Sabem aqueles livros que valem por cada frase? Que é engraçado, profundo, social, histórico, existencial e grudento? Pois O Mestre e Margarida satisfaz todas as condições acima. A influência do livro pode ser medida pelo reflexo da obra não somente na cultura russa, mas na mundial. O livro Os Versos Satânicos, de Salman Rushdie, tem clara e confessa influência de Bulgákov; a canção Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones, foi escrita por Mick Jagger durante a leitura do livro,
assim como Pilate, do Pearl Jam, e Love and Destroy da Franz Ferdinand, a qual é baseada no voo de Margarida sobre Moscou.
Mas nem só a literatura e o rock homenageiam Bulgákov: o compositor alemão York Höller compôs a ópera Der Meister und Margarita, que foi apresentada em 1989 na ópera de Paris e lançada em CD em 2000.
O romance começou a ser escrito em 1928. Em 1930 ou 31, o primeiro manuscrito foi queimado pelo autor após ver censurada outra obra sua. O trabalho foi recomeçado em 1931 e finalizado em 1936. Sem perspectiva alguma de publicação, Bulgákov dedicou-se a revisar e revisar. Veio uma nova versão em 1937 e ainda outra em 1940, ano de sua morte.
Uma versão modificada e com cortes da censura foi publicada na revista Moscou entre 1966 e 1967, enquanto o samizdat publicava a versão integral. Em livro, a URSS só pôde ler a versão integral em 1973 e, em 1989, a pesquisadora Lidiya Yanovskaya fez uma nova edição — a que lemos atualmente — baseada em manuscritos do autor.
Uma amiga russa me escreve por e-mail: “Eu tinha uma colega de quarto que lia apenas O Mestre e Margarida. Era a mesma edição em samizdat que eu tinha lido. Ela terminava e voltava ao início. E dava gargalhadas e mais gargalhadas. Sempre. Na Rússia o livro foi tão lido que surgiram expressões coloquiais inspiradas por ele. A frase dita por Woland, Manuscritos não ardem, é usada quando uma coisa não pode ou não será destruída. Outra é Ánnuchka já derramou o óleo, para dizer que o cenário de uma tragédia está montado”. Outras? Eu estou só consertando o fogareiro, nada disso, está é destruindo tudo, mas se fazendo de salame. Não existe filé semi-fresco, que é autoexplicativa, creio.
As cenas de Pôncio Pilatos, a do teatro, a do belíssimo voo de Margarida e a do baile são citadas aqui e ali com enorme admiração. A fama é justa.
A ação do romance ocorre em duas frentes, alternadamente: a da chegada do diabo a Moscou e a da história de Pôncio Pilatos e Jesus, com destaque para o primeiro. O estilo do romance varia espetacularmente. Os capítulos que se passam em Moscou têm ritmo vivo e tom de farsa, enquanto os capítulos de Jerusalém estão escritos em forma clássica e naturalista.
Moscou surge como um caos: é uma cidade atolada em denúncias e na burocracia, as pessoas simplesmente somem e há comitês para tudo. No livro, o principal comitê é uma certa Massolit (abreviatura para sociedade moscovita de literatura, que também pode ser interpretada como literatura para as massas) onde escritores lutam… Por apartamentos, férias e jantares melhores. Há também toda uma incrível burocracia, tão incompreensível quanto as descritas por Kafka, mas que aqui formam uma atordoante série de cenas hilariantes.
Naquela Moscou o diabo está em casa e podem deixar tudo com ele, pois Woland e sua trupe demonstram notável criatividade para atrapalhar, alterar, sumir e assombrar. O escritor Bulgákov responde sempre à altura das cenas criadas. A cena do teatro onde é distribuído dinheiro e a do baile — há ecos dos bailes dos romances de Tolstói — são simplesmente inesquecíveis. Falei em Tolstói, mas a base de criação de Bulgákov é outro cômico ucraniano: Gógol. Aliás, ele considerava que Gógol era melhor do que Dostoiévski e Tolstói.
O livro pode ser lido como uma comédia de humor negro, como alegoria místico-religiosa, como sátira à Rússia soviética ou como crítica à superficialidade das pessoas. Há mais pontos bem característicos: Bulgákov jamais demonstra nostalgia da Rússia czarista — apenas da religião — e Woland não está em oposição direta a Deus. Ele é como um ser que pune os maus e a covardia — é frequente no livro a menção de que a covardia é a pior das fraquezas. E as punições de Woland são criativas, desconcertantes.
Em 2006, o Museu Bulgákov, em Moscou, foi vandalizado por fundamentalistas. O museu fica no antigo apartamento de Bulgákov, ricamente descrito no romance e local dos mais diabólicos absurdos. Os fundamentalistas alegavam que O Mestre e Margarida era um romance satanista. Será que leram o livro?
Nas imagens finais de O Mestre, Mikhail Bulgákov dá uma dura avaliação do mundo que encontrou. Ele seria infernal e sem esperança. Era óbvio que as tentativas de se tornar parte do mundo soviético falharam.
Obs.: A tradução de Zoia Prestes, para a Alfaguara, é bastante superior à antiga, lançada lá por volta de 1993 pela Ars Poetica. Mas a mais recente, de Irineu Franco Perpétuo, para a Editora 34, é ainda melhor.
Agora vamos olhar a narrativa mais de perto. Mas antes mais um belo filminho.
II — As circunstâncias em que foi escrito O Mestre e Margarida
Bulgákov escreveu O Mestre e Margarida sem a menor perspectiva de publicação. Escreveu para a gaveta. Os motivos eram óbvios — o romance era uma sátira à União Soviética produzido durante a época stalinista –, mas os detalhes são surpreendentes.
Imaginem: o escritor era cristão ortodoxo. Isto numa época em que a religião era proibida. A URSS era um estado ateu. A perseguição aos religiosos começou em 1917 e a eliminação em massa começou em 18. O ápice foi entre 1937 e 38, enquanto Bulgákov escrevia o romance. Em 37, foram presos 136.900 padres e funcionários de igrejas. Destes, 85.300 foram simplesmente executados. Em 38, foram presos 28.300 e executados 21.500. Espero que estes números deixem claro quão impossível era falar do assunto Religião naquela época.
Stálin tinha real interesse por arte, costumando ir regularmente a concertos, óperas e peças de teatro. Ele pessoalmente assistiu, reprovou e fez proibir uma ópera de Shostakovich, por exemplo. Nos anos 20, ele assistiu quinze vezes — não é exagero — à peça Os Dias dos Turbin, de Mikhail Bulgákov. Simplesmente adorou e ia aos camarins cumprimentar os atores a cada sessão que ia. Esteve presente também na estreia, quando a cortina foi erguida nove vezes a fim de que os atores fossem aplaudidos. Stálin também costumava telefonar de madrugada para assessores e outras pessoas quaisquer com quem tivesse assuntos a tratar. Sofria de insônia e, com sua fama, é claro que assustava quem recebia as ligações. Telefonou uma vez para Bulgákov após este lhe enviar quase uma centena de cartas pedindo permissão para emigrar. Bulgákov reclamava que era um dramaturgo conhecido no exterior, mas que na URSS estava fadado à miséria, à rua e à ruína. A lenda diz que foram várias ligações de Stálin, mas uma aconteceu com certeza.
O conteúdo geral desta ligação é bem conhecido. Bulgákov ficou com medo e teve receio de insistir quando Stálin disse que preferia que ele permanecesse na URSS. O líder prometeu-lhe um emprego em um teatro, o que acabou acontecendo. Assim, ele encontrou trabalho no Teatro da Juventude do Trabalho de Moscou (TRAM), e depois no Teatro de Arte de Moscou. Sim, trabalhou com Stanislavski. Neste século, o dramaturgo espanhol Juan Mayorga escreveu uma peça que começa com o famoso telefonema de Stálin para Bulgákov, chamada Cartas de Amor para Stálin.
Anos depois da conhecida ligação, Bulgákov tentou se tornar um escritor “soviético”, dentro dos padrões do realismo socialista. Em 1939, ele começou a trabalhar em uma peça laudatória ao líder. Mas Stálin, ao ler os esboços, parece não ter ficado satisfeito e, sem falar com o autor, indiretamente proibiu Bulgákov de terminá-la, não permitindo o acesso do escritor e de sua esposa aos arquivos em Batumi, cidade georgeana onde Stálin iniciou sua vida política. A peça era cheia de clichês socialistas, nada era vivo. E o Secretário-Geral sabia como Bulgákov podia escrever.
Bulgákov morreu em 1940 e sua maior obra, O Mestre e Margarida, veio a público somente em 1966-67. Ou seja, ela permaneceu desconhecida de seus contemporâneos. Mas ele já tinha publicado peças de teatro e outras obras em prosa, como as extraordinárias novelas Os Ovos Fatais e Um Coração de Cachorro. Sua arte é de absoluto virtuosismo. Se o campo onde se sente melhor é o da sátira corrosiva, ele também sabia descrever classicamente cenários bíblicos, como fez em partes de O Mestre.
Mikhail Bulgákov (1891-1940) nasceu em Kiev, na Ucrânia, que era então parte do Império Russo. Ele foi o primeiro filho de Afanasiy Bulgákov, professor da Academia Teológica de Kiev. Seus avôs eram clérigos da Igreja Ortodoxa Russa. Em 1916, aos 25 anos, formou-se médico na Universidade de Kiev e depois, junto com seus irmãos, alistou-se no Exército Branco. No início da Primeira Guerra Mundial, como médico voluntário da Cruz Vermelha, foi imediatamente enviado para o front, onde foi gravemente ferido em duas ocasiões.
Após a Guerra Civil, com a derrota dos brancos e a ascensão do poder dos soviéticos, sua família emigrou para o exílio em Paris. Apesar de sua situação relativamente privilegiada durante os primeiros anos da Revolução, Bulgákov viu-se impedido de emigrar da Rússia devido a um insistente tifo. Nunca mais viu sua família.
As lesões da guerra tiveram graves efeitos sobre sua saúde. Para aliviar sua dor crônica, especialmente no abdômen, foi-lhe administrada morfina. Ficou viciado, e parou de injetá-la em 1918, aos 27 anos. O livro Morfina, publicado em 1926, atesta a situação do escritor durante esses anos. Em 1919, aos 28, ele decidiu trocar a medicina pela literatura.
Em 1932, aos 41 anos, Bulgákov casou-se pela terceira vez com Elena Shílovskaya, que seria a inspiração do personagem Margarida de sua novela mais famosa. Durante a última década de sua vida, Bulgákov trabalhou em O Mestre e Margarida, além de escrever peças, fazer revisões, traduções e dramatizações de romances. Alguns foram para o palco, outros não foram publicados e ainda outros foram destruídos. Bulgákov trabalhou no romance de 1928 a 1940, ano de sua morte.
Em 1931, irritado com a censura a uma de suas peças, queimou o manuscrito do romance, mas voltou a ele dias depois.
Para quem hoje lê Bulgákov, talvez o fato do escritor não apoiar o regime comunista seja apenas uma informação complementar. O que interessa é que ele foi o mais brilhante dos gozadores, dos zombeteiros. O autor ria da burocracia e dos governantes. E todos nós temos governantes, feliz ou infelizmente. Não obstante o amor do chefe Stálin, o escritor suportou grande assédio da NKVD, que chegou a procurá-lo em casa e prendeu-o em mais de uma ocasião. Em 1926, levaram todos os manuscritos encontrados em sua casa, esboços e diários. Devolveram 3 anos depois. Só sete décadas e 50 anos após a morte do escritor, quando da abertura dos arquivos da KGB, os documentos foram conhecidos. Não continham nada comprometedor.
Muitas evidências sobreviveram sobre a atitude do escritor em relação ao poder soviético na década de 1920. Entre eles há artigos na imprensa branca e materiais de interrogatórios. Porém, há um fato que comprova certa independência do escritor: os brancos o criticavam por ser pró-revolução e os revolucionários pelo motivo contrário. Para os comunistas, sua arte era um “brancovanguardismo” e ele seria um “reacionário social”; para os brancos, ele seria mais um vendido. É curiosa a posição onde Stálin colocou seu potencial inimigo Bulgákov, muitos dos escritores que não apoiaram a revolução foram presos, muitos foram mortos. Bulgákov não.
Bulgákov foi morrer de um problema renal em 1940, aos 48 anos.
Em vida, Bulgákov ficou conhecido principalmente pelas obras com as quais contribuiu para o Teatro de Arte de Moscou de Konstantín Stanislavski. Foram muitas comédias e adaptações de romances para o teatro, casos, por exemplo, de Dom Quixote e Almas Mortas. Bulgákov também escreveu uma comédia grotesca fazendo com que Ivan, o Terrível, aparecesse em Moscou na década de trinta. Um sucesso.
Em meados de 1920, Bulgákov conheceu os livros de Wells e, profundamente influenciado, escreveu várias histórias com elementos de ficção científica. Um exemplo é a extraordinária novela Um Coração de Cachorro, onde Bulgákov critica abertamente — e com impressionante cinismo e ironia — a primeira década do poder soviético. Outro é a hilariante Os Ovos Fatais.
Morfina merece menção especial. Trata-se do diário de um companheiro do protagonista, o médico Poliakov. É uma crônica da autodestruição. Ele escreve no início do livro: “Eu não posso louvar quem primeiro extraiu a morfina das cabeças das papoulas”. No mais, é uma história clínica escrita por um mestre. “Como viciado, eu declararia que o ser humano só pode funcionar normalmente após uma injeção de morfina, mas eu era médico”.
A novela satírica O Mestre e Margarida, sem chances ou tentativas de publicação durante sua vida e que foi publicada por sua esposa vinte e seis anos após a morte do escritor, certamente lhe garante a imortalidade literária. Por muitos anos, o livro só pôde ser obtido na União Soviética como samizdat, antes de sua aparição por capítulos na revista Moskva. É o grande romance do período soviético e contribuiu para criar várias expressões do dia a dia russo.
Antes do show do Who em Porto Alegre, a emoção era bem identificada e localizada. Os mais desatentos não sabiam bem quem eram aqueles dois senhores sobreviventes de um grupo original de quatro, mas já os que gostam e acompanham o movimento musical sabiam que iam ver verdadeiras lendas. The Who é um grupo realmente único. Pode soar como heavy metal e já foi classificado como tal, mas muitas vezes apresenta um espírito de punk rock com letras sensacionais, porém, você não estará errado se considerá-lo o grupo que faz o rock mais complexo que existe, tirando do jogo os progressivos.
Sim, não é fácil classificá-lo. Afinal, The Who tem em seu acervo duas esplêndidas óperas-rock que viraram filmes — Tommy e Quadrophenia — , mas também tem notáveis discos de canções avulsas e o verdadeiro torpedo que é Who`s Next.
The Who surgiu em 1964 na Inglaterra. Sua formação clássica tem Pete Townshend (guitarrista e compositor praticamente único do grupo), Roger Daltrey (vocais), John Entwistle (baixo) e Keith Moon (bateria). O grupo alcançou rapidamente fama internacional em razão da qualidade de sua música e também por fatores extra-musicais. Suas apresentações eram pura energia, era o grupo que se apresentava com o volume de som mais alto de todos e ficou famosa por quebrar seus instrumentos ao final dos shows — especialmente Townshend, cuja destruição de guitarras tornou-se um clichê, e Keith Moon, que costumava mandar sua bateria pelo ares, aos pedaços. Seus primeiros álbuns eram cheios de canções curtas e agressivas, usando principalmente os temas da rebelião juvenil e da confusão sentimental.
Para ser mais exato, a origem do Who foi um grupo de jazz do qual participavam Pete Townshend e John Entwistle quando adolescentes, chamado The Confederates. Townshend tocava banjo e Entwistle trompete, embora também estudasse baixo, imaginem. Já o vocalista Roger Daltrey conheceu Entwistle na rua enquanto este caminhava com seu baixo pendurado no ombro. Este convidou-o para um teste no grupo de jazz. Daltrey foi aceito e os três logo saíram do Confederates. Moon foi último a aparecer. Veio através de um anúncio no jornal. Daltrey descreve o teste do genial Moon para entrar na banda: “Foi como se tivessem ligado um motor atrás da gente”.
Em setembro de 1964, na Railway Tavern em Harrow and Wealdstone, Inglaterra, Pete Townshend destruiu sua primeira guitarra. Tocando num palco baixo demais, se mexendo e dançando muito, Pete bateu com o braço da guitarra no teto, o que resultou no descolamento deste do corpo do instrumento. Furioso com as risadas da plateia, Townshend arrebentou a guitarra em pedaços, pegou outra e continuou o concerto. Por conta disso, o público no show seguinte aumentou consideravelmente, mas ele se recusou a destruir outro instrumento. Então foi Keith Moon quem arrebentou sua bateria… A destruição de instrumentos se tornaria um destaque dos shows ao vivo do Who pelos anos seguintes, e o incidente na Railway Tavern acabaria entrando para a lista de “50 Momentos que Mudaram a História do Rock ‘n’ Roll”.
Calma, nada disso ocorreu no Beira-Rio nesta terça-feira (26/09/2017). Mas você viu o windmill (moinho de vento) de Townshend. O windmill é aquele clássico giro de braço que Pete Townshend usa pra tocar guitarra. A lenda diz que seria uma resposta a Jimi Hendrix. “Como ele tacava fogo na guitarra”, brincou o Pete uma vez numa entrevista à Rolling Stone, “eu fazia o moinho de vento pra apagar o fogo”. Só que, tempos depois, no programa de David Letterman, o mesmo Townshend contou que copiou o gesto do Keith Richards, já que o The Who, bem no início da carreira, abrira alguns shows pros Stones. Ele viu Keith fazendo isso no palco e, no dia seguinte, mandou um windmill na abertura. No fim do espetáculo perguntou a Keith se ele tinha gostado da homenagem, mas Keith não lembrava ter ter feito o gesto e comentou: “Aquela hora em que você pegou no pau, no fim da apresentação… Foi pra mim?”.
Todos os integrantes do The Who eram muito diferentes entre si. Sempre brigaram bastante e Pete afirma ainda hoje que jamais um grupo deve se separar enquanto está brigando. “É quando tem mais pegada”. Townshend era o compositor e inovador (embora Entwistle também contribuísse com canções). Pete também era uma central de novidades, enquanto Daltrey preferia ficar só com os rocks agressivos. Moon amava a surf music norte-americana e Entwistle a elegância do jazz. É estranho dizer isso hoje, mas, no começo, Daltrey era considerado o patinho feio do Who. Ele via que estava entre três virtuoses em seus instrumentos e sofria com a silenciosa desaprovação. Achava que seria chutado. Ontem, estava com Pete do Beira-Rio.
O primeiro sucesso retubante veio na estreia do LP My Generation. O álbum trazia canções que se tornariam hinos, como The kids are alright e a faixa-título com o famoso verso I hope I die before I get old (“Eu espero morrer antes de envelhecer”). Outros êxitos seguiram-se com os compactos simples Substitute, I’m a boy, Happy Jack (1966), Pictures of Lily, I can see for miles (1967) e Magic bus (1968).
Apesar do grande sucesso alcançado com seus compactos simples, o Who, ou mais especificamente Townshend, queria mudar, achava o modelo esgotado. Ao mesmo tempo que o som da banda evoluía e suas músicas se tornavam mais provocativas e envolventes, Townshend passava a tratar os álbuns do Who como projetos unificados, ao invés de meras coleções de canções desconexas. O primeiro sinal desta ambição surgiu como LP A Quick One (1966), que trazia uma coleção de canções que, reunidas, contavam uma história. A Quick One, While He’s Away foi chamada de “mini-ópera”.
A seguir veio The Who Sell Out (1967), um álbum que pretendia simular a transmissão de uma estação de rádio pirata, incluindo jingles e propagandas.
Nessa época, os ensinamentos de Meher Baba — sim, a cultura dos anos 60 reverenciava os gurus orientais — passaram a exercer influência importante nas composições de Townshend, e essa conjunção de ideias acabaria desaguando em Tommy (1969), sua primeira ópera-rock completa e a primeira a alcançar sucesso comercial, imenso sucesso comercial. O indiano é creditado como “Messias” na contra-capa do álbum Tommy. No mesmo ano, o grupo esteve em Woodstock tocando basicamente Tommy. As canções Pinball Wizard, See me feel me, Go to the mirror e The Acid Queen, entre outras, tornaram-se clássicos.
Em fevereiro de 1970 o Who gravou Live at Leeds (1970), considerado por muitos o melhor álbum ao vivo de rock de todos os tempos, tocando basicamente Tommy… Na verdade, Live at Leeds foi lançado originalmente sem nenhuma canção de Tommy em um LP com apenas 6 músicas — sendo 3 covers, My Generation, Substitute e Magic Bus. Só na segunda edição em CD que todo o show pôde ser ouvido, com a execução da ópera Tommy no segundo disco.
Na época, todos os integrantes da banda — principalmente o autor, Townshend — estavam cheios de tocar Tommy e mais Tommy. O álbum tinha sido considerado o melhor da década de 60 junto com Sgt. Peppers e todos só queriam ouvir Tommy. Pete queria partir para outra e o Who preparou um grande disco sob a produção de Kit Lambert em Nova York. Só que Lambert, então viciado em heroína, era de pouco auxílio e a banda retornou à Inglaterra para regravar o material com o produtor Glyn Johns. O resultado, Who’s Next (1971), acabaria por ser o trabalho mais aclamado do The Who entre os críticos e fãs.
É difícil destacar alguma coisa em Who’s Next, o álbum mais parece uma coletânea de melhores canções, apesar de não ser. Bastaria dizer que o disco começa com Baba O’Riley e Bargain e acaba com Behind Blue Eyes e Won’t Get Fooled Again, OK?
Após Who’s Next a banda voltaria ao estúdio em maio de 1972. Essas sessões dariam origem a mais uma ópera-rock de Townshend, Quadrophenia (1973), a história de dois dias na vida de um adolescente mod chamado Jimmy, sua luta contra todo gênero de inquietações, mas principalmente sua busca por um lugar na sociedade. Quadrophenia tem o mesmo nível de Who`s Next, é um notável trabalho, daqueles onde a cada audição são descobertos novos detalhes. O Who tocou Love, reign o’er me e Cut my hair nesta terça-feira.
Os álbuns seguintes do Who traziam canções mais pessoais de Townshend, dentro do estilo que ele eventualmente transferia para seus álbuns solo. The Who by Numbers, de 1975, traz diversas canções introspectivas e maravilhosas, como Blue, Red and Grey.
A qualidade do somatório de canções originais do Who são comparáveis ao acervo criado pelos Beatles e Rolling Stones. Se acrescentarmos o Led Zeppelin, com uma produção menor em número, temos aí o quarteto intocável do rock e talvez da música inglesa dos últimos 50 anos. Se o Who inventasse de tocar todas as clássicas do grupo, iam precisar de várias noites.
Em 1978 a banda lançou Who Are You, distanciando-se do estilo épico das óperas rock, enquanto se aproximava do som mais comum das rádios. O lançamento do álbum foi ofuscado pela morte de Keith Moon devido a uma overdose acidental de um remédio prescrito para o combate ao alcoolismo. Kenney Jones, ex-Small Faces, assumiu seu lugar. No ano seguinte, a tragédia voltou a rondar o grupo: no dia 3 de dezembro de 1979 um tumulto no lado de fora do Riverfront Coliseum, em Cincinnati, Ohio, provocou a morte de onze fãs que aguardavam o início de um show. A banda soube do incidente somente após a apresentação.
Depois veio o declínio, a separação e o retorno. Lançaram o médio Face Dances em 1981 e o melhor It’s Hard em 1982. Após estes trabalhos, passaram a se reunir apenas para grandes eventos e só lançaram mais um álbum de inéditas, Endless Wire, em 2006.
Porém, após participar do encerramento dos Jogos Olímpicos de Londres, em 2012, o Who voltou com força total. Pete e Roger anunciaram que uma nova e esperada turnê de Quadrophenia aconteceria. The Who tocou pela Europa em novembro e dezembro e pela América do Norte em janeiro e fevereiro de 2013. A turnê seguiu pela Inglaterra e França.
Hoje, o baterista Zak Starkey — filho do beatle Ringo Starr — substitui Moon à altura, mas nada substitui a inalcançável classe e os solos do baixista John Entwistle, nem o bom Jon Button. E há mais um guitarrista no grupo: Simon, irmão de Pete Townshend.
A entrevista de Pete Townshend (72) após o concerto do Rock in Rio foi curiosa. Não é sempre que se ouve um sujeito que diz que se divertiu tocando coisas que escreveu há 50 anos. Mas fazer o quê?, é verdade. Ele parecia um menino solando e regendo sua tremenda banda. E Roger Daltrey, do alto de seus 1,68 m e 73 anos? O timbre áspero e forte permanece, mas às vezes ele falha. Querem saber? Grande coisa!
Para finalizar, ressaltamos que ouvir Won`t get fooled again (Não seremos feitos de trouxas novamente) no país de Michel Temer e Bolsonaro soa pra lá de estranho. Mais estranho ainda é ouvir Daltrey dizer na mesma canção: Meet the new boss, same as the old boss!” (Conheça o novo chefe, igual ao antigo chefe!).
Stálin tinha real interesse por arte, costumando ir a concertos, óperas e peças de teatro. Foi ele, pessoalmente, quem assistiu, reprovou e fez proibir uma ópera de Shostakovich, por exemplo. Também assistiu quinze vezes — não é exagero — à peça Os Dias dos Turbin, de Mikhail Bulgákov. Simplesmente adorou. Stálin também costumava telefonar de madrugada para assessores e outras pessoas quaisquer com quem tivesse assuntos a tratar. Sofria de insônia e, com sua fama, é claro que assustava quem recebia as ligações. Telefonou uma vez para Bulgákov após este lhe enviar quase uma centena de cartas pedindo permissão para emigrar. A lenda diz que foram várias ligações, mas uma aconteceu com certeza.
O conteúdo desta ligação é bem conhecido. Bulgákov ficou com medo e teve receio de insistir quando Stálin disse que preferia que ele permanecesse na URSS. O líder prometeu-lhe um emprego em um teatro, o que acabou acontecendo. Assim ele encontrou trabalho no Teatro da Juventude de Trabalho de Moscou (TRAM), e depois no Teatro de Arte de Moscou. Neste século, o dramaturgo espanhol Juan Mayorga escreveu uma peça que começa com o famoso telefonema de Stálin para Bulgákov, chamada Cartas de Amor para Stálin.
Anos depois da conhecida ligação, Bulgákov tentou se tornar um escritor “soviético”, dentro dos padrões do realismo socialista. Em 1939, ele começou a trabalhar em uma peça laudatória ao líder. Mas Stálin, ao ler os esboços, parece não ter ficado satisfeito e, sem falar com o autor, indiretamente proibiu Bulgákov de terminá-la, não permitindo o acesso do escritor e de sua esposa aos arquivos em Batumi, cidade georgeana onde Stálin iniciou sua vida política. A peça era cheia de clichês socialistas, nada era vivo. E o Secretário-Geral sabia como Bulgákov podia escrever.
Nós também. Bulgákov morreu em 1940 e sua maior obra, O Mestre e Margarida, veio a público somente em 1966-67. Ou seja, ela permaneceu desconhecida de seus contemporâneos. Mas ele já tinha publicado peças de teatro e outras obras em prosa, como as extraordinárias novelas Os Ovos Fatais e Um Coração de Cachorro. Sua arte é de absoluto virtuosismo. Se o campo onde se sente melhor é o da sátira corrosiva, ele também sabia descrever cenários bíblicos, como fez em partes de O Mestre.
Mikhail Bulgákov (1891-1940) nasceu em Kiev, na Ucrânia, que era então parte do Império Russo. Ele foi o primeiro filho de Afanasiy Bulgákov, professor da Academia Teológica de Kiev. Seus avôs eram clérigos da Igreja Ortodoxa Russa. Em 1916, formou-se médico na Universidade de Kiev e depois, junto com seus irmãos, alistou-se no Exército Branco. No início da Primeira Guerra Mundial, como médico voluntário na Cruz Vermelha, foi imediatamente enviado para o front, onde foi gravemente ferido em duas ocasiões.
Após a Guerra Civil, com a derrota dos brancos e a ascensão do poder dos soviéticos, sua família emigrou para o exílio em Paris. Apesar de sua situação relativamente privilegiada durante os primeiros anos da Revolução, Bulgákov viu-se impedido de emigrar da Rússia devido a um insistente tifo. Nunca mais viu sua família.
As lesões da guerra tiveram graves efeitos sobre sua saúde. Para aliviar sua dor crônica, especialmente no abdômen, foi-lhe administrada morfina. Ficou viciado, mas parou de injetá-la em 1918. O livro Morfina, publicado em 1926, atesta a situação do escritor durante esses anos. Em 1919, ele decidiu trocar a medicina pela literatura.
Em 1932, Bulgákov casou-se com Elena Shílovskaya, que seria a inspiração do personagem Margarida de sua novela mais famosa. Durante a última década de sua vida, Bulgákov trabalhou em O Mestre e Margarida, além de escrever peças, fazer revisões, traduções e dramatizações de romances. Alguns foram para o palco, outros não foram publicados e ainda outros foram destruídos.
Para quem hoje lê Bulgákov, o fato do escritor não apoiar o regime comunista é apenas uma informação complementar. O que interessa é que ele foi o mais brilhante dos gozadores, dos zombeteiros. O autor ria da burocracia e dos governantes. Porém, como dissemos acima, Stálin adorava de uma de suas peças. Não obstante o amor do chefe, o escritor suportou grande assédio da NKVD, que chegou a procurá-lo em casa e prendeu-o em mais de uma ocasião.
Muitas evidências sobreviveram sobre a atitude do escritor em relação ao poder soviético na década de 1920. Entre eles há artigos na imprensa branca e materiais de interrogatórios. Porém, curiosamente, os brancos o criticavam por ser pró-revolução e os revolucionários pelo motivo contrário. Para os comunistas, sua arte era um “brancovanguardismo” e ele seria um “reacionário social”; para os brancos, ele seria apenas um vendido. É curiosa a posição de admiração de Stálin, apesar da polêmica. Muitos escritores que não apoiaram a liderança de Stálin foram presos. Bulgákov não.
Bulgákov morreu de um problema renal em 1940, aos 48 anos.
Em vida, Bulgákov ficou conhecido principalmente pelas obras com as quais contribuiu para o Teatro de Arte de Moscou de Konstantín Stanislavski. Foram muitas comédias e adaptações de romances para o teatro, casos, por exemplo, de Dom Quixote e Almas Mortas. Bulgákov também escreveu uma comédia grotesca fazendo com que Ivan, o Terrível, aparecesse em Moscou na década de trinta. Um sucesso.
Em meados de 1920, Bulgákov conheceu os livros de H. G. Wells e, profundamente influenciado, escreveu várias histórias com elementos de ficção científica. Um exemplo é a extraordinária novela Um Coração de Cachorro, onde Bulgákov critica abertamente — e com impressionante cinismo e ironia — a primeira década do poder soviético. Outro é a hilariante Os Ovos Fatais.
Morfina merece menção especial. Trata-se do diário de um companheiro do protagonista, o médico Poliakov. É uma crônica da autodestruição, escrita em termos perturbadores. Ele escreve no início do livro: “Eu não posso ajudar a louvar quem primeiro extraiu a morfina das cabeças das papoulas”. No mais, é uma história clínica escrita por um mestre. “Como viciado, eu declararia que o ser humano só pode funcionar normalmente após uma injeção de morfina, mas eu era médico”.
A grande obra-prima
A novela satírica O Mestre e Margarida, escrita para a gaveta, sem chances ou tentativas de publicação durante sua vida e que foi publicada por sua esposa vinte e seis anos após a morte do escritor, certamente lhe garante a imortalidade literária. Por muitos anos, o livro só pôde ser obtido na União Soviética como samizdat, antes de sua aparição por capítulos na revista Moskva. É o grande romance do período soviético e que contribuiu para criar várias expressões do dia a dia russo.
Sabem aqueles livros que valem por cada palavra? Que é engraçado, profundo, social, histórico, existencial e grudento? Pois O Mestre e Margarida satisfaz todas as condições acima. A influência do livro pode ser medida pelo reflexo da obra não somente na cultura russa, mas na mundial. O livro Os Versos Satânicos, de Salman Rushdie, tem clara e confessa influência de Bulgákov; a letra da canção Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones, foi escrita logo após Mick Jagger ter lido o livro, assim como Pilate, do Pearl Jam, e Love and Destroy da Franz Ferdinand, a qual é baseada no voo de Margarida sobre Moscou. Mas nem só a literatura e o rock homenageiam Bulgákov: o compositor alemão York Höller compôs a ópera Der Meister und Margarita, que foi apresentada em 1989 na ópera de Paris e lançada em CD em 2000.
O romance começou a ser escrito em 1928. Em 1930, o primeiro manuscrito foi queimado pelo autor após ver censurada outra novela de sua autoria. O trabalho foi recomeçado em 1931 e finalizado em 1936. Sem perspectiva alguma de publicação, Bulgákov dedicou-se a revisar e revisar. Veio uma nova versão em 1937 e ainda outra em 1940, ano de sua morte. Na época, apenas sua mulher sabia da existência do romance.
Uma versão modificada e com cortes da censura foi publicada na revista Moscou entre 1966 e 1967, enquanto o samizdat publicava a versão integral. Em livro, a URSS só pôde ler a versão integral em 1973 e, em 1989, a pesquisadora Lidiya Yanovskaya fez uma nova edição — a que lemos atualmente — baseada em manuscritos do autor.
Uma amiga russa me escreve por e-mail: “Eu tinha uma colega de quarto que lia apenas O Mestre e Margarida. Ela terminava e voltava ao início. E dava gargalhadas e mais gargalhadas. Na Rússia o livro foi tão lido que surgiram expressões coloquiais inspiradas por ele. A frase dita por Woland, Manuscritos não ardem, é usada quando uma coisa não pode ou não será destruída. Outra é Ánnuchka já derramou o óleo, para dizer que o cenário de uma tragédia está montado”.
As cenas de Pôncio Pilatos, a do teatro, a do belíssimo voo de Margarida e a do baile são citadas aqui e ali com enorme admiração. E a fama é justa.
A ação do romance ocorre em duas frentes, alternadamente: a da chegada do diabo a Moscou e a da história de Pôncio Pilatos e Jesus, com destaque para o primeiro. O estilo do romance varia espetacularmente. Os capítulos que se passam em Moscou têm ritmo vivo e tom de farsa, enquanto os capítulos de Jerusalém estão escritos em forma clássica e naturalista. Em Moscou, o demônio (Woland) vem acompanhado de uma improvável claque composta por Korovin — altíssimo com seu monóculo rachado –, o enorme gato Behemoth (hipopótamo, que rima com gato em russo), o pequeno Azazello e a bruxa Hella, sempre nua.
Moscou surge como um caos: é uma cidade atolada em denúncias e na burocracia, as pessoas simplesmente somem e há comitês para tudo. No livro, o principal comitê é uma certa Massolit (abreviatura para sociedade moscovita de literatura, que também pode ser interpretada como literatura para as massas) onde escritores lutam por apartamentos e férias melhores. Há também toda uma incrível burocracia, tão incompreensível quanto as descritas por Kafka, mas que formam uma atordoante série de cenas hilariantes.
Naquela Moscou o diabo está em casa e podem deixar tudo com ele, pois Woland e sua trupe demonstram notável criatividade para atrapalhar, alterar, sumir e assombrar. O escritor Bulgákov responde sempre à altura das cenas criadas. A cena do teatro onde é distribuído dinheiro e a do baile — há ecos dos bailes dos romances de Tolstói — são simplesmente inesquecíveis. Falei em Tolstói, mas a base de criação de Bulgákov é outro cômico ucraniano: Gógol.
O livro pode ser lido como uma comédia de humor negro, como alegoria místico-religiosa, como sátira à Rússia soviética ou como crítica à superficialidade das pessoas. Há mais pontos bem característicos: Bulgákov jamais demonstra nostalgia da Rússia czarista — apenas da religião — e Woland não está em oposição direta a Deus. Ele é como um ser que pune os maus e a covardia — é frequente no livro a menção de que a covardia é a pior das fraquezas. E as punições de Woland são criativas, desconcertantes.
Em 2006, o Museu Bulgákov, em Moscou, foi vandalizado por fundamentalistas. O museu fica no antigo apartamento de Bulgákov, ricamente descrito no romance e local dos mais diabólicos absurdos. Os fundamentalistas alegavam que O Mestre e Margarida era um romance satanista.
Nas imagens finais de O Mestre, Mikhail Bulgákov dá uma dura avaliação do mundo que encontrou. Ele seria infernal e sem esperança. Era óbvio que as tentativas de se tornar parte do mundo soviético falharam. Ele não entendia aquele novo idioma.
Obs.: A tradução de Zoia Prestes, para a Alfaguara, é bastante superior à antiga, lançada lá por volta de 1993 pela Ars Poetica. Mas a mais recente, de Irineu Franco Perpétuo, para a Editora 34, é ainda melhor.
~ Curiosidades ~
A venda da alma
Sabe-se que Bulgákov foi muitas vezes ao Bolshoi para ver e ouvir a ópera Fausto, de Charles Gounod. Esta ópera sempre o animava, ele voltava feliz para casa. Mas, um dia, Bulgákov voltou do teatro em estado muito sombrio. Ele tinha começado a escrever sua peça sobre Stálin, Batumi. Bulgákov reconheceu-se na imagem de Fausto. Como escrevemos acima, a peça jamais foi concluída por ter sido indiretamente reprovada por Stálin.
Personagem desaparecido
Em 1937, nos 100 anos de aniversário da morte de Pushkin, vários autores apresentaram peças dedicadas ao poeta. Entre elas, havia uma de Bulgákov. Alexander Pushkin distinguia-se das obras de outros autores pela ausência do personagem principal. Bulgákov acreditava que a aparição do homenageado no palco tornaria tudo vulgar e insípido. Sua peça foi considerada a melhor daquele ano.
Tesouro
No romance A Guarda Branca, Bulgákov descreveu com bastante precisão a casa em que morara em Kiev. Lá, haveria um tesouro. Os novos proprietários da casa quase a derrubaram, quebrando paredes ao tentar encontrar o dinheiro descrito no romance. É óbvio que não encontraram nada e ainda ficaram irritados com o escritor.
História de Woland
Woland recebeu seu nome a partir do Fausto de Goethe. No Fausto, ele é citado apenas uma vez, quando Mefistófeles pede para que espíritos malignos abram espaço pois “O nobre Woland está chegando!” Em outros Faustos ele aparece como Faland ou Phaland. A primeira edição de O Mestre continha uma descrição detalhada (15 páginas manuscritas) de Woland. Esta descrição está perdida. Além disso, na versão inicial, Woland era chamado Astaroth (um dos demônios mais altos do inferno, de acordo com a demonologia ocidental). Mais tarde, Bulgákov o substituiu.
O protótipo de Behemoth
Em russo, diz-se Begemot. O ultrafamoso assistente de Woland tinha um protótipo real, só que este não era um gato, mas um cachorro: o grande cão preto de Bulgákov chamava-se Behemoth. Esse cachorro era muito inteligente. Uma vez, quando Bulgákov estava comemorando o Ano Novo com sua esposa, logo após o relógio de parede dar doze badaladas, o cachorro também latiu 12 vezes, embora ninguém lhe tivesse ensinado.
Memória
Desde os primeiros anos de vida, Bulgákov demonstrou possuir uma memória excepcional. Lia muito. Diz a lenda que ele leu tantas vezes o romance Notre Dame de Paris, de Victor Hugo, que o sabia de cor.
Coleção
Bulgákov tinha todos os ingressos de teatro — peças, ópera e concertos — a que compareceu.
Crítica soviética
O escritor também colecionava, coladas em um álbum, recortes de jornais e revistas com críticas de suas obras. Dava ênfase às mais devastadoramente hostis. De acordo com Bulgákov, ali havia 298 críticas negativas e apenas 3 elogiosas.
Defesa de Stanislavski
A primeira produção no Teatro de Arte de Moscou de Os Dias dos Turbin foi garantida por Konstantín Stanislavski. Ele simplesmente afirmou que, se a peça fosse banida, fecharia o teatro.
Stálin e Os Dias dos Turbin
Stálin gostava muito da peça e assistiu-a peça pelo menos 15 vezes, aplaudindo com entusiasmo desde o camarote destinado a membros do governo. Oito vezes ele desceu para falar com os artistas após a peça, a fim de incentivar a necessidade da luta política na literatura.
É uma escolha que pode variar. Meus discos preferidos dos Beatles são Rubber Soul, O Álbum Branco e Abbey Road, mas Revolver é, sem dúvida, o mais importante do ponto de vista da história do rock. Eu tinha 9 anos e lembro que minha irmã tinha comprado Rubber Soul e que pegara Revolver emprestado de uma amiga. Ambos eram objeto de culto absoluto em minha casa, na Av. João Pessoa, em Porto Alegre. Ignoro como não furaram, de tanto que ouvimos.
Revolver é um divisor de águas na história dos Beatles e do rock. A partir dele, o grupo deixou de se apresentar em público porque as canções não poderiam ser reproduzidas no palco, uma aparente necessidade da época. Era um álbum criado em um estúdio muito bem equipado, com recursos que poderiam ser buscados onde estivessem e o grupo — para nossa sorte — passou a ser escravo da casa de Abbey Road onde gravava, tanto que só fez mais uma apresentação pública até sua dissolução. As gravações envolveram fitas tocadas de trás para diante — como no solo de guitarra de Tomorrow never knows, arrancado de Taxman — orquestra, quarteto de cordas, o extraordinário trompista Alan Civil, etc. Para Revolver, os Beatles alteraram totalmente a forma de compor e George Martin foi atrás. Eu disse atrás, não na frente. Muito da inovação sonora e de estilo das músicas do álbum deve-se ao engenheiro de som Geoff Emerick. Foi dele a ideia de aproximar os microfones aos instrumentos e amplificadores, em especial, à bateria de Ringo, o que produziu um som mais pesado e impactante. A EMI detestou a novidade. A direção da gravadora se reuniu com os músicos, querendo vetar o novo estilo, mais agressivo, porém Paul, falando em nome do grupo, deu um ultimato aos executivos: “De agora em diante, esse é o nosso som. Ou será assim ou simplesmente não será”.
O ecletismo tornou-se uma marca do rock. Vejam o que foi feito depois de Revolver e o que tínhamos antes. O LP lançado na Inglaterra em 5 de agosto de 1966, abriu muitas portas. As letras abandonam o garoto-encontra-garota e falam de impostos, de vidas desperdiçadas, do vazio diário, do sono, da tristeza dos finais das relações e de um certo e altamente lisérgico submarino amarelo. Os arranjos ganharam inédita complexidade, mostrando quem era George Martin, um irreverente erudito.
Como se não bastasse, o álbum mostra a cara de cada um. George ganhou espaço. Colocou três composições suas das quatorze do disco. É sua a obra-prima chamada I want to tell you, canção sobre a frustração de querer dizer algo e não conseguir. Taxman é uma crítica aos impostos cobrados e Love you too traz pela primeira vez as cítaras para o rock. Ele estava cada vez mais envolvido com a cultura indiana e Ravi Shankar. E todos estavam mergulhados nas drogas.
Lennon torna-se o irônico que foi até a morte. Em Tomorrow never knows, exige que sua voz soe como a do dalai lama cantando na montanha, seja lá isso o que for. É uma viagem drogadíssima de três minutos. George Martin que se virasse. Em Tomorrow há as fitas tocadas de trás para diante, oboés dando risadas, uma bateria violentíssima — Ringo parecia alucinado — e uma letra sensacional. E o que dizer das deliciosas Dr. Robert e She said she said? A primeira era uma alusão ao fornecedor de drogas do grupo, ali chamado de doutor Robert. E diz:
Ring my friend, I said you call Doctor Robert Day or night he’ll be there any time at all, Doctor Robert Doctor Robert, you’re a new and better man He helps you to understand He does everything he can, Doctor Robert
(…)
Well, well, well, you’re feeling fine Well, well, well, he’ll make you… Doctor Robert
Ainda de John, há I´m only sleeping, que fala sobre como John amava dormir e odiava ter seu sono interrompido. O arranjo é bastante onírico com a voz de John sendo sutilmente distorcida por um gravador em velocidade pouca coisa mais alta que a correta.
Mas as canções de Paul talvez sejam o ponto alto de Revolver. Eleanor Rigby é um clássico sobre a solidão. O arranjo para cordas de Martin é uma pérola irrepetível. “Onde estão os outros Beatles nesta música?” — perguntava a criança que eu era na época. “Onde ficaram as guitarras de John e George?” For no one é, em minha opinião, uma das melhores canções já compostas. De repente, surge a trompa de Alan Civil para dar ornamento fundamental a uma melodia lindíssima. Há também a canção favorita de McCartney, Here there and everywhere, e a inacreditável soul music by Paul de Got to get you into my life que nos faz perguntar novamente onde diabo estão os Beatles, pois o acompanhamento é quase só de metais.
Yellow Submarine, escrita por Paul e cantada por Ringo, tem em sua letra um tema infantil que depois seria aproveitado para dar título a um desenho animado. Traz sons de bolhas, barulho de água e outros sons gravados em estúdio. A letra sugere mais drogas, não? “Vamos vivendo uma bela vida / Achamos para tudo uma saída / Céu azul, mar verde e belo / Em nosso submarino amarelo”.
Revolver foi uma viagem sem volta na estética do grupo. Ouçam outros discos de 66 e a maioria parecerá vir de um passado remoto se comparados com este LP.
Mas por que Revolver? As sugestões eram as seguintes: Many years from now, Magic circles, Beatles on safari, Four sides of the eternal triangle, Pendulum e After Geography, uma brincadeira de Ringo com Aftermath, álbum dos Rolling Stones. Mas Revolver venceu porque se referia tanto à arma quanto ao movimento de revolução de um disco de vinil no prato giratório de um toca-discos.
Se você nunca ouviu Revolver, sua vida não mudará em nada, mas ele foi uma pedra fundamental para o rock para chegar à época de ouro setentista. Sem este degrau, tudo seria menor.
Relação de canções de Revolver.
Taxman (Harrison) 2:39
Eleanor Rigby (McCartney) 2:07
I’m Only Sleeping (Lennon) 3:01
Love You To (Harrison) 3:01
Here, There and Everywhere (McCartney)2:25
Yellow Submarine (McCartney)2:40
She Said She Said (Lennon) 2:37
Good Day Sunshine (McCartney)2:09
And Your Bird Can Sing (Lennon) 2:01
For No One (McCartney) 2:01
Doctor Robert (Lennon) 2:15
I Want to Tell You (Harrison) 2:29
Got to Get You into My Life (McCartney)2:30
Tomorrow Never Knows (Lennon) 2:57
Hoje, minha praia são os eruditos, mas em 1971 tinha de 13 para 14 anos e estava atento a tudo o que acontecia na música que ouvia — a MPB e o rock. Dando uma olhada nos lançamentos daquele ano, vejo muito daquilo que é ouvido e reverenciado até hoje, mesmo que tenham passado 45 anos. A lista reduzida que deixo para vocês logo após a imagem da capa do Led Zeppelin IV é impressionante. É complicado vencer 1971, um ano acachapante em que — reduzindo ainda mais a lista — foram produzidas coisas como Led Zeppelin IV, Who`s Next?, Aqualung, Tapestry, L. A. Woman, American Pie e Fragile. Talvez Baba O’Reilly tenha sido a melhor gravação do melhor ano da história das gravações, não? Este post foi suscitado pelo lançamento de Never a Dull Moment: Rock’s Golden Year (Nenhum Momento Chato: o Ano de Ouro do Rock) do crítico inglês David Hepworth.
Abaixo, a lista reduzida, repito.
Paranoid — Black Sabbath
Pearl — Janis Joplin
Tapestry — Carole King
Aqualung — Jethro Tull
Sticky Fingers — Rolling Stones
L.A. Woman — The Doors
Blue — Joni Mitchell
American Pie — Don McLean
Ram — Paul McCartney
Who’s Next — The Who
Tarkus — Emerson, Lake & Palmer
Meddle — Pink Floyd
At Fillmore East — The Allman Brothers
Nursery Crime, Genesis
Electric Warrior — T. Rex
Fireball — Deep Purple
Imagine — John Lennon
Led Zeppelin IV — Led Zeppelin
The Concert for Bangladesh — George Harrison, Eric Clapton e outros
Killer — Alice Cooper
Fragile — Yes
Hunky Dory — David Bowie
Os Rolling Stones são famosos por seus casos amorosos. Embora muitas de suas mulheres tenham convivido pouco tempo com a banda ou com integrantes dela, várias tiveram influência a produção de canções. Seja como inspiração, seja como co-autoras. Retirada daqui, a matéria foi alterada e ampliada.
1. Chrissie Shrimpton: Com Mick Jagger entre 1963 e 1966. Para ela, foram compostas Under My Thumb e Yesterday’s Papers.
2. Christa Paffgen: Também conhecida como Nico, do Velvet Underground. Foi namorada de Brian Jones em 1967.
3. Anita Pallenberg: De férias em Marrocos, Anita Pallenberg troucou Brian Jones por Keith Richards. Permaneceu com Richards entre 1967 e 1979, mas Keith afirma que ela também passou algumas noites com Jagger. Pallenberg tinha enorme influência sobre os Stones — faixas foram remixadas a seu pedido e ela foi a inspiração para as canções You Got The Silver e Happy. Ela também fez backing vocal em Sympathy for the Devil.
4. Marianne Faithfull: O lindíssimo vendaval Faithfull permaneceu quatro anos com Jagger. Ela o apresentou às drogas. Durante uma batida policial na fazenda de Richard, Faithfull foi encontrada pelos homens da lei vestindo apenas um tapete. Eles ficaram perturbados. Confessadamente, várias faixas, incluindo Sympathy for the Devil e You Can’t Always Get What You Want foram compostas a respeito dela, que também co-escreveu Sister Morphine.
5. Anna Wohlin: Anna Wohlin era namorada de Brian Jones, no momento de sua morte. Foi ela quem arrastou seu corpo da piscina naquele trágico dia em 1969. Recentemente, Anna contestou o veredicto de que Jones morreu afogado devido a uma overdose. Ela agora afirma que ele foi morto em uma briga com Frank Thorogood, um empregado que Jones despediu alguns dias antes.
6. Marsha Hunt: A cantora norte-americana Marsha Hunt deu à luz a filha de Mick Jagger em 1970, mas Jagger se recusou a admitir que era o pai da criança até uma década mais tarde. Boatos dão conta que, quando Mick conheceu Marsha, ficou obcecado com ela, usando-a como inspiração para Brown Sugar.
7. Bianca Jagger: Junto com Faithfull, a mais bela. Bianca Pérez-Mora Macias casou com Jagger em 1971, quando estava grávida de quatro meses. Abaixo, ela cavalga no Studio 54 durante seu aniversário em 1977. Um ano mais tarde, Bianca pediu o divórcio devido ao adultério de Jagger com Jerry Hall. Mais tarde, ela disse: “Meu casamento acabou no dia do meu casamento”. Foi inspiração para Luxury e Respectable.
8. Jerry Hall: Jerry Hall começou a sair com Mick Jagger em 1977 e casou-se com ele em uma cerimônia hindu em 1990. Eles tiveram quatro filhos antes de ela descobrir que Luciana Gimenez estava grávida de Jagger. O casamento foi anulado em 1999. Miss You foi escrita para Hall.
9. Patti Hansen: Modelo e atriz norte-americana, Patti Hansen casou-se com Keith Richards no quadragésimo aniversário deste. Eles se conheceram em Studio 54 e Keith escreveu logo depois, “Ela é o mais belo espécime humano no mundo. Mas não é só isso! Ela tem enorme alegria e acha que esse viciado aqui é o cara que ela ama”.
10. Bebe Buell: Buell foi playmate do mês em novembro de 1974. Foi uma famosa groupie, namorada de Mick Jagger e Steven Tyler.
11. Uschi Obermaier: Obermaier foi uma modelo alemã que tinha conhecida ligação com o grupo Baader-Meinhof. Em 1975, ela viajou para os Stones numa turnê, tendo casos com Jagger e Richards .
12. Mandy Smith: Em 1989, aos 18 anos, Mandy Smith casou-se com o baixista Bill Wyman. Ele tinha 47. Eles estavam namorando desde que Mandy tinha apenas 13 anos Deste modo, sem surpresa nenhuma, a relação entre ambos atraía considerável atenção da mídia. Em 1993, o filho Stephen Wyman se envolveu com a mãe de Mandy.
13. Angela Bowie: Reza a lenda que Mick Jagger escreveu Angie a fim de acalmá-la depois que ela o pegou com David Bowie na cama.
14. Luciana Gimenez: Ela conheceu Mick Jagger em uma festa organizada por um empresário brasileiro. Durante uma noite eles ficaram hospedados no Hotel Copacabana Palace. O curto caso resultou em Lucas, filho brasileiro de Jagger. Na época, Jagger era casado com a modelo Jerry Hall (desde 1990), que em 1999 anulou o casamento após contestar a validade da cerimônia hindu.
Maiores detalhes, aqui. As imagens são da minissérie russa homônima, baseada da obra de Bulgákov. O autor do vídeo abaixo colocou como trilha sonora Sympathy for the devil, dos Rolling Stones, canção cuja letra é baseada no livro. Ele tentou fazer uma sincronia entre letra e imagens. Muitas vezes conseguiu, claro. No show dos Stones que o Multishow recentemente apresentou, Mick Jagger adentrou o palco para cantar Sympathy… vestido como um enorme gato preto. Letra e tradução estão abaixo.
Sympathy For The Devil
Please allow me to introduce myself
I’m a man of wealth and taste
I’ve been around for a many long years
Stole many a man’s soul and faith
And I was ‘round when Jesus Christ
Had his moment of doubt and pain
Made damn sure that Pilate
Washed his hands and sealed his fate
Pleased to meet you
Hope you guess my name
But what’s puzzling you
Is the nature of my game
I stuck around St. Petersburg
When I saw it was a time for a change
Killed the czar and his ministers
Anastasia screamed in vain
I rode a tank
Held a general’s rank
When the blitzkrieg raged
And the bodies stank
Pleased to meet you
Hope you guess my name, oh yeah
Ah, what’s puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah
(woo woo, woo woo)
I watched with glee
While your kings and queens
Fought for ten decades
For the gods they made
(woo woo, woo woo)
I shouted out,
“Who killed the Kennedys?”
When after all
It was you and me
(who who, who who)
Let me please introduce myself
I’m a man of wealth and taste
And I laid traps for troubadours
Who get killed before they reached Bombay
(woo woo, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
(who who)
But what’s puzzling you
Is the nature of my game, oh yeah, get down, baby
(who who, who who)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, oh yeah
But what’s confusing you
Is just the nature of my game
(woo woo, who who)
Just as every cop is a criminal
And all the sinners saints
As heads is tails
Just call me Lucifer
‘Cause I’m in need of some restraint
(who who, who who)
So if you meet me
Have some courtesy
Have some sympathy, and some taste
(woo woo)
Use all your well-learned politesse
Or I’ll lay your soul to waste, um yeah
(woo woo, woo woo)
Pleased to meet you
Hope you guessed my name, um yeah
(who who)
But what’s puzzling you
Is the nature of my game, um mean it, get down
(woo woo, woo woo)
Woo, who
Oh yeah, get on down
Oh yeah
Oh yeah!
(woo woo)
Tell me baby, what’s my name
Tell me honey, can ya guess my name
Tell me baby, what’s my name
I tell you one time, you’re to blame
Oh, who
woo, woo
Woo, who
Woo, woo
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah
What’s my name
Tell me, baby, what’s my name
Tell me, sweetie, what’s my name
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Woo, who, who
Oh, yeah
Woo woo
Woo woo
Sabem aqueles livros que valem por cada palavra? Que é engraçado, profundo, social, histórico, existencial e grudento? Pois O Mestre e Margarida satisfaz todas as condições acima. A influência do livro pode ser medida não apenas por minhas conversas com os amigos russos da Ospa, mas no reflexo da obra na cultura mundial. O livro Os Versos Satânicos, de Salman Rushdie, tem clara e confessa influência de Bulgákov; a letra da canção Sympathy for the Devil, dos Rolling Stones, foi escrita logo após Mick Jagger ter lido o livro, assim como Pilate, do Pearl Jam, e Love and Destroy da Franz Ferdinand, a qual é baseada no voo de Margarida sobre Moscou. Mas nem só a literatura e o rock, que não viveu para ouvir, homenageia Bulgákov: o compositor alemão York Höller compôs a ópera Der Meister und Margarita, que foi apresentada em 1989 na ópera de Paris e lançada em CD em 2000.
Em vida, tudo que o ucraniano Bulgákov (1891-1940) desejava era sair de Moscou e da União Soviética. Escreveu mais de uma centena de cartas a Stálin, justificando-se e pedindo permissão para deixar o país. Afinal, se tudo o que escrevia era proibido, era um inútil para a URSS. Tanto escreveu cartas que acabou recebendo um telefonema do próprio Stálin: este lhe oferecia um emprego num teatro, para o qual deveria escrever pecinhas tranquilas com seu indiscutível talento — e Stálin sabia reconhecer quem o tinha — e referendava o “desejo” de não ver o escritor fora do país. E Bulgákov sobreviveu escrevendo umas poucas peças de sucesso para o teatro, além de adaptar para o palco Dom Quixote e Almas Mortas.
Ele começou a escrever o romance em 1928. Em 1930, o primeiro manuscrito foi queimado pelo autor após ver censurada outra novela de sua autoria. O trabalho foi recomeçado em 1931 e finalizado em 1936. Sem perspectiva alguma de publicação, Bulgákov dedicou-se a revisar e revisar. Veio uma nova versão em 1937 e ainda outra em 1940, ano de sua morte. Na época, só sua mulher e amigos sabiam da existência do romance.
Uma versão modificada e com cortes da censura foi publicada na revista Moscou entre 1966 e 1967, enquanto o Samizdat publicava a versão integral. Em livro, a URSS só pôde ler a versão integral em 1973 e, em 1989, a pesquisadora Lidiya Yanovskaya fez uma nova versão — a que lemos atualmente — baseada em manuscritos do autor. A vida era assim na URSS.
O livro é digno da história contada por minha amiga bielo-russa Elena Romanov (aqui em uma versão livre e talvez equivocada de minha lavra…):
— Eu tinha uma colega de quarto que lia apenas O Mestre e Margarida. Ela terminava e voltava ao início. E dava gargalhadas e mais gargalhadas. Na Rússia o livro foi tão lido que surgiram expressões coloquiais inspiradas por ele. A frase dita por Woland “Manuscritos não ardem” é usada quando uma coisa não pode ou não será destruída. Outra é “Ánnuchka já derramou o óleo”, para dizer que o cenário da tragédia está montado.
As cenas de Pôncio Pilatos, do teatro, do belíssimo voo de Margarida e do baile eram conhecidas de mim por serem citadas aqui e ali com enorme admiração. E a fama é justa. Digo tudo isto porque é triste ver O Mestre e Margarida, obra muito popular em vários países, ignorada no Brasil.
Em 2006, o Museu Bulgákov, em Moscou, foi vandalizado por fundamentalistas. O museu fica no antigo apartamento de Bulgákov, ricamente descrito no romance e local dos mais diabólicos absurdos. Os fundamentalistas alegavam que O Mestre e Margarida era um romance satanista.
A ação do romance ocorre em duas frentes: a da chegada do diabo a Moscou e a da história de Pôncio Pilatos e Jesus, com destaque para o primeiro. O estilo do romance varia. Os capítulos que se passam em Moscou têm ritmo vivo e tom de farsa, enquanto os capítulos de Jerusalém estão escritos em forma clássica e naturalista. Em Moscou, o demônio (Woland) vem acompanhado de uma improvável claque composta por Koroviev — altíssimo com seu monóculo rachado –, o enorme gato Behemoth (hipopótamo, que rima com gato em russo), o pequeno Azazello e a bruxa Hella, sempre nua. Moscou surge como um caos: é uma cidade atolada em denúncias e na burocracia, as pessoas simplesmente somem e há comitês para tudo. No livro, o principal comitê é uma certa Massolit (abreviatura para sociedade moscovita de literatura, que também pode ser interpretada como literatura para as massas) onde escritores lutam por apartamentos e férias melhores. Há também toda uma incrível burocracia, tão incompreensível quanto as descritas por Kafka, mas que aqui vive uma atordoante e espetacular série de cenas hilariantes.
Como veem, em Moscou o diabo está casa e podem deixar tudo com ele, pois Woland e sua trupe demonstram toda a sua incrível criatividade para atrapalhar, alterar, sumir e assombrar. O escritor Bulgákov responde à altura das cenas criadas. A cena do teatro onde é distribuído dinheiro e a do baile — há ecos dos bailes dos romances de Tolstói — são simplesmente inesquecíveis. Falei em Tolstói, mas, fora de dúvida, a base de criação de Bulgákov é seu conterrâneo Gógol.
O livro pode ser lido como uma comédia de humor negro, como alegoria místico-religiosa, como sátira á Rússia soviética ou como crítica da superficialidade das pessoas. Bulgákov não é tolo: não há nostalgia da Rússia czarista. E mais: Woland não está em oposição direta a deus, mas como o ser que pune os maus e a covardia — é frequente no livro a menção de que a covardia é a pior das fraquezas (concordo muito). Porém, as punições de Woland são desconcertantes.
Agora é só ler, né? A tradução de Zoia Prestes, para a Alfaguara, é bastante superior à antiga, lançada lá por volta de 1993 pela Ars Poetica.
Publicado originalmente no Sul21 na tarde do último sábado. Escrito meio às pressas enquanto ouvia Frank e Back to Black.
Viva muito, morra jovem e deixe para trás um bonito cadáver
(“Live fast, die young and leave a good-looking corpse”) JAMES DEAN
A polícia britânica ainda não divulgou a causa da morte de Amy Winehouse, ocorrida neste sábado à tarde (23), em Londres. O corpo da cantora de 27 anos foi encontrado em seu apartamento após o serviço de emergência ter sido chamado por volta do meio-dia (horário de Brasília). A polícia de Camden Square emitiu comunicado confirmando a morte. “Fomos chamados devido à descoberta de uma mulher morta. Era a cantora Amy Winehouse. As circunstâncias serão investigadas”, encerrava a mensagem.
A carreira de Amy Winehouse foi marcada tanto pelo estupendo sucesso de público e crítica como por uma série de escândalos e polêmicas. Boa cantora, boas músicas, mas a mídia e o mundo revelavam-se mais interessados em seus porres e problemas. Seu nome está mais ligado às drogas do que a seu indiscutível talento; seu público queria tanto os blues, o soul, quanto os vexames. E ela dava motivos a todos, alternando performances espetaculares com shows onde era vaiada, como o ocorrido numa recente apresentação em Belgrado, na Sérvia: o público não entendia o que ela cantava e nem ela parecia dar-se conta do que fazia ali seu grupo de músicos. Aparentemente, estava totalmente alcoolizada.
Amy Winehouse era dona de uma voz poderosa, bela, e de uma maneira negra de cantar. O velho blues e a Motown eram suas maiores influências. Discretamente antiquada, old-fashionedgirl, dava preferência aos instrumentos acústicos e aos arranjos que destacassem sua bela voz. Por vezes, também, soava como uma cantora dos cabarés de antigamente.
O terceiro CD da cantora estava sendo produzido desde 2008 e nunca foi concluído. Amy compôs algumas canções, mas estas foram rejeitadas pelos produtores. Ela chamou Mark Ronson para “tentar salvar o disco”, mas os dois não chegaram nem a se reunir. Canções perfeitas como Rehab, Back to Black, Wake up alone e Love Is a Losing Game ficarão sem sucessoras.
A morte de Amy Winehouse aos 27 anos, vem colocá-la no indesejado e ilustre Clube 27, o dos grandes artistas mortos nesta idade. É fenômeno comum os ícones da cultura pop serem reavaliados para cima quando morrem, tornando-se eternos no imaginário popular. Mesmo que sejam famosos e talentosos em vida, se morrerem jovens e, sobretudo, de causa trágica e misteriosa (overdose, suicídio, homicídio ou acidente), tornam-se objetos de culto e de programas e filmes onde se pranteia sua memória. Porém, como disse Virginia Woolf na introdução de Orlando (1928): “Há outros que, embora talvez igualmente ilustres e importantes, ainda estão vivos e, por essa razão, são menos formidáveis”.
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Se circunscrevermos as mortes do chamado “Clube 27”, teremos um time realmente considerável. Tudo parece ter começado em 3 de julho de 1969 com a morte de Brian Jones, guitarrista dos Rolling Stones. No ano seguinte, foi a vez de Jimi Hendrix (18/9) e Janis Joplin (4/10). Mais um ano e, em 1971, morre o líder do The Doors, Jim Morrison em 3 de julho. Estava formado o “Clube 27” pelo simples fato de todo o quarteto ter morrido num período curto com a mesma idade.
(Na música erudita há famosa Maldição da Nona Sinfonia. Vários compositores morreram logo após finalizarem suas Nonas: Beethoven, Mahler, Schubert, Bruckner, Dvorak e Spohr. Mahler escreveu antes A Canção da Terra procurando fugir da 9ª. Não deu certo.).
Quando Kurt Cobain suicidou-se em 1994, também aos 27 anos, muito falou-se que ele teria confidenciado a amigos que ele desejava unir-se ao Clube. Ainda no rol dos que teriam manifestado vontade de obter uma carteirinha estão o espantoso artista plástico Jean-Michel Basquiat, morto em 1988, e, para voltar aos músicos, o legendário guitarrista de blues Robert Johnson, morto em 1938. Se Johnson morreu bem antes, ao menos manteve a coincidência de talento e de um fim por drogas, caso do quarteto e de Basquiat. Afinal, a estricnina colocada em seu uísque por um dono de bar enciumado de sua mulher também é droga. Ou não?
E James Dean, autor da clássica frase que nos aconselhava a morrermos jovens, foi ainda mais apressado, falecendo aos 24 anos.
Sou uma pessoa que quase só ouve música erudita mas que não vê o resto do mundo com superioridade, coisa tão comum entre meus pares… Ouvi rock somente até a adolescência e ainda tenho, em vinil, um bom acervo de “dinossauros”, o qual muitas vezes provoca ohs e uaus nos amigos de meu filho. Ele, Bernardo, hoje com 18 anos, costumava reclamar de mim por ter abandonado o rock que ainda ama e queria que eu voltasse à minha adolescência pondo só Beatles, Led Zeppelin, Deep Purple, Rolling Stones e mesmo o medonho Pink Floyd pós-Dark Side no CD player — ele é um voraz consumidor de música e ficava carente entre seus muitos amigos por não encontrar, entre eles, outros que fossem tão “cultos” musicalmente.
Eu ficava pasmo de ser tão atualizado. Afinal, Bernardo e seus amigos ouviam embevecidos as novidades do tio Milton: Quadrophenia (1973) do Who, Fragile (1972) do Yes, A Night at the Opera (1976?) do Queen, e mais uns 100 bolachões inéditos para a petizada.
A cena era assim. Em pleno 2000 e alguma coisa, Bernardo se atirava sobre meus velhos vinis e desencavava uns Alice Cooper, uns The Who (legal!), uns Queen (bom), Gentle Giant (que voz horrorosa a daquele cantor) e até Slade. Por outro lado, sou casado com uma mulher que ama as óperas, principalmente as de Mozart e Rossini, e que tem baixa tolerância aos grupos de som mais agressivo e que começa a berrar (sério!) quando pressente a iminência de Pink Floyd, pois foi traumatizada por seu irmão que ouvia The Wall cinco vezes ao dia — era deprimido, claro. (A propósito, comprei The Wall no dia em que foi lançado no Brasil e o vendi com lucro dois dias depois. Era muita adolescência). E, para piorar, ouço insistente a voz de meu pai que sempre me dizia que era importante não perder a contemporaneidade.
O único acordo possível seria o de ficar ouvindo Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina, bebop e esquecer meu pai. Neste caso, todos ficariam felizes, mas o espectro se limitaria muito e estaríamos definitivamente fora das paixões de uns e outros. Ou seja, não dá.
Sou um cara de gosto musical eclético e até desejo ser tolerante, então só fecho a porta para as músicas absolutamente imbecis — ou seja, quase tudo –, além de boleros, alguns tangos cantados e reggaes, que não suporto. Por exemplo, ontem, fiquei bem feliz ouvindo com a Claudia a ópera L´Italiana in Algeri de Rossini. Porém, para aumentar a confusão sonora da casa, nos últimos dias fiz pesados esforços com roqueiros contemporâneos tais como Beck, Radiohead, Oasis e outros. Estes três são artistas ou grupos de produção muito boa e civilizada, porém… como são convencionais! Será que não há mais para onde ir? Cadê a vanguarda? Será que a indústria a sufocou?
Beck escreve as mesmas letras de gosto duvidoso que quase sempre caracterizaram o rock, mas é um grande inventor de melodias. Já o Radiohead se preocupa demais com a estrutura dos arranjos e perde a fluência. É um bom grupo que tem o problema de repetir-se ad nauseaum. O Oasis é um epígono dos Beatles e do T. Rex, mas quem se importa? Acho que a canção Cigarettes and Alcohol, do CD Definitely Maybe, é o máximo que se pode exigir de um rock — poucas vezes me deparei com uma letra que combinasse tão bem com música e interpretação.
Mas, olha, não adianta, todos eles parecem um pouco aprendizes (podemos incluir Pearl Jam aí também). Não há no horizonte nada parecido com Beatles, Stones, Led, Who, etc. E não apenas uma questão de postura, trata-se de qualidade musical mesmo. Escrevi toda esta coisa confusa porque ontem recebi o seguinte torpedo do Bernardo:
Tchê, descobri um puta álbum dos Stones, Sticky Fingers. Tu deve conhecer.
Imagina se não! Tal fato foi uma espécie de involução… (*) De resto, ele está descobrindo Charlie Mingus (Aleluia!), Ligeti (três Ave-Marias), Shostakovich (dez Pais-Nossos) e, compreensivelmente, não sabe onde botar Wynton Marsalis na história do jazz. Miles Davis sabia bem onde enfiá-lo. Mas, já que o assunto é rock, volto ao tema para finalizar: chego à conclusão de que os dinossauros ainda dominam esta área do mundo. O céu do rock está lotado de pterodáctilos.