, estamos voltando no tempo. A pessoas estão usando palavras bélicas, ferozes, que buscam o confronto. São raros os ponderados, os que evitam as meras dualidades, buscando entender a complexidade do que acontece. Ninguém respeita professores, intelectuais, artistas, escritores, ninguém, é tudo no grito. O pessoal simplesmente não quer saber. Fico pasmo quando leio notícias de professores sendo agredidos — para mim, o professor não tem pele e osso para ser agredido.
Guia21 — Indo para o lado pessoal, qual é a tua formação?
Gustavo Melo Czekster — Eu sou advogado, mas meu mestrado foi em Letras, o que foi uma confusão porque existem termos comuns ao Direito e à área de Letras, com significados diferentes. Na época da dissertação, eu fiz uma lista de palavras que não poderia dizer de modo nenhum. Por exemplo, no Direito, a palavra “representação” tem um significado bem simples, porém, se eu utilizasse a palavra na área da Literatura, cairia num buraco negro teórico. No Direito, eu represento a parte X, eu a defendo, estou lado a lado, nas Letras eu substituo a parte. E, pior, desde Aristóteles se discute este segundo conceito de representação.
Guia21 — Tu dormes muito pouco, né?
Gustavo Melo Czekster — Eu tenho dificuldade crônica para dormir. Consigo descansar, repouso e passo bem o dia, mas acordo muito cedo. Às 3h30, 4h, eu já estou acordando. Vou ler, escrever, vejo filmes, às vezes quero sair, mas aí tenho receio não porque a noite está chegando, mas porque ela ainda não acabou. E devo ter um leve sonambulismo. Já respondi dormindo e por escrito coisas no celular. Ainda bem que com coerência e sentido. Hoje durmo com ele bem longe. Às vezes, as pessoas me agradeciam por respostas a coisas que não lembrava de ter lido e muito menos respondido. Era sempre um susto, mas vi que respondo educadamente, com sujeito, verbo e predicado. Parece até ser eu escrevendo… Provavelmente, ouço o sinal do celular e respondo dormindo. Tive que afastá-lo da cama. Esses dias cheguei a revisar um texto que me mandaram, dormindo. Bem, mas acordo muito cedo e às vezes vou para o Parque da Redenção quase de madrugada. Conheço os mendigos de lá, eles acham que sou um deles. Já tomei quentão de madrugada com eles. Eles têm grandes histórias para contar. Gosto muito de ouvi-los.
Guia21 — E os próximos planos?
Gustavo Melo Czekster — Estou escrevendo um romance sobre a violoncelista Jacqueline du Pré e o Concerto de Elgar. Sou fascinado pelo concerto e pela biografia de du Pré, além da ironia macabra da esclerose múltipla. Estou estudando um pouco mais de música para enfrentar o tema. O livro se passa durante uma execução do concerto de Elgar.
O anunciado fim da Ipanema FM e o verdadeiro muro das lamentações que se tornou a caixa de comentários da brevíssima matéria era o pretexto óbvio para uma entrevista com Katia Suman. Porém, a ex-coordenadora e principal apresentadora da legendária emissora não é apenas seus quase 20 anos de Ipanema, é também os 16 anos de Sarau Elétrico, e os 5 de rádio Elétrica, além tocar vários projetos paralelos como o do Cais Mauá de Todos.
Katia, que se autodenomina uma “sub celebridade porto-alegrense” é a filha do zagueirão gaúcho Gago. O motivo no apelido é que ele gaguejava na hora das entrevistas, problema que ela não herdou. Ela nasceu em Salvador quando seu pai jogava no Vitória (BA) e agora está escrevendo um livro sobre seus anos na famosa 94.9. Mas sua entrevista ao Sul21 não se limita à nostalgia, focando também o modo como se faz o rádio tradicional, as novas formas e a série de projetos que Katia leva em frente. Tudo isso acompanhado das boas histórias de quem pode dar consultoria de como viver e trabalhar sem dinheiro.
Sul21: Como começou a tua história na Ipanema FM?
Katia Suman: Eu tinha voltado de uma temporada de 7 anos em São Paulo, tinha decidido não mais trabalhar com publicidade (fui redatora) e estava tentando achar meu rumo. Nesse processo havia sempre um rádio ligado, porque eu sempre gostei de ouvir. Descobri a rádio Bandeirantes, que era muito melhor do que qualquer emissora paulista, com um excelente repertório musical. E uma fala tão coloquial, tão verdadeira, tão fora dos padrões radiofônicos, fiquei realmente muito impressionada. Pensei que eu poderia fazer um programa nesta rádio. Elaborei um roteiro, levei para o Nilton Fernando e ele me recebeu, gostou da ideia, gostou do meu perfil. Pouco tempo depois, quando a rádio passou a se chamar Ipanema, eu comecei, ancorando o horário da noite, das 20h à meia-noite.
Esse negócio de “música de trabalho” que a indústria fonográfica inventou, não colava com a gente.
Sul21: Como a equipe (principais apresentadores) foi formada? Como o pessoal chegava?
Katia Suman: Quando eu cheguei o grupo era formado pelo Nilton, diretor, Mauro Borba, locutor da tarde, a Mary Mezzari, redatora. Tinha também o Ricardo Barão que fazia o Central Rock. A interação da rádio com os ouvintes sempre foi muito forte, muito antes da internet os ouvintes realmente tinham voz na Ipanema: eles participavam, opinavam, davam dicas, levavam discos e nos mantinham informados de tudo o que estava rolando pela cidade. Era já uma rede. Pois bem, em 85 eu criei o Clube do Ouvinte, programa que, como o nome diz, os ouvintes faziam. Eu explicava como fazer o roteiro e eles iam lá apresentar. Houve programas memoráveis, muita gente legal se dispôs a ir ao estúdio, compartilhar seus discos e artistas preferidos. Alguns que apresentaram esse programa acabaram entrando para a equipe da rádio: a Nara Sarmento, por exemplo, o Porã, o Cagê e o Cláudio Cunha. O Alemão Vitor Hugo começou como redator e depois virou locutor.
Sul21: Como se deu o crescimento da rádio?
Katia Suman: Era a rádio certa na hora certa. O país vivia o processo de redemocratização, estava saindo do período tenebroso da ditadura militar. Havia no ar um desejo de liberdade, de exorcizar toda aquela opressão. É nesse momento que surge a famosa cena dos anos 80: Barão Vermelho, Paralamas, Titãs, Blitz, Ultraje, Camisa de Vênus e tantas outras. E aqui TNT, DeFalla, Replicantes, Engenheiros, Taranatiriça, Cascavelettes e tantas outras. A sintonia entre o público e nós, que fazíamos a rádio, era total. Falávamos a mesma língua, tínhamos os mesmos interesses, íamos aos mesmos shows, assistíamos aos mesmos filmes, frequentávamos os mesmos bares, líamos os mesmos livros. Era uma comunicação muito horizontal, éramos, sem saber, já um coletivo. Não era uma relação “rádio aqui e público lá”, como costuma ser. A rádio falava de tudo: política, ecologia, economia, artes, drogas, religiões, tudo! Nunca subestimamos a inteligência da nossa audiência. Num contexto em que as outras rádios voltadas ao público jovem tinham aquele discurso padrão, aquela locução alegre, acelerada e superficial, aquele listão de músicas reduzido e predominantemente internacional, a diferença era gritante. Com o tempo, as outras rádios passaram a dar atenção também a essa nova cena que surgia e a incorporar algumas das nossas sacadas.
Sul21: Havia jabá ou a liberdade era total?
Katia Suman: Liberdade total. Nunca nos submetemos. Inclusive uma das características da rádio era rodar praticamente todas as faixas (era no tempo das faixas) de um disco. Esse negócio de “música de trabalho” que a indústria fonográfica inventou, não colava com a gente. E a gente se esmerava em oferecer o que havia de melhor na música. Não havia internet, as gravadoras deixavam de lançar muita coisa aqui no Brasil. Então era a “caça ao tesouro”: alguém viajava e trazia de fora, ou conseguíamos em lojas de discos importados, ou os ouvintes nos levavam e a gente gravava. Enfim, era uma batalha. E a gente rolava de tudo: rock, funk, blues, jazz, mpb, bossa nova, música erudita, rap, hip hop. Sobre jabá, quem se interessar, minha dissertação de mestrado é sobre o tema e está disponível aqui.
Naquele momento a nossa voz era mais forte que a da RBS.
Sul21: Qual foi o papel da emissora em relação ao rock gaúcho?
Katia Suman: Foi muito importante. O fato de a rádio rodar os artistas, dar visibilidade a eles, ajudou a criar público. Começaram a surgir várias bandas, vários estúdios de ensaio, estúdios de gravação, casas noturnas com espaço para shows, um circuito de shows pelo estado, enfim, uma cena. As bandas gaúchas num dado momento, lotavam o Gigantinho.
Sul21: Tu te tornaste uma rara celebridade porto-alegrense fora do mainstream da RBS.
Katia Suman: Sub celebridade, né? Mas sim, todos nós ficamos muito conhecidos. Naquele momento a nossa voz era mais forte que a da RBS.
Sul21: O resultado financeiro da Ipanema FM era aceitável ou ficava abaixo do esperado?
Katia Suman: Olha, não só era aceitável como chegou a ser excelente em alguns momentos. Nos anos 80 e 90 a rádio cresceu muito em audiência e faturamento. Todo mundo que tinha como alvo o público jovem, anunciava na Ipanema.
Sul21: E a tua primeira demissão na Ipanema? Foi mesmo por “contenção de custos”?
Katia Suman: Foi o que me disseram. Deve ter sido mesmo. Se foi outro o motivo, nunca soube e acho que nunca saberei.
Sou entusiasta de primeira hora da internet e de toda essa revolução que está em curso.
Sul21: O teu período de madrugadão — programa das 2h às 6h — na Atlântida equivaleu a uma temporada na Sibéria?
Katia Suman: Mais ou menos. Mas por outro lado aprendi a operar uma mesa de áudio, aprendi a falar no ar, inventei um jeito de me comunicar. Valeu. Esse estágio foi antes de eu entrar efetivamente para a Ipanema.
Sul21: É mesmo? Saíste de lá por ignorar o set list programado para tocar na rádio, fazendo a tua própria seleção musical?
Katia Suman: Sim. Eu ficava falando a noite inteira, lia e comentava notícias e rodava a programação musical que me deixavam. Acho que os porteiros de prédios, seguranças e taxistas que ficavam acordados de madrugada, gostavam. Eu comecei a enjoar da programação que era sempre a mesma, só alterava a ordem das músicas. E comecei a dar uma incrementada. Claro que o programador musical não gostou.
Me orgulho da rádio Ipanema ter sido a primeira emissora gaúcha a ter um site (e a segunda do país) e isso aconteceu na minha gestão.
Sul21: Antes de voltar à Ipanema, durante tua época na TV Com, criaste a rádio Elétrica na web. Durante um período, as duas rádios foram concomitantes, correto? Qual é o caráter deste projeto?
Katia Suman: A rádio Elétrica surgiu da minha necessidade de compartilhar o que eu leio, descubro e aprendo. É um lance meu, uma necessidade. Desde o tempo em que eu fazia a madrugada da Atlântida, eu tinha um caderno em que, durante o dia, anotava notícias e reportagens e trechos de livros e coisas do gênero para falar no ar. Então, quando eu fiquei sem rádio — nessa época eu estava na TV Com –, criei a Elétrica. Em dezembro de 2010. No começo eu fazia sozinha, 2 horas por dia, ao vivo, rolando música e falando. Aos poucos foram entrando pessoas, vários programas foram criados e transmitidos. Algumas pessoas saem, outras entram e assim segue. Eu fiz a escolha de uma a uma das milhares de músicas que rodam. E hoje apresento o Talk Radio mais ou menos ao meio-dia, de segunda a sexta, cada dia conversando com uma das pessoas de um grupo muito legal, de diversas formações e profissões. Participam comigo, ao meio-dia, a psicanalista Christiane Ganzo, o produtor cultural Fernando Zugno, a médica Cinthya Verri, o escritor e professor Diego Grando e a especialista em sustentabilidade, Fabíola Pecce.
Sul21: A rádio Elétrica dá alguma grana ou tu pagas para tê-la? Essa migração já faz parte de uma percepção tua de que não dá mais nas FMs e AMs da vida?
Katia Suman: Até agora eu paguei o custo da rádio que inclui serviço de streaming, hospedagem de dados e equipamento. Agora comecei uma parceria com um apoiador (obrigada, Newkeepers) e esses custos serão bancados. Sou entusiasta de primeira hora da internet e de toda essa revolução que está em curso. Me orgulho da rádio Ipanema ter sido a primeira emissora gaúcha a ter um site (e a segunda do país) e isso aconteceu na minha gestão. Em 1997, tínhamos uma webcam transmitindo do estúdio da rádio. Quase ninguém assistia, pois eram poucos os que já estavam conectados. Mas nós já estávamos lá. Portanto a rádio web é quase um caminho natural para mim. Me agrada muito esse espírito do it yourself da internet.
Há uma diferença primordial da web para o FM, que é a possibilidade de ouvir o conteúdo a qualquer momento.
Sul21: Há também o Sarau Elétrico, de longa vida para um projeto literário. Como surgiu e ganhou consistência?
Katia Suman: O Sarau Elétrico também está dentro daquela lógica de compartilhar informações, no caso, informações de alta cultura, de intelectuais como os professores Luís Augusto Fischer e Cláudio Moreno. Atualmente, enquanto o Fischer está fora, o professor Sergius Gonzaga entrou para a trupe, que tem ainda o poeta e professor Diego Grando e a querida Claudia Tajes. Ainda nos primórdios da Ipanema, eu tinha por hábito ler trechos de livros. Sempre li bastante e cheguei a cursar Letras, embora não tenha concluído. Eu pensei em fazer um evento aberto, público, para leituras e conversas. Convidei o Fischer e o Frank Jorge. Eles toparam e começamos. E lá se vão 16 anos. No decorrer do período fomos criando uma dinâmica, um jeito, um borogodó qualquer que funciona. A atividade é muito prazerosa, aprendo muito. E nos divertimos também.
Sul21: Como potencializar audiências em tempos de narrowcasting? Pois uma radioweb é radicalmente diferente das tradicionais AMs e FMs (broadcasting).
Katia Suman: Ah, pois é. Eu não sei como potencializar audiência e nem chego a pensar muito sobre isso. Talvez devesse. Sim, rádio web é bem diferente. Não vejo sentido em botar só música, por exemplo, já que com esses serviços tipo spotify e deezer é possível ouvir música da melhor qualidade de qualquer gênero. Sem falar nas milhares de rádios espalhadas pelo mundo todo. Por outro lado, quem ouve a rádio Elétrica deve gostar da minha curadoria musical, porque tudo o que roda foi escolhido a dedo por mim. Estou constantemente atualizando o repertório. Mas o que faz mais sentido pra mim é compartilhar ideias, trazendo pessoas interessantes para juntos pensarmos o mundo que construímos. Eu acho também que há uma diferença primordial da web para o FM, que é a possibilidade de ouvir o conteúdo a qualquer momento. Por isso, os programas da rádio são todos arquivados em podcast.
Parece que a faixa FM já está virando uma imensa AM
Sul21: Que futuro tu vês para as atuais FM e seus modelos?
Katia Suman: A migração das AMs para a faixa de FM está acontecendo antes mesmo do prazo estabelecido pelo governo. E de uma maneira meio esquisita, que é duplicar o sinal, ou seja, transmitir o mesmo conteúdo nas duas frequências. Com o mesmo custo, o empresário tem duas fontes de faturamento. Então parece que a faixa FM já está virando uma imensa AM, ou seja, notícias, futebol e comunicação bem popular. Rádio FM para público jovem, acho que já era. Adolescentes nem conhecem o objeto rádio, não sabem como ligar (não é touch) nem para que serve. Tudo o que eles precisam em termos de informação e música está na internet.
Sul21: Tu tens te envolvido em projetos e tomado posições claras em relação à cidade. Há a Festa da Leitura e o coletivo Cais Mauá de Todos, por exemplo.
Katia Suman: Na Festa da Leitura eu participei muito discretamente, sugerindo algumas atrações para a programação e fazendo assessoria de imprensa.
Daqui a pouco vou dar consultoria de como viver, trabalhar e produzir sem dinheiro.
Sul21: E o resto?
Katia Suman: Atualmente eu estou fazendo um doutorado em Letras e o meu trabalho final será um livro sobre a Ipanema, feito a partir de relatos feitos à época, por todos os integrantes da rádio. Eram cadernos que ficavam no estúdio e ali anotávamos tudo o que acontecia, nos comunicávamos internamente. Era o nosso e-mail. Eu tenho cadernos de 1984 a 1997. É um belo documento. Também quero finalizar um documentário que comecei em 2013, quando tomei contato com uma cena de festas que acontecem nas ruas de Porto Alegre. São ocupações do espaço público, bonitas, com arte, alegria. Gente jovem reunida. Durante 2013 e 2014 captamos mais de 40 horas de imagens dessas festas, entrevistei um monte de gente. Estou buscando formas de finalizar. Tentei o Fumproarte, mas não rolou. Estou esperando agora o resultado de um edital nacional. Se não rolar vou fazer sem dinheiro mesmo, como tudo foi feito até aqui. Eu daqui a pouco vou dar consultoria de como viver, trabalhar e produzir sem dinheiro.
Sul21: Como surgiu a necessidade de te envolveres com as questões da cidade e da orla? O fato de seres bastante conhecida facilita e dá maior visibilidade às causas?
Katia Suman: Eu era daquelas pessoas que andava sempre de carro. Fazia todos os meus trajetos de carro. Mas, à medida que o trânsito começou a ficar muito denso e travado, eu passei a me sentir tão incomodada que fui mudando a maneira de me locomover pela cidade. Passei a caminhar muito mais do que antes, a usar mais transporte público e a andar de bicicleta. A partir desse contato mais próximo com as ruas da cidade — no carro, a gente está numa bolha –, eu comecei a tomar consciência da realidade da cidade, do estado de abandono das ruas, da deterioração dos espaços públicos, da humilhação a que os pedestres são submetidos quando esperam longos minutos para terem direito a alguns poucos segundos para vencer ao menos uma faixa de uma avenida. Paralelo a isso, comecei a fazer um programa chamado Cidade Elétrica com a escritora Carol Bensimon e o arquiteto João Marcelo Osório. (Na rádio Elétrica, claro – tem os podcasts lá). Entrevistamos muitas pessoas envolvidas com urbanismo, eu passei a pesquisar o assunto, li livros, vi palestras, fui me informado. E quando a gente se informa e cai na real, não tem como não se envolver. A gente vive hoje uma situação inédita na história do planeta terra: pela primeira vez a população que vive em cidades é superior a que vive no campo. E os problemas que a gente costuma encarar como “globais”, como mudanças climáticas (80% da emissão de gases que causam o aquecimento global vem das cidades) ou crise energética (75% do consumo global de energia acontece nas cidades), são em muitos aspectos, problemas urbanos, problemas das cidades. Eles não serão resolvidos se as pessoas que vivem nas cidades não se envolverem ou se responsabilizarem.
Nós precisamos de uma revolução de participação. E rápido!
Sul21: E Porto Alegre, neste contexto.
Katia Suman: Pois é. Vou dar um exemplo dessa falta de envolvimento: Porto Alegre foi a primeira cidade brasileira a ter coleta seletiva de lixo. Desde 1990 há esse tipo de coleta e hoje toda a cidade está contemplada. 100%. Mas qual a porcentagem da população que efetivamente separa os seus resíduos? Apenas 25%!!!!! O que acontece com os outros 75%? Eles não se responsabilizam, eles não se envolvem. Eles não se interessam pelo assunto. Nós precisamos de uma revolução de participação. E rápido!
Sul21: E o movimento Cais Mauá de Todos?
Katia Suman: Aproveitando o espaço, eu convido o distinto leitor a conferir a página facebook.com/caismauadetodos e participar da discussão que nós estamos propondo. Somos um grupo de pessoas que, a exemplo de mobilizações passadas — como a que evitou que o Parcão virasse um lote de 40 prédios nos anos 50 e a que evitou a derrubada do Mercado Público nos anos 70 –, está lutando para que não se desfigure uma área de imensa importância histórica da cidade. Seguramente a mais importante. Porto Alegre só existe por causa do porto, que aliás dá nome à cidade. Se não fosse o porto, a capital seria Viamão, como de fato foi. Obviamente que nós não queremos que aquela área continue abandonada e degradada. Nós queremos sim progresso e desenvolvimento, geração de empregos, tudo isso. Mas não aceitamos shopping e torres naquela área da cidade. Queremos envolver a população nessa discussão.
A revista Cult publicou um estudo no mínimo surpreendente. A ficção do século XIX teria maior presença feminina do que a do século XX. Tudo culpa de uma excepcional geração que inclui as meninas da montagem abaixo: Emily Dickinson, Emily Brontë, Jane Austen, George Eliot, Mary Shelley e outras. Mas não seria apenas isso.
O estudo foi matemático. Por meio de um algoritmo, pesquisadores das universidades de Illinois e Berkeley, nos Estados Unidos, descobriram que, em um século, a proporção de autoras caiu pela metade – dado que, a princípio, acreditaram estar incorreto, já que esperavam encontrar na literatura algum tipo de efeito da primeira onda do feminismo.
Ou seja, em 1850, romances escritos por mulheres representavam 50% das publicações do gênero e em 1950 eles mal chegavam a 25%. Antes de 1840, pelo menos metade dos romancistas era do sexo feminino, mas já em 1917 a maior parte dos romancistas considerados de “alta cultura” era homem.
O estudo chuta que houve uma gentrificação na literatura. No século XIX, escrever não era tão valorizado. Quando escrever passou a dar status, vieram os homens. Também pensa-se que a crítica literária, feita majoritariamente por homens ajudou a prejudicar as mulheres.
O cenário só voltou a ficar igual no final do século XX.
Depende do que você chama “jogar bem”. Se criar chances e mais chances, sempre desperdiçando-as, é jogar bem, então o Inter massacrou. Porém, se as conclusões a gol entrarem no “jogar bem”, o Inter fracassou. Pois…
É incrível a dedicação, o amor, o cuidado, o esmero que o Inter tem em perder gols. Um atrás do outro, em fila. Eram 30 min do primeiro tempo e perdêramos três gols feitos, feitíssimos. O mesmo já ocorrera contra o Remo, pela mesma Copa do Brasil, no meio da semana passada. Então, o time tirou o pé do acelerador até o final do primeiro tempo. Afinal, criar inutilmente situações cansa. Cansa, começa-se a errar passes, a torcida passa e emitir sons estranhos, enerva.
É difícil até falar mal de nossa equipe. Há segurança defensiva, há armação, há Iago mandando ver na lateral esquerda, são criadas boas situações e… nada. Os dois gols perdidos por Roger, por exemplo, foram de gênero diversos ambos ridículos. No primeiro ele entrou livre, cara a cara, e se atrapalhou todo antes de chutar para fora. Depois, D`Alessandro cruzou e a coisa era ainda mais fácil — era só empurrar de cabeça para as redes a bola perfeita do gringo. Roger furou incrivelmente. Patrick também perdeu os dele, mas ao menos pareceu ter mais intimidade com esse negócio de bola.
Uma boa tentativa para a segunda etapa seria a retirada de Dudu para a entrada de Juan Alano, mas ousadia não é a tua praia, né, Odair? Mas algo mudou.
Iago é um personagem da peça Otelo, o Mouro de Veneza, escrita por William Shakespeare. É considerado um dos maiores vilões da literatura mundial e, com certeza, é o mais bem elaborado pelo dramaturgo. Na peça, Iago arma uma trama para que Otelo acredite que sua esposa o traiu, entre várias outras armadilhas. Já o Iago do Inter é a boa surpresa de 2018. Joga muito. É o melhor lateral esquerdo dos últimos anos e até acabou de fazendo um gol no início do segundo tempo, já que os atacantes não faziam.
Eu sou contra os jogadores ingerirem álcool no intervalo. Digo isso porque Patrick retornou bêbado para o segundo tempo, errando passes que ninguém erra quando está sóbrio.
Depois o volante Edenílson fez o segundo, comprovando a inapetência de nossos atacantes. O jogo seguiu assim até seu final. Wellington Silva entrou para também mostrar que sabe perder gols.
Com o jogo ganho, já nos descontos, mostramos rara inteligência emociona, como bem lembrou um amigo: recebemos três cartões amarelos… Sim, nos descontos.
Marcinho, que nem jogou tanto, deu o passe para os dois gols e acabou como destaque.
Agora, folga até a próxima quarta-feira, quando enfrentaremos o Cruzeiro-RS fora de casa pelo Campeonato Gaúcho.