A cabeça do futebol, vários autores

Ganhei de presente este livro de um de seus autores, o escritor Fernando Monteiro. Trata-se de uma coletânea de crônicas futebolísticas organizada por Gustavo de Castro, Samarone Lima e Carlos Magno Araújo. O time contratado é cheio de estrelas, algumas habituais na crônica esportiva, outras bem menos. Como em qualquer grupo de atletas, tivemos bons e maus desempenhos, porém o trio dirigente manteve o comando do vestiário e o time saiu amplamente vencedor, apesar de algumas derrotas que revoltaram a torcida, a qual pediu insistentemente a cabeça do técnico, pretendendo jogá-la no fundo do entulho. Porém, a Casa das Musas manteve-se firme, declarando que não pagaria multas rescisórias à preguiçosos. O treinador permaneceu e o time mudou sem mudar.

Livros assim são um perigo, pois não adianta só saber escrever, há que saber ver o futebol. Conheço torcedores apaixonados para os quais tanto faria estar dentro de um estádio ou num hipódromo. Eles querem é torcer, não se preocupam em entender o que acontece em campo; suas sugestões são tolas, equivocadas, “irritam ao erudito”… Amam absolutamente o futebol, mas eu sei que, para entendê-lo a ponto de penetrar na cabeça de alguns técnicos, para adivinhar-lhes as reações, posturas e substituições, há que ter um gênero de observação especial que, curiosamente, não grassa por aí.

O livro abre com um bom relato de um caso uruguaio a cargo do espanhol Enrique Vila-Matas. Depois, o time chega cansado de Barcelona, sofrendo uma fragorosa derrota em São Leopoldo, a cargo de Fabrício Carpinejar — um conhecedor de futebol que veio com uma poesia banal, obra do cansaço da viagem, certamente. Fabrício, inclusive, acabou expulso de campo pelo árbitro. Na Vila Belmiro, José Roberto Torero, cronista habitual da área, assinou o mais emocionante e talvez melhor texto de todos, passando a bola a Juca Kfouri que, direto dos porões paulistanos da ditadura militar, fez excelente lançamento a Samarone (com um nome desses, o que seria de se esperar?) Lima que venceu o Velez e o Boca com tranquilidade em Buenos Aires. Após algumas derrotas surpreendentes, como a de Xico Sá, que marcou até gol contra, o time retornou à senda de vitórias com a extraordinária Selma Oliveira, que nos recomprovou que o olhar feminino sobre o futebol veio para ficar. Ela deu um passe a Abel Menezes, que pisou na bola. Sorte que o rebote caiu nos pés de Juremir Machado da Silva, o qual redimiu os gaúchos com um belo gol. Bola no centro. Então, a redonda ficou com Fernando Monteiro que, com o auxílio de Camilo José Cela, obteve inédita vitória com o Íbis. Daniel Piza escreveu uma crônica cujo tamanho só pode ser explicado pelas longas concentrações. Parece que ele resolveu deitar num texto tudo o que sabe de futebol. Sabe bastante, OK, mas a maratona gerou tal série de lesões e cartões amarelos que causou uma queda de rendimento com muitos empates verdadeiramente letárgicos. O time voltou ao bom caminho nas mãos competentes de Carlos Magno Araújo (CEUB?), Hilário Franco Junior (talvez um tanto erudito demais), Sérgio Xavier Filho (bonito relato sobre o futebol praticado pelos cegos), José Castello (O Fluminense está com Amok!) e Moacy Cirne (que me enganou até o final). Surpreendente mesmo foi a goleada sofrida por Humberto Werneck, um craque fora das quatro linhas. Tal derrota fez com que nossos dirigentes deixassem seus cargos à disposição. Sorte que a Casa das Musas não aceitou e mandou-lhes voltar ao trabalho, após tacar-lhes uma multa de 60% de seus vencimentos.

Vale a pena ler!

Organizadores: Gustavo de Castro, Samarone Lima e Carlos Magno Araújo.

Com Fabrício Carpinejar, José Roberto Torero, Juca Kfouri, Raimundo Carrero, Juremir Machado da Silva, Fernando Monteiro, Daniel Piza, Vladir de Sá Lemos, Inácio França, Luiz Zanin Oricchio, Luiz Martins da Silva, Klecius Henrique, Selma Oliveira, Josmar Jozino, Hilário Franco Jr., Humberto Werneck, Sérgio Xavier Filho, Abel Menezes, Moacy Cirne, José Castello, Rubens Lemos Filho, Elianne Diz de Abreu, Edmundo Barreiros, Xico Sá e o espanhol Enrique Vila-Matas.

As 100 obras essenciais da música erudita segundo a Bravo! ou Vendendo ignorância

Sou um sujeito que está sempre rindo. Morro um pouco a cada dia, mas abstraio-me autenticamente do fato. Então, às vezes quero escrever uma coisa bem alegre ou criativa, esquecendo a Mônica Leal e a Pâmela, mas não dá. Me chamam de volta para que eu meta o pau.

A lista de cem obras essenciais da música erudita da revista Bravo! parece ter sido feita… Sei lá, quem sabe por ocorrências no Google? Proponho um acerto com você, caro leitor. Acho que você concorda que é fácil fazer listas e, quanto mais longas forem, mais fácil fica, certo? Se a lista contiver alguns absurdos, você diz que é questão de gosto e fim. Pois a Bravo! conseguiu fazer a lista errada, aquela que demonstra claramente que seus autores não têm a menor vivência na audição de obras do gênero erudito. Essa lista não é questão de gosto, é questão de polícia.

Moacy Cirne, neste post, já havia destruído a relação da e com a Bravo! utilizando como arma apenas uma obra ausente, as Vésperas da Virgem, de Claudio Monteverdi. Bastou. Trata-se de uma omissão que realmente desqualifica toda a lista. Tem razão a maior autoridade brasileira das histórias em quadrinhos, uma lista de uma centena sem as Vésperas é como deixar de fora Grande Sertão: Veredas ou Cidadão Kane em listas análogas de romances brasileiros ou cinematográfica. Mas não apenas o Moacy merece divertir-se, eu também! Analisarei uma poucas coisinhas… HÁ absurdos inacreditáveis na lista.

82º) Concerto para Oboé, de Mozart: é óbvio que o autor da lista não fez teste de bafômetro. Por favor, meu caro ouvinte, ouça este concerto e depois a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, ou quaisquer dos Concertos para Piano de 23 a 27 do mesmo Mozart. Um bêbado, sem dúvida.

71º) Tocata e fuga em ré menor: aqui, tenho a primeira convulsão séria. Obra menor de Bach, o alcoolizado autor da lista deixou de FORA TODOS OS SEIS CONCERTOS DE BRANDENBURGO!!!

57º e 83º) A Morte e a Donzela e Trio Op. 100, de Schubert: são obras excelentes, mas esquecer o Quinteto de Schubert é embriaguez de cair deitado.

49º) Missa em Si Menor, de Bach: aqui, a piada foi a de colocá-la atrás da Sinfonia Fantástica de Berlioz. Não, a piada foi muito maior. Há certo consenso que a Missa seria uma espécie de Cidadão Kane da história da música, ou seja, que seria estaria no topo de todas as listas, mas o chumbeado autor coloca-a lá no meio…

11º) Dichterliebe, de Schumann: HAHAHAHAHA, os lieder de Schubert ficaram de fora — exceção feita aos Winterreise — e o Quarteto e Quinteto de Schumann também, mas essas cançõeszinhas de Schumann, simplesinhas e humildes, quase chegaram ao Top 10 do borracho.

4º) O cachaceiro botou a Sagração da Primavera, de Stravinski, em quarto lugar. Será necessário um alongamento muito severo para que alguém razoável admita que a obra esteja colocada no Top 10. Muuuuuito alongamento.

13º) Mais risadas, um único quarteto de cordas de Beethoven está na lista e não é o 130, nem o 132, nem a Grosse Fugue, Op. 133. Estranhamente o pinguço acertou bem onde não devia: no meio. O Op. 131 é belo com seus sete movimentos e um Andante avassalador, mas convenhamos.

84º) Questão de gosto: a Pastoral não poderia estar nesta lista. Mas o bebum a trouxe.

58º) O que faz Dvorak aqui? Hein, beberrão?

38º) Sinfonia “Inacabada”, de Schubert: essa entrou no carteiraço. E a Nona, conhecida como “A Grande”, biriteiro? Em que ela é menor? É por ter sido “Acabada”?

22º) Quadros de uma Exposição, de Mussorgski, é a vigésima-segunda obra essencial de todos os tempos do ébrio…

48º) Réquiem, de Verdi: é uma surpresa encontrá-lo aqui, mas já que o gambá o conhecia, por que deixou-o apenas em 48º? Merecia o Top 20!

95º) 4`33, de Cage: bem, se A Sagração estava em quarto pela importância histórica, esta obra de Cage deveria estar nas imediações, junto de algo de Stockhausen, um dos grandes ausentes da lista, pau d`água.

93º) Intermezzo, Op. 118, de Brahms: a imensa música de câmara — sonatas para violoncelo e clarinete, trios, septetos — de Brahms está inteiramente ausente da lista… Por quê, meu Deus, o esponja escolheu isto?

76º) Carmina Burana, de Orff: sem comentários. Viu, chupa-rolha?

É absolutamente necessário rir de uma publicação dessas, senão vêm as dores de cabeça, úlceras, etc. E citei apenas os primeiros absurdos que me ocorreram, nem explorei os despautérios cometidos ao barroco. Não me perguntem onde vai parar um jornalismo cultural que orienta assim os jovens e inexperientes. O cara que fez esta lista estava desnorteado, aturdido. Menos mal que o blog P.Q.P. Bach recebe 60.000 visitas por mês. E está à distância de um clique. E não custa nada.