Ageism: as empresas e o preconceito etário

Ageism: as empresas e o preconceito etário

O paradoxo de querer que as pessoas trabalhem até os 65  anos quando elas já são descartadas pelo mercado aos 30.

Introdução descartável do blogueiro:

Eu já sofri preconceito por ser velho. Tenho 61 anos e, quando estava lá pelos cinquenta e pouquinhos, frequentei um ambiente de trabalho onde era um véio bastante produtivo (deixemos a grafia desrespeitando a nova ortografia, já que falamos de velharias), mas sempre alvo de desconfiança. O que sistematicamente me salvava era ter lido demais e ter muita informação armazenada na cabeça, o que me fazia alvo de consultas. E também de críticas, é claro. Afinal, era o Culto.

O artigo do meu amigo Fernando Guimarães fala mais da obtenção do emprego, já minha experiência fala mais sobre “as ideias de um véio que insiste em dar palpites”… Pois é, o problema é que muitas vezes eu acertava, dando soluções e antecipando crises e problemas. Os chefes gostavam de mim, já os colegas nem tanto. Credo, quantas piadas e brincadeiras sobre velhos tarados ouvi! Enchi o saco. Parecia que eu era o Tio da Sukita. Mas aguentei sempre sem reclamar.  

Sou um falador altamente sociável, algo como um bobo alegre. Porém, quando me deparei com o preconceito, tive que mudar minhas características e atuar. Tratei de me adaptar usando meus dotes inexistentes de ator. Senti que tinha que ser simpático e jovial e que devia falar o menos possível sobre trabalho, ficar de fora das brincadeiras que se relacionassem com festas, cerveja e assemelhados — não que bebesse ou saísse menos do que eles –, e deixar todo o trabalho profissional bem documentado e claro. Tudo porque sabia para onde os dedos seriam apontados no caso de problemas. Sim, não era um ambiente dos mais avançados, apesar de ser um local que dizia respeitar a diversidade. Ou seja, lá tinha vários exemplos de tolerância, mas não para com pessoas de mais de 50 anos. Foi complicado, mas hoje estou num lugar autenticamente avançado e tolerante.

O texto a seguir fala de ageism, palavra que deriva de age, idade. Os exemplos são todos da área da informática, mas não creio que as outras áreas difiram muito do que é contado. Vale a leitura.

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Por Fernando Guimarães (*)

O Brasil vive hoje um paradoxo. Há um sensível aumento da camada da população com idade superior a 45 anos, que deverá representar cerca de 56% da futura população em idade ativa até 2040, segundo dados de estudos do IPEA. Por outro lado, a reforma previdenciária exigirá que homens trabalhem até os 65 e mulheres até os 60 anos. E como conciliar este cenário em um país onde cultura do mercado de trabalho desvaloriza quem já passou dos trinta anos?

Ageism é a palavra em inglês que descreve o preconceito em relação à idade de uma pessoa. Não existe uma tradução literal para o português, que poderia ser algo como “preconceito etário”, mas ela está muito presente dentro das organizações nos EUA e, certamente, no Brasil. Em muitos países, estes profissionais mais experientes, são tidos em alta consideração como uma fonte de sabedoria. Não parece ser o caso por aqui.

Curiosamente, nenhuma empresa estimula este preconceito, pelo contrário: em seus valores sempre estão descritos o respeito à diversidadeNosso paradigma atual mais forte direcionará a palavra diversidade à diversidade sexual. Diversidade, de fato, é a qualidade daquilo que é diverso, diferente, variado; variedade. E a idade de uma pessoa faz parte deste contexto.

Enquanto algumas áreas profissionais valorizam mais a experiência de trabalho, como a Engenharia, Medicina ou Direito – onde inclusive um número menor do registro na OAB já identificaria um advogado mais experiente e em tese já “intimidaria” o advogado da parte adversária – em outras áreas, onde a tecnologia está mais presente, os profissionais sofrem mais com o preconceito de idade, principalmente por eles sofrerem mais pressão para uma constante atualização técnica e uma cobrança para seu “crescimento” de carreira.

Paradoxalmente, algumas tecnologias de TI dos anos 60, onde as previsões diziam que elas já estariam mortas nos anos 80 ou 90 como o Cobol, sobreviveram – por serem muito utilizado por grandes bancos e corporações – e viram desaparecer primeiro os técnicos desta área antes que as previsões se concretizassem, o que causou a falta de pessoas para manter estes sistemas. Recentemente em um em um evento de tecnologia em Porto Alegre, a IBM expôs um Mainframe, com a finalidade de atrair jovens para sua academia, acenando como salários médios muito maiores do que os pagos para desenvolvedores Java – talvez os profissionais mais valorizados no mercado de TI – assim como para os Administradores de Banco de Dados, outra dor de cabeça para os RH´s. Ao que parece o Java permanecerá por muito tempo ainda. Resta saber se os desenvolvedores mais antigos, já entrando na casa dos 40 anos sofrerão do mesmo mal…

“Nós nem vamos chamá-lo: ele é muito capacitado para a vaga. Em seguida acha uma coisa melhor e vai embora”

Alguns paradigmas comumente presentes e discutidos (ou não!) nos processos de seleção:

  • A estabilidade não é um problema: se você está preocupado com um pedido de demissão de um funcionário mais velho nos próximos 5 a 10 anos, considere isso – a duração média para empregados com idades entre 25 e 34 anos é de 3,2 anos. É um erro considerar premissas projetadas ao contratar um candidato
  • Eles sabem o que querem: Profissionais mais jovens estão forjando sua carreira – profissionais mais antigos já têm uma. Quando você contrata um funcionário mais velho, você está contratando um funcionário que sabe como fazer o seu trabalho e quer continuar fazendo o mesmo. Só porque eles são mais velhos não significa que eles estão de olho no seu cargo ou interessados em escalar a escada corporativa. Eles entendem o que querem fazer e esse é o trabalho que desejam.
  • Idade não determina habilidades: só porque um candidato é mais velho não significa que ele não é apto para o que você precisa. Um candidato com um bom histórico de trabalho, provavelmente terá um conjunto de habilidades devido a seus anos de experiência contínua. A educação continuada é uma prática crítica para a maioria dos profissionais, independentemente da idade – portanto, não se pode presumir que um trabalhador mais velho não esteja familiarizado com as ferramentas, tecnologias e práticas mais recentes.
  • Eles têm menos obrigações: Funcionários mais velhos geralmente têm menos assuntos pessoais e familiares para atender. Filhos pequenos e empréstimos habitacionais geralmente não fazem mais parte de suas vidas, portanto estarão mais disponíveis e podem assumir hábitos de trabalho que não vivenciam desde os primeiros 20 anos.
  • Eles se inscreveram: A razão mais relevante pela qual você não deve desacreditar um candidato mais velho é simples: eles se inscreveu! Ele usou tempo para localizar a oportunidade de trabalho, atualizou seu Linkedin e decidiu enviar o CV. Se ele está confiante o suficiente para aplicar para uma vaga e possui as habilidades necessárias, não há razão para que lhe seja negada a chance de uma entrevista.

Mas se as empresas, estimulam a diversidade, por que existe o preconceito à contratação de pessoas mais velhas? Na realidade o preconceito já se faz presente, inconscientemente, quando alguém está efetuando sua contratação que é, na maioria das vezes, aquele que será seu superior imediato.

“Tenho medo do diabo não por ele ser o diabo, mas por ele ser bem mais velho do que eu”

Além da capacidade técnica e personalidade, um gestor considera no processo de seleção de seu subordinado, um outro fator pessoal uma pergunta muito importante:como este novo funcionário contribuirá para meu sucesso e no que ele pode ajudar a alavancar minha carreira.

Você, como gestor, poderia se perguntar: por que eu contrataria aquela pessoa mais velha do que eu, com mais experiência de vida do que eu, que já passou por experiências que eu ainda não passei, mas que por outro lado pode ser uma ameaça para minha carreira, que pode apontar meus erros para o meu gestor e tomar o meu lugar? Não seria menos arriscado eu optar por candidato mais jovem ou por um candidato medíocre, aquele que eu teria mais ascendência e que me consideraria um ídolo? E você, por quem você optaria?

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(*) Fernando Guimarães é graduado em Gestão de Tecnologia da Informação e pós-graduado em Gestão de Projetos. Atua na área de Tecnologia há cerca de 20 anos, sendo que nos últimos sete anos esteve envolvido com Processos e Projetos. Como gosta também de escrever, vez ou outra dá voz a seus pitacos e gera algum conteúdo.

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Fontes:
www.aarp.org/work/on-the-job/info-2014/workplace-age-discrimination-infographic.html
blog.indeed.com/2017/10/19/tech-ageism-report
www.edistaffing.com/blog/2014/10/02/age-discrimination-workplace, 
news.sap.com/2013/08/ageism-in-tech/