O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov (nova tradução de Irineu Franco Perpetuo)

O Mestre e Margarida, de Mikhail Bulgákov (nova tradução de Irineu Franco Perpetuo)

O Mestre e MargaridaComo também aconteceu com o Ulysses de Joyce, este é o terceiro O Mestre e Margarida que leio. Ambos os livros têm três traduções no Brasil — na verdade, O Mestre tem quatro, mas uma é do inglês.

A primeira leitura foi feita em uma edição da Ars Poetica com tradução direta do russo por Konstantin G. Asryantz, Eu não indico, pois achei o texto truncado, nada fluido. Se não me engano, era uma edição de 1992 (não possuo mais o exemplar).

A segunda, igualmente do russo, era de Zoia Prestes e saiu pela Alfaguara em 2009. Já era bem melhor, mais ainda não de todo satisfatória.

Esta terceira tradução, de Irineu Franco Perpétuo (Editora 34) é excelente, sem dúvida, a melhor de todas. Porém, ainda houve outra tradução que desconheço, feita a partir do inglês. Ela foi publicada em 1975, pela Nova Fronteira, e em 1985, pela Abril Cultural. É de Mário Salviano Silva.

Importante informar que o texto utilizado por Irineu foi aquele estabelecido pela mais recente edição crítica russa. Acontece que Bulgákov jamais publicou seu livro em vida, tendo deixado várias versões dele. Os atuais estudos buscaram chegar o mais próximo possível do que seria o desejo do escritor.

Abaixo, republico um artigo que escrevi recentemente para o Guia21 a respeito de Bulgákov e sua obra-prima, quando dos cem anos da Revolução Russa, mas eu já tinha publicado outro artigo aqui no blog em minha antologia pessoal de 50 maiores livros.

Foi muito prazeroso percorrer as 408 páginas da nova edição. São 32 capítulos e um epílogo. 28 deles e mais o epílogo se passam basicamente em Moscou e 4 em Jerusalém — consistindo no fragmento do romance do Mestre. Então, vamos ao texto que não seria possível sem o auxílio de minha Elena Romanov.

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Stálin tinha real interesse por arte, costumando ir a concertos, óperas e peças de teatro. Foi ele, pessoalmente, quem assistiu, reprovou e fez proibir uma ópera de Shostakovich, por exemplo. Também assistiu quinze vezes — não é exagero — à peça Os Dias dos Turbin, de Mikhail Bulgákov. Simplesmente adorou. Stálin também costumava telefonar de madrugada para assessores e outras pessoas quaisquer com quem tivesse assuntos a tratar. Sofria de insônia e, com sua fama, é claro que assustava quem recebia as ligações. Telefonou uma vez para Bulgákov após este lhe enviar quase uma centena de cartas pedindo permissão para emigrar. A lenda diz que foram várias ligações, mas uma aconteceu com certeza.

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O conteúdo desta ligação é bem conhecido. Bulgákov ficou com medo e teve receio de insistir quando Stálin disse que preferia que ele permanecesse na URSS. O líder prometeu-lhe um emprego em um teatro, o que acabou acontecendo. Assim ele encontrou trabalho no Teatro da Juventude de Trabalho de Moscou (TRAM), e depois no Teatro de Arte de Moscou. Neste século, o dramaturgo espanhol Juan Mayorga escreveu uma peça que começa com o famoso telefonema de Stálin para Bulgákov, chamada Cartas de Amor para Stálin.

Anos depois da conhecida ligação, Bulgákov tentou se tornar um escritor “soviético”, dento dos padrões do realismo socialista. Em 1939, ele começou a trabalhar em uma peça laudatória ao líder. Mas Stálin, ao ler os esboços, parece não ter ficado satisfeito e, sem falar com o autor, indiretamente proibiu Bulgákov de terminá-la, não permitindo o acesso do escritor e de sua esposa aos arquivos em Batumi, cidade georgeana onde Stálin iniciou sua vida política. A peça era cheia de clichês socialistas, nada era vivo. E o Secretário-Geral sabia como Bulgákov podia escrever.

Nós também. Bulgákov morreu em 1940 e sua maior obra, O Mestre e Margarida, veio a público somente em 1966-67. Ou seja, ela permaneceu desconhecida de seus contemporâneos. Mas ele já tinha publicado peças de teatro e outras obras em prosa, como as extraordinárias novelas Os Ovos Fatais e Um Coração de Cachorro. Sua arte é de absoluto virtuosismo. Se o campo onde se sente melhor é o da sátira corrosiva, ele também sabia descrever cenários bíblicos, como fez em partes de O Mestre.

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Mikhail Bulgákov (1891-1940) nasceu em Kiev, na Ucrânia, que era então parte do Império Russo. Ele foi o primeiro filho de Afanasiy Bulgákov, professor da Academia Teológica de Kiev. Seus avôs eram clérigos da Igreja Ortodoxa Russa. No início da Primeira Guerra Mundial, voluntário na Cruz Vermelha, foi imediatamente enviado para o front, onde foi gravemente ferido em duas ocasiões. Em 1916, formou-se médico na Universidade de Kiev e depois, junto com seus irmãos, alistou-se no Exército Branco.

Após a Guerra Civil, com a derrota dos brancos e a ascensão do poder dos soviéticos, sua família emigrou para o exílio em Paris.  Apesar de sua situação relativamente privilegiada durante os primeiros anos da Revolução, Bulgákov viu-se impedido de emigrar da Rússia devido a um insistente tifo. Nunca mais viu sua família.

As lesões da guerra tiveram graves efeitos sobre sua saúde. Para aliviar sua dor crônica, especialmente no abdômen, foi-lhe administrada morfina. Ficou viciado, mas parou de injetá-la em 1918. O livro Morfina, publicado em 1926, atesta a situação do escritor durante esses anos. Em 1919, ele decidiu trocar a medicina pela literatura.

Elena Shílovskaya
Elena Shilovskaya

Em 1932, Bulgákov casou-se com Elena Shilovskaya, que seria a inspiração do personagem Margarida de sua novela mais famosa. Durante a última década de sua vida, Bulgákov trabalhou em O Mestre e Margarida, além de escrever peças, fazer revisões, traduções e dramatizações de romances. Alguns foram para o palco, outros não foram publicados e ainda outros foram destruídos.

20171021-tenorPara quem hoje lê Bulgákov, o fato do escritor não apoiar o regime comunista é apenas uma informação complementar. O que interessa é que ele foi o mais brilhante dos gozadores, dos zombeteiros. O autor ria da burocracia e dos governantes. Porém, como dissemos acima, Stálin adorava de uma de suas peças. Não obstante o amor do chefe, o escritor suportou grande assédio da NKVD, que chegou a procurá-lo em casa e prendeu-o em mais de uma ocasião.

Muitas evidências sobreviveram sobre a atitude do escritor em relação ao poder soviético na década de 1920.  Entre eles há artigos na imprensa branca e materiais de interrogatórios. Porém, curiosamente, os brancos o criticavam por ser pró-revolução e os revolucionários pelo motivo contrário. Para os comunistas, sua arte era um “brancovanguardismo” e ele seria um “reacionário social”; para os brancos, ele seria apenas um vendido. É curiosa a posição de admiração de Stálin, apesar da polêmica. Muitos escritores que não apoiaram a liderança de Stálin foram presos. Bulgákov não.

Bulgákov morreu de um problema renal em 1940, aos 49 anos.

Dois assessores do diabo numa escultura em Moscou: o gato Behemoth e Korovin com seu monóculo quebrado
Dois assessores do diabo numa escultura em Moscou: o gato Behemoth e Koroviev com seu monóculo quebrado

Em vida, Bulgákov ficou conhecido principalmente pelas obras com as quais contribuiu para o Teatro de Arte de Moscou de Konstantín Stanislavski. Foram muitas comédias e adaptações de romances para o teatro, casos, por exemplo, de Dom Quixote e Almas Mortas. Bulgákov também escreveu uma comédia grotesca fazendo com que Ivan, o Terrível, aparecesse em Moscou na década de trinta. Um sucesso.

20171020-um-coracao-de-cachorro-e-outras-novelas-mikhail-a-bulgakovEm meados de 1920, Bulgákov conheceu os livros de H.G. Wells e, profundamente influenciado, escreveu várias histórias com elementos de ficção científica. Um exemplo é a extraordinária novela Um Coração de Cachorro, onde Bulgákov critica abertamente — e com impressionante cinismo e ironia — a primeira década do poder soviético. Outro é a hilariante Os Ovos Fatais.

Morfina merece menção especial. Trata-se do diário de um companheiro do protagonista, o médico Poliakov. É uma crônica da autodestruição, escrita em termos perturbadores. Ele escreve no início do livro: “Eu não posso ajudar a louvar quem primeiro extraiu a morfina das cabeças das papoulas”. No mais, é uma história clínica escrita por um mestre. “Como viciado, eu declararia que o ser humano só pode funcionar normalmente após uma injeção de morfina, mas eu era médico”.

A grande obra-prima

A novela satírica O Mestre e Margarida, escrita para a gaveta, sem chances ou tentativas de publicação durante sua vida e que foi publicada por sua esposa vinte e seis anos após a morte do escritor, certamente lhe garante a imortalidade literária. Por muitos anos, o livro só pôde ser obtido na União Soviética como samizdat, antes de sua aparição por capítulos na revista Moskva. É o grande romance do período soviético e que contribuiu para criar várias expressões do dia a dia russo. É que um manuscrito do Mestre, destruído, constitui um elemento importante da trama e, de fato, Bulgákov teve que reescrever o romance após ter queimado o próprio manuscrito.

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Sabem aqueles livros que valem por cada palavra? Que é engraçado, profundo, social, histórico, existencial e grudento? Pois O Mestre e Margarida satisfaz todas as condições acima. A influência do livro pode ser medida pelo reflexo da obra não somente na cultura russa, mas na mundial. O livro Os Versos Satânicos, de Salman Rushdie, tem clara e confessa influência de Bulgákov; a letra da canção Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones, foi escrita logo após Mick Jagger ter lido o livro, assim como Pilate, do Pearl Jam, e Love and Destroy da Franz Ferdinand, a qual é baseada no voo de Margarida sobre Moscou. Mas nem só a literatura e o rock homenageiam Bulgákov: o compositor alemão York Höller compôs a ópera Der Meister und Margarita, que foi apresentada em 1989 na ópera de Paris e lançada em CD em 2000.

O romance começou a ser escrito em 1928. Em 1930, o primeiro manuscrito foi queimado pelo autor após ver censurada outra novela de sua autoria. O trabalho foi recomeçado em 1931 e finalizado em 1936. Sem perspectiva alguma de publicação, Bulgákov dedicou-se a revisar e revisar. Veio uma nova versão em 1937 e ainda outra em 1940, ano de sua morte. Na época, apenas sua mulher sabia da existência do romance.

Uma versão modificada e com cortes da censura foi publicada na revista Moscou entre 1966 e 1967, enquanto o samizdat publicava a versão integral. Em livro, a URSS só pôde ler a versão integral em 1973 e, em 1989, a pesquisadora Lidiya Yanovskaya fez uma nova edição — a que lemos atualmente — baseada em manuscritos do autor.

Uma amiga russa me escreve por e-mail: “Eu tinha uma colega de quarto que lia apenas O Mestre e Margarida. Ela terminava e voltava ao início. E dava gargalhadas e mais gargalhadas. Na Rússia o livro foi tão lido que surgiram expressões coloquiais inspiradas por ele. A frase dita por Woland ‘Manuscritos não ardem’ é usada quando uma coisa não pode ou não será destruída. Outra é ‘Ánnuchka já derramou o óleo’, para dizer que o cenário de uma tragédia está montado”.

As cenas de Pôncio Pilatos, a do teatro, a do belíssimo voo de Margarida e a do baile são citadas aqui e ali com enorme admiração. E a fama é justa.

A ação do romance ocorre em duas frentes, alternadamente: a da chegada do diabo a Moscou e a da história de Pôncio Pilatos e Jesus, com destaque para o primeiro. O estilo do romance varia espetacularmente. Os capítulos que se passam em Moscou têm ritmo vivo e tom de farsa, enquanto os capítulos de Jerusalém estão escritos em forma clássica e naturalista. Em Moscou, o demônio (Woland) vem acompanhado de uma improvável claque composta por Koroviev — altíssimo com seu monóculo rachado –, o enorme gato Behemoth (hipopótamo, que rima com gato em russo), o pequeno Azazello e a bruxa Hella, sempre nua.

Arte: Elena Martynyuk
Arte: Elena Martynyuk

Moscou surge como um caos: é uma cidade atolada em denúncias e na burocracia, as pessoas simplesmente somem e há comitês para tudo. No livro, o principal comitê é uma certa Massolit (abreviatura para sociedade moscovita de literatura, que também pode ser interpretada como literatura para as massas) onde escritores lutam por apartamentos e férias melhores. Há também toda uma incrível burocracia, tão incompreensível quanto as descritas por Kafka, mas que formam uma atordoante série de cenas hilariantes.

Naquela Moscou o diabo está em casa e podem deixar tudo com ele, pois Woland e sua trupe demonstram notável criatividade para atrapalhar, alterar, sumir e assombrar. O escritor Bulgákov responde sempre à altura das cenas criadas. A cena do teatro onde é distribuído dinheiro e a do baile — há ecos dos bailes dos romances de Tolstói — são simplesmente inesquecíveis. Falei em Tolstói, mas a base de criação de Bulgákov é outro cômico ucraniano: Gógol.

O livro pode ser lido como uma comédia de humor negro, como alegoria místico-religiosa, como sátira à Rússia soviética ou como crítica à superficialidade das pessoas. Há mais pontos bem característicos: Bulgákov jamais demonstra nostalgia da Rússia czarista — apenas da religião — e Woland não está em oposição direta a Deus. Ele é como um ser que pune os maus e a covardia — é frequente no livro a menção de que a covardia é a pior das fraquezas. E as punições de Woland são criativas, desconcertantes.

Em 2006, o Museu Bulgákov, em Moscou, foi vandalizado por fundamentalistas. O museu fica no antigo apartamento de Bulgákov, ricamente descrito no romance e local dos mais diabólicos absurdos. Os fundamentalistas alegavam que O Mestre e Margarida era um romance satanista.

Mikhail e sua Margarida
Mikhail e sua Margarida

Nas imagens finais de O Mestre, Mikhail Bulgákov dá uma dura avaliação do mundo que encontrou. Ele seria infernal e sem esperança. Era óbvio que as tentativas de se tornar parte do mundo soviético falharam. Ele não entendia aquele novo idioma.

~ Curiosidades ~

A venda da alma

Sabe-se que Bulgákov foi muitas vezes ao Bolshoi para ver e ouvir a ópera Fausto, de Charles Gounod. Esta ópera sempre o animava, ele voltava feliz para casa. Mas, um dia, Bulgákov voltou do teatro em estado muito sombrio. Ele tinha começado a escrever sua peça sobre Stálin, Batumi. Bulgákov reconheceu-se na imagem de Fausto. Como escrevemos acima, a peça jamais foi concluída por ter sido indiretamente reprovada por Stálin.

Personagem desaparecido

Em 1937, nos 100 anos de aniversário da morte de Pushkin, vários autores apresentaram peças dedicadas ao poeta. Entre elas, havia uma de Bulgákov. Alexander Pushkin distinguia-se das obras de outros autores pela ausência do personagem principal. Bulgákov acreditava que a aparição do homenageado no palco tornaria tudo vulgar e insípido. Sua peça foi considerada a melhor daquele ano.

Tesouro

No romance A Guarda Branca, Bulgákov descreveu com bastante precisão a casa em que morara em Kiev. Lá, haveria um tesouro. Os novos proprietários da casa quase a derrubaram, quebrando paredes ao tentar encontrar o dinheiro descrito no romance. É óbvio que não encontraram nada e ainda ficaram irritados com o escritor.

História de Woland

Woland recebeu seu nome a partir do Fausto de Goethe. No Fausto, ele é citado apenas uma vez, quando Mefistófeles pede para que espíritos malignos abram espaço pois “O nobre Woland está chegando!” Em outros Faustos ele aparece como Faland ou Phaland. A primeira edição de O Mestre continha uma descrição detalhada (15 páginas manuscritas) de Woland. Esta descrição está perdida. Além disso, na versão inicial, Woland era chamado Astaroth (um dos demônios mais altos do inferno, de acordo com a demonologia ocidental). Mais tarde, Bulgákov o substituiu.

O protótipo de Behemoth

Em russo, diz-se Begemot. O ultrafamoso assistente de Woland tinha um protótipo real, só que este não era um gato, mas um cachorro: o grande cão preto de Bulgákov chamava-se Behemoth. Esse cachorro era muito inteligente. Uma vez, quando Bulgákov estava comemorando o Ano Novo com sua esposa, logo após o relógio de parede dar doze badaladas, o cachorro também latiu 12 vezes, embora ninguém lhe tivesse ensinado.

Escultura de Behemoth em Kiev | Wikimedia Commons
Escultura de Behemoth em Kiev | Wikimedia Commons

Memória

Desde os primeiros anos de vida, Bulgákov demonstrou possuir uma memória excepcional. Lia muito. Diz a lenda que ele leu tantas vezes o romance Notre Dame de Paris, de Victor Hugo, que o sabia de cor.

Coleção

Bulgákov tinha todos os ingressos de teatro — peças, ópera e concertos — a que compareceu.

Crítica soviética

O escritor também colecionava, coladas em um álbum, recortes de jornais e revistas com críticas de suas obras. Dava ênfase às mais devastadoramente hostis. De acordo com Bulgákov, ali havia 298 críticas negativas e apenas 3 elogiosas.

Defesa de Stanislavski

A primeira produção no Teatro de Arte de Moscou de Os Dias dos Turbin foi garantida por Konstantín Stanislavski. Ele simplesmente afirmou que, se a peça fosse banida, fecharia o teatro.

Stálin e Os Dias dos Turbin

Stálin gostava muito da peça e assistiu-a pelo menos 15 vezes, aplaudindo com entusiasmo desde o camarote destinado a membros do governo. Oito vezes ele desceu para falar com os artistas após a peça, a fim de incentivar a necessidade da luta política na literatura.

Uma das últimas fotos. Mikhail Bulgákov, com sua esposa Elena Shilovskaya
Uma das últimas fotos. Mikhail Bulgákov, com sua esposa Elena Shilovskaya

(*) Com pesquisa de Elena Romanov

Livro comprado na Bamboletras.

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Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): VI – A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne

Obs.: não encontrei a capa de edição nacional para colocar ao lado…

Beethoven gostava de temas curtos e afirmativos. O crítico Otto Maria Carpeaux também, até demais. Beethoven repetia seus temas à exaustão, mas não enchia o saco. Carpeaux não os repete, mas larga aqui e ali juízos curtos, afirmativos e terríveis que às vezes me deixam louco. A literatura não prescinde de justificativas mais, digamos, alongadas. Eu gosto de Beethoven e de Carpeaux, só que o austríaco tem uma capacidade de me irritar que o alemão só utilizou n`A Batalha de Wellington e na Pastoral. Pobre do grande LAURENCE STERNE: na História da Literatura Ocidental, o maravilhoso amansa-burro de 2300 páginas de Carpeaux, ganhou a curta e grossa má vontade do mestre:

Não é romancista, e não compreendemos como seus contemporâneos puderam dar o nome de romance a esse aglomerado de conversas, digressões e anedotas, sem ação novelística, que é o Tristram Shandy.

Que equívoco! Fico curioso sobre o que diz Carpeaux sobre outro livro notável, também quase exclusivamente um aglomerado de conversas e digressões filosóficas: O Homem Sem Qualidades, de Robert Musil. Consulto e ele demonstra coerência, fazendo questão de chamar a obra-prima inacabada de romance-ensaio. OK. Romance-ensaio é mais que um aglomerado de conversas e digressões, porém Carpeaux sempre ensina muito e conta com minha INDULGÊNCIA.

Mas creio que Carpeaux, se se alongasse um pouco mais, não ousaria falar mal da espetacular prosa de Sterne. Seu principal romance (ou não), A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, é uma de minhas melhores lembranças literárias. Este livro extravagante, publicado em capítulos entre os anos de 1759-67, tem importantes admiradores. James Joyce, Luigi Pirandello, Samuel Beckett e MACHADO DE ASSIS, que o cita com conhecimento, foram alguns dos escritores que se declararam influenciados pelo irlandês Sterne, um pároco muito bem sucedido e amante de intermináveis digressões pontuadas de anedotas escabrosas e alusões cínicas. Agrada-me intensamente a forma como Sterne decepciona seus leitores ao não dar seguimento às ações que esboça, coisa que Roberto Bolaño se esmera em realizar (ou não).

A cena inicial nos conta sobre o nascimento de Tristram. Seu pai costumava fazer duas coisas no primeiro domingo do mês. A primeira era dar corda no relógio da sala; a segunda era cumprir seus deveres conjugais. Porém, num destes domingos, sua mãe, JÁ PENETRADA mas sem o menor interesse, pergunta repentinamente (a pontuação, sempre originalíssima, é puro Sterne):

– Por favor, meu caro, não te esqueceste de dar corda ao relógio? ————-Por D—–! gritou meu pai, lançando uma exclamação, mas cuidando ao mesmo tempo de moderar a voz. ——–Houve jamais mulher, desde a criação do mundo, que interrompesse um homem com pergunta assim tão tola?

Com a interrupção, o velho Shandy, desconcertado, descuidou-se de fazer outra coisa: o coitus interruptus. E é desta forma que nasce o HOMÚNCULO ou, para nós, o feto daquele que seria o protagonista da “ação”. A piada fez enorme sucesso e por anos não apenas as prostitutas da Inglaterra perguntaram a seus candidatos QUERES DAR CORDA EM MEU RELÓGIO?, como as senhoras de respeito deixaram de comprar relógios para suas casas com receio dos comentários que tal ato poderia provocar… Que os comprassem os maridos!

É também notável o momento em que Shandy desiste de narrar sua própria vida – o livro é escrito na primeira pessoa. Isto acontece lá pela página 80 de um livro de 600 páginas. Ele observa que gastou alguns meses escrevendo a respeito das primeiras horas de sua vida. Constata assim que demora muito mais para escrever do que para viver e que os acontecimentos narrados estão afastando-se mais rapidamente do que a narrativa avança… Impossível alcançar. Conclui que o melhor é parar de perseguir a si mesmo e conversar com os leitores. A vida de Tristram segue seu curso e Sterne, bem, Sterne sabe e declara-se consciente de que a literatura existe primeiro para SATISFAZER O AUTOR… Danem-se os leitores.

Tudo é desrespeito neste romance moderno com raízes no Quixote. Riso e melancolia brincam sob a batuta de Sterne. Como se não bastasse ser um excêntrico romance sobre quem escreve um romance, Tristram Shandy apresenta uma série de artifícios antes nunca vistos: uma página inteiramente pintada de preto, tentativas de desenhar graficamente a evolução do romance, alguns capítulos em branco (em que nada é escrito) e uma página também em branco, limpinha, para que o leitor desenhe sua amada.

Acima, Sterne nos brinda com o esquema gráfico da história do tio Toby…

Hoje, poucos lêem o descontrolado e desprogramado Tristram Shandy, mas os estragos causados por ele fez foram grandes: Joyce adorava seus jogos de palavras e trocadilhos ab-so-lu-ta-men-te malucos, Beckett — “Nada tenho a dizer, mas somente eu sei como fazê-lo” — deliciava-se com o fato de Sterne ter, por assim dizer, inviabilizado seu próprio romance e Machado de Assis aprendeu com ele a dialogar frequentemente com o leitor e a brincar com aqueles pequenos capítulos em que nada, mas nada mesmo, acontece. Aliás, há cenas de Memórias Póstumas de Brás Cubas que demonstram toda a admiração de Machado por Tristram.

Li este livro em 1985, na brilhante tradução de José Paulo Paes em edição da Nova Fronteira, depois reeditada pala Cia. das Letras e despeço-me com mais um trecho do Tristram Shandy. A pontuação é a do autor, claro:

O que é a vida de um homem! Pois não é um rolar daqui para lá?——–De infortúnio em infortúnio?—— Abotoar uma ca(u)sa de aflição!—–e desabotoar outra?

(…)

—Entrementes, tenho umas poucas coisas a fazer—uma coisa a nomear—uma coisa a lamentar—uma coisa a esperar, uma coisa a prometer, e uma coisa a ameaçar.—Tenho uma coisa a imaginar—uma coisa a declarar—uma coisa a esconder, e uma coisa por que rezar. ——A este capítulo chamarei, portanto, o capítulo das COISAS——e o capítulo a ele subsequente, isto é, o primeiro do volume seguinte, se eu viver o bastante, será o capítulo das SUÍÇAS, a fim de manter algum tipo de nexo entre as minhas obras.

A coisa que lamento é terem as coisas se apinhado de tal modo sobre mim que não consegui chegar àquela parte de minha obra a que visei durante todo o caminho com tamanha ansiedade, qual seja a parte das campanhas, e mais especialmente a dos amores do tio Toby; os acontecimentos e eles respeitantes são de natureza tão singular e de cunho tão cervantino que se eu conseguir transmitir a outro cérebro as impressões que as ocorrências suscitam por si sós em meu próprio cérebro—garanto que o livro abrirá caminho no mundo muito melhor do que nele abriu seu autor.—Oh Tristram! Tristram! poderá jamais acontecer, uma vez que seja—que o prestígio de que venhas a desfrutar como autor compense os muitos infortúnios que te afligiram como homem?—Festejarás o primeiro—quando tiveres perdido toda a sensação e lembrança dos outros!—

Não estranha eu estar tão inquieto por chegar a estes amores.—Eles são o acepipe mais refinado de toda a minha história! E quando eu chegar enfim a eles—asseguro-vos, boa gente,—(não me importam os estômagos delicados aos quais possa desgostar) que não serei nada cuidadoso na escolha das minha palavras;—a coisa que tenho a DECLARAR——–é que receio não poder chegar-lhes ao fim em apenas cinco minutos—e a coisa que ESPERO é que vossas referendas senhorias não se ofendam—se vos ofenderdes, podeis contar, minha boa gentry, que no próximo ano eu vos darei algo com que de fato vos ofenderdes—assim o faz minha querida Jenny—mas quem seja a minha Jenny—e qual a extremidade certa e a extremidade errada de uma mulher, essa é a coisa a ser ESCONDIDA—ser-vos-á contada dois capítulos após meu capítulo acerca das casas de botão—e em nenhum outro capítulo anterior.

E agora que chegastes ao fim destes quatro volumes—a coisa que tenho a PERGUNTAR é, como estão vossas cabeças? A minha dói horrivelmente—quanto às vossas saúdes, sei que estão bem melhores…

Estão mesmo, Laurence, ao menos a minha está.

 A descrição da morte de Yorick: uma página preta, de luto.

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Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): I – Doutor Fausto, de Thomas Mann

Começo esta antologia anárquica — a ordem em que os livros aparecem não reflete nenhum juízo comparativo — por um livro que toca muito de perto a quem, como eu, gosta de música. Pois o Doutor Fausto de Mann, além de possuir imenso valor literário, é uma espécie de bíblia reverenciada pelos amantes da música. No almoço de ontem, eu estava conversando com meu filho a respeito da obra-prima de Sokurov quando ele disse: “não existe um capítulo XXV no filme”. Ele se referia à celebre conversa de Adrian Leverkühn como o demônio. Eu logo lembrei de outro capítulo, o oitavo, onde o professor Kretzschmar explica a Sonata Op. 111, de Beethoven. Percebem? O que desejo dizer é Doutor Fausto é um livro citado capítulo por capítulo, tal a impressão que causa a quem se apaixona por ele. É o mesmo que fazemos com a Parábola de Grande Inquisidor de Os Irmãos Karamázovi. Claro que ele pode e deve ser fruído também por quem sofre de amusia, assim como os Karamázovi pode ser lido por quem não deseja matar o pai, mas amar a música ajuda.

Narrada por um amigo, o professor Serenus Zeitblom, Doutor Fausto é a história do músico Adrian Leverkühn que, como o Fausto da lenda, vende a alma ao Demônio. Como contrapartida, ganha por alguns anos uma absoluta genialidade musical, suficiente para a composição de um conjunto de obras imortais. Publicado em 1947, este livro faz parte do período final de Thomas Mann, sendo tecnicamente seu romance mais ousado, no qual música e política, realidade e símbolo, o bem e o mal, estão entrelaçados de forma  impressionista e irrepetível. Sempre é bom ressaltar que a tradução da Nova Fronteira é do saudoso e competentíssimo Herbert Caro, que proporcionou grandes manhãs de sábado a um grupo de jovens que se encontrava na King`s Discos da Galeria Chaves em Porto Alegre para falar sobre… música e literatura. O que aprendi com este sábio não tem tamanho, mas esta é outra conversa.

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Dmitri Shostakovich (I)

Pois hoje é o Dia Mundial da Música! Então inicio uma série sobre Dmitri Shostakovich que publicarei a cada sexta-feira, OK?

A música pode ser amarga, jamais pode ser cínica.

DMITRI SHOSTAKOVICH


Muitíssimas vezes, quando ouvimos Shostakovich (1906-1975), sentimos certa estranheza, notamos intenções ou um torna-se palpável uma enorma revolta e desconforto. Percebe-se que o drama e os contrastes apresentados referem-se a acontecimentos externos, sejam de ordem pessoal ou não. Em contato com essas obras firmemente assentadas sobre os ombros de Bach, Beethoven, Mahler, Tchaikovsky e Mussorgsky, somos, de alguma forma muito particular, solicitados a conhecer mais das circunstâncias em que foram compostas e da vida pessoal do compositor. Isto já pode ser notado desde a sua Sinfonia Nro. 1, composta antes dos vinte anos e que o deixou célebre internacionalmente antes mesmo de finalizar seus estudos.

Vamos começar esta série pela parte mais difícil: as relações do músico com o poder. Aqui há três pontos importantes para a compreensão de Shostakovich. O Ocidente costuma simplificar os fatos conferindo ao autor a condição simples de mártir e dissidente do regime. Tais “enganos” datam dos tempos da guerra fria e persistem até hoje. Aqui, procurarei equilibrar as coisas através de leituras mais recentes que fiz. Procurarei expor os fatos políticos e tomarei partido apenas da obra do compositor, a qual amo apaixonadamente.

O Comunista: Shostakovich foi, certamente, um comunista sincero, não obstante suas divergências com uma doutrina oficial que nem sempre seguiu um caminho retilíneo. Sem seu engajamento nítido em favor dos princípios originais que criaram a União Soviética, seria impossível inventar o sopro lírico e épico que atravessa algumas de suas composições. Mas há o verdadeiro e o forçado, ou o espontâneo e a encomenda, ou a alegria e  o sarcasmo. A segunda de suas sinfonias (A Revolução de Outubro, de 1927), apesar de fraca, pertence às obras autênticas, já a décima-segunda (À Memória de Lênin, de 1961) parece ter sido obra de um autor amargo, sarcástico e que  estava mandando provisoriamente sua obra às favas.  No início de sua carreira de compositor, Shoatakovich tinha aquele entusiasmo que foi próprio de uma geração de criadores que — como Eisenstein e Maiakovski — , em determinado momento, acreditou ser para amanhã o paraíso terrestre, antes de renunciarem a suas esperanças, às vezes de forma trágica. Não obstante o que era dito durante a Guerra Fria, Shostakovich não estava preso à União Soviética e teve inúmeras oportunidades de fugir. Quando sua doença começou a prejudicá-lo como intérprete, ele estava fora do país, também esteve algumas vezes com Britten na Inglaterra … Ou seja, Shostakovich teve numerosas oportunidades que o compositor teve para emigrar – não o fazendo nunca. Houve declarações anti-soviéticas? Mas é claro, ele foi massacrado por Stálin e depois, mas nunca foi o dissidente típico. Seus problemas eram relativos às arbitrariedades dos dirigentes do país e não com aquilo que a imprensa ocidental desejava.

A Morte: Após a doença, Shostakovich era obcecado pela idéia da morte. Não devemos colocar toda a sua psicologia na conta do geopolítico. Ele possuía muito daqueles niilistas russos do século XIX, tão bem retratados nos romances de Dostoiévski. Há algo de Kirilov nele… Confundir isso com as torturas morais causadas pelos comissários políticos soviéticos é aplainar a grandiosa obra do compositor e é fatal para quem queira compreendê-lo. Obras como o Trio Nº. 2, Op. 67, de 1944, a Sonata para viola e piano, Op. 147, de 1975 ou a Sinfonia Nº 15, de 1974, todas com suas “Canções da Morte”, são inequívocas, assim como a Sinfonia Nº 14. As trevas sem fim que emanam destas composições e a melancolia por vezes desesperada só podem surgir de uma personalidade permeável a pensamentos macabros. Porém, até hoje, costuma-se esquecer demais da história pessoal de Shostakovich e colocar todos os seus momentos de depressão numa conta do geopolítico…

O Artista: como os verdadeiros artistas e, principalmente, os músicos, Shostakovich pensava que o estatuto particular de sua arte desobrigava-o a seguir palavras de ordem como aquelas que eram impostas aos operários, aos mineiros ou aos camponeses da União Soviética. Sob este aspecto, era ele quem enganava-se. Os sucessivos dirigentes jamais esqueceram de intervir diretamente nas orientações estéticas a serem seguidas por pintores, escritores, cineastas e… músicos. Sempre esteve fora das cogitações governamentais a existência de uma vanguarda artística na União Soviética, pelo menos depois da morte de Lênin.

Shostakovich sofreu gravemente três vezes os efeitos de restrições a seus trabalhos. 1936 pode ter sido um ano péssimo para ele, porém, em minha opinião, os detalhes jocosos da primeira proibição superam em muito o que ela tem de funesto para sua carreira. Ele havia composto sua segunda e última ópera — a primeira fora O Nariz, baseada no conto de Gógol — quando Stálin foi assisti-la. Lady Macbeth de Mtsensk — baseada na esplêndida novela de Nikolai Leskov e só encontrável em espanhol (recomendo a leitura) — conta como uma mulher se tornou assassina por amor e demonstra que, se ela foi levada a cometer crimes, a causa estava no comportamento odioso de suas vítimas, na realidade autênticos carrascos. Sim, uma distorção pero no mucho do Macbeth original. Stálin, que era um grande apreciador de óperas e ouvinte de música erudita, detestou-a. Mostrou-se chocado com o erotismo de certas cenas, com a complicada escrita vocal, com o uso brincalhão e extravagante dos instrumentos e o ritmo esbaforido da música. Chamou Lady Macbeth de “pornofonia” — termo surpreendente em qualquer época — e baniu-a de todos os teatros soviéticos. Foi preciso esperar 27 anos para retornar à cena e, ainda assim, com a supressão do episódio orquestral que descrevia uma cena de sexo… É curioso que as eructações, flatulências e gargarejos de O Nariz nunca tenham sido alvo de censuras. Talvez Gógol imponha mais respeito que Leskov…

A segunda vez que Shostakovich entrou no index ocorreu independentemente de qualquer obra. Logo após a notoriedade internacional da Sinfonia Nº 7 — que descreve com pungência inalcançável o sofrimento passado pelo povo soviético durante o cerco de Leningrado — foi baixada uma resolução do Comitê Central do Partido Comunista Soviético que depois foi conhecida por “Relatório Jdanov”. Isto ocorreu em 10 de fevereiro de 1948 e colocou no mesmo saco Prokofiev, Khatchaturian, Shostakovich e quase todos os artistas do país. Shostakovich foi o mais atingido, pois negara-se a fazer de sua Sinfonia Nº 9 um elogio a Stálin e ao Exército Vermelho, publicando em seu lugar uma piada musical, que foi recebida com alegria e aplausos no Ocidente, tendo em Leonard Bernstein seu maior divulgador. O que Bernstein só soube depois é que a nona sinfonia deixara Stálin novamente furibundo com Shostakovich, ao ver suas ordens desobedecidas. Como resultado, suas peças sumiram do repertório.

Mas ele seguiu produzindo e, quando Stalin morreu, em 1953, Shostakovich tinha as gavetas lotadas de novidades. Havia, inclusive uma vingança contra o ditador.

O terceiro e maior desentendimento aconteceu em 1962. Neste ano, aparecia a Sinfonia Nro. 13, para solo de baixo, coro masculino e orquestra. Os textos cantados vinham do poema Babi Yar, de Evgueni Ievtuchenko e, em lugar de cantar o porvir, o poema denunciava os crimes nazistas cometidos naquela cidade perto de Kiev, onde 34 mil judeus foram assassinados. Denunciar os crimes nazistas não seria problema, mas o poema de Ievtuchenko fala sobre como os soviéticos insistiam em considerar russos e ucranianos os mortos, em vez de judeus. É claro que o motivo de suas mortes era a etnia judaica e não outro. É claro, que aquele foi um episódio meio obscuro, onde há indícios de colaboração. Ele e Ievtuchenko, celebridades internacionais, foram fortemente repreendidos pelas autoridades, que exigiram a substituição completa dos textos, sob pena de a música não vir a ser executada. A Sinfonia nunca foi alterada.

Bibliografia: grande parte das informações históricas foram obtidas em incontáveis discos, CDs e outras publicações, mas foram  um pouco sistematizadas pela leitura do texto de Philippe Olivier, dentro da História da Música Ocidental, Nova Fronteira, 1997, assim como de Shostakovich – Vida, Música, Tempo, de Lauro Machado Coelho, Perpectiva, 2006.

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