Em noite de Ospa, fui para Roma, com (meu) amor

Em noite de Ospa, fui para Roma, com (meu) amor
Só no chuveiro
Fabio Armiliato: um cantor espetacular, mas só no chuveiro

Era uma noite de concerto da Ospa e já haviam me alertado que os ensaios de segunda e terça-feira tinham sido bons e que eu poderia elogiar alguns solos de inédita compreensão musical, mas, infelizmente, só posso comentar o que vi e ouvi, da forma como vi e ouvi. E, como a Elena estava em recuperação em casa, não fui, não vi nem ouvi. Mas vi um filme por indicação dela. Por ela e ele, fiquei em casa e ri, muito.

Para Roma, com amor é um filme de 2012 de Woody Allen que não tinha visto nos cinemas. É um exemplar que se destaca dos últimos filmes de Allen por ser extremamente engraçado. Nele, são contadas alternadamente quatro histórias. Numa delas, um casal americano, papéis de Woody Allen e Judy Davis, viaja para Roma a fim de conhecer a família do noivo de sua filha, cujo pai revela-se um extraordinário cantor de ópera, mas apenas quando sob o chuveiro. Outra história envolve um italiano comum, papel de Roberto Benigni, que se torna uma inexplicável celebridade. Um terceiro episódio retrata um arquiteto da Califórnia, Alec Baldwin, que visita a Itália com um grupo de amigos, vendo seu passado na pessoa de um rapaz que é seduzido por uma dessas mulheres que buscam, cheias de artifícios, a atenção sexual dos homens em torno. Por último, temos dois jovens recém-casados do interior da Itália. Tudo parece ir muito bem até que a moça se perde pela Roma histórica atrás de alguém que lhe arrume o cabelo. O filme foi um grande sucesso, tendo arrecadado 73 milhões de dólares.

Lembro que o filme irritou alguns italianos destituídos de uma das formas da inteligência, a auto-ironia. Bobagem. Talvez a mais hilariante das histórias seja a do produtor musical “à frente de seu tempo” Woody Allen. Ele resolve levar ao estrelato o cantor de banheiro. O conhecido tenor Fabio Armiliato vive este papel de forma absolutamente brilhante, trazendo para o filme todo o fanatismo dos italianos pela ópera, além da arte milenar dos cantores de chuveiro… Judy Davis está perfeita no papel da cética psiquiatra, esposa de Allen. Nesta história, aparece a primeira italiana típica: a indignada cuidadora do marido cantor e dos filhos. Na segunda história, Roberto Benigni é um burocrata sem graça, até que começa a ser perseguido pela praga romana dos paparazzi, presentes no cinema italiano desde Fellini. Nestas duas partes, temos mais dois arquétipos: a italianuda esbelta, peituda e gostosona e a que esposa que preserva seu casamento, não obstante… não obstante qualquer coisa. A mais internacional das histórias é a da moça cheia de artimanhas que conquista todos os homens que lhe aparecem pela frente. Voltamos à Itália na história do casal que se perde um do outro. É tão engraçada quanto a do cantor. Como muitas vezes ocorre, a mulher é muito mais esperta do que o homem, que casou virgem e que acaba envolvendo-se com uma prostituta vivida magnificamente pela mimética Penélope Cruz. A mulher do interior, coitada, provavelmente jamais será feliz com seu marido catolicão.

O filme é muito bom. Foi saudado tanto por minhas risadas quanto pelas da Elena, cuja cabeça encontrava-se no meu ombro.

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Hokusai manga (1981), de Kaneto Shindo

Hokusai manga (1981), de Kaneto Shindo

Não sei se ela está sentindo alguma coisa boa, se é dor ou se é apenas um pesadelo com o Lasier Martins.

Hokusai manga (1981) – Kaneto Shindo

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Um cinema contra a política

Um cinema contra a política

Nos últimos meses, estrearam em Porto Alegre dois filmes europeus que tratam os políticos como idiotas. Não que muitíssimos deles não mereçam, mas aqueles retratados no francês O Palácio Francês e no italiano Viva a Liberdade demonstram a decepção do continente com a classe e com a política em geral. Penso ser este um fenômeno mundial e, no âmbito cinematográfico, muito diferente do que víamos no cinema político italiano dos anos 60 e 70. Este repercutia a sociedade da época sob uma grande variedade de enfoques, sempre com políticos e personagens claramente posicionados. Com os pés no neorrealismo de Rossellini e De Sica e forte influência do jornalismo e do documentário, apareceram uma série de extraordinários trabalhos de Bertolucci, Pasolini, Bellocchio, Scola, Monicelli, Risi, Rosi, etc. Eram trabalhos e personagens que defendiam ideias, enquanto que os filmes citados e outras obras atuais revelam um niilismo que vai contra os políticos e a política.

O idiota hiperativo pontifica
O idiota hiperativo pontifica

O Palácio Francês nos mostra um político assustador. Com enorme capacidade de trabalho e nenhuma ideologia, ele está em todos os lugares despejando bobagens, além disso, conhece todo mundo, infelizmente. Sem o menor pensamento político, suas decisões e afirmativas dependem do contexto ou das páginas aleatórias de um livro de citações que ele abre em momentos de decisão. O que nos apavora é que qualquer pensamento ou ser pensante corre o risco de ser atropelado pelo político ou por suas conveniências. Conheço um exemplar desses. Onde ele está neste momento? Tentando entrar na política. É candidato a deputado estadual no RS. É assustador, repito, pois não tem a menor formação política, apenas é insuportavelmente ativo.

Duas versões, uma mais sem graça que a outra
Duas versões, uma mais sem graça que a outra

Viva a Liberdade nos mostra um político de esquerda que não tem para onde ir. Com ideias antiquadas e repetitivas, precisando de antidepressivos para seguir a vida, ele opta por sumir quando vê seus índices minguarem nas eleições próximas. Sorrateiramente, o partido o substitui por um irmão idêntico recém saído do manicômio. O que poderia gerar boas risadas, só nos causa tristeza. Os índices eleitorais sobem através de um discurso que não tem nada demais, é apenas sincero. OK, o irmão é bem-humorado e irônico. Também sorri para o público, enfrenta os jornalistas e a oposição. Nada demais, repito. Mas as pessoas se entusiasmam com a novidade que, bem, apenas é mais assemelhada com um ser humano.

Fico contrariado com este voluntarismo ou burrice sem ideologia. A vitória da vontade sobre a inteligência, do oportunismo sobre a ideologia, da disposição sobre o conhecimento, da ação e do senso comum sobre o pensamento é lamentável. Você perguntará: mas Milton, onde está a novidade? A novidade está em que há um crescente espectro de diretores de cinema, roteiristas e produtores — gente que deveria ter um perfil mais ou menos intelectual — que se afastam das ideologias e mesmo da mais simples consideração: a de verificar como alguém se coloca frente ao capital e ao trabalho. Pois, apesar da descrença generalizada, as ideologias permanecem, não obstante as características pessoais.

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Retrospectiva: os melhores filmes e livros de 2013

Publicado em 24 de dezembro de 2013 no Sul21.

Ah, as listas de fim de ano… Como suportá-las? E como não lê-las, nem que seja para se irritar com a ausência do filme querido ou com a presença daquilo que se detestou visceralmente? Como resultado de ampla discussão no ambiente Sul21, chegamos a dez livros, mas, devido aos muitos e exaltados apartes, não obtivemos chegar ao mesmo número de filmes. Resultado: são dez livros e onze filmes. Os filmes foram comparados e colocados em ordem de preferência. É a cultura pública e comum de nosso tempo. Já os livros não foram lidos por todos, o que tornou a discussão menos drástica.

Aliás, na lista de livros, tivemos a colaboração de Lu Vilella, da Bamboletras, que não apenas fez sua lista como repassou a lista dos livros mais vendidos de sua livraria, talvez a de público “mais literário” de Porto Alegre. E, nos filmes, algo de estranho: contrariamente aos últimos anos e em contrariedade à legenda da foto abaixo, temos onze filmes consistentemente bons.

Cena de abertura da obra-prima Holy Motors: todos dormem assistindo a chatice do cinema atual...
Cena de abertura da obra-prima Holy Motors: todos dormem assistindo a pasmaceira do cinema atual…

Além de Lu Vilella, colaboraram os jornalistas Iuri Müller e Débora Fogliatto, além do historiador Éder Silveira e diversos sites de editoras, dos quais utilizamos textos.

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Os onze melhores filmes de 2013:

~ 1 ~
Tabu

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Tabu é grande cinema. E esta afirmativa vem carregada de significados. Pois são as imagens da segunda parte do filme, “O Paraíso Perdido” — trecho com som, mas sem diálogos –, que dão sentido a esta elogiadíssima obra do português Miguel Gomes. Aliás, a seção “O Paraíso Perdido” é uma arrebatadora reconstrução da memória de tempos idos. Tabu foi filmado em glorioso preto e branco e conta uma história de amor. Dele emana um charme passadista, mas sem ranço, devido a uma estrutura narrativa lotada de artifícios inteligentes e de bom gosto. Tudo em Tabu trabalha para a poesia e para a história. Um filme imperdível.

~ 2 ~
Holy Motors

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Leos Carax filma pouco, infelizmente. Seus Sangue Ruim (1986) e Os Amantes de Pont-Neuf (1991) são filmes de referência para os cinéfilos. Holy Motors (2012) não é uma obra destinada àqueles que desejam uma história linear e convencional. O Sr. Oscar — vivido por Denis Lavant, ator onipresente nos filmes de Carax — tem um estranho trabalho. Anda de limusine por Paris, recebendo ordens para atuar em diversos papéis que lhe são passados por uma estranha organização. E percorre a cidade cumprindo uma série de compromissos sem nexo entre si, onde humor e drama não estão ausentes. Há uma cena de dança, outra em esgotos e cemitérios, há outra em o Sr. Oscar morre de forma tocante (e subitamente acorda para o próximo compromisso), outra é um crime e assim vamos visitando diversos gêneros cinematográficos que deságuam numa intrigante cena final, onde várias limusines comentam que o mundo não quer mais emoção, no que parece uma crítica ao cinema atual. Quem é sua plateia? Onde estão as câmeras? Qual sua verdadeira identidade?

~ 3 ~
A Bela que Dorme

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A Bela que Dorme, o último filme de Marco Bellocchio, tem como eixo narrativo a história real de Eluana Englaro, italiana que passou vinte anos vivendo de maneira artificial e gerou enorme debate sobre a eutanásia no país. Assim, diversos personagens e situações convergem para o drama de Eluana – como o senador que se vê em crise com a política e se posiciona de forma contrária ao seu partido sobre a questão, a filha religiosa do político que se apaixona por um manifestante, e a suicida que busca as janelas de um hospital italiano para pôr fim à vida. Em A Bela que Dorme, estão contidos os temas pendentes da Itália de hoje e o direito à salvação – da ou pela morte – dos seus taciturnos personagens. (Por Iuri Müller.)

~ 4 ~
O Cavalo de Turim

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O que Béla Tarr propõe é uma experiência sensorial e semântica inteiramente distinta do que é possível em qualquer outro gênero artístico. O jogo que o diretor estabelece com o tempo apenas é possível no cinema, talvez no teatro. O Cavalo de Turim mostra seis dias de dois personagens — pai e filha — que vivem numa casa de pedra na zona rural da Hungria entre a aridez, o vento e o frio constantes. Falta tudo, tudo é monotonia e tudo é vida, dor e trabalho. (Coincidência, não?) Eles só têm batatas para comer, têm também um poço minguante, um destilado que deve ser parecido com a vodka, creio, e um cavalo velho e doente. Seus dias são iguais, com poucas variações, sempre no aguardo de condições melhores. Talvez a melhor descrição de O Cavalo de Turim seja a de um filme de cenas quase iguais — mas sempre filmadas de forma diferente — sobre a pesada rotina de vidas sacrificadas. Tarr vai curiosamente acumulando tempo sobre tempo e sua insistência acaba por mostrar a força e o cansaço, equilibrando-se entre a tão somente sobrevivência e a provável aniquilação, numa compassiva melancolia da resistência. Duro, mas imperdível.

~ 5 ~
O Som ao Redor

kleber mendonca filho

Filmaço. A narrativa é um mosaico de histórias de moradores de uma rua de classe média do Recife. Nela, re­side o empresário que expandiu seus negócios na base da especulação imobiliária — e que antes era um senhor de engenho — , o filho temeroso da violência urbana, os dois netos — um que trabalha alugando os apartamentos da família e outro um estudante que arrom­ba carros –, outra família gerida por uma mãe estressa­da que não suporta os latidos de um cão de guarda. Ou seja, pessoas rotineiras, comuns. Então, o que faz de O Som ao Redor um filme tão significativo e bom? Ora, os excelentes diálogos, as boas atuações e a ousadia e inventividade do diretor Kleber Mendonça, que fez uma inteligente abordagem de alguns temas como o preconceito de classe, a especulação imobiliária, a violência, o racismo estilo Brasil, o consumismo. O Som ao Redor não é um filme experimental, ao contrário, ele abre portas para o diálogo com o público, ao estabelecer um corpo-a-corpo com seu tempo histórico. Filmaço.

~ 6 ~
Amor

Michael Haneke Emmanuelle Riva Jean-Louis Trintignant na rodagem de Amor

Justamente elogiado e premiadíssimo — a fim de dar chance a outras produções, Michael Haneke pediu para ficar de fora de algumas disputas após vencer Cannes e o Globo de Ouro — , Amor é um retrato realista e digno da velhice. É a história de Anne (Emmanuelle Riva, 85 anos, a mais velha indicada ao Oscar de melhor atriz) e Georges (Jean-Louis Trintignant, 82), dois professores de música aposentados que vivem tranquilamente em Paris. O casal faz compras, vai a concertos, cozinham, tomam café da manhã e convivem após décadas de amizade, cumplicidade e amor. É quando Anne tem um AVC, ficando com um lado do corpo paralisado e precisará de auxílio. O filme é extraordinário. Michael Haneke é um dos raros diretores contemporâneos que têm acumulado filmes relevantes, nada esquecíveis. Código Desconhecido, Caché, Violência Gratuita, A Professora de Piano e A Fita Branca são claras comprovações de que este austríaco veio para marcar deixar sua marca no cinema do início deste século.

~ 7 ~
A Caça

a caça vinterberg

Thomas Vinterberg é um grande cineasta. Talvez sua produção seja superior — qualitativamente — a de seu conterrâneo e ex-companheiro de Dogma 95 Lars von Trier. Penso até que Vinterberg seja o que von Trier pretende ser. O diretor tem duas obras-primas em seu currículo: Festa de Família (1998) e Submarino (2010). Neste A Caça, Lucas (Mads Mikkelsen) trabalha em uma creche. Boa praça e amigo de todos, ele tenta reconstruir a vida após um divórcio complicado, no qual perdeu a guarda do filho. Tudo corre bem até que, um dia, a pequena Klara (Annika Wedderkopp), de apenas cinco anos, diz à diretora da creche que Lucas lhe mostrou suas partes íntimas. Klara na verdade não tem noção do que está dizendo, apenas quer se vingar por se sentir rejeitada em uma paixão infantil que nutre por Lucas. A acusação logo faz com que ele seja afastado do trabalho e, mesmo sem que haja algum tipo de comprovação, seja perseguido pelos habitantes da cidade em que vive.

~ 8 ~
Um Toque de Pecado

um toque de pecado

Um filme extraordinário. Quatro histórias que dialogam entre si, todas elas tiradas da crônica policial, retratando a violência e a mudança de valores na China. Há a cena do funcionário que tenta denunciar a corrupção em sua vila — o resultado é que toma uma surra espetacular e acaba decidindo pegar em armas. Há a cena da moça que, confundida com uma prostituta, recusa os avanços de um “cliente” e é por ele esbofeteada com um maço de cédulas de dinheiro. Pois bem, o capitalismo toma conta do país e o simbolismo de confundir e esbofetear alguém com dinheiro é claro. Aqui, Jia Zhang-Ke faz seu filme mais universal, abordando a criminalidade de um país emergente, misturando gêneros — o policial, a ação taiwanesa, o filme de samurai — para construir uma crônica polifônica da China atual, que é, na verdade, um faroeste.

(Só encontramos o trailer do filme com legendas em inglês. Pedimos desculpas).

~ 9 ~
Azul é a Cor mais Quente

Adele Exarchopoulos Lea Seydoux

Primeiro filme baseado em quadrinhos a ganhar a Palma de Ouro em Cannes, Azul é a cor mais quente narra a história de amadurecimento, amor e sofrimento da jovem Adèle (chamada Clementine no livro). No início da trama, ela é uma adolescente insegura que encontra uma menina de cabelos azuis e, ao se aproximar dela, entra em conflito com sua própria ideia de sexualidade, com sua família e colegas. O relacionamento de Adèle e Emma, intenso e conturbado, é interpretado de forma realista e sensível pelas atrizes Adèle Exarchopoulos e Léa Seydoux, que também foram reconhecidas com o prêmio de Cannes. As cenas de sexo explícito entre as duas garotas causaram polêmica e geraram críticas da autora da história original ao diretor Abdellatif Kechiche, chegando a classificá-las como pornográficas e a dizer que foram claramente pensadas do ponto de vista de um homem heterossexual. Apesar das pesadas críticas, o coração da HQ de Julie Maroh está no filme: o retrato de uma garota apaixonada lidando com a sua sexualidade, suas angústias e a intolerância da sociedade. (Por Débora Fogliatto).

~ 10 ~
Tatuagem

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Com Irandhir Santos em dia ainda mais brilhante do que em “A Febre do Rato” e “O Som ao Redor”, Tatuagem tem na desenvoltura dos seus atores o motivo para os maiores elogios. Ambientado em Recife, o filme de Hilton Lacerda narra a história de amor entre o líder do grupo de teatro “Chão de Estrelas” e um jovem soldado do Exército brasileiro – durante a ditadura militar. A nudez onipresente, a forma com que a dramaturgia toma conta do enredo e as cores do insólito relacionamento (entre cálido, inocente e impossível) fazem com que o encantamento permaneça firme durante os 110 minutos. (Por Iuri Müller).

~ 11 ~
Depois de Maio

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Em 1971, nos arredores de Paris, Gilles é um jovem estudante imerso na atmosfera criativa e política da época. Como os seus colegas, ele está dividido entre o investimento radical na luta política e a realização de desejos pessoais. Entre descobertas amorosas e artísticas, sua busca o leva à Itália e ao Reino Unido, onde ele deverá tomar decisões essenciais ao resto de sua vida. Antes de ser o painel de uma geração, Depois de Maio é um filme sobre escolhas. Na primeira cena, um professor diz que entre céu e inferno existe a vida. Na cena seguinte, Gilles já está panfleteando na frente da escola, lembrando que a manifestação foi proibida pela polícia. A manifestação e uma batalha campal acontecem. Os policiais batem a valer. Para onde ir? Belo filme de Olivier Assayas.

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E os dez livros, em ordem alfabética:

Antologia da literatura fantástica,
de Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares, Silvana Ocampo

Antologia da Literatura Fantástica
Numa noite de 1937, ao conversar sobre ficções fantásticas, três amigos – Jorge Luis Borges, Adolfo Bioy Casares e Silvina Ocampo – resolveram criar uma antologia com seus autores preferidos. Três anos depois, foi lançada a Antologia da literatura fantástica, consolidada em sua edição definitiva 25 anos depois, obtendo enorme sucesso não só de estima como de público. Do filósofo Martin Buber ao explorador Richard Burton, passando pela tradição dos contos orientais, além de Cortázar, Kafka, Cocteau, Joyce, Wells e Rabelais, são 75 histórias – não só contos, como fragmentos de romance e peças de teatro – que nos apresentam uma literatura marcada pelo imaginário e por um modo diferente de representar a realidade. (Do site da Cosac Naify).

Assim na terra,
de Luiz Sérgio Metz

Assim na Terra
A longa viagem de Luiz Sérgio Metz pelo sul – viagem talvez de toda vida, mas certamente de um romance – foi publicada ainda em 1995, poucos meses antes da morte do escritor. Editado outra vez em 2013, pela Cosac Naify, Assim na terra pode agora ir além dos elogios da crítica especializada, algo que de alguma maneira já havia conseguido na época do lançamento, para então alcançar os leitores que o romance não teve na década em que foi pensado e escrito. Em Assim na terra, desfilam ideias e escritores, aparecem modernos tratores e seres perdidos no caminho, surgem as transformações que impactam no ambiente rural e no homem. Romance distinto de quase todos os outros, Assim na terra reaparece para os leitores quase vinte anos depois – com a impressão de que ali estão palavras novas, frases que ainda não haviam sido lidas. (Por Iuri Müller).

Barba ensopada de sangue,
de Daniel Galera

Barba Ensopada de Sangue
Neste quarto romance de Daniel Galera, um professor de educação física busca refúgio em Garopaba, um pequeno balneário de Santa Catarina, após a morte do pai. O protagonista (cujo nome não conhecemos) se afasta da relação conturbada com os outros membros da família e mergulha em um isolamento geográfico e psicológico. Ao mesmo tempo, ele empreende a busca pela verdade no caso da morte do avô, o misterioso Gaudério, que teria sido assassinado décadas antes na mesma Garopaba, na época apenas uma vila de pescadores. Sempre acompanhado por Beta, cadela do falecido pai, o professor esquadrinha as lacunas do pouco que lhe é revelado, a contragosto, pelos moradores mais antigos da cidade. Portador de uma condição neurológica congênita que o obriga a interagir com as outras pessoas de modo peculiar, o professor estabelece relações com alguns moradores: uma garçonete e seu filho pequeno, os alunos da natação, um budista histriônico, a secretária de uma agência turística de passeios. Aos poucos, ele vai reunindo as peças que talvez lhe permitam entender melhor a própria história. (Do site da Companhia das Letras).

Barreira,
de Amilcar Bettega

Barreira
Fátima mostra Istambul através da janela, como que alcançando a cidade com a mão. Aponta o Haliç, os bairros de Fener e Balat, identificáveis apenas através das luzes. Quem observa do outro lado da câmera é Ibrahim, pai de Fátima, que está em Porto Alegre. Ele logo viajará a Turquia, mas Fátima não estará no aeroporto e tampouco na pensão onde costumava se hospedar. Barreira, primeiro romance do escritor gaúcho Amilcar Bettega, começa com o desespero de Ibrahim, mas se esparrama pelas ruas de Istambul, chega a Paris e não para de encontrar situações mal resolvidas. “Eu queria um livro intencionalmente construído a partir de e entre buracos e pontos obscuros, de maneira que ao final fosse impossível ter-se uma versão incontestável daquilo que o romance contava”, disse o autor sobre o livro que integra a coleção “Amores Expressos”, da Companhia das Letras. (Por Iuri Müller).

Divórcio,
de Ricardo Lísias

Divórcio
O ponto de partida de Divórcio é bastante simples: com cerca de quatro meses de casamento, Ricardo Lísias encontra o diário de sua esposa. Ao abri-lo, lê uma passagem e fica estarrecido. A mulher com quem acabara de se casar, uma jornalista da área de cultura e critica de cinema, se revelava nas páginas de seu diário uma fria arrivista, que via Ricardo com desprezo. Afinal, apesar de ser um escritor promissor, ele passava os seus dias lendo e escrevendo e não possuía grandes ambições materiais. A partir dessa descoberta, acompanhamos pari passu a luta do autor para se recuperar e voltar a escrever e a desconstrução que ele opera do lugar de onde a sua ex-esposa saiu, a redação dos grandes jornais e revistas do país, a partir de um retrato duro de seus atores, os jornalistas. (Por Éder Silveira)

Essa coisa brilhante que é a chuva,
de Cíntia Moskovich

Essa Coisa Brilhante que é a Chuva
Depois de lançar Por que sou gorda, mamãe?, um dos mais apreciados romances brasileiros em 2006, Cíntia Moscovich apresenta ao público Essa coisa brilhante que é a chuva, volume que reúne contos inéditos escritos ao longo de seis anos e que teve o patrocínio de Petrobras Cultural e do Ministério da Cultura. Com muita originalidade e impressionante sensibilidade, Cíntia Moscovich aborda temas corriqueiros e inevitáveis: o ciúme do filho pela mãe, a adoção de um cachorro abandonado, um jovem casal às voltas com uma reforma na casa. Valendo-se de muito humor — e da tragédia sempre correspondente —, a autora conseguiu uma reunião de contos tão coesos, e tão divertidos, que mais parecem uma só narrativa, tornando a leitura uma experiência única. (Do site da editora Record).

Poética,
de Ana Cristina César

Poética
Ana Cristina Cesar deixou em sua breve passagem pela literatura brasileira do século XX uma marca indelével. Tornou-se um dos mais importantes representantes da poesia marginal que florescia na década de 1970, justamente pela singularidade que a distanciava das “leis do grupo”. Criou uma dicção muito própria, que conjugava a prosa e a poesia, o pop e a alta literatura, o íntimo e o universal, o masculino e o feminino – pois a mulher moderna e liberta, capaz de falar abertamente de seu corpo e de sua sexualidade, derramava-se numa delicadeza que podia conflitar, na visão dos desavisados, com o feminismo enérgico, característico da época.  Entre fragmentos de diário, cartas fictícias, cadernos de viagem, sumários arrojados, textos em prosa e poemas líricos, Ana Cristina fascinava e seduzia seus interlocutores, num permanente jogo de velar e desvelar. Cenas de abril,Correspondência completaLuvas de pelicaA teus pésInéditos e dispersosAntigos e soltos: livros fora de catálogo há décadas estão agora novamente disponíveis ao público leitor, enriquecidos por uma seção de poemas inéditos, um posfácio de Viviana Bosi e um farto apêndice. A curadoria editorial e a apresentação couberam ao também poeta, grande amigo e depositário, por muitos anos, dos escritos da carioca, Armando Freitas Filho. Dos volumes independentes do começo da carreira aos livros póstumos, a obra da musa da poesia marginal – reunida pela primeira vez em volume único – ainda se abre, passados trinta anos de sua morte, a leituras sem fim. (Do site da Companhia das Letras).

Toda poesia,
de Paulo Leminski

Toda Poesia
Paulo Leminski foi corajoso o bastante para se equilibrar entre duas enormes onstruções que rivalizavam na década de 1970, quando publicava seus primeiros versos: a poesia concreta, de feição mais erudita e superinformada, e a lírica que florescia entre os jovens de vinte e poucos anos da chamada “geração mimeógrafo”. Ao conciliar a rigidez da construção formal e o mais genuíno coloquialismo, o autor praticou ao longo de sua vida um jogo de gato e rato com leitores e críticos. Se por um lado tinha pleno conhecimento do que se produzira de melhor na poesia – do Ocidente e do Oriente -, por outro parecia comprazer-se em mostrar um “à vontade” que não raro beirava o improviso, dando um nó na cabeça dos mais conservadores. Pura artimanha de um poeta consciente e dotado das melhores ferramentas para escrever versos. Entre sua estreia na poesia, em 1976, e sua morte, em 1989, a poucos meses de completar 45 anos, Leminski iria ocupar uma zona fronteiriça única na poesia contemporânea brasileira, pela qual transitariam, de forma legítima ou como contrabando, o erudito e o pop, o ultraconcentrado e a matéria mais prosaica. Não à toa, um dos títulos mais felizes de sua bibliografia é Caprichos & relaxos: uma fórmula e um programa poético encapsulados com maestria. (Do site da Companhia das Letras).

Todos nós adorávamos caibóis,
de Carol Bensimon

Por Bernardo Jardim Ribeiro -_-6
Cora e Julia não se falam há alguns anos. A intensa relação do tempo da faculdade acabou de uma maneira estranha, com a partida repentina de Julia para Montreal. Cora, pouco depois, matricula-se em um curso de moda em Paris. Em uma noite de inverno do hemisfério norte, as duas retomam contato e decidem se reencontrar em sua terra natal, o extremo sul do Brasil, para enfim realizarem uma viagem de carro há muito planejada. Nas colônias italianas da serra, na paisagem desolada do pampa, em uma cidade-fantasma no coração do Rio Grande do Sul, o convívio das duas garotas vai se enredando a seu passado em comum e seus conflitos particulares: enquanto Cora precisa lidar com o fato de que seu pai, casado com uma mulher muito mais jovem, vai ter um segundo filho, Julia anda às voltas com um ex-namorado americano e um trauma de infância. Todos nós adorávamos caubóis é uma road novel de um tipo peculiar; as personagens vagam como forasteiras na própria terra onde nasceram, tentando compreender sua identidade. Narrada pela bela e deslocada Cora, essa viagem ganha contornos de sarcasmo, pós-feminismo e drama. É uma jornada que acontece para frente e para trás, entre lembranças dos anos 1990, fragmentos da vida em Paris e a promessa de liberdade que as vastas paisagens do sul do país trazem. Um western cuja heroína usa botas Doc Martens. (Do site da Companhia das Letras).

Vida querida,
de Alice Munro

Vida Querida
Os contos de Vida querida são ricos como romances – com personagens, tramas e vozes desenvolvidas em toda sua potencialidade -, mas, precisos como pede a tradição do gênero, prescindem de qualquer elemento que não seja essencial. O leitor, conduzido por narradores capazes de segurar a tensão do começo ao fim, se entrega a percursos surpreendentes, anunciados com sutileza e maestria em pistas esparsas. É o caso do conto que abre o livro, “Que chegue ao Japão”: Greta se despede do marido e parte com a filha numa viagem de trem que acaba se tornando uma aventura conflituosa pelos caminhos do desejo feminino; em “Dolly”, um casal de idosos decidido a acabar com a própria vida num gesto de cumplicidade e harmonia recebe uma visita inesperada do passado que irá abalar profundamente seus planos. Como nas demais coleções de contos da autora, mestre da forma breve, nos vemos diante de personagens que caminham nas beiradas da existência, arrancadas do cotidiano por golpes incisivos do destino e da loucura. Mas este Vida querida tem um diferencial que o coloca num nível novo; coroando uma carreira brilhante, a última parte do livro traz as quatro únicas narrativas autobiográficas já publicadas por Munro, que emprega toda a sua habilidade literária para refletir sobre o ato de narrar, a ficção e os temas que regem sua obra: memória, trauma, morte. Vida: vida. (Do site da Companhia das Letras).

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Julie Christie e Dirk Bogarde em Darling

Julie Christie e Dirk Bogarde em Darling

Dois grandes atores, um excelente filme de John Schlesinger, um Oscar de melhor de atriz, uma boa história. Tudo isso faz de Darling (1965) um filme muito querido a este blogueiro de sete leitores. Como se não bastasse, Julie Christie e Dirk Bogarde são grandes referências deste que vos escreve. Se o segundo é uma referência cultural, a primeira é sexo-cultural, por assim dizer. Sim, o adolescente e o jovem Milton Ribeiro amavam Julie Christie. Aliás, até hoje não podemos deixar de observar com interesse sua extraordinária beleza. Fiquem com ela.

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Vinte anos sem Federico Fellini

Vinte anos sem Federico Fellini

Publicado em 31 de outubro de 2013 no Sul21

Eu atravessei a arte moderna e nunca caí na armadilha da melancolia. Eu não proponho ideologias, soluções. Eu creio na luz. Minha luz é fabricada em estúdio, onde fiz até o mar. Eu atravessei o século 20 com personagens da minha infância. Eu fui comunicativo e fácil, quando o correto era o hermetismo intelectual.

Federico Fellini

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Assim como teria fugido de um circo quando criança, Federico, em seus últimos anos, tratou de se auto-intitular um diretor fácil, comunicativo e alegre | Foto: Divulgação

Fellini foi um grande mentiroso. Tinha o hábito de inventar histórias, de relatar fatos de seu passado que jamais aconteceram. Tais histórias, cheias de pedaços de realidade entremeadas da mais pura fantasia, atrapalha seus biógrafos, os quais concluem que seus depoimentos eram construídos como os  filmes do diretor, misturas de sonho e realidade — a maior característica do período final de Fellini. Assim como teria fugido de um circo quando criança, Federico, em seus últimos anos, tratou de se auto-intitular um diretor fácil, comunicativo e alegre. Ele também foi isso, mas dois de seus maiores filmes, talvez os mais vistos, excetuando-se AmarcordA Doce Vida e 8 ½ – têm, para dizer o mínimo, um mar de melancolia, a armadilha do século XX na qual ele dizia nunca ter caído.

A carreira de Fellini demonstra um realizador em constante evolução. A estrada da vida (1954), A trapaça (1955) e Noites de cabíria (1957) mostram um diretor ainda ligado ao neorrealismo praticado por Roberto Rosselini, com quem tinha trabalhado antes de criar seus próprios filmes. A estrada da vida foi um grande sucesso de público, dando-lhe o Leão de Prata do Festival de Veneza e o primeiro Oscar de melhor filme estrangeiro.

La Dolce Vita: Anita Ekberg banhando-se na Fontana di Trevi
La Dolce Vita: Anita Ekberg banhando-se na Fontana di Trevi

Logo depois, já década de 60, Fellini torna-se mais e mais pessoal, além de caminhar lentamente na direção de incríveis extravagâncias. É a vez do esplêndido A Doce Vida (1960), considerado uma dos maiores filmes de todos os tempos e que inicia sua parceria com Marcello Mastroianni. A Doce Vida mostra a decadência moral e o vazio existencial, cultural e político da sociedade burguesa italiana. Também inaugura um estilo que seria muito utilizado no futuro: o filme coral. Mesmo que ainda mantenha o personagem principal, a tela é povoada por dezenas de personagens que entram e saem de cena sem que o espectador lhes conheça muito mais do que suas feições. Eles entram em cena, dizem uma frase, fazem alguma coisa e vão embora. É também quando aparecem as mulheres fellinianas, normalmente de enormes seios, em La Dolce Vita na pele da belíssima sueca Anita Ekberg.

Mastroianni e Ekberg
Mastroianni e Ekberg

No filme, Mastroianni é um jornalista que trabalha para uma publicação sensacionalista, enquanto sonha em escrever sobre assuntos sérios. Ele passa a perseguir a atriz hollywodiana Sylvia Rank, personagem de Ekberg, por quem fica fascinado. É através do jornalista que vemos uma Roma entre a dúbia sofisticação e a franca decadência. O repórter tem várias amantes e a cena protagonizada na Fontana di Trevi por Ekberg e Mastroianni é uma das maiores sequências de todo o cinema. Abaixo, colocamos toda a famosa cena. Outra sequência célebre é a da abertura, na qual o jornalista, num helicóptero que transporta uma estátua de Jesus até o Vaticano, encontra uma mulher tomando sol numa cobertura e pergunta pelo seu número de telefone. O barulho do motor impede que ambos possam se entender. Aliás, ninguém parece se entender neste grande clássico.

O notável Fellini 8 ½ (1963) tem sua gênese numa crise interna do diretor. O longa trata minuciosamente da vida de um realizador que não sabe que filme deseja fazer. O título do filme tem origem numérica, pois Fellini fizera 7 filmes e ½, dirigindo seis longas, dois episódios de filmes e co-dirigido outro. É uma grande homenagem ao cinema, assim como O desprezo, de Jean- Luc Godard e A noite americana, de François Truffaut.

O irmão gêmeo de 8 ½ é Julieta dos espíritos (1965) realizado em homenagem à sua esposa, Giulietta Masina. Aqui, a personagem feminina passa por uma crise que a obriga a confrontar seus medos. As sequências visuais fantásticas já fazem antever o último Fellini, o dos exageros.

Que tal um desfile de moda eclesiástica hoje à noite?
Que tal um desfile de moda eclesiástica hoje à noite?

Roma de Fellini (1972) é outra obra-prima. Meio ficcional, meio documentário, o filme tem atores conversando com o diretor — aqueles olhando para a câmera, prova de total improviso –, cenas cuidadosamente preparadas como a do desfile de moda eclesiástica, e conversas com trabalhadores romanos como em um documentário. Em imensa colagem, Fellini capta toda a loucura, a arquitetura, os habitantes, os turistas, o desrespeito e a sujeira da cidade. Sem trama geral e com ritmo arrebatador, Roma de Fellini faz irrelevantes os personagens. Estes funcionam como catalizadores de cenas; depois, caem fora.

O delicioso Amarcord (1973) explora várias histórias da juventude de Fellini. Foi seu último grande sucesso comercial, escolhido para abrir o Festival de Cannes de 1973 e vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro. Amarcord (forma de se dizer io me ricordo — eu me lembro — em Rimini, cidade natal do diretor), é um verdadeiro manual de casos e sacanagens adolescentes. Entre os personagens estão a família e suas brigas e loucos; um padre que escuta confissões só para dar asas à sua imaginação; Gradisca, a linda cabeleireira; Volpina, a ninfomaníaca; o tocador de acordeão cego; um grupo absolutamente sedutor de estudantes. É um filme alegre e solar, mesmo tendo como fundo o fascismo italiano dos anos 30, como quando o pai é interrogado e torturado por supostamente tocar a International Comunista em um gramofone.

Amarcord: fartura de tudo
Amarcord: fartura de tudo

Após a realização de um filme sobre as memórias de sua infância, o diretor dirige seu foco para a famosa figura de Casanova (1976). Trata-se de uma versão pessoalíssima do grande amante. Caro e, em todos os outros sentidos, exagerado, o Casanova de Fellini não agradou ao público e muito menos à crítica.

Fellini mostra o que quer durante as filmagens de Ensaio de Orquestra
Fellini mostra o que quer durante as filmagens de Ensaio de Orquestra

Ele tratou de compensar a grandiosidade de Casanova em seu próximo filme: Ensaio de orquestra (1979), uma parábola sobre uma orquestra anárquica, filmada em apenas 15 dias, usando apenas um único cenário. Apesar de bastante fora do estilo do diretor, Ensaio de Orquestra é maravilhoso.

Nos anos 1980, depois de ter realizado alguns filmes menores e o grandiosamente mal-sucedido Cidade das Mulheres (1980), ele volta sua atenção para a grande ópera em E la nave va (1985). O longa, que traz um retrato do convés da alta sociedade e dos trabalhadores que estão no porão a sustentar o navio, é um verdadeiro microcosmo da sociedade.

Com seu filme seguinte, Ginger e Fred (1986), ele apresenta uma crítica irônica sobre o mundo da televisão, com seus programas de variedades repletos de anúncios, e sobre o poder magnético das celebridades.

Federico Fellini morreu no dia 31 de outubro de 1991. É considerado um dos mais populares representantes da alma italiana, tendo recebido 4 Prêmios Oscar da Academia de Hollywood. Respeitado pelos cinéfilos mais eruditos, criou uma forma absolutamente única de filme coral. Foi, mais do que nada, um enorme talento que soube contar como ninguém as histórias de grandes e pequenos personagens, de celebridades e de anônimos, sempre com sonho, magia e humor.

Cena de E la nave va
Cena de E la nave va

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A Hard Day’s Night completa 50 anos hoje

A Hard Day’s Night completa 50 anos hoje
A capa do disco de vinil. Clique se quiser ampliar.
A capa do original inglês de vinil. A edição brasileira trazia a mesma capa, só que com a cor vermelha substituindo o azul. Clique se quiser ampliar.

A Hard Day’s Night é o terceiro álbum dos Beatles. Seu aguardado lançamento aconteceu na Inglaterra em 10 de julho de 1964, acompanhando o lançamento do filme homônimo de Richard Lester.

O título da canção A Hard Day’s Night tem origem numa expressão criada por Ringo Starr em uma entrevista, daquelas bem bagunçadas. Ele disse ao disc jockey Dave Hull, no começo de 1964: “Tínhamos trabalhado um dia inteiro e mais a noite toda. Quando saímos do estúdio, eu pensava que ainda era dia e disse: “Foi um dia duro… mas olhei em torno e vi que estava escuro, então eu disse: foi a noite de um dia duro”. A Hard Day’s Night.

Correria
Correria

John Lennon escreveu a música em uma noite — desta vez sem trabalhar durante o dia –, e apresentou-a aos outros Beatles na manhã seguinte. A letra do manuscrito original pode ser vista na Biblioteca Britânica, rabiscada em caneta esferográfica nas costas de um cartão de aniversário.

Meus sete leitores devem saber que, apesar de assinarem juntos a maior parte das músicas do grupo, Lennon e McCartney raramente as escreviam juntos. Eles as faziam separadamente e depois discutiam alguma alteração. É simples identificar quem fez o quê. Basta ouvir o cantor principal. John cantava as dele e Paul as suas.

Saltos
Saltos

O filme lançado com o disco foi dirigido por Richard Lester. Dez ENORME sucesso. Mostrava, em preto e branco, a história de uma banda de rock que era perseguida por fãs histéricos. Após perseguições de fãs, entrevistas, e muitas piadas, a banda realiza um show na televisão. O filme mostra um pouco da realidade dos Beatles na época. No Brasil, o disco e o filme foram lançados pelo nome de Os reis do iê, iê, iê (a expressão “iê, iê, iê” deriva de “yeah, yeah, yeah”, presente no refrão da canção She Loves You).

Como se fazia na época, o álbum foi gravado em apenas nove dias não consecutivos, de janeiro a junho de 1964. Entre as sessões, os Beatles cumpriam seus compromissos de shows e da filmagem de A Hard Day`s Night. Durante a filmagem, John Lennon e Paul McCartney escreviam mais e mais canções. A maioria destas ficou fora de A Hard Day`s Night, indo para o seguinte, Beatles for Sale, lançado em 4 de dezembro do mesmo ano.

Descanso
Descanso

A Hard Day`s Night tornou-se seu primeiro álbum do grupo que continha material exclusivamente original, só com canções de Lennon e McCartney, ainda sem a participação de George Harrison como compositor.

Ouvi o disco novamente ontem e reforcei minha impressão. É um álbum bem diferente do que veio antes e do que virá depois. O motivo é simples. É o único disco dominado por canções de John Lennon. Isto o trona muito mais rápido, muito mais rock ‘n’ roll. A típica presença de Paul, muito mais lírico e melodioso, é notada em And I love her e Things we said today. O resto, com exceção de If I fell, são rocks rápidos.

Mais correria
Mais correria

Lennon foi o único compositor da faixa-título, juntamente com I Should Have Known Better, Tell Me Why, Any Time At All, I’ll Cry Instead, When I Get Home e You Can’t Do That. Ele também escreveu a maior parte de If I Fell e I’ll Be Back, e colaborou com McCartney em I’m Happy Just To Dance With You.

As contribuições de McCartney para o álbum foram discretas, porém excelentes: as clássicas baladas And I Love Her e Things We Said Today, bem como Can’t Buy Me Love.

A Hard Day’s Night é um dos três únicos álbuns dos Beatles para não contêm vocais por Ringo Starr. Os outros são Let It Be e Magical Mystery Tour.

O cartaz do filme de Lester
O cartaz do filme de Lester

As faixas de A Hard Day`s Night:

Lado A

A Hard Day’s Night
I Should Have Known Better
If I Fell
I’m Happy Just To Dance With You
And I Love Her
Tell Me Why
Can’t Buy Me Love

Lado B

Any Time At All
I’ll Cry Instead
Things We Said Today
When I Get Home
You Can’t Do That
I’ll Be Back

John Lennon: vocal, guitarra, violão, harmônica, tamborim
Paul McCartney: vocal, baixo, piano, sinos
George Harrison: vocal, guitarra, violão
Ringo Starr: bateria, congas, bongôs, tamborim
George Martin: piano

Produtor: George Martin, óbvio

O disco completo para meus sete leitores-ouvintes:

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O sucesso estrondoso dos shows do Monty Python mostra que o humor ainda é feito de inteligência

O sucesso estrondoso dos shows do Monty Python mostra que o humor ainda é feito de inteligência

Por Harold Von Kursk | No Diário do Centro do Mundo | A escolha dos esquetes foi do blogueiro

Nos anos 70, a série Monty Python Flying Circus ofereceu uma visão distorcida e absurda sobre o estado das coisas e rapidamente tornou-se um clássico cult. Os Pythons elaboraram um fluxo de consciência que criou momentos inesquecíveis de êxtase cômico. Qualquer busca rápida no YouTube vai encontrar clipes sublimes de seus melhores esquetes — a Loja de Queijos, o Ministério das Caminhadas Idiotas, a Canção do Lenhador, o Papagaio Morto etc.

Os Pythons são deuses imortais do riso. Eles levaram o humor a um estado de arte da mesma maneira que Jackson Pollock evoluiu do “gotejamento” para o expressionismo abstrato. Monty Python tornou-se um ponto de referência cultural, da mesma forma que iconoclastas como RD Laing, Louis Althusser, Albert Camus, Ali Farka Touré, Nina Simone, Andy Warhol, Pete Seeger. Ainda estão na vanguarda da nossa consciência depois de se separarem. O Monty Python foi originalmente concebido como um ataque frontal completo ao que era então conhecido, naquela era, como o “establishment”.

Como Timothy Leary, o professor de Harvard que se tornou um guru do LSD e aconselhou as pessoas a “se ligar, sintonizar e cair fora”, a gangue Python convidou-nos a olhar para a sociedade moderna como uma espécie de gigantesco hospício onde é difícil explicar por que é que nós fazemos o que fazemos. Tudo com inteligência e sem a vontade primeira de ofender, praga de 99% dos comediantes de hoje, que escondem sua falta de talento atrás do politicamente incorreto.

Este mês, os cinco Pythons restantes – John Cleese, Eric Idle, Terry Jones, Michael Palin e Terry Gilliam – estão se reunindo no palco da O2 Arena, em Londres, realizando seus primeiros shows ao vivo em mais de 40 anos. As cinco apresentações iniciais lotaram. Eles tiveram de marcar mais cinco (15, 16, 18, 19 e 20 de julho). O show do dia 20 será transmitido ao vivo para mais de 400 cinemas.

Os Pythons estão até mesmo invocando o fantasma de Graham Chapman (o rei Arthur de “Em Busca do Santo Graal”) através da holografia e convidaram a atriz Carol Cleveland, veterana do programa de TV, para a briga.

Há algo esplendidamente original sobre a marca Python na comédia. Em vez de tornar-se advogados, banqueiros ou burgueses gordos, o bando formado em Cambridge (Cleese, Chapman e Idle) e Oxford (Jones e Palin) desenvolveu uma filosofia em quadrinhos não ortodoxa e irreverente. Terry Gilliam foi o último a se unir ao grupo, um artista gráfico americano que criou o famoso pé roxo que esmagava as coisas na telinha e cujas imagens pop / psicodélicas acrescentaram uma dimensão extra à série (Gilliam viria a se tornar um diretor de cinema conhecido por “Brasil” e “Medo e Delírio em Las Vegas”).

O “Monty Python Flying Circus” passou na BBC entre 1969 e 1974. Seu humor era era tão surreal para os padrões normalmente sisudos que foi quase um milagre que eles atingissem um público de massa.

Os Pythons estavam à frente de seu tempo e ainda hoje o seu humor ressoa. Ninguém foi capaz de imitar ou capturar seu brilho. O Saturday Night Live chegou mais perto durante os anos dourados com Dan Aykroyd, John Belushi, Gilda Radner, Eddie Murphy e Bill Murray, mas não alçava vôos nas mesmas alturas.

O Monty Python capturou a desumanidade e a indecência da sociedade moderna. Odiavam a burocracia, a intolerância, o conformismo, o conservadorismo, a pompa, e o rolo compressor estéril de uma sociedade ocidental decadente que atropelava os valores humanos em prol do expansionismo corporativo. Em sua incursão no cinema, os Pythons amplificaram suas paródias macabras.

Quem pode esquecer quando o rei Arthur e seus seguidores se aproximam de um castelo para ser insultados, atormentados e perseguidos por guardas franceses arrogantes no filme “Em Busca do Santo Graal”? Pode haver algo mais insano do que a idéia de uma turma de cavaleiros gays desonestos e gigantes que habitam a floresta e que dizem “Ni”?

“A Vida de Brian”, que em seu lançamento foi denunciado por direitistas e teólogos, na verdade apresentou um retrato bastante preciso dos movimentos políticos da época. O filme segue um personagem fictício infeliz chamado Brian, que nasceu ao mesmo tempo em que Jesus e está, inadvertidamente, destinado a ser o messias. Recentemente, o Reverendo Professor Burridge, decano do King’s College de Londres, a quem o papa Francisco deu um prêmio por seus estudos, declarou que “a representação de movimentos messiânicos no filme, na Judeia do século I, ofereceu provavelmente um retrato mais preciso do contexto histórico do que muitos filmes de Hollywood sobre Jesus “.

Quem mais poderia encerrar o filme num clímax em que os revolucionários crucificados cantam e pedem para “sempre olhar para o lado mais alegre da vida?”

O mundo ama o Monty Python, tanto por sua capacidade de desafiar formas ortodoxas de pensar e de se comportar como por sua capacidade inigualável para celebrar as contradições fundamentais da existência. Com precisão cirúrgica, eles continuaram martelando nossos ossos até vermos como boa parte do que aceitamos como normal diariamente é de fato lixo absoluto.

Ao vivo, o Monty Python representa seus números clássicos com ajuda de telões e outros recursos modernos. Cantam e dançam. Está lá até o jogo de futebol de filósofos. A rigor, não há novidade. Mas essa é a sabedoria da trupe. Quem vai aos shows dos Rolling Stones esperando ouvir as canções do novo disco está no lugar errado. “O nosso grande problema agora é que a plateia conhece os scripts muito melhor do que nós”, disse John Cleese. No dia 20, o Monty Python estará definitivamente morto. Enterrado. Terá deixado de existir. Longa vida ao Monty Python.

O Monty Python, hoje
O Monty Python, hoje

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Para que ter dois olhos?

Para que ter dois olhos?

O excelente blog português O homem que sabia demasiado deu-se conta de que, algumas vezes, esse negócio de ter dois olhos parece que atrapalha. Esses caras abaixo, eram melhores realizadores só com um olho do que a esmagadora maioria com os dois:

Nicholas Ray (1911 – 1979) Nicholas Ray (1911 - 1979)   Raoul Walsh (1887 – 1980) Raoul Walsh (1887 - 1980)   John Ford (1894 – 1973) John Ford (1894 – 1973)   Fritz Lang (1890 – 1976) Fritz Lang (1890 - 1976)

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Kubrick e Spielberg: uma amizade improvável

Kubrick e Spielberg: uma amizade improvável

Sabiam que antes de gravar qualquer canção, Roberto Carlos consultava Tom Jobim a respeito? Só após o OK de Tom é que Roberto aprovava a divulgação de qualquer obra. O Rei ficou inconsolável com a morte de seu mentor em 1994. Ficou perdido no mundo. O mesmo aconteceu com Paulo Coelho e José Saramago. O mago só mandava seus escritos para o prelo se o português lhe dizia: tá bom, alquimista, vá em frente. Fernando Sabino fazia o mesmo com Clarice Lispector; se a autora de Água Viva e Laços de Família não lhe escrevesse “Alles klar. Clarice.”, estaríamos livres de Zélia, Uma Paixão.

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Claro que o parágrafo acima é inteiramente mentiroso. Mas o título deste texto é verdadeiro. Spielberg e Kubrick eram amicíssimos e se consultavam a respeito de seus filmes. Várias sugestões trafegavam e eram aceitas nos dois sentidos. O erudito mestre Stanley Kubrick prezava muito o mestre do entrenimento Steven Spielberg e vice-versa. Amo o cinema de Kubrick e nada tenho contra Spielberg, mas penso que dificilmente haverá dois amigos e colaboradores (mesmo que informais) mais diferentes entre si.

Steven Spielberg

A importância de Stanley Kubrick para o cinema mundial pode ser medida pela qualidade e variedade dos poucos filmes que produziu. Muito pensam que ele era inglês, mas ele foi um novaiorquino que produziu parte de sua obra na Inglaterra. Kubrick criou ficção científica, suspense, reconstituição histórica, filmes de guerra, filmes intimistas e comédia sempre com brilhantismo — com brilhantismo ofuscante, creio eu. Ele — que se definiu para Anthony Burgess como um maestro dei colore que lia bons livros, que gostava de boa música e que tentava trazer isto para seus filmes — produziu apenas 13 filmes em 46 anos de carreira. E eu garanto que você viu ou pelo menos sabe da existência de mais da metade deles. Quer comprovar?

1. Fear and desire (1953) – Que Kubrick rejeitava por ser péssimo.
2. A morte passou por perto (1955) – Idem
3. O grande golpe (1956) * – Suspense
4. Glória feita de sangue (1957) * – Guerra
5. Spartacus (1960) * – Épico romano
6. Lolita (1962) – Intimismo politicamente incorreto
7. Doutor Fantástico (1964) – Comédia
8. 2001- Uma Odisséia no Espaço (1968) * – Ficção Científica
9. Laranja Mecânica (1971) * – Futurismo anarquista
10. Barry Lyndon (1975) – Romance vitoriano de Thackeray, passado no século XVII
11. O Iluminado (1980) * – Terror
12. Nascido para Matar (1987) * – Guerra
13. De Olhos Bem Fechados (1999) * – Intimista, baseado na grande novela Breve Romance de Sonho, de Arthur Schnitzler

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Esta não é uma série de filmes clássicos, é apenas a obra de Kubrick. O que mais o distingue é a inteligência e o fato de sempre se propor a esgotar os temas aos quais se dedica, chegando, às vezes, a produzir três filmes contrastantes dentro de um só. É como se produzisse variações sobre um mesmo tema, ao estilo dos compositores eruditos. Fez isto no tríptico Laranja Mecânica — (1) Ultra-violência, (2) Tratamento Ludovico e (3) Retorno à sociedade –, em De Olhos Bem Fechados — (1) Amor, (2) Ciúme e medo e (3) Aventura mórbida — e em outros, como 2001.

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A surpreendente amizade com Spielberg só ganhou notoriedade quando da morte de Kubrick. A quem foi passada a tarefa de finalizar De Olhos Bem Fechados? Ora, a Spielberg, que era quem tinha conhecimento de todo o projeto. É sintomático que Spielberg, após este trabalho, voltasse a outro projeto de Kubrick: Inteligência Artificial. Porém, curiosamente, ao filmar a história que Kubrick filmaria a seguir, acabou realizando um tríptico típico do mestre: (1) Conhecendo e rejeitando o robô, (2) O robô solto no mundo e (3) Final açucarado para você chorar de emoção ou raiva. Esta característica musical de reapresentar o mesmo tema de diversas formas foi também assumida por Spieberg em seu filme seguinte, Minority Report. Porém, insisto…

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Caricatura retirada do The Simon Magazine, mais exatamente do artigo “Steven Spielberg’s Artificial Inheritance“, de Edward Patch.

Kubrick não se repetia, Spielberg fez 3 Indiana Jones e não sei quantos Parques dos Dinossauros. Kubrick era um erudito generalista ao estilo dos grandes homens do renascimento, Spielberg é o tarado da ação, mesmo que se declare um apaixonado pela literatura. Kubrick quase não dava entrevistas, Spielberg não para de falar. Kubrick sempre foi hostil às estéticas aceitas por hollywood e não ficou milionário, Spielberg aderiu e é produtor riquíssimo em hollywood. Kubrick realizava filmes secos, profundos, corrosivos e analíticos, Spielberg os faz normalmente divertidos, superficiais, açucarados e infantis. Kubrick fazia um filme a cada 4 anos, Spielberg faz um por ano. Um concentra, o outro dilui. Mas nada disto os impedia de discutirem seus respectivos projetos em detalhe e a resultante destas discussões poderia ser tão diferente quanto o são Parque dos Dinossauros, Indiana Jones, Nascido para Matar ou O Iluminado.

Seria respeito profissional? Admiração mútua? Amor ao que o outro tinha de inatingível? Não sei, apenas acho curioso.

(*) Filmes de Kubrick que, em minha opinião, qualquer um de nós deveria ver a fim de crescer mais alguns centímetros.

spielberg kubrick

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O velho Alfred Hitchcock em seu 13 de agosto

Publicado em 13 de agosto de 2013 no Sul21

Considerando que agosto é o mês do desgosto e que o número 13 é o numero 13, a data de nascimento de Alfred Hitchcock é a mais adequada possível. O único problema é que nem sempre é possível cair numa sexta-feira. Paradoxalmente, o londrino Hitchcock nunca teve azar. Além da existência longa e altamente produtiva, é dos poucos cineastas que podem se orgulhar de terem obtido imenso reconhecimento, aliado a tonitruante sucesso de público.

Hitchcock, ao menos quando falava, era amigo das simplificações. Dizia que seus filmes dividiam-se em dois grupos: os whodunits e os MacGuffins. Dificilmente poderia ser mais exato.

O whodunit (ou “Who done it?” ou “Quem fez isso?”) é o gênero de filmes onde ao final se sabe quem foi o autor de algum ato ilícito ou, digamos, avassalador. O quebra-cabeças que nos leva ao autor é o principal ponto de interesse. Aos espectadores são fornecidos indícios, mas o final deve surpreender. Janela Indiscreta e Psicose são exemplos de whodunits.

Já o MacGuffin é um pouco mais complicado de explicar. O MacGuffin é aquilo que todos procuram, o que deve ser encontrado. É o elemento da trama que move todos os personagens. O aspecto definidor do um filme do gênero MacGuffin é que os personagens estão (pelo menos inicialmente) dispostos a qualquer sacrifício, independentemente do que seja, para alcançá-lo. São normalmente thrillers com mortes, lutas e correria. O MacGuffin pode ser apenas dinheiro, ou uma agenda, ou a obtenção de um testamento ou de algo que seja uma ameaça potencial. Normalmente o MacGuffin é o foco central da primeira parte do filme, depois diminui sua importância em razão das camadas de ficção que lhe sobrepõem e da rivalidade entre os personagens. Mas costuma retornar ao final.

Cortina Rasgada é o maior exemplo de MacGuffin, todos estão atrás da fórmula secreta. Em Interlúdio, há o urânio que os personagens principais devem encontrar antes que chegue às mãos nazistas. Segredos de estado de vários tipos servem como MacGuffins em filmes de espionagem, especialmente em O homem que sabia demais, Os 39 degraus e A Dama Oculta.

Quanto à criação dos filmes, Hitchcock tinha outras coisas a ensinar. Por exemplo, ele quase sempre se baseava em obras literárias menores. Ele tratava de melhorá-las, vencendo a comparação. Hitch, como era conhecido, sempre criticou uma de suas atrizes preferidas, Ingrid Bergman, por seu desejo de fazer filmes com grande temas (Joana d`Arc) ou com roteiros baseados em grandes obras (Por quem os sinos dobram). Ela queria imortalizar-se desta forma enquanto Hitch lhe advertia que tais filmes seriam vencidos ou pela história ou pelo livro associado. Tinha razão.

Ultraperfeccionista, costumava adaptar as más obras originais a seus critérios de qualidade. Fazia questão de absoluta verossimilhança. Quando Lars Torwald entra no apartamento do fotógrafo vivido por James Stewart em Janela Indiscreta, este não porta um revólver nem qualquer outro tipo de arma para defender-se que não seja o flash com o qual procura cegar o agressor. Afinal, poucos fotógrafos carregam muito mais do que seu equipamento. Mas na obra original, o fotógrafo John “Scottie” Ferguson era jornalista. Se a obra fosse conhecida, o diretor talvez talvez não pudesse subvertê-la.

Hitchcock era tão perfeccionista que por anos alternou os poucos atores considerava bons e que, principalmente, adivinhavam seus desejos. Como eram muito diferentes, havia os filmes para Cary Grant e os para James Stewart. Sedução, humor e façanhas físicas? Grant. Ironias, simpatia e inteligência? Stewart. As mulheres eram preferenciamente loiras, mas o mestre soube reconhecer em Ingrid Bergman uma das mulheres mais belas do cinema. Se não teve coragem de pedir a Bergman que pintasse o cabelo de loiro, pediu a outras. Hitchcock insistia que as loiras eram mais “simbólicas como heroínas”, além de serem “melhores como vítimas”. A mais perfeita de todas o traiu de forma mais radical do que Bergman em seu amor ao gradioso: a musa fria e inatingível Grace Kelly, ao tornar-se pricesa de Mônaco, deixou o cinema.

Todas as loiras pós Janela Indiscreta parecem aos espectadores tentativas de fazer retornar às telas a Princesa Grace, assim como as anteriores parecem uma busca de Kelly. Mas todas elas são distantes deusas de gelo sob cabelos cor de brasa.

Em Um corpo que cai (Vertigo), James Stewart manda Kim Novak pintar seu cabelo de loiro. Em O Inquilino (The Lodger), filme mudo de 1926, há um serial killer que persegue loiras. Outras notáveis mulheres loiras são Tippi Hedren em Os Pássaros e Marnie, Dany Robin em Topázio, Eva Marie Saint em Intriga Internacional, Doris Day em O homem que sabia demais, Kim Novak em Um corpo que cai, Marlene Dietrich em Pavor nos Bastidores (1950), Julie Andrews em Cortina Rasgada, Janet Leigh em Psicose e a perfeita Grace Kelly de Janela Indiscreta e Ladrão de Casaca.

Este extraordinário artesão de filmes de suspense era também habilíssimo marqueteiro. Costumava fazer aparições súbitas em seus filmes. Estes momentos eram tão aguardados pelos fãs que, em Psicose, teve que aparecer logo no início para não prejudicar o suspense do filme com seu aparecimento, fato que provocava risadas nas sessões de cinema. Também tratou de mostrar na TV sua linguagem diversa da grande maioria das séries de sua época.Numa série antológica que não dispunha de personagens e situações fixas, temos todo o tipo de crimes com uma novidade: numa época em que o herói precisava ser um bom moço, Alfred Hitchcock deu preferência a inocentes não tão simpáticos ou corretos e a mocinhos dubitativos e suspeitos. Mesmo nesta série, Hitchcock não utilizava textos escritos especialmente. Havia uma equipe que fazia a varredura do mundo da baixa literatura em busca de histórias para serem adaptadas. Foi assim que, num dia muito especial, encontraram uma história na qual a protagonista é assassinada durante o banho.

São apenas 45 segundos, mas neles há 78 cortes. A cena cerne de Psicose demorou uma semana para ser filmada. Foi construído um chuveiro com dois metros de diâmetro para que a câmera captasse cada jato. O filme foi realizado em preto e branco para que o vermelho do sangue sobre o branco da banheira não ficasse tão chocante e a cena foi colocada logo na primeira metade do filme para que causasse estranheza. Afinal, naquela época, a atriz mais conhecida e cara do elenco não costumava ser morta logo de cara. Era contra as regras.

O estilo de Hitchcock variava muito. O que não variava eram sua extrema minúcia e apuro técnico. Quem pensar que os cortes ao estilo de videoclipe do assassinato de Psicose eram seu habitual, engana-se. Em Festim Diabólico era simulado um único e longuíssmo plano-sequência sem cortes, ao estilo do Sokúrov de Arca Russa (na verdade, Festim tinha oito imperceptíveis cortes).

Hitchcock soube como poucos que o cinema não era teatro nem literatura e muito menos a junção de ambos. Desde a época do cinema mudo, soube que tinha linguagem muito própria e que tinha de utilizar outro arsenal de armas. Como o silêncio e a reversão de expectativas, por exemplo, ou o humor inesperado. Quando alguém contrapunha outra opinião, o velho Hitch começava uma longa argumentação que iniciava sempre pelo mesmo bordão: “Considerando-se que o cinema é uma arte estritamente visual…“.

Parte-se do pátio adormecido, depois se desliza para o rosto suado de James Stewart, passa-se para sua perna engessada, depois para uma mesa onde se vê a máquina fotográfica quebrada e uma pilha de revistas e, na parede, veem-se fotos de carros de corrida saindo da pista. Nesse único primeiro movimento de câmera, fica-se sabendo onde estamos, quem é o personagem, qual é sua profissão e o que lhe aconteceu.

François Truffaut, sobre a primeira cena de Janela Indiscreta

Sim, sem dúvida, uma arte estritamente visual.

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Três excelentes filmes no findi

Três excelentes filmes no findi

oloboatrasdaportaO Lobo Atrás da Porta, de Fernando Coimbra. Excelente filme, com um conflito muito bem construído pelo diretor Fernando Coimbra. Dentro de um filme de grande violência psicológica, seu único equívoco foi na escolha de Leandra Leal para um dos papéis principais. Estava sentindo alguma coisa estranha e a Elena Romanov matou a charada. Ela é classuda demais para uma história passada num subúrbio do Rio de Janeiro. Não funciona como amante de um funcionário de empresa de ônibus. Mesmo com roupas de segunda mão, ela parece uma princesa disfarçada. Elena não é alguém que apenas vê objeções, também sugere soluções! Então, indica Cleo Pires ou Débora Secco para o papel. Concordo que Leandra Leal não serve para ser chamada de gata, deusa, diva, pitéu, essas coisas. Insisto nisso só para deixar PERFEITO um filme que já é BONÍSSIMO. Há três cenas antológicas: a do cafezinho xexelento, a da agressão cometida por Bernardo e a da incompreensão do delegado sobre o não envolvimento emocional entre os amantes. Claro que RECOMENDO MUITO.

the-lunchboxThe Lunchbox, de Ritesh Batra. um filme cheio de delicadeza que fala poeticamente sobre a solidão. Merece ser visto e que está lá na Eduardo Hirtz. É raro ver dois filmes tão bons em sequência. Acho que ambos — este e O Lobo Atrás da Porta — vão para lista de melhores de 2014. The Lunchbox recebeu, compreensivelmente, Prêmio do Público no Festival de Cannes de 2013. Uma tele-entrega equivocada coloca em contato uma jovem dona de casa com um desconhecido. Juntos, eles constroem uma relação baseada em bilhetes deixados nas marmitas nas quais as comidas são entregues. Utilizando temperos que misturam comédia e romance, a história tem como coadjuvante o velho, complexo e infalível sistema de entrega de marmitas de Mumbai. São os Dabbawallahs, que permitem que milhões de maridos possam saborear a comida de casa durante o expediente. Certo dia, uma dona de casa infeliz no casamento envia quitutes especiais para o marido. Quando este chega em casa, não comenta nada. No dia seguinte, ela envia um bilhete junto com a refeição e recebe outro, só que do estranho. Então, começam uma inusitada troca de conselhos. Filme encharcado em humanidade.

o-palacio-francesO Palácio Francês, de Bertrand Tavernier, é uma brilhante sátira a essas pessoas cheias de energia e irreflexão que são 80% (75%?) dos políticos. Infelizmente, são essas pessoas, normalmente dotadas de imensa capacidade de trabalho e ignorância, que mandam em todos nós. Sua cultura vem de manuais ou de citações, mudam de opinião a cada momento, apenas tratam da preservação de si mesmos e de seus auxiliares, os quais torturam em busca de mais e mais divulgação. Sim, 80% (75%?) são assim, basta ver a lista de nossos deputados estaduais. Apenas o personagem Maupas pensa — e ri — no filme de Tavernier, que tem um final brilhante (o qual retiro daqui a pedido de Elena). Um excelente filme desagradável, de ritmo alucinante. Recomendo. (E fica a pergunta: existe mesmo democracia?)

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O lado de Woody Allen

O lado de Woody Allen
Hoje, Allen tem 78 e Dylan 28.
A resposta de Woody Allen.

Depois de se pronunciar rapidamente contra as acusações de que teria molestado a filha adotiva, Dylan Farrow, Woody Allen falou novamente sobre o caso em uma carta publicada no jornal “The New York Times”.

Há 21 anos, quando eu ouvi pela primeira vez que Mia Farrow tinha me acusado de abuso sexual infantil, eu achei a ideia tão ridícula que eu não pensei duas vezes nisso. Estávamos envolvidos em um processo de separação terrivelmente amargo, com grande inimizade entre nós dois, e uma batalha pela custódia (dos filhos), lentamente reunindo forças. Sua maldade tão transparente me pareceu tão óbvia que eu sequer contratei um advogado para me defender. Foi o advogado que tratava dos meus trabalhos que me contou que ela estava levando a acusação à polícia e me disse que eu precisaria de um advogado criminal.

Eu ingenuamente achei que a acusação seria descartada porque, claro, eu não tinha molestado Dylan e qualquer pessoa racional iria ver a manobra para que eu fosse acusado. O bom senso iria prevalecer. Afinal, eu era um homem de 56 anos que nunca tinha sido (ou fui depois) acusado de abuso sexual infantil. Eu estava saindo com Mia por 12 anos e nunca, nesse meio tempo, ela sugeriu que eu tivesse qualquer coisa parecida com má conduta. Agora, de repente, quando eu tinha dirigido até sua casa em Connecticut em uma tarde para visitar as crianças por algumas horas, quando eu estaria jogando no campo do meu adversário feroz, com meia dúzia de pessoas presentes, quando eu estava nos felizes estágios iniciais de um novo relacionamento com a mulher com quem eu viria me casar – que eu escolheria este momento para embarcar numa carreira como molestador de crianças deveria parecer altamente improvável para uma mente mais cética. A pura falta de lógica de um cenário tão louco me pareceu que prescreveria.

Não obstante, Mia insistiu que eu tinha abusado de Dylan e a levou imediatamente a um médico para ser examinada. Dylan disse ao médico que ela não havia sido molestada. Mia então levou Dylan para tomar sorvete e, quando voltou, a criança tinha mudado sua história. A polícia começou sua investigação, uma possível denúncia pesou na balança. Eu, de bom grado, fiz um teste de detecção de mentiras e, claro, passei, porque eu não tinha nada a esconder. Pedi a Mia que fizesse o mesmo e ela não quis. Na semana passada, uma mulher chamada Stacey Nelkin, com quem eu tive um caso muitos anos atrás, foi à público para dizer que, quando eu e Mia tivemos nossa primeira batalha pela custódia, há 21 anos, ela queria que Stacey testemunhasse que ela era menor de idade quando nós saímos, apesar de isso não ser verdade. Stacey se recusou. Eu incluo esta anedota para que todos nós saibamos com que tipo de pessoa estamos lidando aqui. Dá para imaginar por que ela não quis passar por um detector de mentiras.

Nesse meio tempo, a polícia de Connecticut pediu ajuda de uma unidade especial de investigação especializada em casos do tipo, a clínica de abuso sexual infantil do Hospital Yale-New Haven. Esse grupo de homens e mulheres imparciais e experientes, a quem o promotor recorreu em busca de orientação quanto à possibilidade de abrir um processo, passou meses em uma investigação meticulosa, entrevistando todos os envolvidos e checando cada pedaço de evidência. Por fim, eles escreveram a conclusão que transcrevo aqui: “É nossa opinião, enquanto especialistas, que Dylan não foi molestada sexualmente pelo Sr. Allen. Além disso, acreditamos que as declarações de Dylan em vídeo e os depoimentos que ela nos deu durante nossas avaliações não se referem a fatos reais que teriam ocorrido no dia 4 de agosto de 1992… No desenvolvimento do nosso parecer, consideramos três hipóteses para explicar os depoimentos de Dylan. Em primeiro lugar, que as declarações de Dylan eram verdadeiras e que o Sr. Allen abusou sexualmente dela; em segundo, que o depoimento de Dylan não era verdadeiro, mas sim inventado por uma criança emocionalmente vulnerável, envolvida em uma família perturbada, em resposta a um ambiente estressante; e terceiro, que Dylan foi treinada ou influenciada por sua mãe, Sra. Farrow. Enquanto podemos concluir que Dylan não foi abusada sexualmente, não podemos definir se a segunda ou a terceira formulações são verdadeiras. Acreditamos que o mais provável é que a combinação dessas duas hipóteses explicam melhor as alegações de Dylan de abuso sexual”.

Poderia ser mais claro? Sr. Allen não molestou Dylan; provavelmente uma estressada criança de 7 anos foi orientada por Mia Farrow. Essa conclusão desapontou muita gente. O promotor esperava julgar o caso de uma celebridade e o juiz de custódia, Elliott Wilk, escreveu uma declaração muito irresponsável dizendo que, como se trata de abuso sexual, “nós provavelmente nunca saberemos o que aconteceu”.

Mas nós sabíamos, isso foi determinado e não havia equívoco sobre o fato de que nenhum abuso havia ocorrido. O juiz Wilk foi muito rude comigo e nunca aprovou meu relacionamento com Soon-Yi, filha adotiva de Mia, que estava com seus 20 e poucos anos. Ele me via como um homem mais velho explorando uma mulher muito mais nova, o que ultrajou Mia, a despeito do fato de ela ter tido um caso com um muito mais velho Frank Sinatra quando ela tinha 19. Para ser justo com o juiz Wilk, o público sentiu o mesmo desprezo sobre Soon-Yi e eu, mas apesar do que poderia parecer, nossos sentimentos eram autênticos e nós estamos muito bem casados há 16 anos com duas filhas maravilhosas, ambas adotadas (aliás, por causa do circo midiático e das falsas acusações, Soon-Yi e eu fomos cuidadosamente escrutinados tanto pela agência de adoção quanto pelos tribunais e todos abençoaram nossas adoções).

Mia ficou com a guarda das crianças e nós seguimos caminhos separados.

Eu estava com o coração partido. Moses estava com raiva de mim. Ronan eu mal conhecia porque Mia nunca me deixou chegar perto dele desde que ele nasceu e Dylan, que eu adorava e de quem eu era muito próximo, sobre quem Mia ligou para minha irmã num acesso de raiva e disse: “Ele tomou minha filha, agora eu vou tomar a dele”. Eu nunca mais a vi ou pude falar com ela, não importava o quanto eu tentasse. Eu ainda a amo profundamente e me sentia culpado que, por me apaixonar por Soon-Yi, eu a tenha colocado na posição de ser usada como um instrumento de vingança. Soon-Yi e eu fizemos inúmeras tentativas de ver Dylan, mas Mia bloqueou todas elas, acintosamente sabendo que eu a amava tanto, mas totalmente indiferente à dor e aos danos que ela estava causando em uma garotinha, apenas para satisfazer sua própria índole vingativa.

Aqui eu cito Moses Farrow, na época com 14 anos: “Minha mãe martelou para que eu odiasse meu pai por ter separado a família e molestado sexualmente minha irmã”. Moses está com 36 anos e é terapeuta familiar por profissão. “É claro que Woody não molestou minha irmã”, ele disse. “Ela o amava e esperava para vê-lo quando ele vinha visitar. Ela nunca se escondeu dele até nossa mãe conseguir criar uma atmosfera de medo e ódio contra ele”. Dylan tinha 7, Ronan tinha 4 anos e isso foi, de acordo com Moses, a história contada, ano após ano.

Faço aqui uma pausa rápida para comentar a situação de Ronan. Ele é meu filho ou, como Mia sugere, filho de Frank Sinatra? É verdade que ele se parece bastante com Frank, com os olhos azuis e os traços faciais, mas se for verdade, o que isso diz? Isso quer dizer que Mia mentiu sob juramento durante a audiência de custódia, apresentando falsamente Ronan como nosso filho? Mesmo que ele não seja filho de Frank, a possibilidade que ela levanta indica que ela estava secretamente envolvida com ele durante o tempo em que ficamos juntos. Isso sem mencionar todo o dinheiro que eu paguei de pensão para a criança. Eu estava cuidando do filho de Frank? Mais uma vez, eu quero chamar atenção para a integridade e a honestidade de uma pessoa que conduz sua vida desta maneira.

Agora, 21 anos depois, Dylan apresentou novamente as acusações que os peritos de Yale investigaram e deram como falsas. Com mais alguns toques criativos que magicamente apareceram durante os 21 anos em que ficamos sem nos falar.

Não que eu duvide que Dylan acredite que foi molestada, mas se, aos 7 anos, uma criança vulnerável foi levada por uma mãe forte a odiar seu pai porque ele é um monstro que abusou dela, é tão inconcebível que depois de tantos anos de doutrinação esta imagem que Mia queria estabelecer para mim tenha criado raízes? Não é de se admirar que os especialistas de Yale tenham apontado o aspecto de doutrinação maternal 21 anos atrás? Até mesmo o local onde o abuso sexual fabricado teria acontecido foi mal escolhido, mas interessante. Mia escolheu o sótão de sua casa de campo, um lugar que ela deveria ter percebido que eu jamais iria porque é um lugar fechado, minúsculo e apertado, onde dificilmente alguém consegue ficar em pé, e eu sou um grande claustrofóbico. Uma ou duas vezes em que ela me pediu para ir lá procurar alguma coisa eu o fiz, mas tive que sair rapidamente. Sem dúvida, a ideia do sótão veio da canção de Dory Previn, “With my daddy in the attic” (“Com meu pai no sótão”). É do mesmo disco da música que Dory compôs sobre Mia ter traído sua amizade de forma insidiosa ao roubar seu marido, André, “Beware of young girls”. Devemos nos perguntar: Dylan escreveu mesmo a carta ou foi, no mínimo, guiada por sua mãe? Será que a carta realmente beneficia Dylan ou simplesmente avança com a agenda de vingança de sua mãe? Isso é para me machucar. Há até mesmo a tentativa idiota de me causar danos profissionais ao envolver estrelas de cinema, que cheira muito mais a Mia do que a Dylan.

Depois de tudo isso, se falar era realmente uma necessidade de Dylan, ela já havia se manifestado meses antes na “Vanity Fair”. Aqui eu cito Moses Farrow novamente. “Sabendo que minha mãe costumava nos usar como peões, eu não posso confiar em nada que foi dito ou escrito por qualquer um da família”. Finalmente, Mia realmente acredita que eu molestei sua filha? O bom senso deve questionar: será que uma mãe que acredita que sua filha de 7 anos foi sexualmente abusada por um molestador (um crime muito horrível) aceitaria aparecer em um clipe usado para homenagear o criminoso no Globo de Ouro?

É claro que eu não molestei Dylan. Eu a amava e espero que um dia ela entenda como foi impedida de ter um pai amoroso e explorada por uma mãe mais interessada em sua própria raiva purulenta do que no bem-estar de sua filha. Ser ensinada a odiar seu pai e ser levada a acreditar que ele a molestou já teve um custo psicológico sobre esta encantadora jovem, e Soon-Yi e eu esperamos que um dia ela entenda quem realmente fez dela uma vítima e se reconecte conosco, como Moses fez, de uma forma amorosa e produtiva.

Ninguém quer desencorajar as vítimas de abuso a falar, mas é preciso ter em mente que às vezes há pessoas que são falsamente acusadas e que isso também é uma coisa terrivelmente destrutiva. Este texto vai ser minha palavra final sobre o caso e ninguém mais vai responder em meu nome quaisquer outros comentários feitos sobre ele por qualquer parte envolvida. Pessoas suficientes já foram magoadas.

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O caso Woody Allen: abuso não se relativiza, mas há que provar

O caso Woody Allen: abuso não se relativiza, mas há que provar

Provavelmente, as acusações de abuso que feitas a Woody Allen sejam mesmo verdadeiras, que o diga seu casamento. Abuso é uma coisa que não pode ser relativizada — é uma violência inaudita, é crime e ponto. Não me venham com papos de que o(a) menor estava pedindo e outras explicações, etc. A responsabilidade é sempre do adulto. Não posso afirmar com certeza, é claro, mas apostaria que Allen é um escroto do gênero abusador.

Estas questões são muito complicadas. Aqui e ali, ouço relatos do gênero “fui abusada(o)” desde que me conheço por gente. Todos feitos por adultos. Sabe-se que a criança abusada raramente acusa. A maioria sente-se impotente para fazê-lo, até porque muitas vezes trata-se de alguém conhecido ou muito próximo. Na maioria das vezes, o abusador é uma pessoa normal, até mesmo querida pelas crianças e pelos adolescentes. A vítima tem a impressão de estar errada, de ser ela o problema e poucos casos são denunciados no momento em que ocorrem. Parece algo auto-imune.

Hoje, Allen tem 78 e Dylan 28.
Hoje, Allen tem 78 e Dylan 28.

Tive a sorte de ter passado longe de tudo isso, mas, como dizia, ouvi relatos dolorosos e verdadeiríssimos e outros que são realmente difíceis de acreditar. Na verdade, não acredito em apenas um. A pessoa tinha o vício de ser vítima em todas as situações e só anos depois dei-me conta de que as circunstâncias narradas eram absolutamente impossíveis, dado o ano a que “o conto” remetia. (Havia uma situação-chave cujo contexto simplesmente não existia no final da década de 70, início dos 80…). Mas a narradora parecia acreditar inteiramente no que dizia e chorava enquanto falava. O filme A Caça mostra que a questão do abuso tem de ser comprovada, que não basta apenas a acusação.

Tais complicações também existem na família Allen-Farrow: a loucura não está ausente nela. Acho que Mia Farrow não cabe em nenhum modelo de normalidade e guarda enorme ódio a Allen. Mas é mãe da vítima, que fora adotada pelo casal. Também acho que Allen não cabe no citado modelo, mas nunca foi a um tribunal se explicar, né? Ele apenas nega o fato como “falso e vergonhoso”. Apesar do que suponho, nada do que dizem dele foi provado. O que se sabe é que Dylan diz que houve um episódio horrível e nós sabemos que era uma casa de malucos. Então, o linchamento de seu nome é meio irresponsável, não?

Depois, quando eu digo que o mundo é complexo…

Tenho a cabeça aberta sobre sexo. Eu não estou acima de qualquer suspeita, quando muito, estou abaixo delas. Digo, se eu fosse pego num ninho de amor com 15 garotas de 12 anos de idade amanhã, as pessoas iam pensar: é, eu sempre soube disso a respeito dele.

Woody Allen, na revista People em 1976.

.oOo.

Saiu agora no Uol (05/02/2014, 15h30) o que reproduzo abaixo:

Filho de Allen e Farrow defende o pai e diz que mãe o fez odiá-lo por anos

Moses Farrow, filho adotivo de Woody Allen e Mia Farrow, se pronunciou a respeito das declarações de sua irmã Dylan, que, em carta aberta ao “New York Times”, acusou o pai de ter abusado sexualmente dela quando ela tinha sete anos de idade. Em entrevista à revista “People”, Moses defendeu Allen e culpou a mãe por toda a situação.

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Eliane Brum sobre Ninfomaníaca: tô fora, briguem com ela, por favor

Eliane Brum sobre Ninfomaníaca: tô fora, briguem com ela, por favor

(Claro que concordo com cada palavra do artigo de Eliane Brum abaixo. Porém, se há uma coisa da qual enchi o saco é de apreciar cada filme de Lars von Trier — com exceção de Manderlay e restrições aqui e ali — e ser atacado por isso. Então, gente, tudo o que von Trier faz é uma completa bobagem. É um autor sem voz ou criatividade que surfa na própria crise autoral. Trata-se apenas de um bom marqueteiro (o que ele também é). Ele quer ser Tarkovski, Bergman, Dreyer, só que é um engodo. A chateação é tanta que estou fazendo de conta que não vi Ninfomaníaca — Volume 1. Mas, saibam, vi e estou louco pela continuação.

É óbvio que A Grande Beleza é o melhor filme deste início de ano, mas Ninfo não é nada, mas nada insatisfatório.

Ah, reclamações para o e-mail de Eliane Brum, ao final do post. Tô fora, já disse).

Só a cena com Uma Thurman vale o ingresso
Só a cena com Uma Thurman vale o ingresso

“Preencha todos os meus buracos”

Em Ninfomaníaca – parte 1, o polêmico diretor dinamarquês Lars Von Trier faz um filme delicado e de extrema beleza sobre o mistério da sexualidade feminina. E entedia parte da plateia. Por quê?

Por Eliane Brum

(Se você não assistiu à Ninfomaníaca e prefere não conhecer detalhes do filme antes de vê-lo, pare por aqui.)

“Preencha todos os meus buracos” é a penúltima frase do final de Ninfomaníaca, o mais recente filme de Lars Von Trier. Do final da primeira parte, já que a segunda está prevista para estrear nos cinemas brasileiros somente em março. A versão completa, sem cortes, com cinco horas de duração, será exibida neste mês no Festival de Berlim. Joe, a protagonista, pela primeira vez faz sexo com amor. Quando ela iniciava sua busca (pelo quê?), começando uma ininterrupta série de relações sexuais com homens variados e aparentemente aleatórios – no trem, no escritório dela, no deles, no hospital onde seu pai morre, em qualquer lugar, até na cama –, sua melhor amiga havia lhe sussurrado: “O amor é o ingrediente secreto do sexo”. Joe não acredita na frase, ela despreza o amor. Joe e suas amigas fazem uma guerrilha contra o amor, é proibido transar com o mesmo homem mais de uma vez. Mas, em algum ponto de sua busca incansável, ela ama. E, ao fazer sexo com o homem que ama, Joe pede: “Preencha todos os meus buracos”.

Lembrem-se. Esta é a penúltima frase. Ela é seguida de outra, mas essa só alcançaremos mais adiante.

Ninfomaníaca é um filme delicado, de extrema beleza, sobre a sexualidade feminina. O que Joe busca, ao se deixar penetrar por tantos pênis diferentes? Mais do que se deixar dominar, ela acredita dominá-los. Os pênis de todas as cores, formatos e tamanhos são objetos que fazem o que ela quer quando se enfiam dentro dela. Fazem o que ela quer inclusive quando ela permite que façam o que querem. Indiferente, ela os manipula, os engole e os cospe. Por quase duas horas de filme a vemos se mover com o membro de tantos dentro de si, mover-se mecanicamente.

Joe se deixa penetrar para provar que não pode ser penetrada

No marketing esperto que antecipou Ninfomaníaca, os atores apareciam em cartazes com os rostos contorcidos pelo orgasmo. Era uma esperteza, mas também uma ironia. Quem vai ao cinema para se estimular com cenas excitantes, em geral decepciona-se e entedia-se. Ninfomaníaca não é nem pornográfico nem erótico, o sexo feminino está como aquilo que não pode ser apreendido nem decifrado. Ao identificar-se como “ninfomaníaca”, Joe não diz nada sobre si. Dizer que ela é obcecada por sexo é continuar não dizendo nada.

Vivida na juventude pela bela atriz Stacy Martin, com seu corpo esguio, seios pequenos e perfeitos, Joe seduz como uma Lolita. Mas, para provocar tesão naqueles que a espreitam da poltrona do cinema, ela precisaria fingir que está se divertindo. Mais do que isso. Joe precisaria fingir que está completa, que aquele pênis a satisfaz inteiramente e que nada lhe falta. Mas no filme, onde a vida se dá para além do marketing, ela é aquela que tem um pinto enfiado na vagina, nove, dez vezes por dia, mas não está lá. Isso talvez seja bem desestabilizador para quem está na plateia, ao ser obrigado a lembrar que, com mais frequência do que admite, seu parceiro/parceira não está lá. E às vezes somos nós que não estamos lá.

Joe, linda e jovem, parece reeditar a cada relação sexual a impossibilidade do encontro. Ela se deixa penetrar para provar que não pode ser penetrada. Cada pênis a encontra vazia. A seu comando preenche a sua vagina. Mas, se a toca concretamente, no mais fundo de seu corpo, ao mesmo tempo não a toca. O pênis escorrega para fora de cada um de seus buracos sem deixar marca de sua passagem. E Joe segue, em abissal solidão, uma mulher não marcada.

Razão e cultura aparecem como tentativas de enquadrar a sexualidade, dar-lhe limites, controlar o incontrolável.

Dia após dia, por anos. Dezenas, centenas de vezes, ela repete esse ritual iniciado quando era uma menina de colégio. Ao alcançar a puberdade, a virgindade perturba Joe. Ela precisa se livrar dessa porta fechada que dá acesso ao seu lado de dentro. Um hímen é também um aviso de uma barreira que pode ser transposta. E, ao ser transposta, lançá-la no incontrolável do encontro com o outro. Ao mesmo tempo que Joe não acredita nesta possibilidade, ela também a teme. Teme tanto que precisa se livrar logo dessa ameaça. E então provar que sua inviolabilidade não depende de um hímen.

Aparece diante do garoto mais velho e popular, um que tem uma moto, com suas meias soquetes e roupa de colegial. Jerome, precisamos lembrar esse nome. Pede-lhe que tire sua virgindade. O garoto é o primeiro a provar a veracidade da crença de Joe: para além da barreira do hímen, há apenas buracos, buracos que jamais poderão ser preenchidos. Não apenas a vagina, mas também a boca e o ânus. Ele a trata como uma portadora de buracos nos quais ele pode meter seu pênis. Oito estocadas – ela registra o número. Três na vagina, cinco no ânus. E está tudo terminado. Só que nem começou.

Em seguida, Jerome (Shia LaBeouf) volta para a moto, e Joe sai cambaleando, tão sozinha como sempre e agora também machucada. Ela pediu, ele fez o que ela pediu.Ofereceu-se a ele como um buraco que ainda tinha uma incômoda barreira, ele a tratou como a portadora de um buraco e eliminou a incômoda barreira. Uma negociação honesta, nem por isso menos terrível, já que nenhum encontro é possível nesses termos. Mas Joe o odeia por isso, odeia o garoto da moto porque ele foi o primeiro a obedecê-la. Ainda assim, deve restar uma dúvida dentro de Joe, porque ela precisa renovar a certeza de não ser tocada dia após dia, com todos os homens que puder. Uma dúvida ou, quem sabe, uma esperança.

Lars Von Trier é mais uma vez brilhante ao construir a narrativa de Joe enxertando razão e cultura nas cenas de sexo. Joe fazendo sexo oral, Joe sentada sobre um pênis após outro, Joe fingindo o maior de todos os orgasmos. Uma obra de Bach, uma história de Edgar Alan Poe, a fórmula de Fibonacci nas oito estocadas que supostamente lhe tiram a virgindade. Números para contabilizar o desempenho de Joe. Razão e cultura como o que também são: tentativas de normatizar o inormatizável da sexualidade feminina, o incontrolável que escapa. Ao longo de toda a primeira parte do filme, razão e cultura aparecem como contrapontos às pulsões, a sexual e a de morte. Como uma tentativa de enquadrar a sexualidade, explicá-la e dar-lhe limites. Mente e corpo, a falsa dicotomia que a modernidade ocidental acolheu com tanto prejuízo para todos nós.

Esse embate alcança seu ápice quando Joe testemunha o morrer do pai, em uma das cenas mais belas do filme. Ela amava o pai, um médico, um homem da razão. Na primeira conversa entre os dois, na cama do hospital, o pai está sereno. Ele já testemunhou muitos morrerem, ele sabe o que acontece com a fisiologia do corpo, ele sabe quais são as etapas até a sua morte, ele sabe de que drogas seus colegas dispõem e quais usarão. Ele sabe. Está preparado, está no controle. O pai de Joe (Christian Slater) recita Epicuro: “A morte não é nada para nós, pois, quando existimos, não existe a morte. E, quando existe a morte, não existimos mais”.

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Não cuidaram do cinema ontem

Não cuidaram do cinema ontem

O dia de ontem, 2 de fevereiro, um domingo, marcou a morte de dois grandes artistas do cinema: o diretor brasileiro Eduardo Coutinho e o ator norte-americano Philip Seymour Hoffman. Coutinho, 81, foi morto a facadas pelo filho Daniel, que sofre de esquizofrenia e que também tentou matar a mãe, que está internada em estado grave, e matar-se. É o cineasta de documentários fundamentais como Cabra marcado para morrer e Edifício Master, além da obra-prima Jogo de Cena, onde utilizou-se de mulheres anônimas e atrizes como Marília Pera e Andréa Beltrão. Chamá-lo o cineasta do humano não é nenhum exagero. Coutinho tinha carinho e compaixão por seus retratados. Foi também um intenso e interessado entrevistador.

ECEnquanto isso, em Nova Iorque, morria Philip Seymour Hoffman, 46. Ruivo, gordinho e imenso ator, ele era o preferido de P.T. Anderson. Realizou trabalhos incríveis em Boogie Nights (1997), Magnólia (1998), O Mestre (2012), sem esquecer de filmes que fez com outros diretores, casos de Dúvida (2008), Capote (2005) e Antes que o Diabo Saiba que Você Está Morto (2007). Segundo o Wall Street Journal, o ator tinha uma agulha de seringa no braço e envelopes com heroína ao seu redor.

PSH

Não cuidaram do cinema ontem.

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Tarkovski e Bach arrasando em Solaris

E Lars von Trier resolveu “roubar” a escolha de seu mestre em Ninfomaníaca

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Ricardo Darín num tempo em que alguns mudam subitamente suas convicções…

Ricardo Darín num tempo em que alguns mudam subitamente suas convicções…

Ricardo Darín foi entrevistado por Alejandro Fantino no programa Animales sueltos. Durante a conversa, o apresentador perguntou:

darin

Fantino: ¿Es cierto que vos rechazaste una oferta para filmar en Hollywood con Tarantino?.-

Darín: Sí, claro.-

F: Y ¿Por qué?.-

D: Porque me ofrecieron el papel principal pero tenía que hacer de narco mexicano, y yo le pregunté a su productor por qué los mexicanos tienen que seguir haciendo de narcos si los que más consumen merca a nivel planetario son los Yankees.-

F: ¿Y qué te contestó?.-

D: Bueno… a ver… la respuesta que me dio me molestó tanto que afirmó que estaba en lo correcto no filmar con Tarantino. Me dijo: “Entonces es una cuestión de plata, diga cuánto más quiere que se la pagamos, usted ponga la cifra”. Es decir, no pueden llegar a ver ni comprender que hay códigos por fuera del dinero que algunos todavía portamos, ¿me explico?.-

F: Mmm… no… la verdad que no.-

D: ¿Cómo que no?, Ale, vos sos un tipo piola, tenés que comprender de qué te hablo.-

F: Pero podrías haber tenido más plata.-

D: ¿Más plata? ¿ser millonario?… y… ¿Para qué?.-

F: ¿Cómo para qué?… para ser feliz!.-

D: ¿Feliz con más plata?, ¿De qué me hablás?.-

F: Bueno… todos quisiéramos tener más plata y ser felices.-

D: Ale, yo tengo plata, tengo un auto importado de alta gama. Desayuno, ceno y almuerzo lo que quiero y puedo darme dos duchas calientes al día ¿vos tenés idea de cuánta gente del mundo puede darse dos baños calientes al día?, muy poca gente puede darse ese gusto. Y como no me considero un excelente actor, siempre digo que lo mío fue pura suerte ¿me entendés? En este mundo capitalista salvaje yo soy un tipo de muchísima suerte. Yo soy un privilegiado entre millones de personas, y además tengo la suerte de poder ver eso en mí, que me permite tener una buena cuenta bancaria y no creérmela. Yo me puedo ver desde afuera y me digo “Puta, loco, qué suerte que tuviste”.-

F: Pero hubieras filmado en Hollywood… y no podés negarme que de Tarantino al Oscar hay un paso.-

D: Creo no me sé explicar bien… yo ya estuve en la ceremonia de los Oscar y no me gustó, todo es de plástico dorado, hasta las relaciones entre las personas. Fui, la pasé lindo, lo disfruté… pero ese mundo no es lo mío, no es lo que yo elegí en esta vida.”

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Sensacional: as locações de A Laranja Mecânica, hoje

Via Fernando Guimarães

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Breve nota sobre Laranja Mecânica

Breve nota sobre Laranja Mecânica

Na última sexta-feira, assisti pela, sei lá, décima vez o filme Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. Estava com minha filha, admiradora incondicional da obra do diretor. Novamente me maravilhei e caí fascinado por Alex. É óbvio o gênero de identificação que este charmoso vilão exerce sobre nós. Certamente o personagem encarna nosso inconsciente desejo de violência e morte. Quem nega o fato de que grande parte da longevidade do filme depende de Alex e de seu trio de drugos foi invadido pela distorção que o politicamente correto cria sobre algumas pessoas mais limitadas, as quais deixam de perceber que não há consciência e nada de razoável na inconsciência. E que esta existe e existirá sempre. Já ouvi pessoas falarem de Alex como se estivessem na presença do corruptor. Humbert Humbert, de Lolita, sofre do mesmo mal. É como pensar que Deus possa existir sem o Diabo, sem notar que ambos são, afinal, parte do mesma lenda e que, sem um, o outro não existe.

De outra parte, que cenas belíssimas, que planos bem desenhados, que boas ideias de Kubrick. O que é a cena da loja de discos com a visita ao quarto de Alex? E a utilização da música? Obra-prima, obra-prima.

Vestido como Beethoven, Alex aborda as meninas.
Vestido como Beethoven, Alex aborda as meninas na loja de discos.

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