4 livros

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A Boa Sorte, de Rosa Montero

A romancista e ensaísta Rosa Montero é, em âmbito mundial, uma das mais importantes escritoras em atividade. Há dezenas de livros e estudos acerca de sua obra. Autora dos excelentes A ridícula ideia de nunca mais te ver e Nós, Mulheres, teve seu A Boa Sorte lançado recentemente no Brasil. É seu primeiro romance onde o personagem principal não é uma mulher. Mas isso talvez seja falso, porque quem ilumina e altera as feições da história é uma personagem feminina. Dentro de uma narrativa fluida e misteriosa, conhecemos Pablo Hernando, um sujeito que some em uma pequena e decadente cidade espanhola. Assim que ele chega, à noite, de trem, compra um apartamento. O vendedor fica surpreso, pois o comprador quer fazer tudo imediatamente, em dinheiro, sem nem mesmo visitar o imóvel. Quem é Pablo Hernando? A polícia está atrás dele? Por que ele escolheu ficar em Pozonegro, onde não conhece ninguém? Então Raluca, funcionária do supermercado local, entra em cena. Ela é sua vizinha e tenta integrá-lo à comunidade. Até consegue um emprego para ele. A descida de Pablo aos infernos é muito bem descrita por Montero. Há medo, angústia, culpa, e também amor, generosidade e inocência. E a boa sorte.

A Boa Sorte é da Todavia, tem 256 páginas e custa R$ 74.90.

A tirania do mérito, de Michael Sandel

Neste livro, Sandel ataca um consenso que ainda reina em alguns meios, o da meritocracia. O livro defende que há um lado negro, um lado desmoralizante nela, ou seja, o de que se a pessoa não ascender socialmente, não terá ninguém para culpar além de si mesma. Inclusive, segundo Sandel, as elites de centro-esquerda teriam abandonado as velhas lealdades de classe para assumir um novo papel de moralizadores da vida. Isto seria particularmente cruel com quem não teve a melhor das formações, justamente as classes mais desfavorecidas. Porque os méritos são normalmente alcançados por quem estudou nas melhores escolas, não? Sandel reconhece o valor do mérito, mas trata de demonstrar como sua aplicação tornou-se tóxica. Segundo o autor, este seria o momento para iniciar um debate sobre a dignidade do trabalho e suas recompensas, tanto em termos de remuneração, como em termos de estima. Com a pandemia, percebemos como somos dependentes, não apenas de médicos e enfermeiras, mas também de entregadores e prestadores de quaisquer serviços, muitos deles transitando via de regra na economia informal. Esse livro traz o problema e sugere soluções para amenizá-lo. Ou seja, não é um livro de simples objeções.

A Tirania do Mérito é da Civilização Brasileira, tem 430 páginas e custa R$ 69,90.

Eu serei a última, de Nadia Murad

Este é o um relato autobiográfico do que Nadia Murad passou nos cárceres do Estado Islâmico e de sua fuga. Hoje, Nadia é ativista de direitos humanos e, em 2018, recebeu o Prêmio Nobel da Paz. Ela faz parte da minoria étnico-religiosa Iazidi. Há cerca de 800 mil iazidis no mundo, a maior parte localizada na fronteira do Iraque com a Síria. Seu povo pratica uma religião sincrética, o iazidismo, que tem elementos do cristianismo e do islamismo, tudo o que o Estado Islâmico não aceita. Em Eu serei a última, ela conta sua brutal experiência – os dias do cerco a sua vila, a prisão, a fuga e, afinal, sua chegada na Alemanha. Dizer que a história é intensa é pouco. Nadia Murad é vendida, torna-se escrava sexual – chama-se a “jihad sexual” – e sua fuga não foi exatamente planejada. A impotência de uma minoria perante o EI, o tráfico humano, o genocídio, os estupros, a vivência em uma sociedade cruelmente patriarcal, a doutrinação dos extremistas islâmicos, a conversão forçada ao islamismo, tudo é violento, porém há trechos leves, como os das lembranças da vida antes da invasão. Em cada página, ficamos nos perguntando como tudo isso (ainda) acontece e até onde o ser humano pode chegar.

Eu serei a última é da Novo Século, tem 394 páginas e custa R$ 69,90.

O despertar de tudo, de David Wengrow e David Graeber

Este livro tornou-se rapidamente um clássico. Com bom humor e argúcia, O despertar de tudo revela que o passado não é aquilo que pensávamos e que a história da humanidade, tal como a conhecemos, traz um viés bastante equivocado. Dentre muitas fontes, os autores utilizam, por exemplo, textos indígenas para recontar a história. Graeber e Wengrow nos dão uma visão mais sofisticada de nossas origens, a partir de informações vindas da moderna arqueologia. O livro revela novidades a respeito da antiguidade, principalmente dos períodos “primitivos” anteriores à escrita. O que emerge é uma visão mais complexa e surpreendente, que é sintetizada de forma brilhante pelos autores. O livro também coloca em questão o mito explicativo que justificativa a desigualdade social entre seres humanos e a origem do ordenamento social hierárquico, corporificado no que chamamos de “Estado”. Acompanhado de vasto material bibliográfico, O despertar de tudo – nascido de uma longa troca de e-mails entre os autores – é coerente, convincente e provocativo, sublinhando a importância de nos mantermos sempre abertos para revisar nossos conceitos com base na ciência.

O Despertar de Tudo é da Cia. das Letras, tem 696 páginas e custa R$ 119,90.

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Os mais vendidos de junho na Bamboletras

Os mais vendidos de junho na Bamboletras

Os mais vendidos na Bamboletras no mês de junho 🤩

1 – Querido Lula: cartas a um presidente na prisão, de Maud Chirio (Boitempo)
2 – O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório (Companhia das Letras)
3 – Os Supridores, de José Falero (Todavia)
4 – A Boa Sorte, de Rosa Montero (Todavia)
5 – Escravidão vol. 3, de Laurentino Gomes (Globo Livros)
6 – Violeta, de Isabel Allende (Bertrand Brasil)
7 – Gabo & Mercedes: uma despedida, de Rodrigo García (Record)
8 – Ulysses, de James Joyce (Penguin)
9 – Tudo é rio, de Carla Madeira (Record)
10 – Com quantos rabinos se faz um Raimundo, de Nurit Bensusan (Confraria do Vento)

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A boa sorte, de Rosa Montero

A boa sorte, de Rosa Montero

Após os notáveis A ridícula ideia de nunca mais te ver, A louca da casa e Nós, mulheres, Rosa Montero reaparece com seu novo romance A Boa Sorte. É seu primeiro romance em que o personagem principal não é uma mulher. Mas isso talvez seja falso, porque quem ilumina e altera as feições da história para um discreto sorriso é uma personagem feminina.

Sem dar grandes spoilers: o romance começa em um trem para Mágala. Porém Pablo Hernando, em vez de continuar sua viagem até esta cidade, onde deveria dar uma palestra, desembarca antes, decidindo ficar em uma pequena cidade de La Mancha. É um viajante bastante estranho. Pela janela, ele vê uma pequena e feia cidadezinha quase abandonada e dá um jeito de voltar a ela. Sim, Pozonegro não era seu destino, seu destino era Málaga. A estranheza vai se acentuar. Assim que ele desce, à noite, resolve comprar um dos apartamentos que ficam em frente aos trilhos. O vendedor fica muito surpreso, pois Pablo Hernando, quer comprá-lo imediatamente, em dinheiro, sem visitar o imóvel, tipo agora ou nunca. Como o apartamento era uma ruína complicada de vender, seu dono consegue trazer o moço do cartório em plena noite para apressar coisas que poderiam ser melhor formalizadas durante o dia seguinte. E o negócio é fechado, com Pablo tomando posse do apartamento logo depois de chegar, sem malas.

Nós, leitores, ficamos sem saber de muita coisa. Quem é Pablo Hernando? A polícia está atrás dele? Por que Pozonegro? E por que um lugar onde ele não conhece ninguém? E então Raluca, uma mulher de origem romena, funcionária do supermercado local, entra em cena. Ela é sua vizinha e tenta integrá-lo à comunidade. Ela o ajuda a comprar as coisas de que precisava para sobreviver: um colchão, roupas, comida… E até consegue um emprego para ele no supermercado, sem saber que aquele maluco é um famoso arquiteto.

Se Raluca é o Bem, o Mal é representado pelo filho de Pablo, com quem nosso herói perdeu o contato e que, bem, deixemos em aberto porque aqui temos um item fundamental para a (grande) tensão da história.

Os dois polos do romance são Raluca e Marcos, o filho. Pablo parece não entender nenhum dos dois. Nem a luz dela, nem as sombras dele. A autora comanda com raro virtuosismo um mecanismo de intriga bem grudento, revelando aos poucos quem é Pablo, suas mentiras, seus medos e culpas.

Raluca também tem um passado nada tranquilo, mas é alguém que é capaz de irradiar felicidade por onde anda e que, mesmo morando num fim de mundo perigoso, é capaz de dizer que “tem uma vida incrível”. Quando falo em mundo perigoso, quero dizer que A Boa Sorte mostra a violência de muitas formas: de pais contra os filhos, contra os animais, contra quem é diferente, contra quem tem alguma coisa que se quer. Porque em Pozonegro há criminosos, líderes de gangues neonazistas e vizinhos extorsionários, mas, felizmente, lá também há quem se considere sortudo como Raluca.

Claro que uma escritora do nível de Montero não aponta soluções para o Mal, apenas mostra que devemos conviver com ele. A descida pessoal de Pablo Hernando ao inferno é muito bem descrita. Há medo, angústia, culpa, desejo e também amor, generosidade e inocência E uma boa notícia que não nos aliena, muito pelo contrário: nos faz querer viver e respirar.

Em A Boa Sorte, Montero realiza um belo romance, mesmo que se possa reclamar do estereótipo do homem rico e angustiado que se relaciona com uma moça pobre e sem instrução. Sim, é um livro otimista pero no mucho, onde, de certa forma, o Bem vence (ou contorna) o Mal. Não chega a ser proibido ser ao mesmo tempo feliz em ficção, certo?

Recomendo!

Que sorte! É que eu sempre tive muita sorte, sabe? E felizmente tenho essa sorte, porque, se não, com a vida que tive, não sei o que teria acontecido comigo.

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Bamboletras recomenda o novo livro de Rosa Montero, mais Haddad e Fuks

Bamboletras recomenda o novo livro de Rosa Montero, mais Haddad e Fuks

A newsletter desta quarta-feira da Bamboletras.

Olá!

Um novo romance da grande Rosa Montero, um ensaio político de Fernando Haddad e as reflexões e sentimentos de Julián Fuks durante a pandemia são as sugestões da Bamboletras para a semana. Não é pouca coisa. Três gêneros, três importantes livros.

Uma excelente semana com boas leituras!

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A Boa Sorte, de Rosa Montero (Todavia, 256 páginas, R$ 69,90)

Desde o lançamento de A ridícula ideia de nunca mais te ver, todo livro novo de Rosa Montero é um acontecimento. Agora, a inquieta espanhola chega pela primeira vez com um romance cujo personagem principal é masculino. O que leva um homem a saltar de um trem em uma cidade sem maiores atrativos, que não era seu destino original, e se esconder ali? S. eu objetivo é recomeçar a vida ou simplesmente acabar com ela? Seja qual for a resposta, o destino o trouxe para uma cidade que está lentamente definhando. A ruína parece mais perto a cada dia, porém… (Sem spoilers). Na cidade, todos parecem arrastar algum segredo, alguns sombrios, outros simplesmente ridículos. Também há humor naquela cidade triste, porque a vida tem muita comédia. E pessoas que fingem ser quem não são, ou que escondem o que planejam. É o grande jogo das falsidades enquanto uma intriga hipnotizante revela o mistério daquele homem.

O Terceiro Excluído, de Fernando Haddad (Zahar, 288 páginas, R$ 64,90)

Em outubro de 2018, o então candidato à presidência da República Fernando Haddad recebeu o professor do MIT Noam Chomsky em sua casa. O Brasil vivia seu momento mais dramático desde a redemocratização e a ameaça de uma guinada autoritária não era percebida por grande parte dos eleitores. Da conversa sobre política e linguística surgiu a provocação que originou O terceiro excluído. A teoria universalista de Chomsky afirma que é possível nos entendermos independentemente da cultura em que estejamos inseridos. O que explica então o atual surto de incomunicabilidade, em que não parece haver denominador comum para o debate público? O que nos impede de construir um futuro melhor para todos, com menos carências materiais e espirituais? Neste estudo denso e provocador, Haddad apresenta uma nova contribuição para as teorias da emancipação humana, a partir da qual pode emergir uma abrangente linha de ação política.

Lembremos do Futuro, de Julián Fuks (Cia. das Letras, 136 páginas, R$ 69,90)

Em trinta crônicas selecionadas, escritas nos períodos mais críticos da pandemia, Julián Fuks reflete sobre a perda e a solidão, a fragmentação do tempo e as incertezas futuras de um país. Mas nestas linhas há também esperança: pelo que podemos construir, ou reconstruir, a partir de nossas experiências. Suas incertezas e medos, a insegurança com a saúde da família e de amigos, se somaram ao que ocorria do lado de fora: as arbitrariedades do governo, a distância dos conhecidos, a contagem diária de mortes. Valendo-se de Virginia Woolf a Drummond, de Natalia Ginzburg a Clarice Lispector, Julián Fuks busca compreender as sensações conflitantes, a incerteza do tempo e os vazios na convivência com os outros. É nas frestas do horror que o autor procura as belezas menores, para com elas construir algo novo, a nova identidade do que queremos ser, no futuro que ainda não devemos esquecer. 

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