Vai para o trono ou não vai?

Publicado em 30 de junho de 2012 no Sul21

O Velho Guerreiro em ação num de seus programas

José Abelardo Barbosa de Medeiros, o Chacrinha, deixou de balançar a pança em 30 de junho de 1988, após anos comandando a massa e dando as ordens no terreiro dos anos 50 aos 80. Mas certamente o terreiro de Chacrinha era bem menos organizado que os de umbamba. Porém, antes de avançar, talvez seja melhor começar fazendo a apresentação do Velho Guerreiro aos jovens. Chacrinha foi um famoso apresentador de programas de auditório. Eram basicamente de programas de calouros. O candidato a cantor se inscrevia e ia ao programa mostrar seu potencial. Se cantasse bem era aplaudido e até poderia voltar e ficar famoso e fazer carreira; se cantasse mal, o apresentador acionava uma buzina e interrompia o cantor ou cantora, que era simplesmente defenestrado e às vezes humilhado. Isto seria impossível nos dias de hoje, haveria processos por danos morais. Quem era buzinado recebia o Troféu Abacaxi, o qual consistia num abacaxi.

Durante seus programas, Chacrinha vestia-se como o mais estranho dos palhaços — algo efetivamente esdrúxulo — e não parava um segundo de caminhar. Ignorava os câmaras que o perseguiam em um palco com mulheres dançando sem muita sincronia, pessoas que simplesmente estavam por ali e técnicos. Pessoas passavam na frente da câmara e Chacrinha os afastava como podia. Seus programas eram uma zona. Quando não sabia o que dizer, largava seus bordões. Chamava “Teresinhááááááá”, afirmava que “Quem não se comunica se trumbica” e, quando acusado de copiar ideias de outros apresentadores, dizia que “Na televisão nada se cria, tudo se copia”.

Com Raul Seixas nos camarins de “A Buzina do Chacrinha”

Chacrinha revelou nomes como Roberto Carlos, Wando, Agnaldo Timóteo, Odair José, Nelson Ned e Raul Seixas, o que é um verdadeiro milagre quando se vê filmes onde o apresentador simplesmente seguia falando durante as apresentações. Quando o calouro chegava, ouvia a primeira pergunta – “Como vai, vai bem? Veio a pé ou veio de trem?”. Quando era bom, às vezes era colocado num trono. O que decidia eram os aplausos e os gritos do auditório após mais um bordão berrado por Chacrinha em voz forte e muito rouca: “Vai para o trono ou não vai?”. E, quando se confundia com as atrações do programa ou com o horário dos comerciais dizia outro de seus célebres bordões: “Eu vim para confundir, não para explicar!”. Nada mais verdadeiro.

Seus programas eram “A Buzina do Chacrinha” e “A Discoteca do Chacrinha”. A “Buzina” era para calouros e a “Discoteca” apresentava os sucessos musicais do momento. Depois ficou complicado identificar um e outro e eles acabaram fundidos em um só: “O Cassino do Chacrinha”.

Elke Maravilha pontificando como jurada

Também havia a figura dos jurados, os quais destilavam seus estilos e teses no programa. Na verdade, faziam personagens, tipos que auxiliavam o clima de farsa e carnaval perpétuos: Carlos Imperial fazia o cafajeste; Aracy de Almeida utilizava seu real conhecimento musical para avaliar calouros e dizer absurdos; havia também o travesti Rogéria – uma novidade para a época (não o travesti, mas a aparição na TV) – ; mais Elke Maravilha, espécie de Chacrinha de saias; e o mal humorado bastião da moral: Pedro de Lara. Os jurados eram vaiados pela plateia enlouquecida quando descascava os calouros, enquanto os que estavam na primeira fila esfregavam o cabelo dele com as mãos. Outro elemento fundamental dos programas eram as Chacretes, as dançarinas. No início eram conhecidas como as Vitaminas da Chacrinha e faziam coreografias bastante simples. Recebiam nomes exóticos como o da mais famosa delas, Rita Cadillac. Também havia a Índia Amazonense, a Fernanda Terremoto e a Suely Pingo de Ouro, dentre outras.

Em pose especial com suas Chacretes

Certo dia, quando o bacalhau encalhou nas Casas da Banha, patrocinadora de seu programa na TV Tupi, Chacrinha reverteu a situação facilmente. Durante um programa, por vezes virava-se de surpresa para o auditório com postas de bacalhau na mão: “Vocês querem bacalhau?”, e atirava o peixe para o auditório, onde a plateia disputava a tapa o produto. No dia seguinte, faltou bacalhau nas Casas da Banha. Deviam ter previsto. Chacrinha passou a distribuir bacalhau em seus programas, claro.

E o playback rolava enquanto cantores os distribuíam beijos em mulheres da platéia — magicamente seguiam cantando — e os “jurados” conversavam com o microfone ligado. Tudo assumidamente kitsch.

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Anos 50: recebendo um prêmio, com Cely Campello

Chacrinha nasceu em 1917 em Pernambuco, na pequena Surubim. Aos 17 anos, foi estudar no Recife. Começou a cursar faculdade de Medicina em 1936, aos 19 anos, e em 1937 teve o seu primeiro contato com o rádio na rádio Clube de Pernambuco ao dar uma palestra sobre alcoolismo. Era percussionista do grupo Bando Acadêmico e, aos 21 anos, viajou como músico no navio Bagé rumo à Alemanha. Porém, naquele exato dia estourou a Segunda Guerra Mundial e o jovem Abelardo acabou desembarcando no Rio de Janeiro com seu grupo. Foi tocar no rádio e acabou como sendo aceito como locutor na Rádio Tupi. Em 1943, criou na Rádio Fluminense um programa de músicas de Carnaval chamado Rei Momo na Chacrinha. Fez enorme sucesso a passou a chamado de Abelardo “Chacrinha” Barbosa. Nos anos 50, comandaria o Cassino do Chacrinha, ainda no rádio, no qual lançou vários sucessos da música brasileira, como Estúpido Cupido, de Celly Campelo, e Coração de Luto, de Teixeirinha. No programa, inauguro o estilo de misturar tudo a ruídos e conversas, como se estivesse no meio de uma festa.

As Chacretes nos anos 60: discrição das Vitaminas do Chacrinha

Em 1956, estreou na televisão com o programa Rancho Alegre, na TV Tupi, na qual começou a fazer também a Discoteca do Chacrinha. Em seguida foi para a TV Rio e, em 1970, foi contratado pela Rede Globo. Chegou a fazer dois programas semanais: os citados Buzina do Chacrinha — com seus abacaxis e “Vai para o trono ou não vai? — e Discoteca do Chacrinha, de lançamentos. Chacrinha foi fundamental para consolidar a audiência da Globo junto às classes mais baixas da população. Quando a Globo adotou o glamour como padrão, a assepsia de suas produções acabou por expulsar Chacrinha. Ele foi para a Tupi e depois para a Bandeirantes — sempre com seu público. Retornou à Globo em 1982, onde ocorreu a fusão de seus dois programas num só, apresentado aos sábados à tarde.

Coroando o Rei

Quem vê um programa do Chacrinha hoje, deverá chegar à conclusão de que se tratava de um comunicador e humorista absolutamente sensacionais. Porém, o espectador tiver tempo de ligar seu senso crítico, verá também um apresentador de humor cáustico que ria de tudo, mas principalmente do público que o adorava. Tudo bem, era um caso de amor. Porém, por incrível que pareça, mesmo o apresentador de um programa tão apolítico e non-sense foi incomodado pela censura. O conteúdo desta carta, escrita por Chacrinha em 1980, revela alguma coisa: “Já há um ano, a Censura de São Paulo vem tratando os meus dois programas de TV, Buzina Discoteca do Chacrinha, com arbitrariedades censórias para as quais não encontro explicações razoáveis. Essas arbitrariedades começaram de certa feita, quando um censor paulista ligou para os estúdios reclamando das roupas das chacretes e de algumas tomadas de detalhes anatômicos.”  O destinatário da mensagem era o presidente do Conselho Superior de Censura (CSC), Octaciano Nogueira.

Coamandando a massa já no final da carreira

“Comandando a massa” em plena ditadura militar, Chacrinha ocupava uma posição curiosa no cenário político da época. A esquerda o acusava de promover a “alienação do povo”. Por outro lado, era vigiado pelos censores do mesmo regime, que o perseguiam não somente em razão das chacretes como pelas piadas “imorais e de duplo sentido”. (Outra de suas frases: “A melhor lua pra se plantar mandioca é a lua-de-mel”). Ou seja, para os militares, Chacrinha era suspeito por promover pornografia e atentar contra a moral; para a esquerda, promovia um entretenimento de massa que em nada contribuía para mudar a situação política do país.

Porém, o fato é que antes da ditadura, Chacrinha atirava bacalhau para a platéia, tocava a buzina para os calouros e provocava os jurados. Durante a ditadura, ele passou a atirar bacalhau para a platéia, a tocar a buzina para os calouros e a provocar os jurados.

Em outubro de 1987 recebeu título de “doutor honoris causa” da Faculdade da Cidade, no Rio.

Seu aniversário de 70 anos foi comemorado em setembro de 1987 com um jantar oferecido em sua homenagem pelo então Presidente da República, José Sarney.

Quando o programa acabava, dizia com ar sério: “Graças a Deus o programa acabou”.

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Selecionamos vídeos de alguns artistas nos programas do Chacrinha. A variação de estilos era intensa:

O clima geral desde a abertura do programa.

http://youtu.be/qNyxA2InL6g

Com Wando…

Gretchen…

Raul Seixas…

E Gilberto Gil cantando Aquele Abraço.