Ospa na 5ª de Mahler: o homem ideal encontra a mulher fatal

Ospa na 5ª de Mahler: o homem ideal encontra a mulher fatal
Alma Mahler em 1899
Alma Mahler em 1899

A Quinta Sinfonia de Mahler foi composta num momento em que ocorria um rito de passagem na vida do compositor. Ele trabalhava de forma incessante na Ópera Real e da Filarmônica de Viena. Mahler era um workaholic (trabalhador compulsivo). A exaustão levou-o a ser hospitalizado em 1901. A Sinfonia surgiu na virada de 1901 para 1902 — foi revisada algumas vezes, em 1904, 1905, 1907 e 1909 — e estreada em 18 de outubro de 1904, em Colônia, Alemanha, sob a regência do próprio autor.

Mas voltemos a 1901. No final daquele ano, Mahler se apaixonara pela linda e brilhante Alma Schindler (1879-1964), futura Frau Mahler, de 19 anos e 19 anos mais jovem que ele. Como o sofredor profissional que era, Mahler sofria pela possibilidade de encontrar e talvez perder a felicidade. Todo essa explicação é fundamental, pois o que se ouve nos 5 movimentos que tomam os aproximadamente 75 minutos de música da Quinta é uma caminhada das trevas para a luz. Inicia com uma Marcha Fúnebre, passa por um momento de valsa e alegria no terceiro movimento, traz um poema de amor à Alma no quarto movimento — o famoso Adagietto — e termina em festa.

Mahler escreveu para Alma: — “O quanto eu te amo, meu sol! Não posso expressar em palavras meu desejo e meu amor”.

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Talentosa pianista amadora, Alma Mahler deve ter sido mesmo um espanto de mulher, uma verdadeira femme-fatale. Vamos a uma rápida contabilidade: antes de Mahler, Alma já tinha sido namorada de Gustav Klimt. Depois da Morte de Mahler, em 1911, foi esposa ou teve longos casos com Walter Gropius (arquiteto da Bauhaus), com o pintor Oskar Kokoschka e com o escritor Franz Werfel, entre outros. Devia ser uma mulher absolutamente fascinante, ela não apenas casava ou namorava, mas recebia homenagens. Poucas mulheres podem mostrar obras de arte a ela dedicadas pelos maiores artistas do país. No seu acervo, Alma podia mostrar pinturas de Kokoschka e Klimt, composições de Gustav Mahler, manuscritos de Franz Werfel e cartas de amor de Gropius. Imaginem que Kokoschka mandou fazer uma boneca em tamanho real, reproduzindo fielmente Alma em seus íntimos detalhes… Gropius também descreveu quentes noites de amor com ela… Mas seu grande amor parece ter sido Mahler. E ele lhe escreveu o Adagietto.

(Um amigo que leu a autobiografia de Alma Mahler informa: “Gropius mandava cartas com esperma dele dentro para Alma Mahler quando servia na Primeira Guerra Mundial”).

(Em faixa não amorosa, Alban Berg compôs um belíssimo réquiem sob a dolorosa morte de Manon Gropius, a filha de Alma e Walter Gropius, uma jovem de apenas 18 anos, amiga da família Berg. OK, não foi dedicado a Alma, mas “À Memória de um Anjo”).

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A Quinta é uma tremenda sinfonia, mas também é um castigo para os músicos. Longa e complicada, mata as cordas e exige bastante dos numerosos metais. Mahler também costuma tratar grupos de instrumentos como solistas, alternando instrumentações rarefeitas para tonitruantes tutti. Curioso, alguns músicos saíram decepcionados do concerto, apontando os erros que cometeram, mas para o público ficou lindo. E me incluo de forma entusiasmada entre eles. As falhas técnicas foram sobrepujadas de longe pela emoção. A Ospa foi convincente e o grande herói foi Kiyotaka Teraoka. O Jaspion conseguiu.

Os 150 anos do nascimento de Gustav Klimt

Publicado em 14 de julho no Sul21

Klimt, Retrato de Adele Bloch-Bauer (clique para ampliar)

Em 2006, o Retrato de Adele Bloch-Bauer foi vendido por 135 milhões de dólares. Tal fato – e principalmente tal preço – demonstra a força da arte de Gustav Klimt, nascido há exatos 150 anos, em 14 de julho de 1862. Acadêmico nos primeiros anos, depois simbolista e modernista, é complicado associar o austríaco a qualquer movimento estanque. Também seus temas são muito particulares, principalmente se considerarmos seu grande interesse no feminino, fato que fez parte de sua produção ser chamada de erótica no início do século passado. Enquanto o rosto de Gustav Klimt e sua túnica permanecem pouco conhecidos do grande público, seus traços lentamente passaram a fazer parte da memória comum da humanidade, aparecendo em cartazes, propagandas e posters. Por exemplo, seus dourados, linhas e a palidez de suas mulheres – características muito marcantes em seus quadros – estavam nesta sexta-feira (13) aparecendo em uma vitrine da Rua da Praia, em Porto Alegre, servindo de demonstração para a qualidade de um monitor de computador.

Klimt, Mulher sentada (clique para ampliar)

Salman Rushdie escreveu em seu ensaio The Short Story: “Comumente, o que é pornográfico para uma geração, é clássico para a geração seguinte”. A frase parece ser perfeita para boa parte da arte produzida na virada do século XIX para o XX. Se os EUA e a Grã-Bretanha consideraram pornográfico o romance Ulisses, de James Joyce; se a França e a Rússia acharam que os balés de Diaghilev eram pornográficos (e eram mesmo, não obstante o fato de serem belíssimos), o que se dizia das pinturas finais de Gustav Klimt e o que se diz hoje delas?

Primórdios

Gustav Klimt nasceu na Áustria Imperial, na pequena localidade de Baumgarten, ao sul de Viena, quase na fronteira com a Hungria. A Áustria Imperial durou somente até 1867, substituída pelo Império Austro-Húngaro, o qual foi dissolvido em 1918, ano da morte do pintor. Klimt viveu num grande e efêmero país europeu que agregava as atuais Áustria, Hungria, República Tcheca, Eslováquia, Croácia, Bósnia Herzegovina, além de partes da Itália, Polônia, Romênia e Ucrânia.

Em 1876, com 14 anos, Klimt ingressou na Escola de Artes e Ofícios de Viena, juntamente com um de seus irmãos. Os dois ganhavam algum dinheiro desenhando e vendendo retratos a partir de fotografias. Em 1879, Klimt, seu irmão Ernst e o amigo Franz Matsch auxiliaram seu professor de pintura de murais na decoração do átrio do Kunsthistorisches Museum (Museu de História da Arte) de Viena. Devido ao excelente trabalho realizado, no ano seguinte começam a receber encomendas, passando a realizar trabalhos de cidade em cidade: quatro alegorias para o teto do Palácio Sturany em Viena, teto do estabelecimento termal de Karlsbad na Tchecoslováquia, decoração da Villa Hermès a partir de desenhos de Hans Makart, etc. Porém, em 1886, num trabalho para o Burgtheater, o estilo de Klimt começou a diferenciar-se do de seu irmão e do de Matsch e ele iniciou o processo de afastamento do academismo aprendido na Escola de Artes.

Klimt, Namoradas, 1916-17 (clique para ampliar)

A Secessão de Viena

Em 1897, Klimt fundou e presidiu, juntamente com outros artistas, a Associação Austríaca de Artistas Figurativos. O objetivo era o de contrapor-se à Casa dos Artistas, tradicional instituição conservadora que era dona da única sala de exposições importante de Viena. Em represália, a Casa decidiu não expor ou apoiar os artistas que fossem membros da nova instituição. Foi o estopim para a fundação da Secessão Vienense (Sezession Wiener), uma iniciativa de protesto de artistas da época contra as normas tradicionais. Alguns hostis chamavam essa insurgência de “revolta edipiana”, como se fosse uma espécie de movimento de fundo apenas psicológico, que consistia numa questão de filhos que se desencaminharam de seus e pais e da tradição.

O estatuto da nova associação resumia bem seu objetivo: o fomento de um novo sentido artístico na Áustria. Seus sucesso e importância foi acachapante. O grupo presidido por Klimt apresentou propostas revolucionárias para a época, equiparando o trabalho de pintores, artesãos, arquitetos, desenhistas, ilustradores e tipógrafos. O Secessão tinha por objetivo unificar a pintura e as artes aplicadas. Rapidamente, o Secessão virou o cenário artístico de Viena de cabeça para baixo, a ponto de receber o apoio do Imperador e de boa parte da alta burguesia. Seus 40 membros trabalhavam para expor trabalhos de jovens pintores não convencionais, além de divulgarem ao público vienense a obra dos melhores artistas estrangeiros e as novas tendências artísticas por meio de uma revista própria, a “Ver Sacrum” (Primavera Sagrada). Logo fundaram seu próprio salão de exposições.

Klimt, Danaë (clique para ampliar)

O pintor

Mas nem só de política vivia Klimt. Vivendo em meio ao fervilhante cenário artístico e intelectual da Viena do início do século XX, Klimt criava uma arte subjetiva e erótica de grande intensidade. Viena fervilhava. Passando um rigoroso filtro, podemos citar Freud e sua nova ciência psicanalítica; Wittgenstein e o positivismo lógico de seu Tractatus Logico-Philosophicus; Arnold Schoenberg e a música serial. Era um bom momento para a vanguarda e Klimt fez sua parte ao introduzir o colorido simbolista no cenário artístico vienense, formando a ponte para a vanguarda expressionista.

Klimt não apenas era talentoso como combativo e irreverente. Apresentou os esboços de “Filosofia” e “Jurisprudência” para os afrescos da Universidade de Viena. O projeto causou indignação devido aos nus femininos e às cores escuras. Klimt ignorou as críticas e deu continuidade ao projeto original. Nesta etapa de sua carreira, já se disseminavam em suas obras os nus femininos, representados nas mais diversas formas. A tela Nuda Veritas apresentava uma mulher inteiramente nua e Klimt parecia ter esquecido de suprimir os pelos pubianos da figura, um grande tabu na época. Acima da imagem havia uma frase provocativa: “A cada época a sua arte; à arte, sua liberdade”.

Klimt, O Chapéu de plumas negras (clique para ampliar)

Ao deixar a Secessão, sua arte passou a conter uma perspectiva muito mais pessoal, distanciando-se na necessidade de agradar a uma clientela específica. O pintor passou a criar suas telas com total liberdade. Também demonstrou ser um sensível intérprete da mulher. O ouro e a prata, objetos de desejo num período pré-feminista, servem para disfarçar a nudez. Quando o homem aparece, é acessório. e recebe tratamento totalmente diverso. Klimt nunca casou e para que realizasse seus retratos, duas ou três modelos permaneciam a seu dispor, além, é claro de seu grande amor, Emilie Flöge. Em suas pinturas, pe evidente que ele primeiro desenhava seus modelos nus para depois recobri-los com tintas. Klimt nos torna voyeurs e cúmplices.

Porém, não nada nele de cruel ou vulgar. Ele não tinha a agressividade de seu discípulo Egon Schiele nem o cinismo calculado de Picasso. Sempre houve requinte e elegância em seus nus.

Klimt mantinha um estilo rebelde também na forma de vestir-se. Usava batas e afirmava que nunca usava roupa de baixo. Pode parecer um detalhe ocioso referir-se a isto, porém esta postura contribuiu em muito para que lhe dessem uma desejada cátedra na Academia. Embora muito bem relacionado na alta sociedade que o financiava, sempre foi uma espécie de outsider em relação aos meios oficiais. Outro detalhe curioso era o hábito de pintar várias telas ao mesmo tempo.

Duas obras fundamentais: O Beijo e Judith 

O Beijo (clique para ampliar)

O Beijo (1907-1908) é uma das obras culminantes da carreira de Klimt. A obra foi aclamada desde o início, sendo imediatamente comprada pelo governo austríaco. Aqui, o esplendor decorativo chega aos extremo com belos motivos florais. As figuras enlaçadas ressaltam grande sensualidade em traços econômicos e vigorosos. O xadrez frio e retangular apontaria para os valores masculinos, enquanto os cálices das flores servem ao feminino. A beleza decorativa do quadro serve tem efeito catártico sobre o erotismo das poses. Realizada na revolucionária, mas ainda conservadora Viena, a obra provocava fascínio e estranhamento.

Judith (clique para ampliar)

Judith (1901) é uma representação plástica que fica entre a morte e a sexualidade, drama que fascinava o autor. O dourado atenua a figura da mulher no fundo. Distante e imaterial, o corpo da modelo contrasta com a sensualidade de um rosto quase fotográfico. Por algum tempo, o quadro foi denominado Salomé, a mulher sedutora que provocou a morte de João Batista, já que muitos recusavam-se terminantemente a admitir qua a retratada era a virtuosa Judith — a heroína judia que matou um general inimigo. Seus lábios entreabertos e os olhos semicerrados lhe conferem um ar intensamente erótico, mas também de sensualidade mórbida.

A propósito, sua fase dourada foi marcada pela reação altamente positiva de crítica e público. Em muitas pinturas daquele período, ele utiliza folhas de ouro, como no citado Retrato de Adele Bloch-Bauer e em O Beijo, talvez sua mais famosa tela. Klimt foi um pintor soberbo de paisagens e de arte decorativa, mas suas obras de modelos femininos – habitualmente de forte apelo sexual – são as criações mais importantes. Sua consagração em vida trazia-lhe muitos clientes, mas também tornou-o altamente seletivo. Pintava com extrema minúcia, muitas vezes obrigando seus modelos a longuíssimas sessões.

Foi apaixonadíssimo por Emilie Flöge, com quem teve um longo caso de amor. Ela foi sua musa e companheira durante muitos anos, de 1891 até sua morte, em 1918. Klimt escreveu pouco sobre sua pintura e métodos. Não deixou diários, apenas cartões-postais escritos para Emilie. Mas há um raro escrito seu com o título de “Comentário sobre o inexistente autorretrato” que diz “Estou menos interessado em mim do que em outras pessoas como tema para pinturas. Me interesso acima de tudo por mulheres. Não há nada de especial em mim. Sou um pinto que trabalha dia após dia, de manhã à noite. Quem quiser me ver deve olhar minhas fotos”.

Gustav Klimt e sua companheira Emilie Flöge (clique para ampliar)

 

Klimt posando sem a tradicional bata
Klimt em 1906
E de corpo inteiro com a bata. Sem roupa de baixo.

O dia de hoje em Viena

No Museu Leopold, serão expostas as 400 cartas e mensagens trocadas por Gustav e Emilie. Igualmente serão expostos objetos pessoais.

O Museu de Viena esporá sua coleção completa de Klimt, incluindo a máscara mortuária do artista e mais de 400 obras. Também  serão expostos objetos pessoais, como uma inusitada tampa de privada decorada por ele.

Já o austero Museu de Belvedere, que possui sua obra O Beijo, organizou um “Concurso de sósias de Gustav Klimt e de Emilie Flöge”.

Por fim, a Galeria Secessão vai expor sete paineis do famoso “Friso de Beethoven”, apresentado em 1902.

O dia de hoje no Google

Mais algumas obras de Klimt

 

Klimt, The Beethoven Frieze II (clique para ampliar)

 

Klimt, A Esperança I

 

Klimt, Moving water (clique para ampliar)

 

Klimt, Nuda Veritas (clique para ampliar)

 

Klimt, Retrato de Frirza Riedler (clique para ampliar)

 

Klimt, As Três idades da mulher (clique para ampliar)

 

Klimt, Emilie Flöge (clique para ampliar)
Retrato de Serena Lederer

E uma bela homenagem que acaba de aparecer no YouTube, por Cau Barata