Os 50 maiores livros (uma antologia pessoal): I – Doutor Fausto, de Thomas Mann

Começo esta antologia anárquica — a ordem em que os livros aparecem não reflete nenhum juízo comparativo — por um livro que toca muito de perto a quem, como eu, gosta de música. Pois o Doutor Fausto de Mann, além de possuir imenso valor literário, é uma espécie de bíblia reverenciada pelos amantes da música. No almoço de ontem, eu estava conversando com meu filho a respeito da obra-prima de Sokurov quando ele disse: “não existe um capítulo XXV no filme”. Ele se referia à celebre conversa de Adrian Leverkühn como o demônio. Eu logo lembrei de outro capítulo, o oitavo, onde o professor Kretzschmar explica a Sonata Op. 111, de Beethoven. Percebem? O que desejo dizer é Doutor Fausto é um livro citado capítulo por capítulo, tal a impressão que causa a quem se apaixona por ele. É o mesmo que fazemos com a Parábola de Grande Inquisidor de Os Irmãos Karamázovi. Claro que ele pode e deve ser fruído também por quem sofre de amusia, assim como os Karamázovi pode ser lido por quem não deseja matar o pai, mas amar a música ajuda.

Narrada por um amigo, o professor Serenus Zeitblom, Doutor Fausto é a história do músico Adrian Leverkühn que, como o Fausto da lenda, vende a alma ao Demônio. Como contrapartida, ganha por alguns anos uma absoluta genialidade musical, suficiente para a composição de um conjunto de obras imortais. Publicado em 1947, este livro faz parte do período final de Thomas Mann, sendo tecnicamente seu romance mais ousado, no qual música e política, realidade e símbolo, o bem e o mal, estão entrelaçados de forma  impressionista e irrepetível. Sempre é bom ressaltar que a tradução da Nova Fronteira é do saudoso e competentíssimo Herbert Caro, que proporcionou grandes manhãs de sábado a um grupo de jovens que se encontrava na King`s Discos da Galeria Chaves em Porto Alegre para falar sobre… música e literatura. O que aprendi com este sábio não tem tamanho, mas esta é outra conversa.