Grenaica

Publicado em 12 de abril de 2006

A Idelber Avelar

Minha filha foi comigo ao Grenal de domingo. Ela tem 11 anos e aquele era o quinto – segundo ela, pois para mim é o terceiro – jogo a que assistia em estádio. Estava encantada com tudo. Lia as faixas, ria dos palavrões, juntava-se aos coros altamente ofensivos ao adversário, falava muito e transpirava certezas. Para mim, a experiência de ir a campo com ela foi a de travar contato com a mais escabelada passionalidade. As faltas cometidas em nossos jogadores eram agressões dignas de dar cadeia, o juiz era um imbecil e os gremistas, idiotas. Se um dia fui assim, esqueci. Talvez eu vá ao estádio pela beleza plástica do jogo e de sua tática (na TV não é tão bonito, nem tão interessante) ou por simples amor ao Inter, mas acredito que a verdadeira razão é a de que o futebol é um gênero de espetáculo que pode ser visto com maior variação de humores e participação do que qualquer outro disponível por perto. Por exemplo, se você for a um concerto, provavelmente não poderá ofender o artista. Vou a muitos concertos; sei que escolho bem e, quase sempre, saio feliz. Às vezes, ele é apenas aceitável. Há possibilidades bem piores, é claro, porém elas raramente incluem a vaia, chamar o artista de filha-da-puta ou a disposição de odiar-se a ponto de desejar a própria derrota – em outras palavras, de desejar o próprio fracasso.

Estou enrolando para dizer isso: um concerto ou qualquer outro espetáculo que aconteça dentro de um teatro são representações mais incompletas da vida do que um jogo de futebol. Pronto, disse! Talvez não consiga dormir hoje. Os fantasmas de Shakespeare, Pirandello, Tchekhov, Bergman, Sófocles e de tantos outros me perturbarão a noite. Sei que os aspectos culturais envolvidos fariam o futebol perder de goleada nos primeiros minutos de uma discussão, mas experimente olhar de frente para uma torcida de futebol com o jogo se desenvolvendo à nossas costas. O sofrimento, a alegria, a expectativa, a frustração e quase todos os sentimentos são coisas presentes, visíveis a ponto de serem quase fenômenos físicos. Talvez até o amor romântico tenha representação no futebol… No teatro elisabetano – época de Shakespeare -, os assistentes manifestavam-se, podiam gritar e fazer piadas sobre Otelo, Iago e Desdêmona, mas, hoje, fazer isto seria uma tremenda falta de educação e até eu concordo. Pô, já imaginaram um cara berrando ao nosso lado, fazendo-nos perder as falas?

A possibilidade de amar, de ser indiferente ou de detestar o próprio time, de ridicularizar ou sentir medo do adversário, de aplaudir ou desejar a própria derrota é exercida plenamente apenas quando estamos no estádio. Acho ridículo sentir tanta coisa na frente da TV. Aparentemente, a Bárbara concorda, pois nunca vê jogos de futebol em casa, não vê emoção naquilo; intuitivamente, sabe que a maravilha está no campo de batalha e no leque de opções por ele oferecidas. Na proximidade do fato e no oscilar entre o píncaro da glória e o possível funeral está o fascínio da coisa.

No caso do jogo de domingo, fomos enterrados. Faltando cinco minutos para o final do jogo, todos estavam em pé e meu filho sentou. Ele não queria seguir assistindo aquela tremenda exposição de incompetência de nosso técnico. Eu e a Bárbara ficamos aguardando o momento mágico e improvável da sorte. Com o jogo terminado, ficamos todos paralisados, sem nos movermos do estádio. Bernardo me perguntou sobre o que estava acontecendo. Disse-lhe que o jogo acabara e que tínhamos perdido o campeonato mais fácil dos últimos dez anos, que eles eram os campeões. Quando olhei para a Bárbara, ela chorava.

Já no papel de pai, fiz com que ela sentasse sobre minha perna e expliquei-lhe que aquilo era uma diversão, que mesmo para mim o futebol era a mais importante das coisas desimportantes e que, enfim, aquele fato não era digno do choro dela. Fomos embora passando entre torcedores boquiabertos, que pareciam hipnotizados vendo a pequena torcida do Grêmio comemorar. Eu falava sem parar. Não queria que ela visse tantos adultos chorando, contradizendo minha argumentação.

Obs. 1: tenho a leve impressão de ter roubado o título deste post de alguém. Se tivesse que chutar, diria que o furto foi feito ao Tiago. Mas é muito tarde para averiguar. Vou dormir. Update matinal: foi sim, foi tirado daqui.

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Águas de Abril

Publicado em 19 de abril de 2004

Desta vez, nada de música, cinema ou literatura; quero comemorar a mudança do tempo. Toda vez que entro no carro, faço Elis e Tom me avisarem que são as águas de março fechando o verão. Meu sangue erra de veia e se perde ao notar que a dupla está novamente adiantada. Caro Tom, nossos verões só deixam entrar o outono em meados de abril. Você talvez tenha feito a maior de nossas canções, mas errou na metereologia. Uma pena. Choveu ontem e hoje, a temperatura finalmente desabou. A longa estiagem fez com que aflorasse uma pequena parte de nossa má educação. Os jornais se encheram de fotos do Guaíba metros abaixo de seu nível. Nas margens, via-se a areia cheia de garrafas, sacos plásticos e lixo de todo gênero. Descobrimos assim que nosso belo rio serve também para esconder-nos.

Minha filha dorme a meu lado. Estava conversando e subitamente calou-se. Coisa de criança. Cubro-a com um lençol e ela geme e se encolhe, enquanto uma enorme ternura me invade. Não pediu janela aberta, ventilador, ar condicionado, nada; apenas dormiu após um domingo especialmente aventuresco. Durante o dia, não prendeu os cabelos. É a época em que sumirão as coxas e os braços das mulheres, os decotes fechar-se-ão e as roupas ficarão tão escurecidas que sentiremos falta do calor. O consolo virá com o vinho, os fondues e as sopas e, sempre que quisermos algo mais, enfrentaremos intermináveis botões, zíperes e camisetas. Também é consoladora a luz do outono – a mais bela de todas nesta latitude. Tudo isto não deixa de ser uma promessa de vida em meu coração…

Não quero fazer com que meus 7 leitores salivem olhando para o monitor, mas digo-lhes que já fizemos o primeiro fondue de chocolate do ano. Sim, a Claudia é muito oportunista e nos deu esta sobremesa no almoço de domingo. Era para comer de joelhos. Não, eu não a empresto. A falta de prática nos fez perder muitas frutas dentro do chocolate e, como naquele episódio do Asterix, houve ameaças de punições e chibatadas aos faltosos.

Chega de conversa ribeira por hoje. Afinal, É a chuva chovendo, é conversa ribeira / Das águas de março, é o fim da canseira.

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Meu Monza 1990

Para  H., esteja onde estiver

Acho que posso dizer o mês em que comprei o tal Monza. Foi em dezembro de 1997. A primeira façanha que fiz com ele foi a de encostar numa das colunas do edifício em que morávamos. Nunca arrumei o arranhão nem no carro, nem na coluna. Eu não desejava adquiri-lo. A empresa passava por sua primeira crise e eu preferia que ficássemos – eu, minha ex e meus filhos – com o Uno novo e completo que tínhamos. Mas minha ex encheu o saco, queria ir para a praia e precisávamos de um carro maior. Eu disse que levaria a tralha primeiro e voltaria para buscar o resto, isto é, as pessoas; mas Suélen (ou Pâmela, nunca lembro o nome de minha ex) não quis de modo algum.

Eu que comprasse um segundo carro, maior. OK. Na época, ainda não me dava conta de que há anos odiava mortalmente Pâmela e que nossa relação era doentia. Comprei em 1997 um Monza 90. Não era um grande carro, mas também não era nada inaceitável. Procurei o maior e mais barato possível e apareceu aquela coisa azul-marinha, 4 portas, 1.8, gasolina. Já na loja eu o chamei de fusca grande, pois ele não tinha nenhum acessório agradável: vinha sem direção hidráulica, sem ar condicionado, sem rádio — instalei depois um — e os vidros eram de girar manivela. Mas era simpático, apesar de ter sido recebido por Suélen com um “mas não tem ar condicionado!”.

Fomos para a praia, ficamos amigos de um bando de argentinos e nos despedimos deles da forma mais emocionada, voltando para nosso inferno. Em 1998, meu filho tinha 7 anos e minha filha, 4. Era e ainda é divertido ficar com eles quando não estão brigando. Aliás, eu só convivia com eles e com amigos. Em casa, evitava a companhia de Pâmela. Muitas vezes saíamos com nossos amigos e depois eu tinha que levar a babá em casa de madrugada. Eu nunca retornava imediatamente. Esperava que Suélen dormisse antes, pois sua voz, ouvida distintamente, era-me irritante. Ficava dando voltas, dirigindo pela cidade. Aquilo era um alívio e eu ia me afeiçoando ao fusca grande.

Naquele ano nos mudamos para uma casa maior e lá fui eu com meu Monza. Aí  vocês sabem, não?, quando a coisa fica insustentável, a gente arranja problemas com a maior facilidade. Eu ia numa academia e tinha muito contato com minha professora, claro. A gente estava há dias naquelas piadas e brincadeiras de sedução, que normalmente não levam a lugar nenhum, quando ocorreu a festa de fim de ano. Ah, que maravilha. A festa era na Cachaçaria Água Doce e vocês, meus experientes sete leitores, sabem o quanto bebe um homem infeliz. Apesar de minha querida H. ter surgido tão sozinha quanto eu, não dei muita importância ao caso e me atirei à cachaça. Passamos a festa inteira sem conversar.

Na saída, eu estava simplesmente podre, pedindo uma cama enquanto minha amiga finalmente chegava-se a mim.

— Estava observando o que tu bebeste. Foi uma grandeza, né?

Não sou um bêbado chato, só fico tonto e com sono. Meu humor não varia muito. Eu respondi que achava impossível ir em linha reta até a porta do carro. Ela anunciou que iria me monitorar. Fui na frente, com ela a três passos de mim, rindo. Entrei no carro e ela entrou pelo outro lado. Foi então que notei que H. viera sem seu Gol preto. Eu a achava muito bonita e sempre pedia para ela me empurrar durante alguns alongamentos. Quando vi que ela largava todo o seu peso sobre mim, passei a solicitar seus serviços assim:

— quero sentir o peso do teu corpo sobre o meu…

e ela achava graça. Eu também. Dentro do carro, por uma dessas ideias idiotas que sobrevêm aos bêbados, sugeri que fôssemos para o banco de trás. Isso numa travessa da Carlos Gomes. Sim, ela também estava embriagada, é certo. Não me passou pela cabeça a palavra “Motel”, entendem?, estava há muito tempo fora do mercado. Pois após os amassos, enquanto procurava abrir as calças para me sentir mais livre, consegui cair no vão entre os bancos. Lembro de nosso ataque de riso.

Acabamos na casa dela. Olha, fui muitas vezes lá e creio nunca ter sido descoberto. Lembro que H. ligava para minha casa e ou eu atendia ou Suélen me passava a ligação. Era tão, mas tão claro que não era visto. Minha ex saía muitas vezes sozinha, eu também. Ela gostava de uns simulacros de ciúmes, eu não. Espero sinceramente que ela me corneasse tanto quanto eu a ela ou mais, mas duvido muito, ela é de família católica e curitibana. Lembram quando eu escrevi sobre roubo de livros, dizendo que o bom ladrão de livros não olha para os lados, agindo com naturalidade? Pois é. O pessoal da academia nos via como um casal, todos sabiam, éramos um casal. Não nos escondíamos.

Uma vez, fui visto pelo chefe de Pâmela no cinema. Só que os homens têm aquela solidariedade natural e ele disse para ela que tinha me visto no cinema… sozinho. Sensacional a manifestação de bom humor do chefe, fiquei quase nervoso.

Mas voltemos ao Monza. Houve um dia em que o meu consórcio preventivo foi sorteado e eu, em 2001 — em minha opinião prematuramente — ,  vendi por quase nada o Monza de tantas alegrias. Por que falo nele hoje? Ora, porque o vi. Está em péssimo estado aos 20 anos. Eu estava voltando da clínica onde está internada minha mãe. A gente perde a dignidade na velhice. Ou ganha outra. Olhei a placa, era ele, o final 2287. Lembrei de seu cheiro e o do perfume de H. — muito mais próxima de mim do que minha mulher — , lembrei do dia em que meu filho disse do banco de trás que deus não existia porque ele andara de avião e não vira ninguém nas nuvens, lembrei de minha filha querendo que eu SEMPRE parasse nas praças para andar de balanço – podia ficar horas balançando-se, olhando o mundo à sua volta — , lembrei de Pâmela perguntando se aquele carro nos levaria MESMO à Florianópolis e, fundamentalmente, de que ele nunca, mas nunca mesmo, me deixou na mão.

Foram 4 anos só botando gasolina, água, pastilhas de freios novas, ar nos pneus e, pô, trocando óleo. Certamente, na casa de Suélen, há fotos em que ele aparece de forma casual. As fotos acima são falsas, de um irmão gêmeo mais metido, com ar e direção, modelo Classic, também de 1990, que está a venda por R$ 3.900,00 num site aê.

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Do autoritarismo

Não, o assunto não é futebol. É sobre algo que sempre me fascinou: o comportamento das massas, mesmo no microcosmo de um pequeno grupo em pé numa arquibancada.

O Chivas ganhava o jogo por 1 x 0 e estávamos todos nervosos ou apavorados com a possibilidade, naquele momento bem real, de perdermos a Libertadores para um time inferior. Foi quando meu vizinho acendeu um cigarro de maconha. Nada anormal num estádio de futebol  — o cheiro de maconha é uma das fragrâncias mais comuns nestes locais. Só que de repente um grupo de pessoas começou a berrar desorganizada e histericamente:

— Apaga, apaga, apaga essa merda!

Olhei para trás e vi um grupo de senhores cujos rostos pareciam ter saído de uma foto de milicos das muitas ditaduras que nosso continente viu durante os anos 60 e 70. Tinham as caras cortadas à foice, rostos irritados e seriíssimos como se estivessem apanhando de mexicanos. E se mostravam cada vez mais agressivos:

— Fracassado, viciado, maconheiro, filho da puta, vagabundo, traficante! Apaga esta bosta! Apaga agora, porra!

O fumante a meu lado, de olhos vermelhos certamente em função da derrota parcial de seu time, estava apavorado, sem saber se iam chamar a Brigada Militar ou se ia apanhar ali mesmo. Só que naquele exato momento Rafael Sóbis fez o gol de empate.

Como se tivéssemos ensaiado por horas, todos, mas todos os que estavam em volta e que não tinham sido torturadores no passado, ato contínuo se abraçaram ao maconheiro e passaram a gritar, pulando no mesmo ritmo:

— A-cen-de! A-cen-de! A-cen-de!

Éramos uns 20… Confesso não ter conferido a face dos milicos após a vingança.

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Preconceito de Classe

Tenho um amigo que pensa que o preconceito de classe é tão grave ou mais do que o racial, até por sempre ficar impune. Fico na dúvida quando ele fala isso, mas logo penso naquela assessora do Serra que garantiu que o candidato era apoiado por uma “massa cheirosa” e no resultado desta e de outras ações de “classe superior” do grupo: hoje estão sendo punidos por um desempenho pífio de sua tartaruguinha. Também acabo de pensar nos empresários que foram beneficiados pelo governo Lula mas que não podem de modo algum aprovar o governo de um torneiro mecânico sem formação universitária, mesmo que ele tenha garantido estabilidade e maior consumo. Trata-se de puro preconceito de classe.

Célia Ribeiro, em sua coluna dominical no caderno Donna de Zero Hora, publicou, em 22/08, um texto que passa ao largo de suas habituais considerações inofensivas sobre elegância e etiqueta, invadindo com duas patas o terreno mal-cheiroso do preconceito de classe. Destaco um trecho da coluna:

Dia desses, entrei no banheiro de um shopping, por volta das três horas da tarde. Todas as pias da bancada de mármore estavam ocupadas por funcionárias das lojas que escovavam os dentes com o maior esmero, diante do espelho, formando espuma da pasta dental na boca. Havia mais duas senhoras à espera para lavar as mãos, mas nada levou aquelas vendedoras a acelerar sua higiene bucal (bom senso seria os shoppings oferecerem aos seus funcionários banheiros privativos para deixá-los mais à vontade).

Se isso não ocorre, que elas escovem os dentes no banheiro comum, rápida e discretamente, sem ruído, deixando os detalhes para aprimorar na pia de casa, no final do dia. E, cá para nós, não é nada favorecedora a imagem de um rosto no espelho, com as bochechas infladas pelo vaivém da escova.

Achei que Célia foi pra lá de infeliz. Ela deveria, no máximo, dirigir sua crítica exclusivamente à administração dos shoppings e não qualificar as mulheres escovadoras de “funcionárias” e as mulheres esperadoras de “senhoras”. Todas são mulheres, provavelmente trabalhadoras. Simples assim, minha cara colunista. O tom da crítica, com descrições de bochechas infladas e baba saindo pela é muito preconceituoso. Queria ler Célia dizendo o mesmo de uma senhora…

Estranho, lembro agora de que uma ou duas vezes fui atingido por suspiros impacientes por ter resolvido lavar o rosto num shopping. Tenho a pele oleosa e penso que às vezes sou um sebo ambulante. O pessoal não gosta e nesse caso nãop se trata de preconceito de classe.

Portanto, fica aqui uma pergunta para Célia Ribeiro: devo lavar o rosto num banheiro de shopping ou apenas fazer os números 1 e 2 e lavar as mãos, hein?

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Milton Ribeiro faz aniversário e é entrevistado

(Escrito há dois anos. Discretamente atualizado.)

A entrevistadora, que presumo recém chegada à menopausa, entra em minha casa a fim de me entrevistar para o Programa Hoje é Meu Dia. O programa apresenta aniversariantes e hoje é o caso. Eu tinha preenchido uma ficha candidatando-me ao programa. Improvisa-se um palquinho em minha casa. Ficamos sentados em frente a meus livros. Desculpo-me pela bagunça, mas o câmera diz para deixar assim, pois o cenário tem personalidade. Sentamos lado a lado, eu e a apresentadora.

P (à guisa de introdução) – Nosso entrevistado de hoje, Milton Ribeiro, está completando 53 anos. É um dia feliz! Ele está muito bem para sua idade. Se excetuarmos o Viagra ou o Cialis, meus caros espectadores, Milton não usa medicamentos  de uso contínuo, o que demonstra que ele é mais um prodígio de boa saúde física encontrado por nosso prestigiado programa. Saúde física e mental, conforme vocês poderão comprovar pelo bom humor de nosso entrevistado.

P – Como você mantém esta atitude positiva perante a vida?

R – Bem, como a vida não tem mesmo sentido, logo percebi que poderia optar por várias posturas, todas equivalentes. Poderia me desesperar a cada vicissitude, ou rir delas; escolhi rir. Poderia roubar e matar, mas como prefiro ser bem aceito, escolhi ser bom. Acho que poderia ser bem mais imbecil, porém gosto de cultura e de me informar e aí está um sério problema. É difícil ser pra cima e informado ao mesmo tempo, mas tenho tentado.

P – Entendo. Mas o Sr. deve tentar mais. Confiamos no Sr.!!! Ho, ho, ho!

R – Estou na luta.

P – O Sr. nunca ficou deprimido, certo?

R – Olha, houve episódios em que quis me matar, principalmente durante minha separação, mas digamos que o grande bobo que há em mim emergiu novamente após uns meses e voltei a ficar assim.

P – Nada grave, portanto.

R – Sem dúvida, nada grave. Foram apenas seis meses em que me deprimi. Minha atitude positiva perante a vida fez com que eu me livrasse de todo o insuportável estresse dando de presente todo o pouco que construíra e hoje estou aqui, em perfeita forma.

P – Você então possui uma disposição natural para a felicidade?

R – Sem dúvida. Eu nasci daltônico, estrábico, tenho pés chatos, minha voz é horrível, sou meio cambota, estou engordando e perdendo cabelo, mas só pensei nisso agora. Prova de que sou feliz e mais: de que a felicidade é proteger-se de si mesmo. É o que faço. Sempre.

P – E então? O Sr. é a prova de que as pessoas não devem desistir de seus sonhos?

R – Hum… Sem dúvida.

P – E quais são seus sonhos hoje?

R – Comprar um Karmann-Ghia, ler livros que não me encham o saco, fugir de ver TV, esquecer os jornais da grande imprensa e a música ambiente, reentrar em forma, ouvir música…

P – Vejam, meus amigos, são coisas simples! A felicidade ESTÁ nas coisas simples.

R – Sim, parecem simples, mas tem muito mais…

P – Desculpe interromper. Acho que nossos telespectadores querem saber como você chegou aos 53 anos sem tomar medicação alguma.

R – Eu ia vivendo numa boa até que fui ao cardiologista. Fui porque quis, imotivadamente. Nunca tive nada. Mas descobri que meu colesterol estava batendo nos 300.

P – Ho, ho, ho. Que coisa!

R – Pois é. Aí comecei a tomar um Lípitor antes de dormir e a coisa caiu para 100.

P – Sensacional!

R – Sim, eu sempre obedeci os médicos direitinho.

P – E então, tudo resolvido!

R – Claro, como eu sou alguém naturalmente feliz, ignorava que podia ser perigoso transformar o próprio sangue em água.

P – E então?

R – Hoje tomo meio comprimido e a coisa vai bem.

P – Viram? Tudo se resolve com bom senso, ho, ho, ho. E o peso?

R – Eu adquiri 10 quilos nos últimos trinta anos.

P – Só?

R – Sim, se seguir assim, viverei o suficiente para experimentar a obesidade mórbida.

P – Ho, ho, ho. Não é maravilhoso? E você não acha que poderia manter o peso atual?

R – Não.

P – Mas por quê?

R – Olha, eu tomei Sibutramina de 15 mg por dia e tinha a mesma fome incontrolável. Desisti. Quando chega ao final da tarde, penso tanto em chocolate que até esqueço de desejar a morte súbita de algumas pessoas.

P – Nada de maus sentimentos, nada de maus sentimentos! Diria até que sua chocolatria, ho, ho, ho, é muito boa para afastar maus sentimentos.

R – Sim. A chocolatria me salva deles e passo a sonhar apenas com Alpinos e que tais.

P – Ho, ho, ho. Você tem muitos amigos?

R – Sim, esta é uma parte boa da minha vida.

P – Maravilha, uma vida social intensa. E a vida sexual?

R – Olha, quando a coisa começou a falhar fui a um médico que garantiu que meu único problema era mental.

P – Um problema mental! Que bom que não era grave!

R – Ele me disse que se eu me preocupasse muito com os problemas, geraria um aumento de adrenalina no sangue e que esta adrenalina faria com que uma válvula não funcionasse bem.

P – Apenas um problema hidráulico!

R – Sim, claro. Se não vedar bem, o sangue sai. É como uma Hydra estragada.

P – Hidra, como assim?

R – Hydra, uma válvula que se usa em privadas.

P – Ho, ho, ho. Perfeito.

R – Aí, ele me perguntou se minha vida era exageradamente problemática, pois o estresse causa a produção em excesso de adrenalina.

R – E você?

P – Eu respondi que na época estava com um advogado, buscando a obter a guarda de minha filha.

P – Ho, ho, ho. E então?

R – Ele se apavorou. Pois do jeito que minha situação se encontrava, teria dificuldades de fazer uma boa vedação. O sangue iria embora e o pau…

P – Ho, ho, ho. Estamos entrevistando Milton Ribeiro e são 19h43 minutos em Porto Alegre.

R – …

P – E… Bem, isso significa que se você não tiver grandes preocupações, a válvula funciona e sua vida sexual também?

R – Sem dúvida! Pois não tenho problemas físicos, só os mentais causados pela adrenalina.

P – Então pode ser solucionado!

R – Claro. Foi por isso que fiz o seguinte raciocínio: como não sou rico e, portanto, meus problemas não são de fácil solução, deveria considerar seriamente a necessidade de tornar-me uma besta quadrada, um bobo alegre.

P – E conseguiu?

R – Venho tentando.

P – E será que é mesmo necessário tornar-se um bobo alegre…? Ho, ho, ho.

R – Não, mas é uma questão de prevenção. E, dentro de minha estratégia, tenho que seguir esta trilha, entende? Sou obrigado.

P – Maravilhoso!

R – Mas há desvios que atrapalham.

P – Quais?

R – Eu ligo a TV de manhã e sinto aquela adrenalina voltando. Ou dão péssimas notícias ou é vulgar pra caralho.

P – Pra car… ho, ho, ho! A TV pode ser boa, Sr. Milton, pode ser sim!

R – Sim, porém há sempre mais. Por exemplo, vou ler um bom livro, mas este me dá SEMPRE uma visão por demais realista, ouço uma bela música mas ela é SEMPRE meio trágica.

P – Ora, o mundo não é bom para os intelectuais. Por isso, os cientistas inventaram o Viagra. Só para vocês, conforme o Sr. demonstra.

R – Você está ficando irritada e isto não é bom… Lembre-se que não devo me estressar. É mesmo um remédio para intelectuais?

P – Deve ser!

R – É que desconheço pessoas felizes. Não apenas intelectuais. Todos são infelizes, mesmo que racionalizem. Todos morrerão.

P – Vocês são muito desagradáveis.

R – Como?

P – Desagradáveis. Os intelectuais gostam de ficar tristes e de dizer! Fazem dramas.

R – E você é feliz?

P – O entrevistado é você. Não interessa o que eu penso. Nem se penso.

R – Você pensa. Só que mal. Pensa que as pessoas possam ser felizes e satisfeitas quando ninguém é assim. A gente é bom ou ruim, interessante ou desinteressante, branco ou preto, engraçado ou sisudo, sociável ou não, mas é sempre insatisfeito.

P – Você não serve para nosso programa.

Fala para o câmera:

P – Ele não irá ao ar no “Hoje é meu Dia”. Procuraremos outra pessoa. Ou um ator contratado, talvez.

R – OK, não posso me estressar.

P – Passe bem. Vocês não têm nada a acrescentar!

R – Vocês?

P – Vocês, os metidos, os idiotas. Imagina falar mal da TV! Na TV! Passe bem!

Ela levanta e faz um sinal ao câmera. Ele faz tsc, tsc, tsc, e diz escolhem cada abobado, acho que não leram a ficha… A entrevistadora manda o câmera apressar-se.

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O monumental FIASCO de meu querido sobrinho

Em 16 de agosto de 2006, o Inter disputava sua segunda final de Libertadores. Deu tudo certo, mas o fiasco de Filipe G. foi monumental. Estava 2 x 2 e, se o São Paulo fizesse o terceiro, iríamos para os pênaltis. Os paulistas pressionavam. Nem era muita pressão, como pude ver depois, mas ali, na hora, antecipávamos a hora e a vez em que tomaríamos o gol.

Então, aos 40 do segundo tempo, Filipe G. não suportou mais a pressão e declarou:

— Vou assistir o final no banheiro!

Assistir? Ato contínuo, ele se dirigiu ao referido recinto. Eu perguntava repetidamente a meu filho quantos minutos ainda tínhamos de jogo e lancei-lhe um olhar assassino quando ele, sempre consultando seu cronômetro, respondeu pela quarta vez que estávamos aos 42 do segundo tempo. Mas o importante nessa história é o Filipe. Ele entrou no banheiro com seu rádio a toda altura. Lá, encontrou uma seita.

— Desliga AGORA essa m… Aqui ninguém ouve rádio!

Ele observou o local. Havia umas 30 pessoas escondidas no banheiro, caminhando de um lado para outro, em silêncio, tentando adivinhar o que lhes dizia o som do estádio.

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Música na rua

Mahler é demais. Melhor ainda quando se está meio deprimido e preocupado. Devo ter ouvido mais de quinze CDs inteiros desde o fim de semana, quase sempre lendo artigos sobre o grande morto da semana: José Saramago. Na segunda à tarde, durante um intervalo, fui pegar algumas coisas na casa de um amigo. Entrei num ônibus, sentei-me e abri um Simenon — adoro ler em transportes coletivos, adoro mesmo! — enquanto Anne Sofie von Otter seguia cantando Rheinlegendchen e Wer hat dies Liedlein erdacht? em minha cabeça, quando um homem que nem vi me depositou um bilhete de tamanho mínimo na minha mão:

QUERIDOS IRMÃOS PRECISO DE VOCÊS PERDI MINHA MÃEZINHA SOFRO DO VÍRUS DO HIV ESTOU ME TRATANDO COM COQITEL E ESTOU DESEMPREGADO ESTA DIFÍCIL O EMPREGO TENHO UMA FILHA DE 2 ANOS QUE ESTA PASSANDO FOME PESSO SUA AJUDA OBRIGADO
LEANDRO E VITÓRIA

Sem prestar atenção, juntei R$ 10,00 ao bilhete e segui lendo o livro acompanhado de Anne, ao mesmo tempo que levantava a mão direita com a nota e o bilhete entre o indicador e o dedo médio um pouco acima de minha cabeça. Porém, o homem não viu e saiu do ônibus, certamente para tentar a sorte em outro. Então, uma senhora falou em voz altíssima que era um absurdo dar R$ 10,00 a um vagabundo e que eu faria melhor doando meu dinheiro à igreja. Lentamente, caí de meu mundo e notei que aquilo era para mim. Fiquei surpreso. R$ 10,00? Nas raras vezes em que dou dinheiro para pedintes, meu máximo é R$ 2,00, o valor aproximado de um litro de leite — um critério absolutamente pessoal. Fora um engano. Sem tirar os olhos do livro, guardei a nota, o bilhete transcrito aqui e levantei bem alto um solitário dedo médio para que a beata o visse claramente. Nem sempre sou um lord.

O ônibus achou graça e ela me chamou de mal-educado em pavoroso discurso de um minuto, no mínimo. Lembrei de um post escrito pelo Flavio Prada há anos:

Impressionante a quantidade de crentes dentre os desonestos. Ou dentre os filhas-da-puta, completo.

Desci na minha parada e, estranho, não vi o homem, nem a beata, nem ninguém. Mas como cantava Anne Sofie von Otter!

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Aquele Jeitinho Fredolino de Ser

Luís Fernando Veríssimo deve ter escrito mais de dez crônicas acerca desta grande figura. Eu, aqui de baixo, escrevo a minha primeira. Fredolino Schirmer foi o proprietário, chef e maître do saudoso restaurante Floresta Negra, de Porto Alegre. A comida de Fredolino era… melhor economizar nos adjetivos. Não só o Luís Fernando ia lá, muita gente ia reverenciar as criações de Fredolino. Havia quem viajasse para conhecer o Floresta, outros atrasavam compromissos para visitá-lo e nós, que morávamos aqui, não nos incomodávamos com as longas filas para entrar no restaurante.

Conheci Fredolino numa destas filas. Ele saiu do restaurante, examinou o número de pessoas à espera – entre as quais estava eu – e berrou:

– Olha aqui, ó. Vão embora!

Não acreditei que o senhor que dissera aquilo, voltando imediatamente para o restaurante, pudesse ser o lendário Fredolino Schirmer, mas era. A cidade inteira sabia que Fredolino era um mestre da cozinha, mas que costumava tratar mal, muito mal seus clientes. O Veríssimo, que estava sempre lá, discordava. Além de exaltar a qualidade internacional de sua produção, escrevia que o dono do Floresta tinha uma espécie muito particular e incompreendida de gentileza. Eu diria que o velho Fredolino desejava apenas que as pessoas fruíssem do melhor e defendia-as agressivamente de sua própria vulgaridade. Só isso.

Mas voltemos ao restaurante: tentei novamente e consegui entrar. Já acomodados – eu, minha ex-mulher e um casal de amigos -, recebemos a atenção do maître, aquele mesmo senhor que berrara conosco na fila outro dia. Devo dizer que todos nós tínhamos um pouco de medo do velho (o Luís Fernando também, ele que negue!). Então, quase desculpando-nos por importuná-lo, pedimos nossos pratos. O meu era um linguado ao molho de maçã, coisa até então inimaginável. Minha ex me imitou, ou eu a ela, não interessa. Quando fomos servidos, ela viu Fredolino aproximar-se com uma enorme pimenteira e, ao mesmo tempo que protegia o prato com as mãos, perguntou com toda a delicadeza e receio:

– Será que vai ficar bom com pimenta?

Fredolino trovejou:

– Claro que fica bom! – e tacou-lhe enorme quantidade da coisa, enquanto ela tirava rapidamente as mãos do caminho.

Recebi outra chuva em meu linguado e afirmo-lhes: aqueles linguados não morreram em vão!

Outra vez, a mãe de uma amiga minha foi ao Floresta e – em noite de lotação completa – perguntou a Fredolino:

– Esta nata é uma coisa dos deuses! De onde o senhor tira esta maravilha?

Fredolino não respondeu, mas logo depois ela soube que receberia uma resposta literal quando o viu avançando pelo salão com um enorme balde de plástico ornamentado por uma colherona. Mostrou-o a ela enquanto mexia a colher e disse para todo o restaurante ouvir:

– Tiro daqui, ó!

Devo dizer-lhes que esta senhora é uma mulher finíssima, educadíssima, destas que a simples idéia de estar num restaurante lotado, sendo observada pelos circunstantes enquanto olha para baixo, bem dentro do balde de nata de um Fredolino aos gritos, basta para perturbar o sono por meses.

Hoje almocei com a minha mulher e perguntei-lhe se ela o conhecera. Dez anos mais jovem do que eu e tendo passado muitos anos fora de Porto Alegre, disse-me que apenas conhecera sua fama de cozinheiro e de intratável. Mas, sendo ela também habilíssima nestas coisas de culinária, pensa que um chef tem que ter opinião e que não deve curvar-se inteiramente aos gostos pessoais dos clientes, se achar que o resultado ficará prejudicado. Mas ela disse mais sobre Fredolino: acredita que é normal os artistas terem certos desvios de comportamento e que o contato com certos porto-alegrenses metidos poderia gerar efeitos danosos ao humor do velho. Recordo-me que alguns de nós – provincianos que tínhamos o privilégio de conviver com o mestre – pretendíamos dar palpites em seus pratos e éramos quase expulsos do Floresta Negra! Ainda estão em minhas retinas as vezes em que vi Fredolino balançar negativamente a cabeça, dizendo para uma mesa de desavisados:

– Se vocês querem comer isto, erraram de restaurante. Vão embora!

Outra vez ouvi uma senhora de idade solicitar determinado prato. Como resposta, obteve esta pérola: minha senhora, na sua idade e a esta hora tardia eu não aconselharia este prato. Vou trazer-lhe outro mais leve e adequado, de minha escolha. E dirigiu-se à cozinha.

Outro fato curioso era a política de preços do Floresta. Naqueles tempos de inflação, Fredolino demorava meses para reajustá-los. Assim, nosso melhor restaurante tornava-se muito barato em alguns períodos. Porém, um belo dia, tínhamos a surpresa de ver os preços multiplicados por três ou cinco. E ai de quem reclamasse! O período mais sensacional do Floresta foi o ano de 1986. Com o congelamento de preços baixado por Dílson Funaro durante o governo Sarney, pudemos comer meses e meses no Floresta a preços módicos. Foi um ano inesquecível.

Fredolino Schirmer faleceu há uns 20 anos. Sua esposa Christa publicou um livro com as principais de receitas de seu marido pela Editora Tchê!, em 1992. Para encontrá-lo, só em sebos. Como ele ficou na casa da minha ex, não tenho certeza se Christa publicou a receita do linguado com o qual sonhei esta noite.

Em tempo: acabo de encontrar uma crônica de Luís Fernando Veríssimo com referências aos grande Fredolino:

(…)Quando conheci o Gerry Mulligan, em Porto Alegre, a fase das drogas já ficara muito, muito para trás. Ao contrário de Chet, Gerry tinha vencido sua luta contra a dependência, era um respeitável senhor de barbas brancas. E a longa sucessão de mulheres na sua vida – que incluíra a atriz Judy Holliday – tinha acabado numa bela italiana chamada Franca, que Gerry conhecera durante a gravação do seu disco com o Piazzolla, na Itália, e aposto que ficou com ele até o fim. Era evidente que a Franca tinha tudo dominado.Depois da apresentação fomos jantar com Mulligan, mulher e trio, a convite do adido cultural americano. O melhor restaurante de Porto Alegre, na época, era o “Floresta Negra”, cujo dono e maitre, “seu” Fredolino, era uma figura controvertida: muitos confundiam com rudeza o que era apenas bom humor alemão, já que as duas coisas nem sempre se distinguem. Estávamos acostumados com seu jeito, e com o fato que em noites de muito movimento a dona Christa e sua equipe, na cozinha, não davam conta, e a comida demorava.

Mas Franca não queria saber do folclore do lugar, queria alimentar o seu homem. E deu-se o choque de culturas. “Seu” Fredolino já expulsara gente do restaurante por menos do que ouviu da italiana, naquela noite. Por um momento a mesa ficou suspensa, à beira de um incidente internacional. O adido cultural e eu, representando nações neutras, ficamos calados. Mulligan nem tomara conhecimento do confronto, aquela era a área de ação da mulher. Manteve a sua pose de patriarca viking.

“Seu” Fredolino talvez tenha se dado conta de que enfrentava uma leoa, e a possibilidade de grandes estragos materiais no seu restaurante. Recuou. Ninguém foi expulso. Dali a pouco veio a comida. Estava ótima. Acho que a Franca até elogiou. As forças do Eixo estavam recompostas. Durante o jantar, não adiantou eu querer perguntar ao Mulligan sobre Zoot Sims e outros que tinham tocado com ele, inclusive o Chet Baker. Ele só queria falar no Garcia Marquez.

Eu nunca fui expulso por Fredolino. Um dia, arranquei dele uma gargalhada. Foi uma pequena glória ver a mesa me olhar boquiaberta.

 

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A Autocensura

Post publicado em 24 de maio de 2007 e republicado agora com adaptações e cortes. É que ontem soube de mais um processo de separação que utiliza como provas o conteúdo de um blog. Desta vez de uma mulher. Quando publiquei este post, recebi dois comentários que achei notáveis e os publico ao final do post.

A moda está pegando. Como todos os posts confessionais dizem a verdade (?); então qualquer advogado lê um texto que escrevemos e o utiliza num processo familiar. Mas não é bem assim. Acreditar em nós é perigoso por várias razões.

A primeira razão é a mais humana: num texto confessional e mesmo naqueles de aparência visceral, o blogueiro ou escritor está publicando o que decidiu publicar. Os posts são seletivos como nossa memória, que arquiva os acontecimentos com alterações que podem deixá-los no formato de livros com belas capas para serem colocados na estante — podendo descer dela a qualquer momento — , ou ficam impressos com sangue, lágrimas ou lama para reaparecerem quando do Grande Ressentimento ou da Grande Irritação. Há infinitas formas de arquivamento, tudo depende do caso contado e da personalidade e honestidade de quem conta. E vêm misturados com sentimentos. Não são como os antigos diários, são diários ou textos ou ficções ou resenhas ou crônicas para serem expostas e, portanto, recebem tintas de exagero, contenção, poesia, educação, correção, escatologia, putaria, etc. Respondam: são prova de alguma coisa? Não há outro modo de se produzir provas?

Uma vez, estava no telefone conversando com o Carpinejar e lamentei sinceramente alguns graves problemas que o poeta tinha relatado em seu blog. Ele me respondeu:

— Problemas? Que problemas?
— Pô, cara. Aqueles lá com a tua mulher.

Ele ficou hesitante e, inesperadamente, estourou numa gargalhada. Depois, respondeu:

— Então, tu acreditaste naquilo? — disse ainda rindo.
— Mas…
— Milton, é tudo mentira. Teve gente que me ligou, ligaram até para a minha mãe perguntando. É normal, já aconteceu muitas vezes. Eu uso pessoas da vida real, só que as histórias são inventadas.

Se houver difamação é outro problema — e isso o Fabrício não fez. Estamos aqui discutindo a veracidade de textos que estão entrando em processos judiciais. Por quê?

Anteontem, uma amiga que descreve seus casos amorosos num blog foi acusada de puta e vagabunda num processo. O pai de seu filho quer a guarda da criança. As provas? Ora, os poemas e textos publicados em seu blog, que narram “experiências diárias”. Piada, né? Suas experiências diárias ocorrem na frente do computador, sozinha, insone, enquanto o filho dorme. Senão não passaria tantas horas no twitter…

De minha parte, já falei o que considerava as maiores verdades, procurando ser frio, claro e racional, mas também já casei com Juliette Binoche (nosso caso era puro sexo e durou anos, nunca tivemos problemas, apesar de eu não falar francês), já mantive diálogos com outros Miltons que eram eu mesmo, só que uns anos antes ou depois e ,ah, no meu aniversário do ano passado estava namorando Sophie Marceau, lembram? (Sempre o problema do francês, merde!) É claro que estou utilizando exemplos extremos nos quais só um idiota acreditaria, porém como ficam os casos intermediários, aqueles em que as confissões são romanceadas com jeito e cheiro de verdade, mas que talvez sejam apenas desejadas?

Minha ex fez isso num processo. Lá, havia trechos escolhidos deste blog. Em um deles, o mais importante, meu filho protege sua mãe de mim. Estou a sós com ele. Duas frases são trocadas num post sobre rock. Eu começo a falar mal de Pâmela (ou Suélen, não lembro) e ele interrompe dizendo que aqueles são problemas nossos. Só. Era uma forma de mostrar que o Bernardo sabia das coisas. Ele sabe mesmo e minha intenção apareceu nos comentários dos leitores: disseram que ele tinha mais bom senso do que eu. Porém, no processo, foi uma atitude de mau pai… Claro, tive de responder com o blog inteiro, com todos os posts. Na metade do ano passado eram mais de mil páginas. Muita gente sabe de minhas opiniões sobre Suélen (ou seria Pâmela?), mas não sou louco de preencher a vida de meus filhos com reclamações contra sua mãe. Eles me detestariam. (A propósito, as mulheres do “Porque Hoje é Sábado” foram para o juiz? O doutor achou essa aqui gostosinha?)

Bem, mas há mais: o fato de manter um blog “bem montado” – expressão de sua advogada – seria prova de que passo muito tempo trabalhando nele e, se acrescentarmos a isto algumas viagens que faço, pronto!, chegamos à conclusão de que tenho largo tempo livre e um estilo de vida, digamos, confortável. Lendo aquilo, senti-me como um malandro da velha guarda carioca.

Cervantes reclamava que não lhe davam muito dinheiro, mas admite que, se lhe dessem, iria se divertir mais e escrever menos. Queixava-se que seus mecenas sabiam disso e o mantinham à mingua. Interessante. (Oh, sei. Comparar Milton Ribeiro e Miguel de Cervantes é caso de internação.)

Neste ínterim, tenho exercitado a autocensura. O blog piorou, também sei. Entre alterar meu texto em função de um advogado e não publicá-lo, tenho escolhido a segunda opção. Então substituo o post previsto por algo sobre futebol ou tiro sarro da Igreja Católica. Afinal, o Papa não pára de dizer besteiras nem o Inter de fazê-las. Permanecerão no micro até não sei quando. Ou será que tudo isto é mentira e não tenho textos por publicar nem ex-esPosa? (Pronunciem esPosa com pê cuspido, por favor.)

E agora, publico este ou não? Assim mesmo, cheio de parênteses?

Comentário do Dr. Claudio Costa:

Já aprendi – com Lacan, veja só! – que o significado do que se diz é dado por quem escuta e não por quem fala. Freud, muito antes, já descobrira que a chave da interpretação está com o analisando, não com o analista. Este, quando não atrapalha, oferece a escuta e… aí o analisando diz e exclama: -“Eu sabia!”. Assim vivemos: num mundo imaginário onde até mesmo a imagem de si mesmo é constructo imaginário, putz! Por isso acredito piamente em TUDO que você escreve – o que é a mesma coisa que dizer: “não acredito em NADA” disso.

Comentário de Maria Elisa Guimarães, a Meg:

MILTON, Olha, não entendo de muita coisa, mas algumas, as de que vou falar aqui, pelo menos, ENTENDO e não é POUCO, entendo muitíssimo. 1- Muito embora, hoje em dia, um email seja aceito com prova num processo e qualquer bom advogado já saiba disso – felizmente, ainda não mudou absolutamente NADA, a respeito da questão da VEROSSIMILHANÇA, conceito este que não significa e à vezes é muito diferente da VERDADE ou pelo menos da *relação* desta com a realidade.. 2- Textos literários ou poéticos trabalham com o simulacro, (e muita gente desconhece o real sentido dessa palavra) e não com fatos. O *simulacro* , grosseiramente simplificando, é a MÍMESE, uma espécie de representação livre do que se viu ou se vê na realidade. Nesse caso, seria muito bom que todo mundo lesse as tragédias gregas. Há muito o que aprender lá. Por outro lado, uma crônica, um conto, um romance, ou um texto que se pretenda literário, tanto que se publica, não é notícia , é literatura!! Boa ou má, mas sempre literatura e não jornalismo investigativo. Nem depoimento. 3- E mais uma coisa, e disso entendo mais ainda: o “mundo não é dos inocentes”, e definitivamente, “justiça é balela, é conto de fadas”. Parece, só parece, pelo que tenho visto, na História antiga ou recente, que sai-se melhor SEMPRE quem está ou ao lado dos poderosos ou ao lado de quem lhe oferece mai$$$. Ou dos que parecem poder oferecer. Espero que te saias muito bem nesse caso que já se arrasta (e estou falando na condição de leitora e portanto quem lê teu blog sabe algo sobre esse caso, pelo menos o que permitiste que soubéssemos). Um dia as chateações todas acabam! Um dia tudo acaba. E de preferência, antes que nos tornemos ressentidos ou amargos. Solidarizo-me contigo: eu sei o que é a injustiça: dá vontade de morrer. Um beijo M.

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Motel Sheraton de Porto Alegre (Dia dos Namorados de 2006)

O Hotel Sheraton de Porto Alegre realizou uma promoção especial em 12 de junho de 2006, Dia dos Namorados. Por um preço mais ou menos módico para seus padrões, foi oferecido jantar e hospedagem de uma noite em suas luxuosas instalações. Era como se o grande hotel se transformasse em um supermotel. Estava lotado de casais e eu era a metade de um deles. Só que o Sheraton não é um motel; isto é, não é aquele local em que se vai mais ou menos escondido com o propósito de ter por algumas horas um ambiente privado, quase sempre kitsch e que nos provoca irrefreavelmente a libido. A primeira diferença já se notava na chegada: não saíamos de nossos carros em garagens escondidas e sim entrávamos numa féerica fila de casais. Um check-in de aeroporto, entende? Os que estavam ali conosco pareciam ser pessoas estáveis, rotineiras e felizes, donde concluo que esta devia ser minha cara. É claro, era aproximadamente 21h, era o notório Dia dos Namorados ou, mais exatamente, a notória noite do notório Dia dos Namorados. Seria intolerável para qualquer um que tenha seu par ficar sozinho esta noite, assim como seria estranha a presença de amantes eventuais.

Mas era um ambiente cômico. As duplas iam chegando ao balcão, todos sem malas, com as mulheres portando pequenas nécessaires. Todos olhávamos reto para o balcão, pois não apenas qualquer amigo ou conhecido seria indesejável numa hora daquelas, como havia a estranha sensação de se estar entrando em grande grupo num motel. Quem chegava finalmente ao balcão era saudado pelo atendente com um festivo “Feliz Dia dos Namorados” que soava como um ditoso have a nice fucking. Por sorte, a tortura era rápida e entrávamos rapidamente.

Depois de deixarem a pequena bagagem no quarto, os casais desciam para a soberba refeição. Todas as mesas eram pequenas e estavam belamente decoradas. Havia um violinista que ia de mesa em mesa. Aqui acabava o constrangimento inicial, pois a comida e o vinho faziam o habitual milagre de tornar-nos felizes, falastrões e, afinal, podíamos observar abertamente quem praticaria intercurso após a sobremesa. Era interessante, às vezes bonito ou enternecedor. Havia um casal de septuagenários; quando subiram para o quarto, ambos sorrindo intensamente, viu-se que a senhora amparava-se em uma bengala. Havia a falsa loira envelhecida acompanhada de seu jovem, impressionável e anabolizado consorte. Havia o japonês apaixonado que chegou ao restaurante com um copo de champanhe na mão, máquina fotográfica no pescoço, e que levou carinhosamente sua dama para a mesa que lhes fora destinada. (Depois o mesmo solicitou que um garçom lhes tirasse uma foto. Japonês é sempre japonês.) Havia as grandes personagens, como Paulo Roberto Falcão e senhora, etc. Porém, lá também estava o cronista que só fala em sexo, o Casanova, o tarado-mor da cidade: o gremista David Coimbra. Era impossível observar a mulher que o acompanhava sem pensar que — pequenina e delicada — ela seria destroçada dali a minutos.

Sinto decepcioná-los ao ignorar o longo espaço narrativo entre a sobremesa e o check-out. Lá, pudemos ver mais casais saindo abraçados. Aparentemente tudo tinha dado certo. O único casal já visto que estava no check-out era o Garanhão Gremista e a Pequenina Delicada. Ela estava viva e movimentava-se normalmente. Ele não deve ser toda esta coisa. Apenas um fato os diferenciava. Ela não carregava uma nécessaire, mas sim uma enorme — e vermelha — mala.

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Dia das Mães e das Madrastas

Madrasta, na linguagem do preconceito, é uma mulher má. No dicionário, é como se chama o parentesco de uma mulher casada em relação aos filhos que o marido teve em um matrimônio anterior. Legalmente, é parente em 1º grau por afinidade, seja pela aparência social, seja pela convivência familiar duradoura. Os filhos do pai fazem parte da família da madrasta pelos parentescos socioafetivos e, hoje, tanto estes quanto os biológicos são reconhecidos. São conceitos diferentes, mas não se excluem, ainda mais aqui em casa.

Para os que se prendem a cânones arcaicos, a madrasta é uma figura que passa a existir apenas se a mãe biológica morre. Porém, no cotidiano, é quem conquista com paciência e afeto uma relação delicada, suporta as incompreensões, arca desapegadamente com responsabilidades sobre os enteados e ainda sente orgulho deles.

Creiam, os enteados podem gostar dela sem desgostar da mãe, não é uma competição.

É necessário aceitar que o mundo deu voltas e há novas acepções do conceito de família assim como novas formas de relações sociais. As pessoas se vinculam tanto pelo casamento quanto pela convivência, tanto pela filiação biológica quanto pela socioafetiva, e há que entender que o termo “família” não somente apresenta novas conceituações como são estruturas perfeitamente miscíveis no entendimento dos filhos, que ganham com isto.

Quando há insegurança emocional da mãe biológica, a madrasta deve suportar o desgaste e apoiar os enteados, às vezes repetidamente submetidos a lamúrias que transformam momentos de bom convívio num jogo de culpas desnecessário e destrutivo. E a madrasta, neste caso, faz o quê? Compensa tratando ainda melhor seus enteados e segue doando-se. Os enteados sabem.

A madrasta que mora conosco é assim e, por isso, seria uma violência esquecer dela no dia de hoje. Ela não precisa de um Dia da Madrasta, o das Mães lhe serve perfeitamente mesmo que ela não seja uma. Ou quem sabe é?

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Machado de Assis e Cees Nooteboom

O grande escritor holandês Cees Nooteboom — eterno candidato ao Nobel que estará na próxima Flip — é um viajante. Não, não no sentido de ser um cara desligado da realidade, é um viajante mesmo, desses que vão de um país a outro sem parar. Então, ele resolveu escrever o livro Tumbas, onde revela sua busca por 82 túmulos de escritores e filósofos em todos os continentes. Dentre os 82 estava, é claro, o de Machado de Assis.

Então Nooteboom (seu nome diz-se “seis notebom”) chegou ao cemitério de São João Batista em Botafogo. Estava acompanhado de sua esposa e do diretor do Instituto Goethe do Rio. Queria encontrar o túmulo de Machado de Assis. Dirigiu-se à administração. O atendente disse-lhe que daquele jeito não ia dar, precisava do primeiro nome.

— Sem o primeiro nome do presunto não dá — invento eu.

Cees e sua mulher não lembravam do primeiro nome e voltaram à carga.

— Mas o senhor não conhece o grande escritor Machado de Assis, o maior do Brasil? Ele está enterrado aqui!

— Sei não… — fantasio novamente o homem do cemitério.

Demorou, mas acabaram encontrando. Assim começa o mais novo livro de Nooteboom. Depois, a mulher do autor, fotógrafa, registrou o túmulo. Céus, é mínimo, é um quase nada! Sou quase indiferente aos cemitérios, mas, cá para nós, Machado merecia um túmulo à altura. Ironia, recebeu o túmulo que receberia o Conselheiro Aires. Algo para ser esquecido.

Um dia, meu amigo Dario Bestetti disse uma frase inesquecível:

— Milton, o lugar correto de se guardar os vinhos é na memória.

Dario, acho que tua frase servirá também para o maior escritor brasileiro. O local onde estão guardadas as sobras (evito a palavra “restos”, por demais respeitosa num contexto de descaso) de Machado de Assis — que mereceria estar no centro de uma praça cheia de loucos, adúlteros, jovens inseguros, empregados do governo e senhoras concupiscentes, todos passeando sob seu irônico busto, talvez de cabeça baixa, com um leve sorriso nos lábios — é uma bosta.

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Dia Internacional da Mulher: "Máquina de lavar fez mais pela mulher do que a pílula", diz Vaticano

No ano passado, em pleno Dia Internacional da Mulher, o Vaticano fez publicar em seu jornal um artigo de extrema sensibilidade, pois parte da indiscutível posição de que a mulher é quem deve lavar a roupa… Como achei o artigo cômico em seu preconceito, guardei-o por um ano entre meus “Favoritos”. Ele está copiado abaixo.

Por outro lado, a data de hoje serve para celebrar os avanços sociais, econômicos e políticos alcançados pelas mulheres. Escrevo isso e penso na empregada aqui de casa: casou-se aos 12 anos com um homem de 27, teve uma filha aos 14. Dias atrás, aos 23, tentava se separar mas era ameaçada, física e materialmente, pelo marido. Tratamos de aconselhá-la — advogados, delegacia da mulher, justiça gratuita, tudo — , enquanto ela seguia sendo perseguida pelo sujeito, e contava horrores. O advogado da Defensoria Pública disse que chamaria não apenas o cônjuge como seus pais e o mundo, pois como é que fora autorizado um casamento aos 12 anos? Resultado: ficou assustada, demitiu-se aqui de casa e voltou para o marido. Sim, ainda há um longo caminho a ser percorrido.

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O jornal do Vaticano, “L’Osservatore Romano”, publicou artigo neste fim de semana no qual afirma que a máquina de lavar talvez tenha feito mais pela liberação da mulher no século 20 do que a pílula anticoncepcional ou o acesso ao mercado de trabalho. A declaração faz parte de um artigo em homenagem ao Dia Internacional da Mulher.

O artigo é intitulado “A Máquina de lavar e a liberação das mulheres –ponha detergente, feche a tampa e relaxe”.

“O que no século 20 fez mais para liberar as mulheres ocidentais?”, questiona o artigo, escrito por uma mulher. “O debate é acalorado. Alguns dizem que a pílula, alguns dizem que o direito ao aborto, e alguns [dizem que] o direito a trabalhar fora de casa. Alguns, porém, ousam ir além: a máquina de lavar.”

O texto então conta a história da máquina de lavar, desde um modelo rudimentar de 1767 na Alemanha, até os modernos equipamentos com os quais a mulher pode tomar um capuccino com as amigas enquanto a roupa é lavada.

O artigo cita as palavras da feminista americana Betty Friedan, que, em 1963, descreveu “o momento sublime de poder trocar a roupa de cama duas vezes por semana em vez de uma só”.

Segundo o texto, embora os primeiros modelos fossem caros e pouco confiáveis, a tecnologia evoluiu a tal ponto que há agora “a imagem da super mulher, sorrindo, maquiada e radiante entre os equipamentos de sua casa”.

Da Reuters, Cidade do Vaticano.

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Minha ida de hoje à padaria

Como quase sempre faço, fui hoje pela manhã à Padaria Pasquali. Cheguei lá às 7h22 (olhei no celular). Para minha surpresa, já estava lá o grupo de gremistas irredutíveis. E estavam aos berros:

— A coloradagem está quieta, só pensando na Libertadores, mas se a gente perder para o Novo Hamburgo, eles vêm pra cima de nós com tudo.

Entrei soridente, claro, aquilo me SABIA como uma sinfonia de Haydn. Cumprimentei-os.

— E então! Vocês estão com medo do Noia?

— Medo nada, Milton ficou louco?

— Vocês sabem aquele médico do PTB, o Eliseu Santos?

— “O seu médico”…

— Esse mesmo. Foi assassinado um dia depois de prestar depoimento na Polícia Federal sobre desvios na Secretaria da Saúde.

— Queima de arquivo.

— É. E Houve um terremoto Kleist-like no Chile.

— O quê?

— Houve um terremoto no Chile. 8,8 na escala Richter. 64 mortos até agora.

— Credo, que noite!

— E vocês aqui se cagando pro Noia!

— Milton, vai pegar o teu leitinho e o pão.

Fui mesmo.

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Pina Bausch e Dilma Rousseff

Ontem à noite liguei a TV e estava passando Fale com ela de Pedro Almodóvar. Não lembrava que o filme mostrava bem no seu início o Café Müller de Pina Bausch. É uma coisa estranha, nunca dei muita bola para dança, mas um dia fui assistir em Porto Alegre ao Teatro de Dança de Wuppertal, certamente por culpa da Helen. Sim, eu vi Pina Bausch. Vimos duas coreografias que tornaram-se clássicas; afinal, tanto Café Müller como A Sagração da Primavera são sempre citadas. Lembro de ter ficado hipnotizado vendo tudo aquilo, de que não tinha a mínima ideia prévia, acontecer bem na minha frente. Obviamente, a Sagração causou maior impacto — há muito mais som nela e amo Stravinsky — mas a memória parece ter valorizado muito mais o Café Müller.

Com uma trilha sonora que me pareceu à princípio livre-associação, pois toda centrada em árias desencontradas de Henry Purcel ou no silêncio, e que ganhou sentido quando chegou ao Lamento de Dido, da ópera Dido e Eneas, o Café expressa de forma fria e obsessiva nossa tristeza pela impossibilidade de maior contato humano. O palco é cheio de mesas e cadeiras vazias (mais parece a cantina de um hospício) que têm de ser insistentemente afastadas enquanto quem realmente dança erra às cegas pelo palco, inteiramente dentro do desespero da perda do amor. É algo que parece simples, com muitas repetições — um Thomas Bernhard dançado? — porém toda a movimentação de um verdadeiro Teatro de Dança em que muitas coisas aconteciam em diferentes pontos do palco, resultava em congelante emoção e medo. As repetições, lógicas em seus inícios, dissolviam-se em frenesis em sentido. O comportamento dos bailarinos é ora agressivo, ora apático. Lá em 1980, nunca imaginaria a existência de tal arte.

Pois eu e a Claudia estávamos vendo Pina quando um de nós inadvertidamente se virou na cama e pressionou um botão qualquer do controle remoto. E então o canal muda e damos de cara com Luciana Gimenez entrevistando Dilma Rousseff. Sim, claro, na RedeTV. Abaixo da imagem de ambas havia o anúncio de que Dilma ia cozinhar a seguir. Oh, God, precisávamos ver aquilo. Afinal, talvez fosse o ensaio para ela preparar uma refeição na Ana Maria Braga. Adeus Almodóvar, Pina Bausch e o Caetano (Cucurrucucu, Paloma) que apareceria depois.

E ela fez um omelete, reclamou da falta de uma Tefal, falou sem parar, disse que tinha grudado e que então agora eram ovos mexidos, provaram, estava sem sal (culpa de Luciana que mandou a ministra pôr menos), depois as duas comeram tudo até o fim, rasparam vergonhamente seus pratos — o troço ficou com ótima cara — , sem deixar nada para os famintos do auditório, que aplaudiu, Dilma disse que voltaria para fazer um bacalhau e mais aplausos. Avisou que virá com uma Tefal e com colher de pau, pois a produção do programa deixou-a com uma espátula que mais parecia uma pá de pedreiro para desgrudar a merda. (Prova de que o PT não está preparado para uma candidata mulher…) Bem, e aí o clima inicial Bausch-style já tinha ido pro saco e vim escrever este post.

Abaixo, para lembrar, um fragmento de Café Müller — muita atenção a partir dos 2min25 — e o fragmento final da Sagração de Pina Bausch.

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Pô, Celina, de novo?

A falta de tempo me faz resgatar uma velharia (e uma grande lição de vida…) de 11 de março de 2005.

O caso é que Celina Sjösted (35 anos), casada com o músico Ricardo Duna, autor da frase que dá título a este post, com dois filhos deste casamento e usando aliança — as revistas adoram deste detalhe — , é uma das poucas mulheres que garantidamente privaram com o mito, que teve músicas dedicadas a si, que trocou beijos e saiu vitoriosa do mar do Leblon de mãos dadas com o homem. Virou assunto nacional. A frase explica-se pelo fato de que é segunda vez que Ricardo — inteiramente deslocado do implacável papel de Ricardão — a pega com Chico. A primeira fora em 1998.

Hoje, chegando em casa, vejo uma revista estranha. Aqui só costumam entrar revistas de notícias ou culturais, mas hoje havia uma Contigo! É uma reles revistinha de fofocas de celebridades e logo vi a razão da compra feita pela Claudia: Chico estava na capa e, abaixo da foto, havia uma manchete mui benigna: “Marido quer de volta a mulher que Chico Buarque beijou”. Beijou? Só? Arrã. Não sei o que pensar sobre o assunto, abro a revista e acho a tal Celina até feínha, mas nunca se sabe — alguns feios surpreendem quando começam a se mexer ou falar. Rio ao saber que o maridão (44 anos) chama Chico (60) de “o Velho”; rio mais ao saber que o maridão deu entrevistas, sábado à tardinha, antes de apresentar seu show numa clínica geriátrica carioca. Pelo visto, o casal trabalha para a terceira idade. Quase dou gargalhadas ao saber que ele vendeu todos os seus discos para os velhinhos e para o pessoal de imprensa que foi ver sua performance. É a mais nova celebridade! Que maldade, Milton. Começo a folhear a revista e, mais à frente, leio outra frase marcante que parece ter vaga relação com o caso. Rubens Barrichelo declara: “Estou cansado de perder”.

Posso entender o fascínio que Chico exerce sobre as mulheres; afinal, parte deste fascínio é também exercido sobre mim. O cara é um gênio, é bom músico, é espetacular compositor, é escritor reconhecido, é bonito, é gentil, demonstra em sua obra conhecer as mulheres; está, pois, um passo adiante na evolução humana (não deve ter nem os dentes do siso) e foi com isto que o casal Ricardinho-Celina deparou-se. Celina viu à sua disposição o cara que está no topo da cadeia alimentar. Tremeu ao sonhar com aquele vozeirão dizendo-lhe: “Meu bem, me traz um copo d`água?”.

Eu sei. É páreo corrido. Não há como segurar. Quando o Chico quiser, será gol do Polytheama. A mulher precisa ser uma fortaleza católica para resistir — e mesmo os católicos tem de limpar a reputação no confessionário. Acho desnecessário o Ricardo ofender Chico Buarque chamando-o de velho, é patético blasfemar contra alguém que habita o Olimpo. Ele deveria falar apenas à Celina, deveria suplicar por seu retorno, explicando-lhe que a reconciliação é ecológica para alma e que ele e os filhos a perdoam e querem de volta. Faz isso, Ricardo, não seja burro. Depois, dê-lhe um longo beijo de língua bem na frente dos paparazzi. Será um momento lindo. E dê entrevistas, Ricardo, por favor; a gente precisa de assuntos deste tipo. É horrível só ouvir falar em tragédias. Quem dera trepar com a mulher do próximo, ops!, desculpem… Errata: quem dera que os problemas do país fossem a libido das celebridades e as infidelidades dos homens e das mulheres — dos outros, é claro.

A propósito, ainda há a expressão “mulher honesta” em nossa Constituição?


Se até Tom e Vinícius deitaram com Chico, por que Celina não deitaria?

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Uma diversão

Era o início dos anos 70. Eu, todas as manhãs, ia para o Colégio Júlio de Castilhos, em Porto Alegre. Aquele dia estava frio demais, perto de zero grau e lembro que estávamos encolhidos de frio (dir-se-ia “encarangados”, no RS), sentados, duros, assistindo a uma aula. Não lembro qual era a matéria e nem interessa ao que vou contar. As salas de aulas não recebiam o sol matinal. Este, de modo perverso, vinha pelo outro lado, invadindo a enorme sacada do colégio, ultrapassando seus vidros, batendo no chão de lajotas de cerâmica hexagonais e subindo pela parede de nossa sala, mas não alterando sua temperatura interna. E então as explosões começaram.

Todos nós ficamos assustados. O que seria aquilo? Eram explosões sucessivas e devo ter sido um dos primeiros a sair correndo da sala, pois lembro do corredor vazio com o chão desmanchando-se. Provavelmente as lajotas dilataram-se mais rapidamente do que aquilo que as mantinha coladas ao chão e elas simplesmente voavam pelos ares, fazendo grande barulho. Claro que a saída dos alunos das salas para o corredor fazia com que mais lajotas se quebrassem. Logo houve aquele descontrole típico de quem tem 13 ou 14 anos. Os professores e monitores não eram mais ouvidos e, pior, estavam igualmente pasmos, observando o fenômeno, que já passara do terceiro para o segundo andar. Todos corriam. Eu lembro das caras felizes dos colegas e da cara de o-que-está-acontecendo de quem deveria manter a ordem. Ninguém temia os estilhaços.

Não tivemos mais aula naquele período. A ordem custou a ser restabelecida. Um professor de física foi de sala em sala explicar o fenômeno. Não fora um ataque militar, nem algo sobrenatural. Fora apenas diversão.

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Que venha 2011!

Vou dar 48 horas para 2010 melhorar. Pela amostra dos primeiros dez dias, 2010 será o pior dos anos. Já tive um pouco de tudo: confusões, lentidão, decisões irracionais, atitudes tresloucadas e até problema de saúde. E tudo isso acrescido de muito, muito trabalho improdutivo. O que é trabalho improdutivo? Ora, é aquele bem burocrático, é aquela dificuldade incrível para retirar uma certidão negativa quando você sempre foi negativo; é aquele sofrimento sob 35 graus para retirar outra certidão que diz que você não faliu ainda; é quando lhe pedem para trazer um documento e você o traz, mas aí ligam para quem o imprimiu e respondem que ele é inválido porque você não informou uma coisinha qualquer que era fundamental e, quando você fala com o responsável…

– Boa tarde.
– Boa tarde. É do XPTO?
– Sim, em que posso servi-lo?
– É que ontem levei a contabilidade do exercício XXXX de minha microempresa para fazer o cadastramento e saí daí com o certificado, mas depois fiquei sabendo que faltaram alguns valores para o cálculo dos índices de solvência e liquidez.
– Sim. Ah, é da empresa ABCD?
– Exato, eu fui pessoalmente aí ontem. E não entendo porque me deram a certidão negativa se havia problemas.
– Bom, meu amigo, meu trabalho é cadastrar e eu cadastrei. Os problemas decorrentes do seu cadastramento são problemas seus.
– ?!?! Claro…, mas porque o Sr. não me informou sobre os problemas?
– Ora, o Sr. não deve ter perguntado. E o cadastro foi feito. Com restrições, mas foi feito.
– E de que me adianta um cadastro “com restrições”? E por que a certidão foi impressa sem indicar problemas quando faltavam dados?
– Meu amigo, eu não sei que uso o Sr. daria à certidão e nem imaginava que me ligariam. Só sei que ligaram e eu falei a verdade, apontando as restrições.
– Hum, que honesto. Mas se algum de vocês tivesse falado para mim na hora do cadastramento, eu faria as correções junto ao contador e apresentaria tudo redondinho.
– Olha, meu chapa, meu negócio é cadastrar.

Este diálogo foi travado anteontem. Ainda não consegui arrumar tudo de tal forma que possam perguntar para a besta quadrada se está tudo bem e ele dizer que sim.

Mas tudo pode piorar e então fiz um exame de esteira para ver como estava o coração e o troço veio informando sobre algumas arritmias. Logo eu, que ainda sou capaz de correr a boa velocidade por 45 minutos e o faço duas vezes por semana? Meu cardiologista minimizou a coisa, mas me pediu uma ecografia para ter certeza se a minimizada não seria maximizada com um enfarto quando, por exemplo, tiver que enfrentar o próximo burocrata. Eu, burro e suado em cima da esteira, não percebi que a pressa do sujeito em acabar o exame no começo do sexto estágio era mau indicativo… Fiquei indignado, dizendo que queria correr mais, enquanto ele respondia “tá bom assim, seu Milton”.

Bem, 2007 melhoraria se amanhã meu exame saísse bonitinho e se o burocrata do XPTO me declarasse finalmente sem restrições. Só peço isso, não é muito. Vamos ver.

Atualização das 11h: sem restrições no XPTO! 2010 melhora ligeiramente.

Atualização das 18h: tudo OK. Exame impecável do coração. Vocês vão ter que me agüentar por mais um tempinho. 2010 melhora consideravelmente.

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Minha Vida Como Picanha

Até o ano passado, eu corria 10 Km (até participei da Rústica de Porto Alegre) a qualquer momento, só de alegria por estar vivo. Também ia à academia e me sentia bem. Então, este ano, vieram diversos revertérios Milton Ribeiro tornou-se um ex-quase-atleta-senior que apenas mantinha seu peso e, quem sabe, sua discutível silhueta.

Hoje pela manhã fiz um esforço notável e dirigi-me a uma academia aqui pertinho para fazer uma avaliação física. Queria voltar a suar e a conviver com a endorfina (ver parênteses após este parágrafo) que me fazia falta. Cheguei lá e descobri que o coração, a pressão e alguns sinais vitais estavam dentro da normalidade, mas o resto… O resto… Bem, o resto serviu para me caracterizar como um bife gordo de grandes proporções. Sim, uma enorme picanha! Estou com medo de ir ao espelho e ver um réptil de uma tonelada e meia com duas perninhas. Já preparei a frase que direi a minha querida Claudia: “A gordura é o que dá gosto à carne, meu amor!”.

(ENDORFINA é uma substância natural produzida pelo cérebro durante e após atividades físicas. Ela regula a emoção e a percepção da dor, ajudando a relaxar. Gera bem estar e prazer. A endorfina é considerada um analgésico natural, reduzindo o estresse e a ansiedade, aliviando as tensões, sendo inclusive recomendada no tratamento de depressões leves. Durante o orgasmo essa substância é liberada na corrente sanguínea, provocando uma intensa sensação de relaxamento no casal e alguns até adormecem após a relação.)

O que descobri? Ora, descobri que meus 76,1 Kg (em 1,71 m) contém absurdos 19,849 Kg (ou 26,08% de meu peso) de gordura, o que me coloca ao lado das baleias e dos ursos brancos antes do inverno. Resultado: a partir de segunda-feira, vou hibernar na academia vizinha. Ah, descobri também que minha flexibilidade está próxima à do Papa quando discute aborto.

Não sei porque saí do exame pensando na bomba de nêutrons(*).

(*) A bomba de nêutrons tem ação destrutiva apenas sobre organismos vivos, mantendo, por exemplo, a estrutura de uma cidade intacta. Isso pode representar uma vantagem militar, visto que existe a possibilidade de se eliminar os inimigos e apoderar-se de seus recursos.

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