Milton Nerd dentro do Beira-Rio em construção em setembro de 1968 (eu tinha 11 anos). A época era de ditadura, mas os óculos são do Realismo Socialista.
Eu e minha irmã …
E meu pai, falecido em 1993 e que infelizmente não pode ver Campeão do Mundo o clube que me inoculou com tanta competência.
Orgulho após impedir o octacampeonato do Grêmio (foto de janeiro de 1970, 12 anos)
Eu aqui, pedindo para um Uber trazer uma caixa de livros e o motorista não sai da distribuidora. Vejo no celular que ele está parado. Olho 5 min depois — ainda parado. Penso que o aplicativo está congelado, desligo tudo, ligo de novo e nada. O cara segue por lá, estático.
Acabamos de receber Anos de Chumbo, último romance de Chico Buarque, assim como também Memória no Esquecimento, romance de Juremir Machado da Silva, e Salvatierra, de Pedro Mairal. Talvez seja desnecessário apresentar estes 3 grandes autores de nuestro continente, mas, abaixo, deixamos algumas palavras sobre os livros.
Boa semana e boas leituras!
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Após o excelente Essa Gente, Chico Buarque retorna com seu primeiro livro de contos. O Chico que emerge de deste livro imperdível é um autor amargurado, surrealista, irônico e perplexo diante deste país aflitivo. Uma jovem e seu tio. Um grande artista sabotado. Um desatino familiar, uma moradora de rua solitária, um passeio por Copacabana, um fã fervoroso de Clarice Lispector, um casal em sua primeira viagem, um lar em guerra. Imersos na atmosfera da ficção de Chico Buarque, caracterizada pela agudeza da observação e a oposição entre o lírico e o cômico, os oito contos que formam este volume conduzem o leitor pela sordidez e o patético da condição humana. Com alusões ocasionais à nossa presente barbárie, o autor ergue um labirinto de surpresas. Um livro arrebatador.
Nesse romance, Juremir Machado da Silva mergulha nas vacilantes memórias de seu protagonista. Em tempos nos quais o Alzheimer é tema cotidiano e atinge cada vez mais pessoas, tais situações, que criam dramas familiares e paixões que resistem ao desgaste, acabam por vencer o esquecimento. A narrativa é construída com detalhes ora poéticos, ora realistas, testemunhos de sutilezas do cotidiano de uma pessoa fragilizada. Fala também de vivências comuns, como o andar de bicicleta até perder o fôlego, o amor de um cachorro de estimação adotado quando filhote, os mistérios familiares e as ilusões que carregamos ao longo da vida. Impossível não querer descobrir as peças do quebra-cabeças desta história – assim como não se pegar pensando sobre o conjunto de suas próprias lembranças, identificando as paredes do próprio castelo.
Um novo livro do autor de A Uruguaia e Uma Noite com Sabrina Love! Novo? Publicado originalmente em 2008, Salvatierra é um dos romances mais admirados do argentino Pedro Mairal. Juan Salvatierra, um pintor mudo, humilde e autodidata, deixa aos filhos uma misteriosa obra de arte como herança: um imenso mural que ocupa quase quatro quilômetros de rolos de tecido, produzido em segredo até o dia de sua morte. Miguel, o filho mais novo, é o principal encarregado de tomar algumas providências em relação à inusitada obra: resgatá-la do armazém onde estava guardada (ou abandonada) e providenciar sua transferência para um museu holandês. Começa então o trabalho de decifrar a obra. Com precisão, sobriedade e lirismo, o autor explora sutilmente as ligações entre o passado e o presente, entre pais e filhos e entre vida e arte. Uma narrativa evocativa, cheia de ressonâncias, sobre a verdadeira aventura que envolve o acesso ao mais íntimo daqueles que nos são próximos.
Não sou analista criteriosa de escrita, narração e de todo o blá blá blá literário. Minha área é outra. Eu só leio. Minha opinião se sujeita ao gostar ou não gostar. Como já feito por alguns amigos teus, gostaria de poder tecer maiores análises para te passar, porém não é minha praia e acho prudente respeitar meus limites.
Posso te dizer que gostei! Gostei muito. Que alegria te conhecer e ter tido a oportunidade de ler teu primeiro livro. Tenho dificuldade com contos, são poucos os livros de contos que li, acabo sendo mais adepta aos romances, questão de gosto. Mas roubando uma frase de um amigo teu “o livro vai num crescendo” e isso nos prende querendo logo ler a próxima narrativa. Eu li parecendo que estava lendo um romance, mesmo sabendo que as histórias não se relacionavam.
Parabéns Milton. Peço gentilmente que providencie o próximo para que eu possa me exibir para os meus amigos dizendo: “Eu conheço esse escritor, ele é da Bamboletras, conheço desde o início da sua obra”.
No dia anterior, ela visitara o ex-marido que ainda habitava o apartamento onde moraram por quase uma década. No momento de sua chegada, a filha correra para o lado do pai, como era habitual há alguns meses. Afinal, a mulher passara a encontrar defeitos em tudo que a enteada dizia ou fazia e a menina apressava-se em ir para a cama cedo todas as noites, antes que a mulher chegasse da faculdade — ou das festas. Desde dezembro, quando Marcos anunciara sua intenção de não fazer mais tentativas de fertilização in vitro, ela tratava a filha com visível desdém.
Mas naquele dia ela viera cedo, por volta das 20h. Quando entrou na sala, sua face de ossos proeminentes estava vermelha, ainda mais inchada do que o normal. Disse que precisava da chave do carro.
— Por quanto tempo?
— Dois ou três dias.
— Tudo bem, estão aqui.
E ela foi embora, não sem antes deixar no ambiente algumas ofensas, as quais foram recebidas com risos pelo marido e apreensão por parte da filha. O casal estava separado há três meses, desde que o marido descobrira o adultério da mulher, concretizado com um amigo da família.
Desde então, Marcos não sabia se ela estava morando na casa da mãe ou no apartamento do novo namorado. Eles ainda não tinham conseguido conversar a respeito dos acertos necessários. Na única visita que a mulher fizera ao advogado que ele constituíra, ela saiu batendo a porta, chamando-o de desaforado.
No dia seguinte, Marcos trabalhava normalmente quando recebeu uma ligação. Era de sua ex-mulher e ele atendeu prontamente, pensando que ela lhe faria algum gênero de proposta de separação. Mas não. Ela lhe comunicou aos berros — e com um turbilhão de ofensas de baixo calão — que tinha trocado as chaves da porta do apartamento e que ele deveria morar, e só por apenas quinze dias, na casa dos fundos, bem conhecida dele, já que sua mãe passara os últimos dias de sua vida ali. Suas roupas e alguns poucos pertences estavam lá.
Marcos desligou o telefone no meio da ligação e telefonou para sua filha. Esta já sabia de tudo e falou que a mulher estava louca. Ligou então para sua irmã, que também já tinha sido informada. Ligou então para vários amigos. Estes não sabiam de nada e ofereceram quartos para que ele passasse alguns dias. Eram unânimes; ele não deveria voltar lá. Marcos não pensava assim, achava que podia ficar na ex-casa de sua mãe por alguns dias. Ligou então para sua recente namorada e ela reafirmou: voltar está fora de questão. É que depois da agressão moral gratuita, os amigos tinham receio de outros ataques, verbais ou até físicos. De qualquer modo, Marcos foi até lá com um amigo. Chegaram calmamente, analisando o caso. Discutiam principalmente o caráter adesista da vizinha de cima, que apoiava sua quase ex-mulher. Riam das transformações instadas pelo oportunismo dela.
Ele foi até a casa de trás. Lá, viu suas coisas atiradas, trocou de roupa e foi embora. Recebeu um telefonema. Era sua nova namorada pedindo para que ele fosse ao concerto daquela noite, pois Eugênia, a mulher, sempre comparecia, tinha ambições políticas e estava montando uma Associação de Amigos da orquestra que daria o concerto. Ele deveria aparecer bem vestido e tranquilo. Marcos concordou.
Quando desceu as escadas com o amigo, olhou para a sacada de seu apartamento e viu Eugênia falando ao telefone. Ela voltou o rosto para ele. Este estava ainda mais inchado e vermelho.
Marcos foi ao concerto. Depois, foi a um pequeno hotel da rua marechal Floriano, onde deitou-se numa boa cama para receber uma chuva de pó de cupim, que entrava na boca e nos olhos e que lhe fez dormir de bruços. Pela manhã, tomou banho e foi trabalhar. No dia seguinte, quando saiu do trabalho, fez pela primeira vez aquilo que se tornaria um hábito. Por motivos óbvios — afinal, era uma pessoa asseada –, foi até a loja Só Cueca da Sete de Setembro, depois foi até a loja da Hering da Rua da Praia para comprar uma nova camiseta e subiu até a Jerônimo Coelho comprar meias. Com o tempo, na Hering, tornou-se uma da diversões das atendentes. Ao final da tarde chegava e perguntava o que deveria vestir no dia seguinte. Tinha que combinar com sua única calça e sapato. Elas usavam toda a sua criatividade para que ele tivesse as melhores combinações para sua calça bege e sapato marrom. Só que naquele 23 de outubro de 2013, Porto Alegre recebeu uma das maiores chuvas de sua história e a coisa não estava engraçada. Os sapatos reclamavam em voz alta, as calças estavam sujas, sujíssimas, e ele teria que lavar, mas como?
Acima, em vídeo a chuva de 23 de outubro de 2013 em Porto Alegre
Já estava tirando par ou impar entre a casinha de sua mãe e o hotel dos cupins. Subiu a Mal. Floriano e viu-a transformada numa cachoeira. Mas não podia desobedecer à ordem dos amigos e da namorada, eles foram seus esteios. Havia vários oferecimentos de quartos, mas cadê a cara-de-pau? Marcos estava pegando o telefone para falar com alguém, ao mesmo tempo em que dirigia uma vaga prece aos cupins, quando ele tocou. Era sua namorada dando-lhe uma quase-ordem:
— Não te preocupa com a chuva, vem para cá. Meus filhos estão na casa do pai. Tenho lavadora e secadora. Amanhã, tudo estará limpo.
Eram namorados recentes e ele ainda não tinha dormido na casa dela. Os sapatos ficaram no corredor. Marcos entrou na ponta dos pés. Hoje, mora lá há mais de oito anos.
Sim, vamos. Pois quem é que não sabia? Naquele domingo de eleição, houve gente literalmente chorando no balcão da Bamboletras. E tu estavas comemorando, Leite.
Tu fizeste campanha pro cara que matou desnecessariamente 450 mil brasileiros — o cálculo de mortos no país, se houvesse ação efetiva do governo, é de 150 mil. Inadvertidamente, mas por burrice, falta de visão e opção classista, foste parceiro em um genocídio, meu caro.
Em todos os governo eleitos, existe uma relação óbvia: quem os elegeu carrega responsabilidade por isso.
Agora que estamos no pior governo da história, fascista, burro, corrupto, grosseiro, os eleitores não querem assumir a parte que lhes cabe no genocídio. E mais: querem atribuir justamente a quem não votou em Bolsonaro, o resultado dessa merda toda.
Ora, Sr. Eduardo Leite, se você cravou 17 na urna em 2018, esse voto é seu, somente seu. Talvez, como menino branco, rico, mimado, o Sr. não tenha sido ensinado a lavar a privada onde caga, mas isso não quer dizer que foi outra pessoa que cagou. Assumir a própria merda seria um bom sinal de que deixou de ser o filhinho de papai e se tornou, sei lá, adulto, que é requisito pra se candidatar, aliás.
Pergolesi morreu em 1736, aos 26 anos, de tuberculose. Tinha imenso talento e, é claro, jamais se saberá o que poderia ter feito se tivesse vivido mais.
Deste modo, a imagem de Pergolesi cristalizou-se com base em poucas obras — e algumas são obras-primas absolutas.
Suas melodias demonstram uma personalidade criativa extremamente sofisticada. As obras sacras são caracterizadas pela devoção e intimismo comovedor, onde o sagrado é entendido como fonte de experiência emocional.
Seus últimos meses de vida foram passados no mosteiro franciscano de Pozzuoli, para onde se retirou, aparentemente convencido de que a tuberculose não lhe permitiria regressar a Nápoles.
Foi no mosteiro e no ano de sua morte que escreveu o Stabat Mater. É uma peça sublime que a OSPA apresentará neste sábado, às 17h. (Aliás, a nova sede da orquestra está ficando linda, Evandro. E o novo logo ficou perfeito).
Para ficar ainda melhor, veremos Raquel Helen Fortes cantando, com a Elena no concertino e regência de César Bustamante.
Sábado, tá?
Dá para ir e dá para ver no YouTube, o que não dá é para não apoiar a Ospa.
P.S. — E ainda tem o Exsultate, Jubilate, de Mozart, no programa.
Ai… É com imenso receio e dor no coração que lhes aviso que estarei autografando meu livro “Abra e Leia” na Feira do Livro 2021. Será no dia 30 de outubro, sábado, às 19h, na Praça de Autógrafos.
Acho que vou contratar 4 pessoas para ficarem formando uma fila falsa, circular. Eu prometo fazer uma anotação no início de cada conto. Como são 22, darei 88 autógrafos.
(Quem leu o livro, deve lembrar do começo de “Os Velhinhos”. Por que fui escrever aquilo?).
Bem, gente, é isso. NÃO ME DEIXEM SÓ! Por favor, leve sua solidariedade! É bonito e digno. Eu juro que não vou escrever gratiluz na dedicatória, tá?
Não faz muito tempo li um comentário que alguém escreveu sobre o livro Abra e leia, do Milton Ribeiro, dizendo que, por conhecer e apreciar o autor, tinha receio de se decepcionar com o livro. De certa forma, era o mesmo que eu sentia e, agora que li a obra, posso garantir a vocês, potenciais leitores, que não, não há nenhum risco disso acontecer. Pelo contrário, aliás: a admiração de vocês pelo Milton só tende a crescer. Quer dizer que o cara, além de entender de música, ter uma livraria, fazer ótimas resenhas e ser colorado, ainda é escritor? Mas quantas vezes ele entrou na fila de distribuição de benesses e qualidades? Precisa de uma CPI isso aí, hein.
Abra e leia foi uma leitura que comecei um pouco receoso, mas que logo foi se tornando prazerosa e, com o passar do tempo, até esqueci que era o Milton quem tinha escrito o livro. Só lembrava disso às vezes, quando o Milton aparecia dentro das histórias quase como um fantasma assombrando suas criações. É um livro que faz algo inédito nos tempos atuais: ele conta histórias. Sejam insólitas, trágicas ou cômicas, os contos de Abra e leia resgatam aquele prazer quase indescritível que é ler uma história bem escrita e bem contada, do tipo que parece estar se desenrolando diante dos nossos olhos e que estamos testemunhando acontecer. Em suma, uma maravilha de leitura. E, se alguns contos parecem acabar de uma maneira abrupta ou sem nenhum tipo de epifania, é por que a vida também acontece assim: cheia de cortes, de questões não respondidas, de finais que a gente não sabe se existem mesmo ou se só inventamos para não pensar mais naquilo.
Um detalhe de ritmo que o Milton tirou da música e trouxe para o livro: ele vai em um crescendo. Começa com boas histórias que, aos poucos, vão cativando a atenção, e a consistência narrativa vai se aprofundando cada vez mais até chegar em uma sequência final de contos realmente extraordinários. Melhor ir lendo aos poucos para ter essa impressão de arrebatamento, que eu nem consegui ver quando começa de verdade (sinal de que foi bem feita a escolha da ordem dos contos), mas, em geral, uma seleção de contos vai alternando maus, bons e ótimos momentos, algo que não acontece em Abra e leia, em que aquilo que era bom no início fica excepcional no final.
Entre os contos, gostei muito da praticidade filosófica e engraçada presente em Luciana e o hedonismo, do insólito em Os velhinhos, da situação quase kafkiana em Enquanto os psicanalistas se divertem, da maravilhosa construção de personagem em O Violista (muito leria um romance inteiro com esse personagem, um Sancho Pança sem Quixote), da estranheza que chamamos de vida em As afinidades ininteligíveis – quem nunca se perguntou “como foi que já gostei dessa pessoa no passado?” -, da insuspeitada força de Abra e leia, que tem um final extremamente vigoroso, e da tragédia que vira comédia em Anita e Belle, que me fez dar uma gargalhada tão alta que possivelmente acordei meus vizinhos nessa última madrugada.
Eu sei que muitas pessoas hoje consideram a literatura como um exercício sociológico, outros tentam mudar o mundo através dos seus livros, tem aqueles que desejam expressar sua visão pessoal ou filosofias particulares usando uma moldura ficcional, e está tudo bem querer isso, cada um com a sua literatura. Eu, contudo, como sou um leitor antiquado, do tipo que gosta de ler boas histórias, daquelas que me enganem muito bem e me façam acreditar piamente no que foi narrado, posso garantir que gostei muito de Abra e leia, tanto que agora farei ao Milton a pergunta temida por qualquer escritor: tá, e daí, quando vem o próximo?
Este é um livro surpreendente. Um daqueles que merecem a expressão “puro suco de Brasil”. Você sabia que, na metade do século XIX, mais exatamente por volta de 1859, os brasileiros estavam indignados com o que os europeus diziam ser nosso país? Pois na Europa havia livros que falavam de animais fabulosos – muitos deles semi-humanos –, de canibais insaciáveis e de povos indígenas de 3m de altura caminhando por nossas ruas. Pois D. Pedro II e seu governo promoveram a primeira expedição científica brasileira, que saiu do Rio de Janeiro para o Nordeste e Norte do país, capitaneada pelo engenheiro e mineralogista barão de Capanema, o botânico Freire Alemão e o poeta e etnólogo Gonçalves Dias, o autor de Canção do Exílio e do I-Juca-Pirama.
A exploração faria um levantamento do solo, flora e fauna da região e, como o problema da seca vem de longe, o monarca adquiriu 14 camelos argelinos, acompanhados de quatro tratadores africanos, para que a expedição se movimentasse pelo sertão. É sabido que, sem água, os camelos vão mais longe do que os jegues. Porém, como o Brasil já era aquilo que conhecemos, os camelos tornaram-se motivo de piadas. Os bichos trabalharam e se reproduziram do mesmo modo que fizeram nos EUA e principalmente na Austrália. E foram úteis, mas a oposição e sua imprensa sepultaram a ideia, pondo a iniciativa no ridículo.
E sabem que a má fama dos camelos argelinos chegou a nossos dias? A Imperatriz Leopoldinense venceu o Carnaval carioca de 1995 com o enredo Mais vale um jegue que me carregue, que um camelo que me derrube no Ceará. A Escola contava a história da expedição e boa parte da culpa do “malogro” coube aos pobres camelos. Não é verdade.
Num texto fluido, realmente bom de ler, o jornalista Delmo Moreira recriou a aventura da expedição, uma tragicomédia que misturou absoluto pioneirismo, vocação científica, muita burocracia, casos amorosos e alguma cachaça. Em meio a desvios de rota, corte de verbas, férias prolongadas e conflitos com os locais, a história da expedição é também a de um país que começava a se descobrir. Como os envolvidos eram cientistas, a aventura está muito bem documentada e Moreira levou 5 anos lendo e alinhavando tudo num esplêndido texto de mais ou menos 250 páginas.
“Não vos parece, senhores, que já era tempo de entrarmos, sem auxílio estranho, no exame e investigação desse solo virgem?”, propôs o visconde de Sapucaí. “De desmentirmos esses viajantes de má-fé ou levianos que nos têm ludibriado e caluniado?” Ex-preceptor de Pedro II, Sapucaí presidia o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB). Na sessão solene de maio de 1856, os sócios da instituição denunciavam, em discursos exaltados, exploradores estrangeiros que haviam publicado na Europa uma série de informações falsas e fantasiosas sobre o Brasil. Defendiam que o país tinha o dever de patrocinar uma missão exploratória e propunham a formação de um grupo de cientistas para estudar, sem controle estrangeiro, como nunca havia sido feito antes, o imenso e desconhecido território nacional. Até então, naturalistas locais serviam como meros colaboradores de expedições estrangeiras, sem autonomia sequer para escolher roteiros. Agora eles queriam “mostrar ao mundo que não nos faltam talentos e habilitações” para as pesquisas científicas. O Império só teria a ganhar: “Tudo seria do mais alto interesse: conhecimentos da topografia, dos cursos dos rios, dos minerais, das plantas e animais, dos costumes, da língua e das tradições dos autóctones, cuja catequese seria também mais facilmente compreendida”, previu o visconde.
Mas temos a dor e o prazer de estarmos no Brasil. Os conservadores fizeram pouco. Eles queriam que a expedição descobrisse riquezas… Ouro, por exemplo, não foi encontrado. Os liberais defendiam a iniciativa, mas como ela só trazia plantinhas, insetinhos e bichinhos grandes e pequenos, ficava difícil de defendê-la. A história dos camelos e da exploração é fascinante, às vezes hilariante, demonstrando que os conflitos com a ciência têm mais de um século em nosso país. Capanema e de Gonçalves Dias — esplêndidos personagens – que o digam.
Os camelos? Ora, morreram em fazendas e em circos.
Os resultados? Ora, por puro desinteresse, o fartíssimo material jamais foi catalogado. Agora, boa parte se perdeu porque ele estava naquele enorme museu de história natural e antropologia inaugurado em 1818 e que ficava no interior do Parque da Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro.
Sim, no Museu Nacional, aquele mesmo que queimou em setembro de 2018.
Recomendamos, nesta semana de sol, dois livros gaúchos de crônicas, um do já famoso contista e romancista José Falero e outro da estreante Naia Oliveira. De quebra, um livro praticamente inédito do grande Hermann Hesse.
Boa semana e boas leituras!
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Quem se empolgou com a narrativa eletrizante de Os Supridores, primeiro romance de José Falero, vai encontrar nestas crônicas uma ampliação do universo do autor. Publicados originalmente na revista digital Parêntese, do grupo Matinal, os textos de Mas que mundo tu vive? revisitam o gênero que é uma das tradições literárias brasileiras. As crônicas trazem as contribuições e o olhar únicos de seu autor, falando do cotidiano — seja com lirismo, seja com o olhar atento de um observador da vida brasileira –, mas também alargando os limites do gênero, misturando ensaio e ficção, memorialismo e crítica ácida, para oferecer ao leitor um retrato sem retoques de jovens em busca de um rumo na vida.
Na Pandemia com Chico são crônicas inspiradas pelas observações do que ocorria em frente à janela da autora, mas exatamente na Praça Nações Unidas, durante a pandemia. Com suas canções, Chico Buarque foi o parceiro involuntário e inspirador da aventura. Naia Oliveira registra a movimentação dos transeuntes na praça. Do quinto andar, ela vislumbra, entre a vegetação, pessoas e animais usufruindo do espaço público de diferentes maneiras. A cada olhar, a imaginação corre solta. O livro tem prefácio de Cátia Castilhos Simon e design gráfico da Liana Timm.
Um Hesse praticamente inédito! Dos 20 contos presentes neste livro, 18 jamais tinham sido traduzidos. Organizadas cronologicamente, as histórias abarcam um longo período produtivo — de 1903 a 1948 —, acompanhando o amadurecimento do autor, um dos maiores do século XX. A ambivalência do ser humano, os duelos internos entre instinto e espírito, liberdade e piedade, estão em cada narrativa e em seus conflituosos personagens. Esta antologia em capa dura apresenta Hesse em toda sua genialidade, e chega ao Brasil pela primeira vez como um verdadeiro clássico.
Certa vez, conversando com o Fábio Koff — sim, apesar de ser um colorado bem chato, fui e sou amigo de grandes gremistas –, ele me disse que numa ocasião viajara para contratar um técnico de futebol.
Chegando na casa-sítio-espetáculo do cara, o Fábio sentiu-se de tal forma constrangido e pressionado pela riqueza do sujeito, que resolveu aumentar a proposta por conta própria, enquanto aguardava a chegada da sumidade. Acabou por fechar a contratação. Foi um completo fracasso.
Vagner Mancini vai receber 700 mil por mês e mais 5 milhões se retirar o Grêmio do buraco. Fico pensando no patrimônio desta figura que tem anos de trabalho como técnico e já rebaixou 5 clubes.
(Se alguém me pagasse 5 milhões para retirar um time do rebaixamento, talvez não desse certo, mas vocês veriam coisas bem criativas…)
Eu não ouvi, mas espero não ter sido tão burro. Sou muito melhor escrevendo do que falando. Na verdade, falando sou quase um idiota. Mas alguma coisinha do que disse deve prestar, sei lá. Acho que as pessoas me convidam para dar palestras porque vou sempre informado até os dentes a fim de que eles não vejam quão inábil sou.
O que o pessoal da Rádio da Ufrgsnão sabe é de minha devoção pela emissora que ouço desde os anos 70. Eu amo esta rádio do mesmo modo que meu pai a amava. Ela a chamava sempre de Rádio da Universidade. Para ele e toda a minha família, só a Ufrgs existe. Nós quatro nos formamos lá.
O apresentador Pedro Palaoro introduz assim minha entrevista:
“Nesta semana o Folhetim recebe o escritor e livreiro Milton Ribeiro. Ele está lançando seu primeiro livro de contos Abra e Leia, obra que sai pela Editora Zouk. No volume ele reúne uma série de histórias escritas ao longo dos anos e que refletem a trajetória de um amante da comédia humana.”
Uma vez vi a seguinte comparação (foi num vídeo do Michael Sandel, muito legal, aliás): o Bill Gates é tão rico que se ele encontrar uma nota de cem dólares no chão não vale a pena se abaixar para pegar. Nos três segundos que ele perderia fazendo isso ele ganha mais do que cem dólares.
Hoje Gates, coitado, não é o mais rico do mundo. Vi essa semana que Jeff Bezos, o dono da Amazon, faturou algo como 9 mil reais por segundo em 2020. Quer dizer, não foram reais, foi aquela moeda deles que valia dois reais e agora vale quase seis…
Isso significa o seguinte: se oferecerem uma livraria de rua para o dono da Amazon de graça não vale a pena ele parar por cinco minutos para assinar o contrato. Nesse tempo, ele já teria faturado uns R$ 2,5 milhões – e sabe-se lá quantas livrarias isso compra.
Fato é que Bezos nem precisa de contrato para ir engolindo as pequenas: ele já está fazendo isso de outro jeito; sem negociar, só passando por cima mesmo.
A Amazon ganhou uma escala tão grande que é impossível competir com ela. Faz ofertas para o público e para as editoras que inviabilizam a concorrência mesmo de outras gigantes (que hoje parecem miúdas). Imagina como está a vida praquele livreiro pequenino que aposta em qualidade, relacionamento, livros artesanais…
Ninguém precisa ser ludita ou anticapitalista para ver que algumas empresas americanas estão tomando proporções ameaçadoras: Google, Facebook e Amazon talvez sejam as principais. São monopólios em alguns casos, ou monstros com pés de chumbo que pisoteiam os menores.
Por isso vêm surgindo iniciativas para valorizar as pequenas livrarias. Aquele pessoal que te serve café, sabe fazer recomendações, deixa você cheirar o papel sem te chamar de esquisitão.
Em Curitiba, já perdemos nos últimos anos a Fnac, a Cultura e a Saraiva. Mostramos que A Página vem ganhando espaço. Mas é pouco. Então vem o recado.
Se puder, compre nas pequenas, nas independentes. Compre na Arte e Letra, na Vertov, na Joaquim, na Itiban. São livrarias muito legais e que passam por problemas sérios.
Nada contra comprar na Internet, claro. Mas pense como o mundo fica mais pobre a cada vez que deixamos os gigantes esmagarem nossos amigos, nossos caros e esforçados amigos que nos fazem tanto bem.
A falta do objeto direto no título deste e-mail deve significar nossa falta de capacidade para encontrar algo em comum entre a obra-prima de Ernaux, a relação mãe e filha de Doshi e a filosofia com cachorrinha e Heidegger de Pessanha, Mas garantimos que só tem coisa boa aí!
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Annie Ernaux era a favorita para receber o Nobel de 2021. As apostas davam-na como favorita. Não deu, mas ela é extraordinária. O Lugar é o livro que lançou Ernaux à fama. A obra estabelece as bases para o projeto literário da autora que seria levado adiante por três décadas de consagração crítica e sucesso de público. Nesta autossociobiografia, uma das mais importantes escritoras vivas da França se debruça sobre a vida do próprio pai para esmiuçar relações familiares e de classe, numa mistura entre história pessoal e sociologia que décadas mais tarde serviria de inspiração declarada a expoentes da autoficção mundial como Édouard Louis e Didier Eribon. O resultado é um clássico moderno profundamente humano e original.
Antara nunca escondeu o ressentimento que nutre pela mãe, que abandonou o marido para morar em uma comunidade místico-hippie e chegou a viver na rua, deixando a filha sempre à própria sorte. Agora que a mãe começa a sofrer de demência e ter episódios de esquecimento, Antara se vê diante da indesejada responsabilidade de cuidar de quem jamais cuidou dela. É nesse momento que ela refaz a trajetória de suas lembranças para contar a história de duas mulheres unidas por uma relação dolorosa, mas impossível de abandonar. Só como informação: Doshi escreve em inglês, é uma norte-americana filha de indianos.
Através de uma série de encontros, Frederico, o protagonista deste irônico romance filosófico moderno, narra seu choque e seus ajustes com a realidade, do amor ao conhecimento, do álcool ao pensamento ocidental. E, fundamentalmente, do mundo e de sua própria personalidade. Escrito com mão levíssima, alternando humor, melancolia e uma aguda meditação sobre os grandes temas que nos movem ao longo das fases da vida, O Filósofo no Porta-Luvas é um romance híbrido, em que a fabulação vem lado a lado com o ensaio, e a observação das paixões humanas está a par com um repertório vasto a respeito das maiores discussões da filosofia. E, de quebra, uma cachorrinha serve de inusitada plateia para discussões sobre Heidegger.
Abdulrazak Gurnah recebe o Nobel 2021. É um romancista tanzaniano de 73 anos que escreve em inglês e mora no Reino Unido.
Abdulrazak Gurnah (nascido em 1948 em Zanzibar, atual Tanzânia) é um romancista que escreve em inglês e vive no Reino Unido. Os mais famosos de seus romances são Paradise (1994), que foi selecionado para o Booker e o Whitbread Prize , Desertion (2005) e By the Sea (2001), que foi listado para o Booker e para o Los Angeles Times.
Ele recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 2021 “por sua penetração intransigente e compassiva nos efeitos do colonialismo e no destino dos refugiados dentro do abismo entre culturas e continentes”.
(Se é bom e fala de racismo / refugiados está justificado. Afinal, é um prêmio literário e geopolítico. É o Nobel cumprindo sua função. Mais um que conheceremos).