Há 40 anos, a estreia solo de Raul Seixas: Krig-ha, bandolo!

Há 40 anos, a estreia solo de Raul Seixas: Krig-ha, bandolo!
Raul Seixas e Paulo Coelho

Publicado em 8 de junho de 2013 no Sul21

No dia 7 de junho de 1973, um sujeito magérrimo, de barba e óculos escuros saiu pelas ruas do Rio de Janeiro entoando uma estranha canção canto-falada que começava assim:

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês…

Naqueles anos, qualquer aglomeração era vista com desconfiança, mas o cortejo comandado por Raul Seixas e seu parceiro Paulo Coelho – ele mesmo, o alquimista – não foi incomodado. Apesar da letra fazer uma demolidora crítica à classe média, a intenção estava longe de ser política. Raul desejava promover aquele que é hoje um clássico do rock brasileiro, o LP Krig-ha, bandolo!, que marcava a estreia de Raul em carreira-solo. A canção que ele cantava, Ouro de Tolo, já era conhecida por ter sido lançada meses antes em compacto simples. O disco marcou época e trazia outros clássicos como Mosca na Sopa, Metamorfose Ambulante e Al Capone.

A passeata tem um ar modesto de coisa de última hora, mas a impressão é falsa. Não houve improviso. As autoridades foram avisadas do que ocorreria, assim como a imprensa, que aguardava o artista a fim de fazer a cobertura. Por trás do ato público, estava a todo-poderosa gravadora Philips, que mantinha contratos com todos os grandes artistas nacionais com a exceção de Roberto Carlos, sempre fiel a outra multinacional, a CBS, a gravadora dos artistas ditos de segunda linha, com nomes ligados à Jovem Guarda como Jerry Adriani, Wanderléa, etc.

A capa de Krig-ha, bandolo!

Krig-ha, bandolo! era um disco de estreia, mas estava longe ser um trabalho de um inexperiente. Raul Seixas (1945-1989) já era um homem do meio e não apenas como músico. Na década de 60, o grupo Raulzito e os Panteras acompanhava os artistas da Jovem Guarda em suas excursões por Salvador. Depois, a partir de 1970, Raul Seixas tornou-se um importante produtor e compositor para os artistas populares da CBS. Porém, após gravar um disco com Sérgio Sampaio, Miriam Batucada e Eddy Star, recebeu um ultimato da CBS. Deveria escolher entre a carreira de produtor ou de cantor. Raul não gostou da pressão e cedeu aos convites da Philips, na pessoa de Roberto Menescal.

Ele chegou à nova empresa como um respeitado produtor e compositor vindo da concorrência. Como tal, foi-lhe dada total liberdade para criar seu primeiro disco. E desta liberdade nasceu Krig-ha, bandolo! E tome liberdade! O estranho título veio de um gibi do Tarzan, a foto da capa ignorava o padrão da bela foto posada, a faixa de abertura trazia Raul cantando rock aos 9 anos de idade, aos berros e desafinado, e as canções traziam uma curiosa receita que misturava baladas, rock, súbitas mudanças de ritmos, humor e sarcasmo.

Logo após a abertura, com o menino Raul Seixas esforçando-se para cantar Good Rockin` Tonight, vêm duas canções que se tornaram sucessos e clássicos instantâneos: o meio rock, meio ponto de macumba Mosca na Sopa e o hino Metamorfose Ambulante.

Hoje, com a celebridade de Paulo Coelho como escritor, o público costuma atribuir a ele todas as letras das músicas de Raul. Mas as letras mais significativas de Krig-ha, bandolo! foram escritas pelo próprio Raul Seixas, casos de Ouro de ToloMosca na Sopa e Metamorfose Ambulante. Das principais canções do disco, apenas Al Capone tem a parceria de Coelho, cuja letra termina com uma afirmação pessoal e levemente estranha. Coisas do mago:

Eu sou astrólogo 
Eu sou astrólogo 
Vocês precisam acreditar em mim 
Eu sou astrólogo 
Eu sou astrólogo
E conheço a história do princípio ao fim. 

A repercussão de Krig-ha, bandolo! foi imensa. Há poucos anos, a revista Rolling Stone elegeu os Cem Maiores Discos da Música Brasileira e lá estava ele em 12º lugar. Rapidamente, Raul Seixas se tornou uma estrela nacional e a imprensa e os fãs da época foram conhecendo um outro lado do cantor e compositor. No ano seguinte, ele e Paulo Coelho criaram a Sociedade Alternativa, uma entidade baseada nos ensinamentos do bruxo inglês Aleister Crowley, onde a principal lei é “Faze o que tu queres, há de ser tudo da Lei”. Em todos os seus shows, Raul divulgava a Sociedade. A ditadura militar desconfiou e a dupla foi presa pelo DOPS, pensando que a tal Sociedade Alternativa fosse um movimento contra o governo.

O disco foi gravado nos estúdios da Philips no Rio de Janeiro e contou com produção musical e direção artística do próprio Raul Seixas e de Marco Mazzola. Sua duração é de apenas 29 minutos, mas que 29 minutos!

Ficha técnica de Krig-Ha, Bandolo!

Gravadora: Philips (hoje Universal Music)
Gravado em 1973, no Rio de Janeiro
Produção de Marco Mazzola e Raul Seixas
Duração: 28’56″

Músicas:

1. “Good rockin’ tonight” (introdução) [Roy Brown]
2. “Mosca na Sopa” (Raul Seixas)
3. “Metamorfose Ambulante” (Raul Seixas)
4. “Dentadura Postiça” (Raul Seixas)
5. “As Minas do Rei Salomão” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
6. “A Hora do Trem Passar” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
7. “Al Capone” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
8. “How Could I Know” (Raul Seixas)
9. “Rockixe” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
10. “Cachorro Urubu” (Raul Seixas/Paulo Coelho)
11. “Ouro de Tolo” (Raul Seixas)