A$$i$ e Ronaldinho

Perdi bastante tempo na tarde de sábado no twitter, incomodando meus amigos gremistas e lendo piadas de colorados sobre a malograda vinda de Ronaldinho Gaúcho para Olímpico. O objeto das piadas era a negociação — notória demais, chata demais, cara demais — entre o Grêmio, o Flamengo, o Palmeiras e, aparentemente, todos os clubes do mundo que tivessem o celular de Roberto de Assis Moreira, irmão e empresário do objeto do desejo, o dentuço Ronaldinho. Eu tinha algum receio da vinda dele. Apesar de achá-lo um ex-jogador, apesar de saber que ele não faz uma partida decente há 5 anos, tinha medo, pois também achava que ele poderia, sob um rígido controle e aconselhamento, voltar a nos ofuscar com suas indiscutíveis luzes. Ou seja, eu sofria de um temor profilático, um pré-cagaço que me dizia “Vai que esse cara volte a jogar bola?”. E via que a transação estava fechada. O mais gremista dos colunistas da cidade, David Coimbra, dava a barrigada do século ao noticiar o fechamento da negociação; o presidente Paulo Odone mandava buscar caixas de som e convidava a torcida para a festa; conselheiros do clube davam o acordo como selado após o brinde feito na casa do dono da Coca-Cola aqui no sul, Ricardo Vontobel; ou seja, todos anunciavam a contratação.

O que sobrou foi um fiasco e muito mais. Ficou demonstrada a moral torta do jogador e de seus representantes e uma inexplicável ingenuidade de Odone, um dirigente experiente e político conhecedor das jogadinhas e tramoias que envolvem qualquer negociação, mas que tomou espetacular drible dos dois irmãos. O que fez com que ele caísse na esparrela dos Assis Moreira? Ficou burro? Havia uma comissão bonita por trás e ele ofuscou-se? Ou foi a mera vaidade míope, transfigurada na forma de um coercível desejo de iniciar sua nova gestão à frente do Grêmio com um grande lance?

Ninguém sabe. Mas vamos por partes.

Os grandes jogadores argentinos e alguns brasileiros, ao final de suas carreiras, retornam a seus clubes de origem ou àqueles clubes onde foram mais felizes. É a garantia de mais algum dinheiro — normalmente menos do que poderiam auferir se encerrassem suas carreiras no exterior — e a liquidação de uma dívida de gratidão. O caso mais notável é o de Verón, que retornou ao Estudiantes de la Plata para encerrar suas atividades e que segue recebendo propostas e mais propostas, pois a cada dia que passa joga ainda mais e melhor. Verón não as aceita, diz que nem as lê. De certa forma, também é o caso de vários colorados — alguns ainda jovens — que decidiram facilitar seu retorno ao Inter: casos de Nilmar, Renan, Tinga, Rafael Sóbis, Bolívar e vários outros. Foi nisso que Odone acreditou? Pois não deveria.

Ronaldinho saiu daqui há dez anos sem deixar um tostão nos cofres do clube por sua formação. É legal? Sim, mas não faz parte da atitude habitual dos jogadores. Eles não costumam deixar seus contratos expirarem para sairem livres. Eles costumam renová-los e sair do clube deixando uma boa multa rescisória. Ofendido em seus direitos, o Grêmio foi à Fifa para buscar os valores relativos à formação do atleta. Recebeu-os, parece-me que foi uma miséria e nunca mais Ronaldinho chegou próximo de seu clube de origem, nem pediu desculpas. Por que Odone pensou que, nesta negociação, haveria a vontade da família Assis Moreira de “limpar a barra”? Ora, as aparências realmente não apontavam para isso. Assis viajava de um lado para outro e tanto o Grêmio quanto Palmeiras e Flamengo anunciavam o acerto. Claramente Assis ouvia uma proposta aqui e a aceitava, mas ia ouvia a próxima que fosse maior e a aceitava também, realizando um estranho e desonesto leilão, pois deixava o anterior a ver navios. Deixando mais claro o leilão, Assis promovia coletivas com o único sentido de atiçar os compradores. Ao interpretar suas declarações, paracia-me que o craque queria jogar no Grêmio, ganhar salários no Palmeiras e curtir o Rio…

E a festa? Após convidar a torcida, para a apresentação de Ronaldinho, soube-se que o Grêmio já tinha instalado caixas de som e outros que tais para uma festa. Talvez tivesse comprado litros e litros de cerveja… Ora, Odone é um sujeito experiente, foi presidente do clube várias vezes, participou do governo Yeda e era o chefe da secretaria da Copa de 2014 em Porto Alegre. O que o fez falar apenas com Assis é um mistério, já que havia 3 pontas no negócio: o Grêmio, Ronaldinho e ainda a  liberação do Milan, com o qual o dentuço tem contrato até junho. Qualquer manual de negociação manda que falemos com os caras decisivos de TODAS AS PARTES ENVOLVIDAS. Assis disse que falaria com o Milan, que era ele o interlocutor com o clube de Berlusconi, e Odone acreditou… Tolo, não? O que terá rolado na conversa? O que convenceu Odone a ficar quietinho no seu quadrado enquanto Assis viajava?

E há, meus amigos, contra Ronaldinho e seu irmão, a questão moral.

Porra, a gente passa anos dando exemplo aos filhos sobre como agir, sobre o valor da palavra dada, sobre o CARÁTER, firmeza e confiabilidade que uma pessoa deve manter e vem um guri de merda sem a menor consciência ética dar um contraexemplo nacional, internacional. E, pior, que será objeto de festa no Flamengo, Palmeiras ou Blackburn ou em algum time dos Emirados. Vai seguir fazendo propaganda e vendido como exemplo de pessoa talentosa e bem-sucedida. O formato da coisa toda me enojou profundamente, ainda mais numa semana em que tive contato com outras pessoas de atitudes repulsivas. Olha, o padrão moral da família Assis Moreira é rasante e não gostaria se traçassem paralelos com sua origem humilde, de modo algum. É coisa lá deles. A família tem diversos imóveis na zona sul de Porto Alegre, é multimilionária e fica por aí fazendo um leilão de última categoria. Não precisava.

A não-vinda de Ronaldinho, patrocinada pela vexaminosa negociação do “Odono do Grêmio”, acabará por ser benéfica para o time da Medianeira. Não obstante minha paranoia, trata-se de um ex-atleta. A única coisa que o irmão de Assis traria ao seu ex-clube, seria dificuldades para impedir a desagragação do grupo, que conveviria com um festeiro de salário estratosférico. Talvez o Grêmio devesse comemorar o melhor futuro que decorrerá deste fracasso verdadeiro. Livraram-se de uma bomba.

A cerejinha podre que faltava: o deputado Gilmar Sossela (PDT) proporá moção que tornaria o jogador persona non grata no Rio Grande do Sul. De qualquer maneira, acho melhor Ronaldinho não vir ao RS nos próximos meses…