Relendo uma longa entrevista de László Krasznahorkai que até traduzi com a ajuda do Google (não sou tradutor, nem venham), notei não apenas a forte presença da música em sua vida — foi pianista de jazz, cantor de rock e é hoje um devoto do barroco, além de inimigo do romantismo –, como a influência da mesma em sua escrita.
Ele diz que escreve mentalmente muitas páginas até passá-las para o computador. Mas são muitas páginas mesmo, umas 30. Quando elas formam uma espécie de música, ele resolve se valem a pena. OK, é o jeito dele. A estrutura de Sátántangó é semelhante à do Cânon Caranguejo utilizado por Bach na Oferenda Musical. Isso sou eu quem está dizendo, não Lázsló.
Thomas Mann era um sujeito que poderia ter sido músico. Conhecia teoria musical como poucos e seus livros são como obras de Brahms ou Franck. Me parabenizei quando soube da admiração de Mann por ambos. Quem leu A Montanha Mágica deve lembrar de que alguém no sanatório chama a música de “politicamente suspeita”. Deve ter sido Settembrini, claro. O método de escrita de Mann era o de uma ou duas páginas por dia que eram relidas no dia seguinte antes de chegarem as uma ou duas do novo dia, jamais três.
Escrevo isso para expor minha total admiração pelos escritores-músicos. Dificilmente deixo de gostar de alguém que ama a música. Ian McEwan é membro importante deste time. Ele sempre fala naquele que considero o melhor lugar do mundo, o Wigmore Hall. No site do Wigmore há um poema de McEwan falando da sala.
(Certa vez, eu estava na fila de entrada do Wigmore, quando as pessoas começaram a olhar discretamente para mim. Depois de passar a mão no rosto, tratei de revisar minha roupa para ver se não havia algo de muito errado nela. Durante a revisão, me virei pra trás e vi que McEwan estava bem atrás de mim. Eu disse apenas “Sorry”, a palavra que os ingleses mais falam).
Não esqueçam que Mário de Andrade era musicólogo, que Machado sempre falava em música e a família Verissimo pai, filho e neto eram/são tarados por música. Enfim, são muitos os exemplos que me ocorrem. Por que larguei de ler Boris Vian?
Claro que na minha posição de livreiro só falo mal de escritores bem mortos, dos vivos só falo bem ou me calo. A suscetibilidade da raça é algo tão veemente que me dá medo. Mas sabem, em quase todo escritor que gosto acabo descobrindo música. Isso se dá quando Gustavo Melo Czekster escreve um romance sobre a du Pré, quando vejo o José Falero com um cavaquinho, quando descubro que Thomas Bernhard poderia ter sido um grande cantor lírico mas que uma doença o impediu, etc.
Sabem o que me fez pensar em todas essas coisas acima, antes mesmo de revisar a entrevista do László? O livro “A música na obra de Erico Verissimo — polifonia, crítica social e humanismo”, de Gérson Werlang, que, dizem, receberá uma espécie de relançamento aqui na Livraria Bamboletras, no dia 17 de dezembro, dia dos 120 anos de nascimento do Erico.































