Passagens: não se enganem, a maioria e a razão estão com os manifestantes

Hoje pela manhã, fiz uma pequena enquete na parada de ônibus. Além de mim, havia cinco pessoas esperando o Jardim das Palmeiras. Perguntei o que eles acharam da “baderna” — utilizei o termo preferido dos milicos e do PIG — de ontem. Duas senhoras que não pagam passagem e três trabalhadores e/ou estudantes foram unânimes: tinham que ter quebrado tudo. Mas e a confusão no trânsito? Dona J., podóloga sexagenária que não paga passagem pela idade e por ter comprovado sua baixa renda, respondeu que chegou em casa com duas horas de atraso, mas que deu seu apoio “pra gurizada” da janela do ônibus onde se encontrava. Ela dava risada: “Ontem foi um sufoco sair do centro”. Aqui, com excelentes fotos, a melhor reportagem sobre a noite de ontem.

Em hipótese alguma incito à violência (até porque meus dois filhos participam das manifestações), mas acho naturalíssimas a agressividade verbal das pessoas — “tinham que ter quebrado tudo” — e ainda mais a busca nas ruas daquilo que lhes foi negado nos gabinetes. A democracia é assim, Sr. Cézar Busatto. O secretário  chamou os manifestantes de antidemocráticos quando é exatamente o contrário. Mesmo depois do TCE ter sugerido revisão do cálculo; mesmo depois que o Dieese deixou claro que a tarifa de ônibus em Porto Alegre subiu 670% entre 1994 e 2012 quando a inflação foi de 310%; a prefeitura e seus pares, os transportadores, decidiram manter a sacrossanta e crescente margem de lucro e seus cálculos muito particulares. Queriam o quê?

Após informar o novo e espetacular valor de R$ 3,05 (de forma pusilânime, o prefeito deixou a ingrata tarefa a cargo de seu vice), a prefeitura tratou de ficar o mais quieta possível. O valor, difícil de engolir e de dar troco, é desavergonhado. Aqueles complicados R$ 0,05 no final revelam a segurança e despreocupação com que age o grupo formado por prefeitura e transportadores, essa porcaria público-privada que manda nos preços. Apenas alguns secretários largaram muxoxos contra as manifestações contrárias. Só que agora os manifestantes — um grupo heterogêneo, em boa parte inexperiente nas ruas e que poderá sim cometer ações tresloucadas — acabaram encontrando uma causa comum e vão pressionar.

E, por favor, não é só o preço. Ando diariamente de ônibus e o serviço é péssimo. Horários desencontrados, ônibus explodindo para maximizar os lucros e um calor insuportável dentro deles nos dias quentes é a regra. Ou seja, temos um leque de reclamações. O transporte público de Porto Alegre é um convite ao carro, induz ao retrocesso. Como disse o ex-prefeito de Bogotá, Enrique Peñalosa no Fronteiras do Pensamento, Uma boa cidade não é aquela em que até os pobres andam de carro, mas aquela em que até os ricos usam transporte público. A qualidade de nosso transporte público faz com que muitas vezes eu — um assalariado apologista do transporte público — sonhe em estar lá fora, dentro de um carrinho com ar condicionado.

A correlação de forças no Conselho Municipal de Transporte Urbano (COMTU) favorece inteiramente os empresários e eles fazem o que querem há anos. Chegou a hora de ouvirem a resposta da população. Espero que a revolta cresça de forma não violenta. Há sim que parar o trânsito e se tornar notório. E há que rir daqueles que só falam nos pobrezinhos que ficam presos no trânsito. E desculpem, meus caros Fortunati, Busatto e Nagelstalin, antidemocrático é o sistema que decide o preço deste mau serviço que vocês defendem.

¡Hasta la victoria!

Foto: Ramiro Furquim / Sul21

E-mail de Mariangela Grando sobre o caso SEDAC ou Mônica Leal revisitada…

Eu não conheço Mariangela Grando — Presidente do Conselho Estadual de Cultura –, apenas sei que ela tem sido atacada pela Secretária da Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, Mônica Leal. Se eu fosse Mariangela, estaria preocupado e deprimido com as suspeitas levantadas pela secretária; mas convenhamos que quaisquer ofensas dizem mais sobre o ofensor do que sobre o ofendido e considerando-se de quem parte… Racionalizando, seria até uma honra ser alvo da secretária, filha de Pedro Américo Leal. Eu, por exemplo, nada tenho com Mônica Leal, a qual apenas vi uma vez, da platéia, durante um patético discurso ao lado da OSPA. O restante são as notícias que me chegam pelos jornais, um cardápio confuso e pouco convincente.

Hoje, Mariangela buscou contato com este blog e enviou sua versão dos fatos, a qual reproduzo ipsis litteris. Trata-se de uma carta que enviou à Governadora e um artigo que ainda não havia publicado.

Excelentíssima Senhora Governadora Yeda Crusius,

Diante da avalanche de acontecimentos que assolam a Cultura do RS, trazendo intranqüilidade, desmobilização e prejuízos irrecuperáveis para a produção cultural do nosso Estado, cumpre-me o dever de vir até Vossa Excelência para manifestar minha surpresa e estarrecimento diante das graves acusações de irregularidades a mim imputadas e que urgem ser devidamente esclarecidas.

1. Nos 12 anos de funcionamento da Lei 10.846/96, de Incentivo à Cultura, mais de R$ 200 milhões já foram investidos nos diferentes segmentos por ela contemplados, gerando inúmeros benefícios à população do nosso Estado. Tais investimentos transformaram o cenário cultural, dando a oportunidade para que o patrimônio cultural gaúcho se multiplicasse, saísse apenas do circuito da Capital e alcançasse os mais remotos rincões de nosso Estado, qualificando pessoas, envolvendo comunidades, descobrindo talentos, despertando interesses e consolidando a Cultura como instrumento gerador de emprego e renda. Como todo mecanismo legal que, formado em cima de conceitos básicos, com certa pressa, e sem a reflexão necessária quanto aos instrumentos reguladores e fiscalizadores desta, a Lei, agora se vê, carece urgente de uma modificação, para que os mecanismos de alcance da mesma se tornem uma ferramenta de fomento e incentivo à auto-sustentabilidade deste setor. Nas minhas recentes declarações públicas, na qualidade de Presidente do Conselho Estadual de Cultura – CEC –, adverti à sociedade desta necessidade e de sua urgência.

2. Os recentes escândalos, envolvendo falsificações de documentos, recursos liberados a projetos sem a devida análise de mérito (oportunidade e relevância), pelo CEC – órgão responsável pela recomendação final dos projetos -, revelam o descontrole das autoridades gestoras do Sistema LIC, que permitiu que produtores culturais que estavam sob investigação pelo TCE, desde 2004, permanecessem credenciados no Sistema e continuassem encaminhando projetos para análise, através do Setor de Análise Técnica da SEDAC, abrindo portas para que fraudes fossem cometidas de modo contínuo, lesando o patrimônio público e, agora, a imagem de todos os agentes do Sistema: produtores culturais, autoridades gestoras (SEDAC e SEFAZ), Conselho Estadual de Cultura e patrocinadores, com reflexos indeléveis nos principais interessados: a comunidade gaúcha! As perguntas que se revelam importantes e até aqui não respondidas são: quem, dentro da Secretaria da Cultura, permitiu que estes produtores continuassem a atuar, sabendo-se que estavam inadimplentes, e quem, dentro da Secretaria da Fazenda, responsável pelos créditos de incentivos fiscais das empresas, permitiu que os mesmos fossem realizados sem que a documentação necessária a estas autorizações fosse checada?

3. As denúncias levantadas pela RBS TV, as quais tentaram envolver a minha pessoa, como produtora cultural, e a minha gestão, como Presidente do Conselho Estadual de Cultura, demonstram claramente que, usando argumentos absolutamente falsos e inverídicos, e métodos macartistas de triste memória, apontam de forma inequívoca, para uma tentativa de desviar o foco das responsabilidades e negligência da autoridade gestora na fiscalização da tomada de contas, autorizações e descuido quanto à permanência de fraudadores no Cadastro Estadual de Produtores Culturais – CEPC. As acusações de irregularidades a mim atribuídas, se existiram, são de total responsabilidade da empresa proponente do projeto, que me contratou para exercer a produção executiva de dois longas-metragens, nos quais não tive nunca a incumbência da prestação de contas. É mais: as despesas pessoais que dizem terem sido encontradas no relatório de contas foram todas acompanhadas dos respectivos recibos, por mim assinados, de forma a ficar claro de que faziam parte dos meus honorários naqueles projetos. Se estes recibos não acompanham a prestação de contas, enviadas ao Setor de Tomada de Contas da SEDAC, não há que se imputar a mim a autoria de atos irregulares, sob pena de estar-se transferindo a outrem tal responsabilidade, a qual se delega, mas jamais se transfere – como bem sabemos.

4. Enquanto presidente do Conselho Estadual de Cultura – é bom que se observe – em nenhum momento desta polêmica, jamais foi levantada qualquer suspeita de irregularidades durante minha gestão. Bem assim, as inverdades assacadas contra aquele órgão é uma tentativa desesperada de denegrir a imagem de um Colegiado, formado por vinte e quatro membros que gozam de alto conceito junto à comunidade intelectual e artística do RS e onde todos, sem exceção, têm relevantes serviços prestados à Cultura e ao patrimônio cultural do Estado; basta que se veja em seus currículos. O Conselho Estadual de Cultura é uma instituição criada pela Constituição do Estado, em 1968, independente e soberana, e por onde passam e passaram os melhores nomes que a cultura do RS já produziu. É mais um ato leviano, totalmente sem fundamento e sem provas, com o intuito claro de desviar o foco das graves denúncias que se assomam sobre as autoridades gestoras do Sistema LIC e contra a própria Secretaria da Cultura.

5. As acusações a mim atribuídas de que estaria fazendo comentários jocosos e comparativos da minha condição de suspeita de irregularidades e as denúncias, que sei ser improcedentes, quanto às condições da compra da casa da Exma. Senhora Governadora, apresso-me em afirmar que nunca as proferi, e desafio a quem quer que seja a provar que tal afirmação foi por mim proferida no pleno do CEC ou em outro lugar qualquer. São inverdades e calúnias que tentam indispor Vossa Excelência quanto à minha pessoa e que terão a intervenção da Justiça, para que a verdade seja restabelecida.

Quanto às denúncias, encaminhadas pelo CEC ao Gabinete de Transparência e Combate à Corrupção, são de alto teor de gravidade, e sua apuração se faz urgente e rigorosa, para que o Governo de Vossa Excelência não seja acusado de conivência com as improbidades administrativas ali caracterizadas e comprovadas, e que inaugurou, na Secretaria de Cultura, um período ditatorial de prática política, digna de nossas mais tristes e vergonhosas lembranças! E sei o quanto lhe são caros os conceitos de Estado de Direito e Democracia.

Por último, Senhora Governadora, rogo-lhe que a Cultura do RS tenha de parte do Governo a atenção que lhe é devida, o cuidado que necessita e atitudes inadiáveis quanto à implantação de políticas públicas que reflitam os anseios da população gaúcha, regulamentadas através de ferramentas legais fortes, e que atinjam os mais nobres objetivos do fazer cultural.

Respeitosamente,
Mariangela Grando

E o artigo citado:

A cor do gato e a cultura do RS

“Não importa a cor do gato, importa que cace o rato”. Com esta frase de Deng Xiaoping, o vice-presidente da República, José Alencar, divertiu a platéia presente à posse da nova diretoria da FIERGS, no último dia 24 de julho, no auditório do SESI, em Porto Alegre. Ora, tal citação deve ser repetida, quem sabe ad nauseam, para que se entenda de uma vez por todas que a cultura e o fazer cultural devem estar acima de qualquer discussão de cunho partidário e/ou ideológico. O que se necessita é destreza. A recente polêmica envolvendo as denúncias de irregularidades nas prestações de contas dos projetos culturais financiados pela Lei de Incentivo à Cultura – LIC – levada às páginas dos jornais, blogs e demais publicações e orquestradas pela atual titular da pasta da Cultura et caterva, têm, na verdade, a intenção de ocultar uma triste realidade: a flagrante incompetência, inabilidade e despreparo da Secretária e seu staff para comandar uma pasta de sensibilidade exposta e latente, aliada a total e absoluta falta de programa para o setor, que ela desinteligentemente tenta mascarar com seu périplo de Seca à Meca, apresentando um power point em que resume sua política à frente da Secretaria da Cultura. O que ali se vê é a exaltação de eventos de cunho musical de gostos discutíveis, totalmente financiados pelos recursos públicos da Lei Rouanet, ou seja, com verbas federais, numa afirmação tão megalômana quanto irreal, que lhe fazem acreditar piamente que política cultural se pode fazer “a custo zero”. O mesmo informativo traz cenas que mostram ações da secretaria utilizando mão de obra infantil, num claro desrespeito a Declaração Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.

As constrangedoras tentativas de implantar uma plataforma de “inclusão social através da cultura” não passam de uma colcha de retalhos mal aproveitados de governos anteriores, e que sequer possui verbas destinadas a sua implantação. É o caso dos Programas Estruturantes daquela Secretaria, que nada mais fazem do que preencher com inconsistências – próprias dos que estariam melhor aproveitados em outros setores do governo – um discurso vazio; mais focado nas suas pretensões políticas do que em suas preocupações com a cultura ou com a inclusão social. Sim, porque se estivesse comprometida com uma plataforma política para o setor, certamente saberia que shows de cunho claramente racista e machista retratam apenas uma das manifestações de extratos suburbanos e marginalizados e que de “inclusão” pouco ou nada possuem, uma vez que os separa e excluem cada vez mais. Saberia, também, que as populações periféricas e menos favorecidas gostam do que conhecem, mas anseiam também pelo que não conhecem. Quê “inclusão social” é esta que nada produz e que tampouco faz circular os bens culturais financiados a expensas de incentivos fiscais? Que centraliza os aparelhos culturais apenas na capital, deixando as comunidades do interior a mercê de sua própria sorte e com escassos espaços que permitam chegar até os mais distantes moradores do RS algum tipo de entretenimento? A produção e fruição de dança, música clássica, teatro, cinema, folclore e literatura, entre outros, por si só garantem a inclusão social, desde que aportadas a todos os segmentos da sociedade. Ao invés disso a atual gestão tem-se empenhado em voltar suas ações para reforçar políticas de outras esferas, como a Segurança, Turismo e Ação Social, canalizando as ações da secretaria e os seus minguados recursos a pastas com orçamentos, em alguns casos, muitas vezes mais robustos do que o da Cultura. Além disso, as irregularidades ora propaladas como uma tentativa de “moralizar” o setor é de responsabilidade desta mesma dirigente e seus antecessores, os quais permitiram que fraudes fossem perpetradas contra o Sistema LIC, deixando que a prestação de contas dos projetos alcançassem uma passivo de mil projetos esperando na fila do Setor de Tomada de Contas.

No lugar de implantar ações que atendam ao conjunto da sociedade do RS e que permitam a existência e sobrevivência de um setor econômico de alta significância que é o da cadeia produtiva da cultura, a SEDAC, no último ano e meio, tratou de perseguir e punir os produtores culturais como se fossem verdadeiros meliantes e como se estivessem apenas interessados em usufruir para proveito próprio dos recursos da Lei de Incentivo à Cultura. Assim, de um universo de cerca de três mil produtores culturais de todo o Estado, restaram pouco mais de quatrocentos, inaugurando um período de clientelismo, dirigismo cultural e autoritarismo nunca antes vistos.

No entanto, verifica-se, através dos projetos enviados ao Conselho Estadual de Cultura, para receber recursos da Lei de Incentivo à Cultura – LIC, que a SEDAC utiliza-se deste instrumento para manter estruturas pertencentes ao próprio Estado e projetos de “interesse” do Governo, através de um elenco de empresas, associações e produtores culturais que atuam como testas de ferro, o que faz com que significativos valores que deveriam estar sendo investidos em produção cultural de caráter independente, estejam sendo dragados pela própria SEDAC, que a pretexto de fazer economia, profere um discurso inescrupuloso, irresponsável e populista, próprio de aventureiros, que sem conhecer absolutamente nada do assunto, insistem em ser dirigentes do ofício.

Por fim, e acreditando que a escolha – de tal sorte inapropriada para comandar uma pasta com tantos reflexos para qualquer gestão pública – não tenha sido feita com o firme propósito de destruir a produção e a expressão cultural do Estado, meu apelo vai à Exma. Governadora Yeda Crusius, para que devolva à cultura do RS aqueles que sempre lhe foram os seus valores mais caros: pluralidade, democracia e independência.

Por favor, Governadora, devolva-nos a dignidade!

Mariangela Grando, cineasta