1971. No início de Mulheres Divinas, uma série de cenas mostram a efervescência daquela época. Correrias, ruas conflagradas, bombas, manifestações, gritos, cabelos longos, Woodstock, surgimento dos Panteras Negras, protestos estudantis, revolução sexual, feminismo. Corta. Então somos levados a uma aldeia no interior da Suíça. É o mesmo ano, mas ali parece que ninguém sabe de nada. Tudo está silencioso. Uma dona de casa aspira tranquilamente o tapete da sala de sua residência. Dois pés masculinos se erguem automaticamente para que o aspirador passe. O homem lê seu jornal.
Ali vive Nora — seu nome não deve ser uma casualidade, lembrem-se de Casa de Bonecas, de Ibsen — com seu marido, dois filhos e o sogro. Ela pensa em trabalhar fora, mas o marido proíbe. Ele pode proibi-la, a lei permite. Ao mesmo tempo, aproxima-se a data de um referendo onde será decidido se as mulheres devem ou não ter direito ao voto. Só os homens votam, claro. E Nora, de forma inusitada, torna-se a líder feminista do local. Uma líder insegura e sem jeito para a coisa.
Mulheres Divinas não é lá muito profundo e muitos personagens parecem ter saído de um manual, mas o filme de Petra Biondina Volpe tira sua força do grupo de atrizes, da fluidez narrativa e do fato de partir de histórias pessoais bem comuns e, infelizmente, ainda existentes. A viagem das militantes a Zurique, onde participam de manifestações e de um curso para descobrir o próprio corpo são excelentes e repercutem no restante do filme. A parte final é previsível, mas a gente torce para que aquilo mesmo ocorra.
A tradução do título no Brasil não poderia ser mais estúpida. De A Ordem Divina tornou-se Mulheres Divinas. É que muitos homens invocam deus para que tudo permaneça como está. OK.
Este é um documentário fundamental para qualquer cinéfilo. Lumière! A aventura começatraz uma montagem comentada de 108 dos 1422 filmes que constituem o legado de Louis e Auguste Lumière. Alguns são realmente deslumbrantes, agora restaurados em 4k.
O primeiro filme dos Irmãos Lumière mostra a multidão de operários saindo da fábrica da família em 1895. Todos fingem — ou tentam fingir — que não veem a câmera. Este primeiro filme chegou dizendo de cara que o cinema servia para mostrar quem somos. E desde então os filmes vêm conversando com a gente. Eles falam conosco em salas escuras e contam nossa história.
É curioso que os Lumière tenham inventado tudo: a técnica de como registrar movimentos em filme, a arte cinematográfica e a sala de cinema. Foram os inventores do cinema e os primeiros cineastas. E dos bons. Foram também os primeiros a apresentarem um filme numa sala escura e os primeiros a cobrarem ingresso (1 franco).
Com tom professoral, o documentário de Frémaux esmiúça tudo sem se tornar chato, pelo contrário. As composições das cenas, os travellings, o cinema de ficção, o documentário, a comédia, o remake. Muita coisa já está ali. Cada filme tem 50 segundos — era o que cabia nas películas da época — e a câmera ficava parada no chão ou dentro de um carro ou trem em movimento.
E eles fizeram experiências, experiências, experiências e descobertas. Eram técnicos e artistas. Há filmes realmente lindos, outros são antecipatórios. Os irmãos Lumière e sua equipe vão concebendo e entendendo algumas funções narrativas presentes até hoje.
A coisa é fascinante para quem gosta de cinema.
Cena de “A Aldeia de Namo” (Vietname), dos Irmãos Lumière
Pois é, Renato! Não deu! A gente sabia que era extremamente difícil. E entramos em campo pensando isso mesmo, sabendo que o impossível precisava acontecer para sermos campeões mundiais pela segunda vez. Sou um gremista apaixonado, mas sou bastante realista.
Kannemann foi uma das grandes afirmações gremistas | gremio.net
Ontem lembrei no meu Facebook que, nas oito primeiras participações no Mundial de Clubes, apenas duas equipes bateram o Real Madrid: o lendário Peñarol de 1966 e o fantástico Boca Juniors de 2000. É a filosofia do clube Merengue: vencer sempre, ganhar tudo que for possível. Era um pentacampeão mundial que enfrentávamos.
De fato, Renato, muitos têm dito que o Grêmio poderia ter ousado mais, arriscado mais. Talvez nessa postura estivesse a nossa chance, mas acredito que nela teria espaço para a goleada que não levamos. A nossa estratégia foi pensada para fazer o que todo clube sul-americano tem feito para tentar ganhar de um europeu: jogar por uma bola.
Desde a década de 90, começou-se a perceber a dificuldade que a diferença de orçamento impunha em campo (quando você Gareth Bale saindo do banco, fica evidente como o mundo é desigual). Isso tudo se acentuou ao longo dos anos seguintes, claro. Mas tem algo que piorou bastante na era pós-Guardiola.
Não só porque o técnico catalão revolucionou o mundo da bola, a ponto de todos correrem atrás dos europeus mais uma vez. É que os anos 2010 têm sido o retrato dessa desigualdade, como se vê a cada edição do Mundial de Clubes, demandando cada vez mais recursos para começar a pensar em montar um time vencedor.
O Corinthians campeão de 2012 foi a grande exceção. Venceu um Chelsea que ganhou a Liga dos Campeões na base de uma versão inglesa do CATENACCIO (o que não tira os méritos dos paulistas, obviamente). Mas a regra foi os sul-americanos levando uma SURRA desde o início da década. O melhor desempenho SUDACA de um não campeão nessa década foi o nosso ontem.
Evidentemente, Renato, que, como gremista, vão dizer que minha análise é enviesada. Mas o amor pelo Tricolor é parte da paixão pelo futebol que eu acompanho com afinco desde que me conheço por gente. Faz anos que venho dizendo isso tudo. Por isso não me abati com o resultado de ontem.
Claro, falemos do Grêmio. Geromel e Kannemann foram gigantescos. Que absurdo o que esses dois jogaram. Marcelo Grohe também foi muito bem. É outro que merece todas as honras. Luan, nossa referência técnica, deixou a desejar. Mesmo sendo difícil tentar articular jogadas contra um time que parece ter 18 em campo. Barrios foi decepcionante. Acho que sua carreira chegou ao fim mesmo.
Tivemos apenas uma finalização no jogo, de bola parada. Ironicamente, porque foi também numa falta que saiu o gol que nos tirou a chance do título (barreira não pode abrir, Luan e Barrios!). Mesmo sendo parado pela nossa zaga, Cristiano Ronaldo sempre aparece para mostrar porque foi o a melhor do mundo pela quinta vez neste 2017. No fim do jogo, senti falta do bom e velho CHUVEIRINHO na área, mas a verdade, Renato, é que parece que o Grêmio não tinha espaço nem para isso.
No final, fica de positivo a boa postura defensiva do time, especialmente no primeiro tempo. Para o futuro, fica a esperança de logo voltarmos ao Mundial de Clubes, em busca do Bicampeonato, mas numa realidade que nos permita olhar e ver que é possível (mesmo que com uma seleção internacional do outro lado).
De toda forma, Renato, a recente conquista do Tricampeonato da Libertadores nos deixou de sangue doce para o confronto de ontem. Por óbvio, hoje é dia de aguentar um pouco de corneta dos amigos – só observando a regra de não discutir futebol com quem equipara Kroos a Deco ou Modric a Giuly, claro (aqueles, quando muito, poderiam ser comparados a Magath ou Wuttke). Questão de bom senso intelectual.
O que importa, Renato, é que foram dois anos fantásticos, que a imensa e ensandecida Nação Tricolor só tem a te agradecer. Por favor, renova mais uns anos com a gente, que 2018 já está aí. Vem a Recopa. Tem a busca pelo hexa da Copa do Brasil. Tem o Brasileirão, que podemos levar a sério desta vez. E tem a busca pelo Tetra da América, obviamente.
Que venha o próximo ano! Que venham as próximas alegrias!
Saudações Tricolores!
E segue o baile…
https://youtu.be/hVwHEsxoJU4
(*) Advogado, palpiteiro, caxiense radicado na capital e GREMISTA de quatro costados.
Sempre fui fã de jogadores elegantes, daqueles que pareciam dominar uma bola sem esforço e seguiam a jogada com olhos abertos e cabeça erguida. Caras como Dennis Bergkamp e Juan Román Riquelme, por exemplo, sempre me encantaram, pelo ar de simplicidade que davam a uma jogada que eu jamais conseguiria realizar ao vivo (talvez nem no videogame). Em suma, sempre admirei os jogadores elegantes por ser eu próprio uma mistura de um troll e de um visigodo com a bola nos pés, dono de um jogo tão elegante quanto uma briga de rua entre bêbados.
Um voleio mágico de Zidane numa final de Champions aí.
Mas, de todos os jogadores considerados elegantes no futebol (e são muitos), nenhum me encantou tanto quanto Zinedine Yazid Zidane, a quem um dia nunca chamarei pessoalmente de Zizou, embora quisesse. Depois de vê-lo destroçar a Seleção Brasileira na final da Copa de 1998 juntamente com seus companheiros franceses, passei a acompanhar mais de perto a carreira dele, sobretudo a partir da sua ida para o Real Madrid. Embora nutrisse uma paixão já um tanto antiga pelo FC Barcelona (desde meados dos anos 1990, graças a Romário e Ronaldo, entre outros, e a minha mãe, que frequentemente viajava para um congresso internacional de hepatologia em Barcelona e me trazia lembranças blaugranas), passei a torcer pelo time merengue, mas apenas e tão-somente quando Zizou estivesse em campo.
Com o tempo, obter uma camisa do craque francês tornou-se um desejo, quase uma obsessão. Percebendo isso, minha (então) namorada (e hoje esposa), viu que eu havia me encantado com uma camisa branca do Real Madrid que havia encontrado em uma loja de material esportivo de Porto Alegre, pois ela estava estampada com o nome “Zidane” sobre o número 5 às suas costas. Era a camisa da temporada 2005-2006, que seria a última dele como jogador profissional. Ou seja, uma camisa já histórica.
Pois bem, no meu aniversário de 25 anos, fiquei feliz ao ver que o pacote era da loja em questão e que seu conteúdo era uma camisa. Ao abrir o pacote, esbocei um enorme sorriso, que ficou só no esboço quando vi que no verso da camisa não constava qualquer estampa. Ante a chocante descoberta, minha companheira disse que havia algo errado, pois ela mesma tinha pego a camisa do varal e levado para o caixa. Quando fomos à loja para trocar o item, descobrimos que o vendedor havia passado a camisa errada a ela, inclusive mais barata que a originalmente escolhida (na hora a atendente do caixa deve ter dado a entender a minha amada que o preço menor que o original seria devido a um desconto pelo pagamento à vista), e que a minha tão sonhada camiseta do Zidane já sido vendida.
Vendo minha tristeza quase infantil, com beiço e tudo, minha querida companheira perguntou se não havia outra camisa com nome e número de jogador dos Merengues para me dar. Não tinha a 7, do Raúl, capitão e ídolo maior daquela geração dos Galácticos? Talvez a 10, que já fora do Figo mas que àquela altura devia ser do Robinho? Quem sabe a 9, do Ronaldo, que também jogaria sua última temporada em Madri? Nenhuma dessas: a única que a loja tinha disponível era a de David Beckham, com o anódino número 23 às costas. Pensei que podia ser pior, podia ser a do Helguera ou, ainda mais triste, a do Gravesen.
Enfim, admirado que estava com o esforço da minha digníssima, aceitei a camisa do craque (?) inglês, que tenho até hoje, embora o branco original do seu tecido esteja hoje mais perto de um cinza, em parte devido à inadvertida e frequente decisão de lavar roupas brancas e pretas ao mesmo tempo na máquina. Sim, sou um péssimo dono de casa, quase tão ruim quanto sou jogador de futebol. Talvez até pior, devo ser algo como um Gravesen do lar.
Assim, obtive minha camisa que era para ser do Zidane mas acabou sendo do Beckham. E será com essa camisa que torcerei para o time hoje treinado por um dos meus maiores ídolos esportivos na final do Mundial de Clubes da FIFA contra o time que mais detesto na face da Terra, treinado por alguém que suporto menos ainda. Sou colorado e secador, sem vergonha nem pudor.
As estatísticas esportivas e demais dados jornalísticos frios podem desmentir o que vou escrever, mas é possível que Zizou seja o primeiro homem na história do futebol a conquistar títulos nacionais, continentais e mundiais como jogador e técnico pela mesma equipe. Só espero que ele não permita que o Renato seja o próximo dessa lista. Que ela seja, portanto, apenas o vice.
.oOo.
(*) Thomaz Santos é bacharel em Direito (UFRGS), mestre em Relações Internacionais (UnB), doutor em Direito (UFSM) e professor adjunto do curso de Relações Internacionais da UFSM.
O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas –
Essas e o que faz falta nelas eternamente;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.
Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada –
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser…
E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto…
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo. íssimo,
Cansaço…
Pois é. Tantas vezes já pensei em parar, mas sempre aparece mais um assuntinho e vou ficando. Uma vez até fiz um post anunciando o fim do blog, mas apareceu um cara comemorando… E ele me detestava tanto que resolvi responder. Então, retirei o post de despedida e estou aqui até hoje. Os blogs estão fora de moda, acho que a sobrevivência do meu deve-se ao fato de ele aceitar tudo ou, melhor dizendo, de seu dono meter a colher em tudo. Publico sobre livros, música, futebol e sempre me pedem mais cinema, coisa que eu insisto em esquecer. Ou talvez os blogs não estejam acabando, mas apenas descobrindo seu real espaço de pequena influência. Aliás, noto que a maioria dos sites — mesmo os de grandes corporações — também não apitam muito.
Tenho 765 posts sobre literatura, 628 sobre futebol, 604 sobre música, 451 sobre política, 347 Porque hoje é sábado — categoria extinta em razão das pessoas terem desaprendido, entre tantas outras coisas, a diferença entre erotismo e pornografia –, 266 besteróis, 251 resenhas de livros, 231 sobre cinema, 171 em torno do meu umbigo, 166 crônicas, 166 crônicas familiares, 134 sobre viagens, 48 contos, etc.
O Google sempre me encontra, pois quase todos os textos são originais, ainda que sejam infelizmente meus. Só agora convidei o Samuel Sganzerla para escrever sobre o Grêmio, outro pedido de meus sete leitores. O incrível é que não o conheço pessoalmente.
O blog também me gerou dois processos. O primeiro foi movido por Letícia Wierzchowski contra uma crítica minha. Ela tinha razão, eu cometera uma cavalice. Pedi desculpas, retirei a coisa, ela retirou o processo e tudo acabou em civilidade. Não me orgulho do episódio. Mas me orgulho do processo de Mônica Leal contra mim. É uma medalha, uma demarcação de oposição. E mais não digo para ela não repetir a dose.
Só que o blog me proporcionou conhecer muita gente boa e legal. Todos os sete são.
Como estamos todos aí nos Emirados? Aqui em Porto Alegre (e em toda América do Sul), ontem estivemos todos em transe, aguardando o momento derradeiro que nos permitiu sorrir e achar que, sim, ainda vamos acabar com o Planeta! O Coração Tricolor é muito forte, Renato! Teste após teste, ele resiste firmemente, quando muito se socorrendo do desfibrilador da LOUCURA LUDOPÉDICA. Não foi diferente ontem!
Foto: gremio.net
O jogo ontem, contra o Pachuca, foi de grande tensão. Pairava no ar aquele clima de OBRIGAÇÃO que se criou sobre os clubes sudacas, especialmente os brasileiros, desde que o coirmão e o Galo sucumbiram na semifinal do atual formato do Mundial de Clubes. Em verdade, é a dignidade do futebol sul-americano que entra em jogo: quem ainda tem a pretensão de fazer frente ao multimilionário e poderoso futebol europeu necessita prevalecer sobre os demais.
O problema, Renato, é deixar a pretensão se confundir com a arrogância. Porque, como eu disse no outro dia, histórico não entra em campo. Felizmente, não foi o nosso caso ontem. Mesmo diante de tantas dificuldades contra um adversário que, no último sábado, aparentou (enganosamente) ser mais fraco do que se apresentou ontem, a ansiedade não virou desespero e a aflição não se abateu a ponto de virar tragédia.
Tivemos problemas no meio campo, nitidamente sentidos na ausência do Rei Arthur. Os mexicanos detiveram maior posse de bola, que, diante de uma boa postura de nosso sistema defensivo, não se converteu em volume de jogo. Cabe destacar a boa atuação da nossa sempre valorosa dupla de zaga. Mas o elogio especial vai mesmo para Bruno Cortez, salvando o time em duas ocasiões, com botes precisos como um CÃO DE GUARDA abocanhando um naco de vazio mal passado.
Luan, mesmo muito marcado e com o homem do apito deixando Hernandez lhe surrar à vontade, aparecia bem na articulação. Foi dele o chute que quase abriu o placar, não fosse a defesa de Perez (o arqueiro com porte de jogador de fim de semana e vasta experiência), que ainda permitiu a bola triscasse a trave. Barrios apagado deu lugar a Jael, o centroavante que revoluciona o jogo mesmo sem fazer gol (foi um elogio, OK!?). Mesmo com a melhora e com o domínio da partida, persistiu a igualdade e fomos para a prorrogação.
Eis que Everton Cebolinha, o TALISMÃ TRICOLOR, encarnou o seu melhor espírito para infernizar a defesa mexicana e soltar um petardo no canto oposto da meta mexicana. Claro, um tento logo no início da prorrogação era apenas a confirmação do bom presságio que se desenhará sempre que, numa partida do Mundial, o nosso camisa 7 sentir cãimbra nas pernas aos 45 do segundo tempo. Sabes de quem falo, né, Renato?!
Enfim, foi o grito de gol desengasgado, a alegria de uma tarde de terça-feira fugaz, que seria só mais um dia banal se não fosse o Grêmio. Desenhou-se ali a nossa vitória, e depois tudo foi alívio e festa. Estamos na final, mantendo vivo o sonho de atingir o topo do mundo novamente. Acompanharemos hoje a definição do nosso adversário, na partida em que o time do país-sede recebe o famigerado campeão europeu.
Evidentemente, a lógica nos obriga a afirmar que o Real Madrid já é nosso adversário (mesmo que, no futebol, a lógica às vezes passe fome). E, contra os Merengues, não temos nada a perder. Agora, o favoritismo, convenhamos, é todo deles. Até os quero-queros que voam sobre o crescido gramado do saudoso estádio Olímpico sabem disso. O que vier para nós será lucro. Lembremos que, daquele lado, está o maior clube da história do futebol (por méritos ou por razões escusas, como tanto acusam).
O Real É o maior vencedor do Mundial de Clubes, com cinco títulos. O maior campeão da Liga dos Campeões da UEFA, sendo também o único clube a ter vencido duas edições seguidas nas últimas três décadas. Chega com o time completo, recheado de jogadores que são titulares absolutos em suas seleções. A estrela do time já escreveu seu nome no rol dos grandes jogadores da história – e não apenas acaba de vencer sua quinta Bola de Ouro, como é um atleta ambicioso, sempre obcecado com a vitória, com quebrar recordes e marcas pessoais.
Com certeza, não é nada fácil. Como nunca foi para nós! Este será o maior desafio da gloriosa história de 114 anos do Imortal. Mas eu repito: não temos nada a perder. Se a realidade é dura, que nos alimentemos de sonhos e de loucura. É assim que vivemos desde sempre, foi graças a esse delírio apaixonado pelas três cores que chegamos tão longe. E a inspiração, Renato, pode ser numa tarde em Tóquio da qual tu lembras muito bem,
Como tu sabes, Renato, eu sou gremista desde a tenra infância. Desde que me conheço por gente, já ouvia dizer: “o Grêmio é Campeão do Mundo”. A vitória sobre o Hamburgo ocorrera em 11 de dezembro de 1983, quase quatro anos antes de eu nascer, é verdade. Devido aos canais de televisão a cabo, lembro quando vi pela primeira vez um compacto com imagens raras do jogo. Depois veio a era da internet, de modo que a tecnologia me permite rever a partida completa do meu celular agora, se eu quiser.
Graças a isso, acho que já assisti ao jogo inteiro do Mundial de 83 umas seis ou sete vezes. E sabe o que é sentimento de torcedor gremista mesmo, Renato? É que eu sei desde desde sempre qual o placar final daquela partida… Mas toda vez que o Magath levanta a bola na área, e o Jakobs a escora para o Schröder empatar, aos 40 do segundo tempo, eu fico nervoso. E sempre que tu fazes aquele golaço na prorrogação, deixando o mesmo Jakobs na saudade e batendo no contrapé do Stein, uma lágrima escorre.
Esse sentimento é o que define o Grêmio: ele é intenso, vibrante, eterna e constantemente apaixonante. Ele é Imortal!
Vai lá, Homem-Gol! Digo e repito: nada temos a perder contra o Real Madrid! Quando os fatos são improváveis, lembremos que nós somos feitos de batalhas heroicas e feitos inacreditáveis! Se a vida é dura, sonhar não custa nada!
É inacreditável que meu pai tenha morrido já há 24 anos. Tanta coisa aconteceu desde 11 de dezembro de 1993 que é quase um abuso de fantasia querer contar-lhe tudo o que houve. Sua mulher, minha mãe, foi embora em 2012. Ele teve uma primeira e última neta em 1994 — e ela foi “decidida” em razão de sua morte. Ele queria uma neta, me disse uma vez, depois de já ter dois meninos. Meu filho — o outro neto é filho de minha irmã — é fotógrafo e meu pai gostava tanto de tirar fotos que enchia todo mundo com isso. Temos fotos muito legais da família, mas ele aparece em poucas; afinal, ele era o fotógrafo. Seu Inter não ganhou nada em âmbito nacional, mas ganhou duas Libertadores e um Mundial. O Hipódromo do Cristal, local muito frequentado por ele, é hoje um lugar melancólico, quase fechado e falido, creio. Meu pai gostava muito de novidades tecnológicas, mas por alguma razão não o imagino com um perfil no Facebook. Talvez no Twitter. Mas certamente usaria o WhatsApp para economizar. E ele não amaria apenas seus netos — talvez convencesse a Bárbara a seguir na equitação, pois seu amor aos cavalos era algo muito grande, quase ruinoso –, mas também a Elena, porque era um dentista que sonhava ter sido médico ou músico. Imagino facilmente meu pai feliz com o TCC da neta e com o curso do neto na Alemanha. E me divirto criando diálogos dele com a Elena, discutindo violinistas. Aposto que ele ficaria sempre defendendo seus Accardo, Menuhin e Ferras. E ficariam trocando elogios para Grumiaux e Heifetz. Eu? Eu fico em alerta porque daqui seis anos terei 66, a idade em que ele morreu.
Meu pai Milton, minha irmã Iracema, eu e minha mãe Maria Luiza num dia qualquer do fim do século XX.
Vou salvar aqui algumas postagens que fiz no Facebook e que lá se perdem. Não pelo brilhantismo de minha abordagem, mas pelo comentários dos amigos. Vou começar por esta. Eu escrevi:
Elena indignada porque Paul McCartney repete 17 vezes a mesma nota no início de Another Day e a canção… É irresistível.
Paulo Moreira Não explicaste pra ela que a música pop do ocidente é assim?? E que fomos criados ouvindo estas canções horríveis, limitadas e irresistivelmente grudantes? E que por isso é música pop?
Zeca AzevedoMúsica popular é assim mesmo.
Marko A Costa Caboclo Miles Davis manda relembrar q menos é mais.
Caetano W. Galindo Pera lá…. Neguinho tá vendo “simplicidade” nisso? Bom, primeiro que essa moda de repetir uma nota só na melodia de uma canção quem começou foi dom Beethoven… Segundo que, olha a letra: a repetição vem bem na parte que fala de MONOTONIA! O cabra sabe o que tá fazendo… É que nem “My Love”, que começa com “AND when I go away”…. no meio de uma frase, e faz a harmonia começar toda no meio do caminho, num Bb que “resolve” num Am, mas que no fundo só vai fechar em F lá no refrão…. O cara sabe MUITO.
Milton RibeiroElena completa: “Nada simples. São 17 notas iguais dentro de algumas harmonias diferentes, alta competência”. Eu, Milton, tb acho. Se fosse simples, eu inventaria canções facilmente.
Marko A Costa E não confundam simples com fácil ou mesmo com simplório. Pra se atingir o simples, não raro é necessário, experiência à parte, um trabalho do cão, qdo se consegue…
Caetano W. Galindo Milton Ribeiro e, só de bônus (hoje fui reouvir a música no passeio do cachorro) e no fim, quando a coisa da rotina está superada pelo desenvolvimento todo, ele harmoniza o vocal com outra linha melódica em cima das notas repetidas… enfim… pérolas.
Caetano W. Galindo E, bem claro, não imaginei que a própria Elena estivesse vendo simplicidade, ok? É que vi uns comentários meio estranhos no post. A primeira-dama é profissional! e não há como se enganar num caso desses!
Marko A Costa Não é o caso da Elena, evidentemente que além de tudo (e bota Tudo nisso ?), tem bom humor; mas Galindo, sem nem entrar em discussão artística, o que tem de profissional no meio musical que ouve mas não escuta, é de pasmar ?
Foi um choque iniciar e leitura de A noite da espera logo após ler Oblómov. Foi como cair num pântano após quilômetros de caminhada tranquila. O livro simplesmente não me envolveu e eu esperava muito dele. Imaginem que cheguei a dá-lo de presente a um amigo, na certeza de que era um excelente romance. Não é. E tinha tudo para eu gostar: era um romance escrito por um grande autor sobre a geração que esteve na universidade durante a ditadura militar nos anos 70, a minha geração. Tive vontade de abandoná-lo, mas fui até o fim. Logo de cara vê-se uma estrutura frouxa, como um tênis desamarrado. Fiquei esperando por alguma virada, mas nada aconteceu. Não tem boa trama, o conflito é contra algo que não se vê e que não parece perigoso ou incompreensível, o cenário é pintado com superficialidade, enfim, dá vontade de largar. O protagonista e narrador da história é desinteressante. Burro, até diria. Perdido na cidade, mudando de moradia a toda hora e, incrivelmente, refletindo pouco sobre os fatos de sua vida — a separação dos pais, o sumiço da mãe, o pai entusiasmado com a “revolução” dos milicos, os amores — Martim vê tudo passar sem intervir e, pior, sem refletir muito. O livro vai ficando cada vez mais difícil de entender em razão de sua superficialidade e péssima construção. Eu, como leitor, tive que anotar o nome dos personagens e como eles se relacionam, pois todos falam e agem igualmente, sem a menor distinção. São chatos nos dois sentidos. Todos dizem insignificâncias. A política também não é muito tocada. Só se sabe que há censura, perigo e corrupção. Bem, não é uma novidade. E onde ficou a trama, o romance, a tensão, a reflexão, a humanidade? Oblómov tinha setecentas páginas e este romance tem duzentas e poucas, só que muito mais longas. Um saco.
Não recomendo. E, digo-lhes, meus sete leitores, este é o primeiro volume de uma trilogia… Tô fora.
Há coisas, Renato, que é difícil de se colocar em palavras. Faltando cerca de 72 horas para entrarmos nos campos árabes, há uma imensidão de gremistas deste lado do planeta que ainda não sabe muito bem como se sentir em relação à estreia iminente no Mundial de Clubes. A embriaguez do Tri ainda é o único remédio possível para a angústia dos que fogem de quaisquer projeções.
Agora há pouco foi definido nosso adversário na semifinal. O Pachuca derrotou o Wydad Casablanca. Um jogo feio, que fez todos os comentaristas nos cravarem como grandes favoritos – e os secadores saírem se vacinando de CORNETA PREVENTIVA. Deixe que digam, que pensem, que falem.
Nós gremistas sabemos que não tem jogo jogado. Analisando friamente e racionalmente falando, poderíamos dizer que temos a obrigação de ganhar terça. Mas futebol não seria o esporte mais popular do mundo se não fosse o palco perfeito para tragédias e glórias inesperadas.
Aprendemos a olhar com cautela para esse jogo que precede a grande decisão do Mundial com nosso próprio coirmão (da melhor forma, diga-se). A histórica superioridade Europa/América do Sul no mundo da bola não entra em campo sozinha – e erros evidentes estão aí para não serem repetidos. Espero que os mexicanos estejam sendo muito bem estudados e que os jogadores estejam focados no treino neste momento.
Para ser bem sincero, Renato, não sei o que pensar ainda do destino que o calendário da CONMEBOL deste ano nos traçou. Otimistas, por um lado, falam no lado positivo do intervalo curto: o time preservado, encaixado, em ritmo de jogo. “Se tivesse meio ano pela frente, perderíamos metade dos jogadores”, afirmam.
Não lhes tiro a razão. Apenas gostaria de passar mais umas semanas me regozijando em loucura, alento, trago e amizade. Dez dias depois da glória libertadora e já estamos nos preocupando com o próximo desafio. Faz parte, claro! Ser gremista e não ser ambicioso é uma incoerência, um paradoxo existencial.
De toda forma, Renato, como não consegui ir ao aeroporto durante a semana, vim te desejar boa sorte. A ti e a todos os jogadores. Que estejam ENDIABRADOS como estiveram em Lanús. Que os deuses da bola estejam sorrindo novamente para nós.
Pode haver meio mundo de distância entre nós que não pudemos ou não conseguimos embarcar para os Emirados Árabes e vocês, mas estaremos todos nas milhares de vozes que estarão nas arquibancadas do Hazza Bin Zayed. Porque é como Nigri e Lupi imortalizaram: com o Grêmio, onde o Grêmio estiver.
Um amigo meu que não via há tempo me contou uma história sobrenatural. Ele viu uma mulher na rua, objetificou-a severamente por alguns dias, reencontrou-a, apresentou-se quando ela meio que sorriu pra ele, ela soube de tudo, fizeram sexo consensual e estão juntos há dez meses, felizes. Achei incrível a história. A natureza humana é muito surpreendente.
.oOo.
.oOo.
Marchezan diz que a cidade está um caos.
.oOo.
Vou dar um tiro nessa veia…
.oOo.
Pensei muitas vezes que um bom escritor é o contrário de um bom político. Um bom político é aquele que enfrenta um problema complexo, reduz esse problema às suas linhas essenciais e o resolve pela via mais rápida; em contrapartida, um bom escritor é aquele que enfrenta um problema complexo e em vez de resolvê-lo, o torna ainda mais complexo e um escritor genial é aquele que cria um problema onde antes não existia nenhum. Os bons políticos simplificam a nossa vida e os ruins a complicam e complicando-a, empobrecem-na, enquanto os maus escritores simplificam a nossa vida e os bons a complicam e complicando-a, enriquecem-na: é por isso que os bons políticos costumam ser tão maus escritores e os bons escritores, tão maus políticos.
Trecho acima da conferência O Ponto Cego, de Javier Cercas, publicada na Revista Serrote 27 de novembro.
(E Bach, que pega um tema simples e o mostra de tantas formas diferentes que tu ententes que a simplicidade, simplesmente, não existe?)
.oOo.
David McLane:
.oOo.
Depois o cara não recebe o Nobel de Literatura e não sabe por quê.
.oOo.
Especialmente nos dias de hoje, não existe nenhuma razão para existir a menos que se creia possível fazer da própria vida algo decisivo. Para todos, para a humanidade. Isso exige uma certa quantidade de atrevimento. Uns poderiam chamar de ambição, outros de desfaçatez. Se tentasse explicar esse ponto de vista, decidiriam me amarrar em uma camisa-de-força imediatamente. Contudo, se você acha que as forças históricas estão mandando tudo e todos para o inferno, você pode resignadamente se juntar à procissão ou então se afastar; e se afastar, não por orgulho ou por outros motivos particulares, mas sim por admiração e amor pelos potenciais e capacidades do ser humano para os quais, sem exagero, as palavras “milagre” e “sublime” podem ser aplicadas.
(Saul Bellow, A mágoa mata mais)
.oOo.
Admirável o filme “Com Amor, Van Gogh” ou, mais corretamente, “Com Amor, Vincent”. É uma animação para adultos que envolveu a criação de 62.450 quadros a óleo para contar os dias finais da vida do pintor. Mas os aspectos técnicos, apesar de impressionantes, ficam secundários, servindo para contar uma história sensível e emocionante. Um dos melhores filmes do ano, sem dúvida.
Já “Thelma” é um filme escandinavo que envolve ódio e paranormalidade. Não tem a qualidade do primeiro, mas é tão bom que tenho certeza que os estadunidenses logo farão um remake piorado. Vi ambos no Guion Cinemas.
.oOo.
Nova primeira ministra da Islândia, Katrin Jakobsdottir, tem 41 anos, é socialista, feminista, anti-armas, luta por igualdade de gêneros, vai expandir a saúde pública e acha o Acordo de Paris contra o aquecimento global fraco.
Infelizmente, não dá para importar. Fiquemos com Temer, Sartori e Marchezan. Afinal, votamos neles (nos três).
No final da semana passada, alguns nova-iorquinos lançaram uma petição exigindo que o Metropolitan Museum of Art removesse uma pintura de 1938 do famoso pintor francês Balthus (pseudônimo de Balthasar Klossowski) onde é mostrada uma jovem púbere com a roupa interior exposta. O motivo seria o “clima hoje instalado em torno do tema do assédio sexual”. Porém, o Met se recusou a retirar a obra.
Thérèse Dreaming, de Balthus (1908-2001), “sexualizaria” a menina, mostrando sua calcinha sob uma saia. A petição diz que a posição do pé e do joelho esquerdo da menina seriam “provocantes”.
Thérèse Dreaming, de Balthus
“O artista desta pintura, Balthus, sempre teve uma grande atração por meninas adolescentes e esta pintura está inegavelmente romantizando a sexualização de uma criança”, escreve Mia Merrill, 30, a empresária de Nova York que criou a petição. “Dado o clima atual em torno do assédio sexual, o Met não deveria romantizar o voyeurismo e a objetivação das crianças. O Met é uma instituição de renome, deveria se preservar. Eu estou apenas solicitando ao Museu que examine mais cuidadosamente a arte em suas paredes e entender determinados quadro insinuam”.
A petição, que foi lançada na sexta-feira, havia coletado quase 7.000 assinaturas no domingo à noite. Pouco.
Porém, como toda razão, um representante do museu disse que não removerá a pintura porque a arte deve refletir muitos períodos de tempo – não apenas o atual. “Nossa missão é colecionar, estudar, conservar e apresentar obras de arte importantes em todos os tempos e culturas, a fim de conectar pessoas com criatividade, conhecimento e ideias”, disse o porta-voz Kenneth Weine.
“Momentos como este fornecem uma oportunidade para o diálogo, e a arte visual é um dos meios mais significativos que temos para refletir sobre o passado e o presente”.
Em 2013, o Met realizou uma exposição de pinturas de Balthus intitulada Balthus: Cats and Girls – Paintings and Provocations.
Michael Palin… Bem, quem não conhece Michael Palin? Ele é um dos Monty Python e se você não o conhece talvez não deva lê-lo, pois a desinformação denuncia alguém não muito familiarizado com a comédia, esta muito pouco religiosa e solene instituição. A biografia de Palin já garante que toda palavra sua torne-se importante, ainda mais quando ele se manifesta a respeito daquilo que exerceu como poucos — a tarefa de grandíssimo comediante. Os filmes dos Python, muitos com mais de 50 anos, ainda são vistos e de-co-ra-dos com devoção pelos fás no youtube. Se você ainda não os viu, não sei onde esteve nas últimas décadas.
Palin andou dando entrevistas e participando de eventos em Portugal na semana passada. Não posso evitar de copiar aqui duas matérias do sempre excelente publico.pt.
HUMOR
Um Monty Python em Viseu: “A Igreja achava mesmo que ia ser derrubada por A Vida de Brian?”
O politicamente correcto “está a impedir o desenvolvimento da comédia”, mas hoje Michael Palin não escreveria um sketch sobre o islão. Entrevistado por Ricardo Araújo Pereira, chamou centenas de pessoas à 3.ª edição do festival Tinto no Branco.
“Este homem não é um homem comum”, começou Ricardo Araújo Pereira, fazendo de uma fala do sketch do super-homem que arranjava bicicletas dos Monty Python a sua apresentação elogiosa de Michael Palin. Estes são dois homens da comédia e dos livros que tiveram “uma conversa completamente diferente”, claro, nesta sexta-feira à noite em Viseu perante centenas de pessoas — e sob um frio de rachar. Palin defendeu, num tempo em que considera que o politicamente correcto “está a impedir o desenvolvimento da comédia”, que “o humor ilumina tudo e nada [há de] demasiado sério que não se consiga defender contra o humor. A Igreja achava mesmo que ia ser derrubada por A Vida de Brian?”.
A conversa marcou a abertura da 3.ª edição do festival literário Tinto no Branco, inicialmente prevista para a Tenda Jardins de Inverno, mas depois transferida para o exterior do Solar do Vinho do Dão — o centro nevrálgico do evento — devido à prevista e confirmada afluência do público, que superava os 200 lugares previstos da tenda e assim encontrou espaço nos cerca de 600 lugares sentados disponíveis e muitos outros em pé. “Já alguém morreu?”, atirou a certa altura Michael Palin, dos Monty Python, escritor, viajante profissional, actor e apresentador de TV. Aos dez minutos de conversa ao ar livre, com sete graus nos termómetros, Ricardo Araújo Pereira já tinha puxado uma mantinha sobre as pernas. “Pareço uma velhinha”, disse a uma audiência que nunca deixou de sorrir e que terminou a hora de conversa com uma ovação de pé. “Isso, activem a circulação”, brincou Palin antes de abandonar o palco.
Esse palco pertencera aos dois, entrevistador e entrevistado, fã e ídolo. A conversa provou logo no título como os Monty Python são, entre muitas coisas, infinitamente citáveis. Comprovou que falar dos limites do humor, do politicamente correcto e, claro, de papagaios mortos não tinha rival no frio viseense. E solenizou-se então quando Ricardo Araújo Pereira, que acaba de lançar um livro de crónicas em torno do que descreve ser o seu reaccionarismo quanto a elementos tão variados quanto os novos media até à língua, perguntou a Michael Palin como achava que seria recebido hoje um sketch como o do lenhador travesti ou A Vida de Brian (1979). Palin responde: “É difícil saber, porque ainda são populares.”
O filme dos Monty Python (formados por John Cleese, Graham Chapman, Eric Idle, Terry Gilliam, Terry Jones e Palin) foi recebido com boicotes, protestos e muito debate na época. A rábula do lenhador travesti é um dos intemporais números dos Python e o seu protagonista é Palin, que também escreveu sketches como aquele que ficou reconhecível pela sua exclamação “Ninguém espera a Inquisição Espanhola!”. Para Michael Palin, é uma questão em aberto saber “se se consegue agora escrever algo fresco sobre travestismo, transgénero ou autoritarismo religioso”.
O homem que é conhecido, como lembrou Araújo Pereira, como “o Python simpático” passou depois a responder à sua própria pergunta: “Escreveria hoje algo sobre o islão? Nem pensar, nem pensar, porque há por aí pessoas perigosas.”
“[Mas] gostaria de escrever sobre toda essa área da tolerância e intolerância. E gostaria de escrever algo sobre o politicamente correcto hoje, porque acho que está a impedir o desenvolvimento da comédia. Estamos todos a fazer coisas de que temos vergonha e a comédia é uma forma óptima de falar sobre essas coisas e de lidar com elas. São tempos diferentes daqueles quando escrevíamos comédia em 1969, em que tudo era um alvo em aberto, mas estranhamente acho que isso era porque no mundo na altura havia mais com que nos preocuparmos, a Guerra Fria, a luta pelos direitos civis, mas por alguma razão em Inglaterra podíamos falar sobre quase tudo através da comédia. Porque ninguém tinha feito isso antes.”
E chega à conclusão: “Olhando para os Python hoje, há provavelmente todo o tipo de coisas que seriam totalmente politicamente incorrectas. O que é estranho é que as pessoas ainda se riem delas, ainda vêem os programas, e não houve nenhuma insurreição civil, nenhuma grande religião encerrou por causa disso.”
Michael Palin considera-se “um sacana extremamente sortudo”, disse logo no pontapé de saída a Ricardo Araújo Pereira. “Escrever é o que mais gosto. É um acto criativo primário”, acredita, “ é algo que estamos sempre a aprender”. O Monty Python está em “Biseo”, como pronuncia atenciosamente, provavelmente sem saber porque arranca alguns risos da plateia — a troca do bê pelo vê e o ligeiro ciciar no esse aproximam-no ao sotaque da região, e a audiência reconhece-se. São fãs dos Monty Python de todas as idades, mas também fãs dos Gato Fedorento, que ocupariam Araújo Pereira com fotografias e autógrafos no final da conversa.
O humorista e colunista português quis saber muito sobre o grupo de que é admirador, sendo que já entrevistara Terry Jones e John Cleese no passado. É das “tensões” entre os vários Python que vêm alguns dos seus feitos, responde-lhe Palin. Elas eram “parte da dinâmica que fazia os Python funcionar”, essa trupe que já de si considera que “era em parte um acidente”. A voragem criativa era tal que era “uma força centrífuga” e a sua conhecida animosidade com John Cleese serviria o grupo no programa da BBC em que se estrearam, Monty Python’s Flying Circus (1969-74). “Eu cumpria a função do homem com quem o John se zangava. O que é muito importante. Ele tentava devolver o papagaio e eu dizia ‘Não, não, está só a descansar’.” Esse sketch é um dos que nomeia quando fala do processo criativo do grupo, um dos tiros certeiros que os pôs logo, numa primeira leitura, a rir “histericamente”. “O [sketch do] Ministry of Silly Walks foi mais trabalhoso.”
Michael Palin assume-se como um observador do comportamento humano. Tanto que é essa a sua leitura dos três filmes Python, que considera que Ricardo Araújo Pereira “levou demasiado a sério”. Por não serem, como enunciara o entrevistador, sobre os grandes temas de Deus, fundação de Inglaterra e sentido da vida, mas sim “sobre o absurdo do comportamento humano” na religião organizada (e esganiça a voz para imitar alguns dos seguidores de A Vida de Brian), “sobre o comportamento britânico”, sempre polido mesmo quando violento (“Oh, temos um Império. Oh céus, oh dear”, brinca sobre Monty Python e o Cálice Sagrado, de 1975) ou um filme que, concede, “ainda é bastante radical” — O Sentido da Vida, de 1983.
O encontro entre o Python e o Gato foi o grande chamariz do festival, que alia o vinho da região e a literatura e visa colocar Viseu na rota do turismo cultural. Conta também na programação desta sexta-feira com uma actuação de Benjamin e que ao longo do fim-de-semana terá ainda duetos conversadores com o crítico cultural Pedro Mexia, o escritor e ex-secretário de Estado da Cultura Francisco José Viegas, a historiadora Raquel Varela, o poeta Nuno Júdice ou o escritor Afonso Cruz, bem como entre Frei Bento Domingues e Carlos Fiolhais.
.oOo.
ENTREVISTA:
Michael Palin em Portugal: “A boa comédia é na verdade um protesto”
O Monty Python esteve em Viseu no festival literário Tinto no Branco para falar da comédia revolucionária que fez há 50 anos mas também sobre livros, Trump e viagens.
Horas antes de um encontro às cegas com Ricardo Araújo Pereira, que nunca tinha visto mas com quem aceitou conversar em Viseu, Michael Palin estava preparado para falar uma vez mais dos Monty Python. O grupo que formou com John Cleese, Graham Chapman, Eric Idle, Terry Gilliam e Terry Jones é quase sempre o seu cartão de visita – embora, explica ao PÚBLICO, nem sempre isso aconteça nos festivais literários em países mais remotos onde a trupe não é tão conhecida.
Não foi o caso nesta 3.ª edição do Tinto no Branco, vinho Dão e livros, escritores e pensadores à conversa com provas de vinho à mistura no centro de Viseu. Uma cidade que não conhecia, também, e que assim cumpria dois requisitos para aceitar vir a um de tantos festivais literários que proliferam mundo fora. “Estou sempre interessado em falar sobre a escrita. Gosto de viajar e se há um festival num sítio que não conheço ou onde estive e quero voltar, isso é apelativo para mim. E quanto mais pequeno o festival mais gosto dele, porque conhecemos as pessoas e fazem uma diferença real — vê-se numa cidade pequena como Viseu.”
Michael Palin, encarnação de cavalheiro inglês e simpatia imune a feitos e fama, é um viajante inveterado que já seguiu os passos de Hemingway nas suas viagens, ou os de Phileas Fogg de Volta ao Mundo em 80 Dias, e que a BBC levou em inúmeros programas pelo globo. Nunca fez um sobre Portugal mas já visitou o país e suas cidades várias vezes, em férias. Tem editados em Portugal muitos dos seus livros de viagens, e também um único livro de ficção, Verdade e Consequência (Bizâncio, 2015). Trabalha agora num novo livro: “Estou a escrever a história da vida de um navio”, envolta tanto em mistério quanto em tragédia, a do HMS Erebus.
Depois de uma conversa com Ricardo Araújo Pereira que manteve mais de meia centena de pessoas ao ar livre numa fria noite de Viseu na sexta-feira, o adepto do Sheffield aqueceu-se com uma espreitadela ao Porto-Benfica. Horas antes, falava sobre a intemporalidade dos Python, pedagogia humorística, sobre Trump e o “Brexit”.
Alguma vez se cansa de falar sobre os Monty Python? Honestamente.
Canso-me se for pura repetição. Mas estou sempre grato por [haver] pessoas genuinamente interessadas nos Python e no facto de ainda resultarem, especialmente no estrangeiro porque é fascinante saber por que é que os Python ultrapassam fronteiras — [saber] o que as pessoas em Portugal, no Brasil ou na Polónia pensam sobre os Python. De cada vez tento pensar, da forma mais clara possível, na melhor resposta que dou.
Estando neste festival, pensa-se em como o trabalho dos Monty Python tem algo de literário na construção e estrutura de alguns dos seus sketches. Introduziram isso de forma consciente, quando escreviam?
Os Python reflectiam muita da informação que tínhamos adquirido na nossa educação e atirávamos para lá absolutamente tudo. Mas a ideia primordial era de que nunca devia ser um sermão, devia ser engraçado, ter um toque de leveza. Tivemos o [Marcel] Proust, por exemplo, e não havia muitos programas de comédia com Proust. Usámo-lo numa espécie de estúdio de televisão provinciano onde concorrentes tinham de resumir as obras de Proust em menos de 15 segundos [risos]. Lidámos com livros incrivelmente densos e complexos e confiámos no facto de o público saber que é um livro incrivelmente complicado e rico, que demora muito a ler. Conscientemente usávamos partes da nossa formação e ideias, temas. Lembro-me de um sketch muito engraçado que Eric Idle escreveu sobre dois homens a discutir a existência ou não de deus, enquanto estão a lutar – um era um bispo e um humanista. Usávamos conceitos intelectuais e tornávamo-los algo muito tonto.
Em Junho, doou mais de 50 dos seus cadernos e diários, cheios de ideias e esboços de sketches redigidos entre 1965 e 1987, à Biblioteca Nacional Britânica. O que o levou a fazê-lo?
Durante muito tempo escrevi e mantive cadernos de notas, farrapos de papel, envelopes, ideias apontadas e que estavam a apanhar pó em pastas em casa. Pensando no que faria com eles, foi claro que os Monty Python não são algo que vá desaparecer. Na verdade, quanto mais nos afastamos dos Python mais as pessoas estão interessadas na forma como trabalhei, mesmo sendo coisas com 50 anos. Dando isto à Biblioteca Britânica, as pessoas podem organizá-los, catalogá-los, fazer sentido deles e também disponibilizá-los a quem esteja interessado em escrever comédia. Eu teria muito interesse em ter visto os cadernos do [influente comediante britânico] Spike Milligan. E isto permite saber como era uma sessão de escrita dos Python.
Têm mais informação sobre os êxitos, mas também sobre as falhas, os erros, os obstáculos que tentavam ultrapassar ao escrever.
Sim, há lá muitos sketches que nunca chegaram à televisão e é muito interessante, olhando para o conjunto de uma obra, descobrir o que não foi usado, o que foi riscado. É quase mais interessante do que o que foi usado.
Não havia dúvidas, mas essa doação é mais uma forma de confirmação do lugar dos Monty Python no Panteão da cultura britânica. Para quem escrevia comédia com leveza, sente-se agora esse peso?
Estava meio à espera que eles dissessem que não era o tipo de coisa que queriam. “Estamos mais interessados em Virginia Woolf ou Kingsley Amis ou whatever”. Mas eles é que tomaram a decisão. Adorariam tê-los porque os Python tornaram-se não só parte da cultura mas também algo que é muito difícil de definir. Quanto mais houver para compreender, mais interessante será.
Os Python ainda são considerados um avanço, uma inovação na comédia. Não víamos isso assim na altura, mas é o que é agora. As frases dos Python são constantemente usadas: “always look on the bright side of life”; “o que é os romanos alguma vez fizeram por nós?”. As pessoas usam-nas a toda a hora, os jornalistas, os políticos. Margaret Thatcher: ela tentou usar o sketch do papagaio morto a propósito de um candidato do Partido Liberal. Alguém do seu aparelho lhe disse para o fazer mas ela não sabia bem o que era. “É de um programa de televisão”; “o que é isso?”. E disseram-lhe “é o Monty Python’s Flying Circus”; e ela disse-lhes “Monty Python… É um dos nossos?”, [do partido]. [risos]
O seu filme mais recente como actor, da autoria do escritor de comédia política Armando Iannucci (Veep, The Thick of It), é The Death of Stalin e centra-se na ambição, no poder e na imagem. Surge numa altura de suspeitas sobre conspirações entre políticos americanos e a Rússia, de tensões entre Theresa May e Donald Trump, de “Brexit” – é particularmente atempado?
A situação hoje é, de muitas formas, diferente. Mas [o filme] é sobre o poder, como se consegue o poder e como se mantém esse poder. Hoje, por oposição ao tempo de Estaline, em que havia papelinhos com os nomes das pessoas e as condenavam por isto ou aquilo, agora há a Internet e pode controlar-se de facto as coisas a partir do centro. Pode-se piratear, pode-se bloquear, ou lançar dúvida como faz Trump. As declarações públicas de Trump são todas tweets, o que é óptimo porque se só se é tido em conta por 140 caracteres, isso significa que não tem de se entrar numa discussão completa. O que é uma forma de manter o poder.
Trump, pelo que sei, ainda não mandou ninguém para as minas de sal, mas está interessado no poder, na forma como se mantém o poder, como se difama as pessoas, o que é muito importante. The Death of Stalin é sobre como o poder e a ambição distorcem e transformam as pessoas, de seres humanos inteligentes e credíveis em apoiantes de actos horrendos e de excessos. Não penso que estejamos nessa situação. Mas por todo o mundo há pessoas a agarrar-se ao poder fazendo coisas muito cruéis, por isso é relevante.
A comédia é particularmente necessária em momentos assim, ou é um cliché pensá-lo?
Não penso que seja necessária, penso que existe. A comédia é muito importante nas crises. Na Grande Guerra havia muito humor, as pessoas riem-se nas situações mais desesperadas. Há que assegurar que esse riso não é um riso de desespero mas um riso que seja de protesto. É isso que a comédia é, a boa comédia é na verdade um protesto. É dizer “olhem para esta pessoa a dizer estas coisas!”, “olhem para o cão atrás dele a fazer-lhe xixi na perna”. Mostrar quão transiente e quão vazios são muitos dos gestos dos poderosos. A comédia e o ridículo são uma parte muito, muito forte do protesto, para manter as pessoas debaixo de olho. As pessoas verdadeiramente poderosas não têm muito sentido de humor, porque a comédia é sobre rirmo-nos também de nós mesmos, e eles não conseguem fazê-lo.
É algo em que os britânicos têm sido muito bons e penso que é por isso que estamos na confusão em que estamos hoje – porque nos conseguimos rir de nós mesmos. Vamos ter de nos rir bastante nos próximos anos. É a única coisa que podemos fazer.
Como foi o fim de semana no Rio de Janeiro? Estava boa a praia de Ipanema? E o futevôlei? Merecido descanso depois desse baita ano de trabalho e conquistas. Agora é pensar no embarque para Abu Dhabi, né?! Lamentavelmente, perdemos o Arthur. Dizem que Geromel também virou dúvidas e não se sabe ainda ao certo as condições em que Maicon voltará.
Foto: gremio.net
Não que eu tenha a ilusão de que, passando pela semifinal, vamos propor nosso jogo contra o Real Madrid. Foi provavelmente no início do milênio que se viu um sul-americano encarar um milionário europeu de igual para igual (aquele lendário Boca Juniors de Riquelme e Palermo, que ganhou três Libertadores em quatro edições, dois mundiais em três), sem jogar por uma bola. Mas divago!
Alheio a tudo isso, ontem foi o dia da última rodada do Brasileirão, Renato. Fomos a Belo Horizonte encarar o Atlético Mineiro, com nossa terceira equipe. A torcida do Galo, que sempre nos recebe com muita cordialidade e amizade, se fez presente no estádio, para assistir a um grande jogo, disputado do início ao fim, com sete gols e direito até a um apagão dos refletores, lembrando aquele futebol-raiz dos anos 90 de que tanto se fala saudosamente.
Entretanto, numa coisa os atleticanos irão concordar comigo: o time deles, por tudo que fez nos últimos anos e pelo elenco que montou para essa temporada, foi uma das grandes decepções de 2017. Não era para uma equipe que deveria ter brigado pelo título terminar o campeonato em nono lugar e ainda depender do resultado da final da Copa Sul-Americana para ir à Libertadores de 2018. Mas nossa gurizada, que não tem nada a ver com isso, foi lá e fez bonito, apesar de não ter saído com a vitória.
Mesmo com o resultado desfavorável, Renato, valeu a pena para nós, ainda de ressaca pelas comemorações do Tri da América, vermos o chamado “time de transição” mostrar o padrão de jogo e o toque de bola de qualidade do futebol que nos conduziu de volta à nossa alegria. Ainda que um tanto “crus”, pela idade, é bom ver Jean Pyerre, Pepê e outros nos mostrando que a base vem forte, sendo capaz de fazer frente a um Galo, em pleno Independência, que conta com muitos jogadores experientes e de renome internacional.
Agora, lembra que eu disse há algumas semanas que ainda conversaríamos sobre o Brasileirão 2017, Renato?! Então… Chegamos ao final com 63 pontos, num quarto lugar que não reflete a nossa campanha (por três momentos ontem, o vice-campeonato esteve em nossas mãos). O Corinthians foi campeão com 73 pontos. E não é preciso muito esforço para lembrar de 11 ou 12 pontos perdidos pelo time reserva ou “de transição”).
O fato é que o Grêmio foi muito criticado por ter deixado o campeonato nacional em segundo plano ainda lá no seu início. A imprensa e torcedores dos mais diversos clubes muito bateram na tecla de que teríamos plenas condições de ter disputado esse título também. Eu não julgo nem reclamo. Claro, acaso não tivéssemos ganhado a Libertadores, haveria uma inundação de críticas. Felizmente, o desfecho foi de muita comemoração para nós.
Quando a CONMEBOL e a CBF fecharam o calendário deste ano, uma coisa ficou claro (para qualquer um que entenda um pouco de futebol): não há time brasileiro com elenco para disputar as três principais competições – Copa do Brasil, Brasileirão e Libertadores. Não, não há! Porque toda comparação com os grandes europeus que disputam o triplete sem poupar jogadores ignora o abismo que existe entre nós e eles hoje. O mesmo que eu mencionei antes, pensando no possível confronto com o Real Madrid.
E não apenas é apenas uma questão de dinheiro. Toda a organização do futebol europeu já passa pela ideia de sincronia entre suas competições nacionais. Nenhum país do Velho Mundo possui campeonatos estaduais (para lembrar que o Brasil sozinho é do tamanho da Europa), e, se não me engano, somente a Inglaterra possui mais de duas competições (a liga e duas copas). Isso sem nem falar na questão da infraestrutura, que traspassa o mundo do futebol.
Quando algum “especialista” enche a boca para falar que o Barcelona jogou em Bilbao no domingo, pelo campeonato nacional, e, na quarta-feira seguinte, entrou em campo em Milão, pela Liga dos Campeões, com o mesmo time, eu penso como que ele pode ignorar que a ida e a volta dessas duas viagens somadas são mais curtas do que um trecho da que o Grêmio faz quando vai ao Recife. E nem comparemos os sistemas de transporte, por favor.
Renato, tu, que és técnico, sabes o quanto um dia de treino faz diferença. Uma viagem a Guayaquil, a Caracas ou a Medellín significa uma semana perdida somente em torno desse confronto. Essa é a Libertadores e a realidade latino-americana (e olha que os mexicanos nem disputam mais a Copa). A direção também sabia disso. A opção feita foi pelo título continental. E o outro torneio que poderia ser beliscado seria a Copa do Brasil (infelizmente não deu, apesar da boa campanha).
O Corinthians de Fabio Carille, que não tinha nada a ver com isso, fez por onde merecer o título. Realizou o melhor turno da história dos pontos corridos, administrou a grande vantagem e, quando decaiu, soube se mobilizar para assegurar o caneco. Ainda assim, lamentamos que esses 11 pontos que nos distanciaram, ao pensarmos naqueles perdidos de forma boba pelo próprio time titular ou nas tantas partidas em que jogamos com os reservas (que nunca haviam feito uma partida como a de ontem).
Poderíamos ter disputado o Brasileirão do início ao fim e vencido? Até poderíamos! Mas também poderia ter significado um ano sem conquistas, apesar do bom futebol construído e toda expectativa criada. 2017 já valeu pelo Tricampeonato da Copa Libertadores, por termos mostrado que resgatamos e honramos a nossa tradição copeira. E ainda não acabou! Que venha mais!
A famosa foto da fotógrafa norte-americana Ruth Orkin (1921-1985) já foi vista em diversas circunstâncias, quase sempre com a mesma óbvia interpretação. Uma grande amiga minha diz sentir medo cada vez que olha a foto. Tirada em agosto de 1951, na cidade de Florença, mostra uma mulher alta, bela e bem vestida passando por um grupo de homens que a olham com ar de desejo. Assédio. Um, bem próximo da moça, leva a mão à própria genitália enquanto assobia. Em resposta, ela caminha com medo — ou pelo menos com receio –, puxando o xale, evitando olhar para eles.
O que pouca gente sabe é que esta foto, hoje clássica, serviu para ilustrar a revista Cosmopolitan dentro de uma matéria chamada Don’t Be Afraid to Travel Alone.
Se era para perder o medo… Bem, as feministas utilizam bastante esta imagem para demonstrar o agressivo assédio das rua. A foto foi cuidadosamente encenada ou ao menos repetida sob diversos ângulos, como comprova o rolo do filme. Isto não lhe tira o mérito.
O curioso é que a modelo Ninalee “Jinx” Allen nega a encenação. Diz que os homens estavam por ali. Eram uns desocupados no alto desemprego do pós-guerra. A fotógrafa Orkin conheceu Jinx, uma pintora também norte-americana, na época com 23 anos, dias antes de retratá-la. Ambas estavam viajando sozinhas pela Europa — algo raro nos anos 50 –, encontraram-se Florença e Orkin convidou Jinx para servir de modelo nas fotos que pretendia vender para a revista..
Após a publicação na Cosmopolitan, a imagem clássica passou a ser parcialmente censurada, cortando-se a metade esquerda da foto ou apagando-se a mão do homem do guarda-chuva. A partir de meados dos anos 1960 a fotografia completa voltou a ser mostrada.
Jinx ainda está viva e diz que a imagem pode ser interpretada e apreciada como cada um quiser. Porém, como muitas vezes acontece com as obras de arte, parece haver enorme distância entre a sensação de quem participou e a interpretação de quem vê. Ela não vê assédio na foto. Jinx achou tudo muito divertido. Gostou tanto que passeou depois com um dos sujeitos, conforme comprova outra foto de Orkin.
A interpretação que faço da belíssima foto é a mesma das feministas. Jinx pode não ter se sentido intimidada, mas a imagem não o demonstra. Há uma matilha prestes a interromper a caminhada dela.
Hoje, Jinx é a bela senhora de 89 anos que, em 2011, tirou a foto abaixo, aos 83, 60 anos depois da foto, com o mesmo xale e colar.
Outras fotos de Jinx tiradas por Orkin para a Cosmopolitan:
Sim, boa tarde! Porque eu avisei o Milton que, confirmado o título que consagrou essa campanha espetacular que nosso Grêmio fez, não existiria manhã no dia de hoje. A madrugada de ontem ainda não terminou, apesar desse céu AZUL. Ainda não sei se já acordei mesmo, na verdade. Mas me deixem continuar sonhando, então.
Foto: gremio.net
Renato, ontem estávamos nas arquibancadas de Lanús, nas ruas de Buenos Aires, na Goethe, na Arena, em todos os lugares. Todos vivendo e revivendo esse momento da glória libertadora que nos consome por inteiro nestes momentos de sonho delirante – para lembrar do saudoso Sant’Ana. Ontem, Renato, expurgamos os fantasmas que nos assombraram por vinte e um anos.
Não cedemos à pressão endiabrada em Cáli. O Zagallo não tirou nosso melhor jogador de uma decisão para ficar no banco da Copa América. Não tinha um Pedrinho encarnado em São Januário. Não teve juiz ladrão mandando voltar pênalti defendido pelo Martini. Danrlei não falhou na saída de gol na Colômbia (mas ele pode, ídolo eterno).
Não cruzamos com o melhor Boca da história com um time esforçado. A dupla de ataque não perdeu uma série de gols feitos no Mineirão. Lucas Pratto não teve uma noite de brilho no Olímpico. O Cris não fez um pênalti idiota. O zagueiro do San Lorenzo não tirou aquela bola em cima da linha. Não tomamos uma aula de futebol do Rosário Central.
Ontem, Renato, tudo era alegria. Todos tivemos nossas próprias vitórias. Nunca mais dirão que tu és só um motivador, mas não técnico. Fernandinho justificou como nunca a confiança que tu depositaste nele. Quem um dia já chamou o Luan de pipoqueiro que nem cruze por mim hoje – que atuação e QUE GOLAÇO! E ele não pegou o pênalti para fechar com chave de ouro, mas quero deixar registrado: mil desculpas pela corneta de outrora, Grohe!
Renato, já nem tenho mais palavras para descrever o tamanho da idolatria que a Nação Tricolor tem por ti. O Grêmio é campeão e hoje não importa mais nada! Todos os anos de sofrimento devidamente acompanhados (porque “una pasión es una pasión”, para lembrar Campanella) parecem recompensados.
Hoje a gente segue comemorando. Amanhã começamos a pensar em campeonato mundial. Já manda o drone para Madrid!
O GRÊMIO É TRI! A AMÉRICA É NOSSA DE NOVO! E VAMO COM O PLANETA!
Ela gritou no meio do Pássaro de Fogo de Stravinsky… Certo que estava dormindo e tomou um susto com o “ataque” da orquestra.
Stephanie Evans disse que não estava dormindo no concerto, apenas fechando os olhos para se concentrar. “Eu estava sentada, sentindo uma sensação de paz e bem-aventurança naquele lugar pacífico quando a orquestra me assustou”, afirmou ela.
O Grêmio foi bravíssimo hoje à noite na Argentina, mas não deu. O time gaúcho lutou muito e até poderia ter vencido a decisão nos primeiros minutos da batalha, porém o Lanús, com gols de Acosta e Sand, fez 2 x 0 e é o novo campeão da Libertadores da América. O título inédito, conquistado frente à 42 mil torcedores no estádio La Fortaleza, fez com que uma multidão alucinada adentrasse a madrugada nas ruas do pequeno município homônimo de pouco mais de 200 mil habitantes, localizado na província de Buenos Aires.
O tricolor começou jogando bem e perdeu as melhores chances no início do jogo. Porém, paulatinamente, o Lanús passou a dominar as ações e, a partir da metade do primeiro tempo, já fustigava impiedosamente a zaga tricolor, que se safava como podia. A aposta na imortalidade sucumbiu aos 41 min do primeiro tempo, quando, em rápido contra-ataque — nós ficamos putos com um gol tomado deste modo numa disputa onde o tricolor estava em vantagem de ter vencido o primeiro jogo –, Lautaro Acosta venceu Bressan na corrida e chutou da entrada da área. O tiro deixou impotente o milagreiro goleiro do time do Humaitá. A bola, após passar por Marcelo Grohe, ainda bateu caprichosamente no poste e foi morrer inexoravelmente nas redes do mosqueteiro. Mas por que o Grêmio atacava? Por que não se acautelou, meu deus?
Acosta comemora o primeiro tento do Lanús | Foto: SC Internacional
O gol enlouqueceu a torcida do Lanús, que fazia grande alarido no La Fortaleza. Mas a massa granate não soltou sinalizadores — os argentinos não são trouxas e não esfriaram seu time. Muito pelo contrário: a primeira etapa foi finalizada com os argentinos fervendo. O pequeno estádio era uma panela de pressão com carne gaúcha dentro. Mas, apesar da, repetimos, grande pressão, os times voltaram ao vestiário durante o intervalo com um placar que levaria a decisão aos pênaltis, 1 x 0 para o Lanús.
No início do segundo tempo, o Grêmio começou tocando a bola sem objetivo, com a finalidade de calar a hinchada. E estava tendo sucesso até o momento em que Renato resolveu reforçar o sistema de marcação colocando Michel em campo. Por que fez isso? Por quê, carajo?
Esta foi a senha para que o time comandado por Jorge Almirón adentrasse o campo azul e não se retirasse mais dele. O imortal agonizava. Então, aos 33 minutos, um chute de José Sand de fora da área definiu o jogo. Foi um chute de aparência despretensiosa, quase delicado, mas a bola, essa prostituta ingrata, essa víbora corrosiva, essa bêbada sem noção, descreveu uma linha curva como as dos quadros de Pablo Picasso, afastando-se das mãos salvadoras de nosso querido Grohe, como vemos na foto abaixo. 2 x 0.
Não deu, mas fomos dignos do estado de Sartori. Nosso zagueiro Geromel, o moleque facínora, acabou a partida com lágrimas nos olhos. Para desopilar, deu uma de suas bordoadas num argentino lá e foi finalmente expulso. O jogo acabou com a torcida granate, a do maior clube de bairro do mundo, cantando, pulando e tripudiando sobre nossos meninos do Humaitá que, com dez homens, não tinha forças para reagir.
Ao final do jogo, os gremistas deram declarações culpando o árbitro da partida.
O sonho acabou. Renato repete sua história na Libertadores. É bi-vice. Enlutados, os drones não voarão no dia de hoje e o planeta não vai acabar, vai continuar assando em mudanças climáticas cada vez piores.
Inter, vice do América; Grêmio, vice da América.
.oOo.
P.S. — Cá pra nós, o Lanús é um time bem ruim, só que organizadinho. Parabéns ao Grêmio, Tri-Campeão da América! (Ou vocês ganham ou serão fuzilados por milhares de memes).