Ospa: nem poção mágica salva repertório

Asterix regeu a Ospa nesta terça-feira

(É claro que o maestro uruguaio García Vigil merece todo meu respeito, mas que ele é a cara do Asterix, isso é. Baixinho, magro, narigudo e com longos cabelos, falta-lhe pouco para ser o esperto gaulês. Algumas mulheres na plateia disseram que ele remetia ao gaulês, mas também ao Gepeto do Pinóquio. Não chegamos a uma conclusão final).

O repertório do concerto de ontem à noite foi fraco e tal fato é tudo menos novidade, como sabem meus sete leitores. A função começou animada com a Abertura da ópera A Flauta Mágica de Mozart, o qual parece ter morrido de uremia, nunca por envenenamento. O pequeno guerreiro gaulês imprimiu grande entusiasmo à execução e a Ospa — a plena e furiosa DR atual parece não atingi-la artisticamente — respondeu de forma magnífica.

Porém, a aldeia gaulesa sempre tem seu momento Chatotorix: Antonio Salieri apontava perigosamente na curva. Defendido galharda e inutilmente por Max Uriarte, o Concerto para Piano e Orquestra em si bemol maior revelou-se por inteiro em sua mediania. Um bonito Larghetto antecedido de um primeiro movimento desinteressante e sucedido de um Andantino em forma de variações.  Um concerto de estrutura original, não fosse o problema da música. Não sou daqueles que combatem o Salieri em razão das calúnias póstumas proferidas por Pushkin, repercutidas por Rimsky-Korsakov, e amplficadas por Peter Shaffer em Amadeus — é que o concerto era dureza mesmo. Salieri, que morreu de velho, surfava bem melhor em águas operísticas.

Depois veio a 5ª Sinfonia de Schubert, que morreu de mal francês (vá ao dicionário). Pura grife. Schubert foi um tremendo compositor e o número cinco é muito bem cotado nas rodas eruditas. A Quinta de Beethoven, a Quinta de Mahler, a Quinta de Shostakovich, a Quinta de Prokofiev — que recebeu bela gravação da OSESP, lançada em CD no mês passado, Marin Alsop, já compraram?, eu comprei, é muito bom — , fora os concertos que carregam o número dos melhores volantes do mercado. Pois bem, pura grife, dizia eu: a 5ª de Schubert é das obras mais fracas de um sinfonista que parece apenas ter se encontrado nos números 8, “Inacabada”, e 9, “A Grande”. Perda de tempo ouvir novamente a 5ª. Despilfarro, diria o gaulês platino.

Ideiafix. Sim, ontem meu Facebook foi invadido por argumentos de que era impossível melhorar o repertório da Ospa. Eram músicos da Comissão Artística que davam uma colher a este pobre escriba de sete leitores. Referiam-se a isto, certamente. A comoção artística deles fê-los afirmar que a  programação “foi pensada e realizada tendo em vista a estrutura física disponível para a Ospa”.

Seria muito fácil, apesar de longo, responder ao argumento. Nem vou fazê-lo. A Ospa sofre demais, como coloquei no link que repito aqui, mas não deve alegar que seu sofrimento seja a causa das péssimas escolhas que faz. Isso é como o jogador de futebol que rola aos berros no gramado ao menor toque em sua figura. A Ospa insiste em não envolver seu público nas decisões. Os metros e metros que separam a Reitoria do novo teatro poderiam ser pavimentados com, por exemplo, partituras de Haydn superiores a tal 5ª de Schubert. Schubert é superior a sua Quinta Sinfonia. Aliás, recentemente tivemos a 8ª e 9ª do mesmo compositor. O que a Ospa não imagina é a criatividade dos programas que fazemos por pura brincadeira no grupo de discussões daquele blog fantasmal de música erudita, resultados das saudades que temos da coluna Who`s Next da revista Gramophone. O público sabe mais do que alguns imaginam. No intervalo, em vez da 5ª, fantasiava com a Sinfonia “O Filósofo” de Haydn, uma livre associação muito mais adequada.

Fico pensando em onde colocar o Obelix no meu texto…

As 100 obras essenciais da música erudita segundo a Bravo! ou Vendendo ignorância

Sou um sujeito que está sempre rindo. Morro um pouco a cada dia, mas abstraio-me autenticamente do fato. Então, às vezes quero escrever uma coisa bem alegre ou criativa, esquecendo a Mônica Leal e a Pâmela, mas não dá. Me chamam de volta para que eu meta o pau.

A lista de cem obras essenciais da música erudita da revista Bravo! parece ter sido feita… Sei lá, quem sabe por ocorrências no Google? Proponho um acerto com você, caro leitor. Acho que você concorda que é fácil fazer listas e, quanto mais longas forem, mais fácil fica, certo? Se a lista contiver alguns absurdos, você diz que é questão de gosto e fim. Pois a Bravo! conseguiu fazer a lista errada, aquela que demonstra claramente que seus autores não têm a menor vivência na audição de obras do gênero erudito. Essa lista não é questão de gosto, é questão de polícia.

Moacy Cirne, neste post, já havia destruído a relação da e com a Bravo! utilizando como arma apenas uma obra ausente, as Vésperas da Virgem, de Claudio Monteverdi. Bastou. Trata-se de uma omissão que realmente desqualifica toda a lista. Tem razão a maior autoridade brasileira das histórias em quadrinhos, uma lista de uma centena sem as Vésperas é como deixar de fora Grande Sertão: Veredas ou Cidadão Kane em listas análogas de romances brasileiros ou cinematográfica. Mas não apenas o Moacy merece divertir-se, eu também! Analisarei uma poucas coisinhas… HÁ absurdos inacreditáveis na lista.

82º) Concerto para Oboé, de Mozart: é óbvio que o autor da lista não fez teste de bafômetro. Por favor, meu caro ouvinte, ouça este concerto e depois a Sinfonia Concertante para Violino e Viola, ou quaisquer dos Concertos para Piano de 23 a 27 do mesmo Mozart. Um bêbado, sem dúvida.

71º) Tocata e fuga em ré menor: aqui, tenho a primeira convulsão séria. Obra menor de Bach, o alcoolizado autor da lista deixou de FORA TODOS OS SEIS CONCERTOS DE BRANDENBURGO!!!

57º e 83º) A Morte e a Donzela e Trio Op. 100, de Schubert: são obras excelentes, mas esquecer o Quinteto de Schubert é embriaguez de cair deitado.

49º) Missa em Si Menor, de Bach: aqui, a piada foi a de colocá-la atrás da Sinfonia Fantástica de Berlioz. Não, a piada foi muito maior. Há certo consenso que a Missa seria uma espécie de Cidadão Kane da história da música, ou seja, que seria estaria no topo de todas as listas, mas o chumbeado autor coloca-a lá no meio…

11º) Dichterliebe, de Schumann: HAHAHAHAHA, os lieder de Schubert ficaram de fora — exceção feita aos Winterreise — e o Quarteto e Quinteto de Schumann também, mas essas cançõeszinhas de Schumann, simplesinhas e humildes, quase chegaram ao Top 10 do borracho.

4º) O cachaceiro botou a Sagração da Primavera, de Stravinski, em quarto lugar. Será necessário um alongamento muito severo para que alguém razoável admita que a obra esteja colocada no Top 10. Muuuuuito alongamento.

13º) Mais risadas, um único quarteto de cordas de Beethoven está na lista e não é o 130, nem o 132, nem a Grosse Fugue, Op. 133. Estranhamente o pinguço acertou bem onde não devia: no meio. O Op. 131 é belo com seus sete movimentos e um Andante avassalador, mas convenhamos.

84º) Questão de gosto: a Pastoral não poderia estar nesta lista. Mas o bebum a trouxe.

58º) O que faz Dvorak aqui? Hein, beberrão?

38º) Sinfonia “Inacabada”, de Schubert: essa entrou no carteiraço. E a Nona, conhecida como “A Grande”, biriteiro? Em que ela é menor? É por ter sido “Acabada”?

22º) Quadros de uma Exposição, de Mussorgski, é a vigésima-segunda obra essencial de todos os tempos do ébrio…

48º) Réquiem, de Verdi: é uma surpresa encontrá-lo aqui, mas já que o gambá o conhecia, por que deixou-o apenas em 48º? Merecia o Top 20!

95º) 4`33, de Cage: bem, se A Sagração estava em quarto pela importância histórica, esta obra de Cage deveria estar nas imediações, junto de algo de Stockhausen, um dos grandes ausentes da lista, pau d`água.

93º) Intermezzo, Op. 118, de Brahms: a imensa música de câmara — sonatas para violoncelo e clarinete, trios, septetos — de Brahms está inteiramente ausente da lista… Por quê, meu Deus, o esponja escolheu isto?

76º) Carmina Burana, de Orff: sem comentários. Viu, chupa-rolha?

É absolutamente necessário rir de uma publicação dessas, senão vêm as dores de cabeça, úlceras, etc. E citei apenas os primeiros absurdos que me ocorreram, nem explorei os despautérios cometidos ao barroco. Não me perguntem onde vai parar um jornalismo cultural que orienta assim os jovens e inexperientes. O cara que fez esta lista estava desnorteado, aturdido. Menos mal que o blog P.Q.P. Bach recebe 60.000 visitas por mês. E está à distância de um clique. E não custa nada.