Esta matéria foi escrita na tarde de 21 de dezembro e programada para ser publicada na madrugada do dia 22. Evidentemente, quando foi escrita, o mundo ainda existia e, se você a está lendo neste momento, temos outra evidência de que o mundo, mais uma vez, não acabou e que você pode preparar-se com tranquilidade para as festividades natalinas. Este é o motivo de nosso título altamente confiante.
A sigla Nasa significa National Aeronautics and Space Administration. Ignoramos como os EUA obtêm administrar o espaço sideral, mas estivemos de olho em seus informes. Estes garantiam que nada estava sendo ocultado e que nenhum fenômeno celeste rondava nosso planeta. O tal Niburi, planeta quatro vezes maior que a Terra e que estaria em rota de colisão conosco — em exata analogia com o filme Melancolia, de Lars von Trier — , nem passou perto. Se o Niburi viesse de encontro à Terra, seria uma catástrofe muito maior do que aquela que teve como resultado a extinção dos dinossauros há 65 milhões de anos. Na época, um asteroide de 10 a 15 km de diâmetro caiu sobre a atual península de Yucatán, no México. Don Yeomans, cientista do Laboratório de Propulsão de Jatos da Nasa, acrescenta que, se o Nibiru estivesse chegando, ele seria visível, muito visível, mesmo a olho nu, como o foi no filme de von Trier.
Nada visível foi outra ameaça prevista e que também foi afastada pela Nasa: a de uma grande tempestade solar. Segundo a Nasa, a previsão do tempo no Sol é a seguinte para os próximos meses: as tempestades solares se acentuarão e seu máximo deverá ser no mês de maio. Mas, garante Yeomans, trata-se de ciclos normais. A cada 11 anos, o sol passa por uma fase chamada de “máxima solar”. Durante esta fase ou qualquer outra, a Terra é muito pouco afetada. Diz a Nasa que um “apagão solar” está previsto apenas para daqui a 5 bilhões de anos, quando Sol se tornará um gigante vermelho. Antes disso, o calor galopante provocará a evaporação dos oceanos e o desaparecimento de nossa atmosfera. Depois, o astro-rei se resfriará até a extinção. Então, em nota tranquilizadora emitida dias antes do suposto fim do mundo, a Nasa negou também o fim do Sol, ao menos nos próximos dias.
A Folha de São Paulo realizou uma enquete com 70 jovens músicos, escritores, diretores de cinema e de teatro, atores de TV e artistas plásticos, todos com até 40 anos de idade. A amostragem não é a melhor possível, mas o resultado foi o esperado: Caetano Veloso — que completa 70 anos hoje — e Chico Buarque foram eleitos como os artistas vivos mais importantes da MPB. É curioso: esta dupla, que já dividiu discos, palcos e até programa de TV, não é nada homogênea. Se Chico é uma unanimidade, Caetano está longe disso; se Chico é musicalmente mais conservador, Caetano se reinventa a cada trabalho; se Chico é a continuidade da tradição do samba e da bossa nova, Caetano é o artista que adora novidades, que visita o rock e a música latino-americana; se Chico traça uma trajetória coerente e em linha reta em suas intervenções políticas, Caetano é tortuoso, sendo o costumeiro autor de infelizes intervenções na vida brasileira. Sim, o que deveria importar é o artista e sua produção, mas é impossível não lembrar das entrevistas de Caetano, nas quais Lula já foi um “analfabeto que não sabe falar e é cafona, grosseiro”. Também não podemos esquecer que Caetano e Gil fizeram uma Tropicália II que simplesmente excluiu todos os outros membros do movimento inicial. Gil tratou de ficar quieto, talvez envergonhado, porém o boquirroto Caê tentou justificar o fato, criando uma explosiva inimizade com Tom Zé, o qual costuma ofendê-lo com termos bastante chulos, além de desprezar publicamente os repetidos elogios de Caetano.
Caetano Veloso nasceu em 7 de agosto de 1942 em Santo Amaro, na Bahia. Foi o quinto dos oito filhos de José Teles Velloso, funcionário público dos Correios, e Claudionor Viana Teles Velloso, Dona Canô. Aos 17 anos, Caetano recebeu uma compreensível iluminação que o deixou fascinado pela arte musical: ouviu, num programa da Rádio Mayrink Veiga, a canção Chega de Saudade e tomou conhecimento do disco homônimo de 1959 de João Gilberto.
Desta forma, iniciou a carreira interpretando canções de bossa nova, sob a imensa sombra de João Gilberto. Depois, inseriu-se no estilo musical que ficou conhecido como MPB (Música Popular Brasileira). Porém, Caetano — uma figura magérrima que logo deixou crescer os caracóis de seus cabelos — foi o membro da MPB que mais esteve associado ao movimento hippie do final dos anos 60. Seu primeiro LP foi Domingo (1967), em parceria com Gal Costa. A sonoridade era totalmente bossa nova. O disco não vendeu muito, mas foi aclamado por artistas importantes, como Elis Regina, Wanda Sá e Dori Caymmi.
No segundo LP já tínhamos o Caetano que conhecemos. Caetano Veloso foi lançado em janeiro de 1968 e trouxe canções como Alegria alegria, No dia em que vim-me embora, Tropicália, Soy loco por ti América e Superbacana. Alegria alegria fez escândalo no terceiro Festival de Música Popular Brasileira (TV Record, outubro de 1967), juntamente com Gilberto Gil, que interpretou Domingo no Parque, classificadas respectivamente em quarto e segundo lugar. Era o início do Tropicalismo, movimento considerado “alienado” pela esquerda da época por incluir guitarras elétricas.
Em julho do mesmo ano, veio o fundamental álbum Tropicália ou Panis et Circensis. Trata-se de uma obra coletiva que apresentava Os Mutantes, Torquato Neto, Rogério Duprat, Capinam, Nara Leão, Tom Zé, Gil e Gal. Ouvindo o disco hoje, fica claro que, apesar das canções serem basicamente de autoria de Gil e Caetano, a revolução localiza-se na presença de Rogério Duprat nos arranjos, assim como na habitual e abençoada loucura de Tom Zé.
A postura de Caetano e seu modo hippie tropical de vestir deixava nervosa a ditadura militar. Havia desconfiança sobre aqueles baianos meio estranhos, ainda mais que seu amigo Gilberto Gil tinha canções bastante contestadoras. Por esse motivo, várias canções da dupla foram censuradas. Em dezembro de 1968, Veloso e Gil foram presos, sob a acusação de terem desrespeitado o hino nacional e a bandeira brasileira. Foram levados para o quartel do Exército de Marechal Deodoro, no Rio, onde tiveram suas cabeças raspadas, suprema humilhação, mas dentro da ideologia militar de “cabelos longos, ideias curtas”…
Foram soltos em fevereiro de 1969, numa quarta-feira de cinzas, e seguiram para Salvador, onde tiveram de se manter em regime de confinamento, sem aparecer nem dar declarações em público. Em julho de 1969, após dois shows de despedida no Teatro Castro Alves, Caetano e Gil partiram para o exílio na Inglaterra. Antes de partir, Caetano gravou as bases de voz e violão do próximo disco, Caetano Veloso, que foram mandadas para São Paulo, onde o maestro Rogério Duprat faria e gravaria os arranjos. No repertório, destaque para as canções Atrás do trio elétrico, Irene, Não identificado, Charles anjo 45 e Marinheiro só. Caetano apenas retornou definitivamente ao Brasil em janeiro de 1972.
Durante a ditadura militar, as intervenções de Caetano Veloso foram mais no sentido da defesa da contracultura, mais próximas dos acontecimentos do Maio de 1968, do que propriamente contra o regime militar. Mas bastava para incomodar muito. Os tropicalistas se preocupavam em ser de esquerda, não eram marxistas-leninistas, stalinistas, trotskistas ou maoístas. Porém, os militares achavam aquilo muito perigoso e não aprovavam sua irreverência. Na época da prisão dos dois cantores, em dezembro de 1968, os militares nada tinham de concreto contra eles, apenas a acusação de que tinham desrespeitado o Hino Nacional, cantando-o aos moldes do tropicalismo na boate Sucata. Juntou-se a isto a provocação de Caetano Veloso na antevéspera do natal de 1968, ao cantar “Noite Feliz” num programa de televisão apontando uma arma para a própria cabeça.
A Globo, com Chico Anísio, tratava de ridicularizar e tornar palatável a turma baiana com o quadro humorístico Baiano e os Novos Caetanos, onde todos eram muito “desbundados”, adotando uma postura ultra–light e levemente drogada em relação à vida.
Mas os militares tratavam de se envolver. Em 1973, Caetano Veloso teve a sua canção Deus e o Diabo vetada pela censura. Era ofensiva às tradições religiosas. Em 1975, o álbum Joia trazia na sua capa Caetano Veloso, sua Dedé e o filho Moreno completamente nus, com algumas pombas cobrindo-lhes a genitália. Censurado, o álbum foi relançado com uma nova capa, onde ficaram apenas as pombas. Tudo isso tornou Caetano um adversário da ditadura militar, papel que ele cumpriu rigorosamente, fazendo oposição a seu modo, atacando a “moralidade” que os militares queriam preservar.
Antes de Joia, tivemos o extraordinário Transa (1972), que continha Mora na filosofia (de autoria da dupla Monsueto e Arnaldo Passos) e Triste Bahia, o qual iniciou uma trilogia marcada pelo experimentalismo. O segundo trabalho nesse caminho foi o polêmico Araçá Azul (1973), um disco até hoje difícil de ouvir, verdadeiro recorde de devoluções. Ele foi retirado de catálogo e relançado apenas em 1987. O último disco da trilogia experimental foi o citado Joia (1975), lançado juntamente com Qualquer coisa, cuja capa era semelhante a do álbum Let it be, dos Beatles. O experimentalismo, a disposição para abraçar o novo, são qualidades que não podem ser retiradas de Caetano.
Caetano Veloso não tem realizado trabalhos com a qualidade que tinha no passado. Analisando seus discos, não selecionamos nenhum deste século. O último trabalho de nível superior de Caetano certamente foi Livro (1997) e, indo em direção ao passado, Circuladô (1991), Estrangeiro (1989), Uns (1983), Cinema Transcendental (1979), Muito (1978) e Bicho (1977), além dos citados anteriormente. Também digno de nota é Totalmente Demais (1986), trabalho ao vivo onde Caetano aparece com seu violão cantando canções de outros autores. É neste disco que ele aparece pela primeira vez como grande intérprete, fato que o tempo apenas acentuou.
Romário cunhou a célebre frase “Pelé calado é um poeta“. Talvez seja um exagero aplicá-la de forma geral a Caetano Veloso, mas o compositor, cantor e escritor baiano tem efetivamente o costume de criar frases polêmicas que não apenas pisam o limite do mau gosto como muitas vezes o ultrapassam. O talentoso Caetano, um autêntico poeta quando escreve suas músicas e letras, costuma dar vazão a humor ou publicidade bastante duvidosas em suas entrevistas.
Um capítulo à parte é o livro Verdade Tropical (1997), onde relata de uma forma muito pessoal a história e lembranças do Tropicalismo, de sua infância, da prisão e do exílio. O livro é excelente, cheio de informações, mas gerou uma grande polêmica com o ensaísta Roberto Schwarz, que o criticou asperamente em Martinha Versus Lucrécia — Ensaios e Entrevistas (2012). Segundo Schwarz, “Verdade Tropical deve muito de seu interesse literário a certa desfaçatez camaleônica em que Caetano, o seu narrador, é mestre”. O autor aponta em Caetano uma “autoindulgência desmedida, um confusionismo calculado e momentos de complacência com a ditadura, o qual está plasmado quando Caetano atenua os aspectos negativos ou críticos, dando realce ao encanto dos absurdos sociais brasileiros, tão nossos”.
Caetano e seus admiradores mostraram-se muito contrariados com as críticas de Schwarz ao livro. Claro que Caetano respondeu a seu modo, atacando o esquerdismo de Schwarz em inacreditável livre-associação: ““Sempre me pergunto por que Roberto Schwarz ou Marilena Chauí nunca têm nada a dizer sobre o que se passa na Coreia do Norte. Por que Lula e Tarso Genro mandaram de volta, num avião venezuelano, os atletas cubanos que tinham pedido asilo político ao Brasil? Isso é admissível? Ninguém na esquerda reclama de nada disso”. Não se sabe o que tais afirmações têm a ver com o livro.
Porém, não obstante toda a polêmica que envolve o nome de Caetano, seu nome está presente no cerne do que foi a música brasileira dos anos 60 para cá. Tem o mérito indiscutível de ser um autor inquieto e corajoso, que dialoga com a vanguarda e com o brega. O autor de canções como Língua (do disco Velô), Sampa, Alegria alegria, Haiti, Terra, Muito Romântico, O Ciúme, Você é linda, etc. está acima até de sua admiração por Antônio Carlos Magalhães. Ah, se Caetano falasse menos…
Vi duas vezes Melancolia, de Lars von Trier. A primeira foi logo na pré-estreia, na primeira sessão do filme em Porto Alegre. Eu não podia deixar de fazer isso. Lars von Trier, Emir Kusturica, Peter Greenaway, Abbas Kiarostami, Roman Polanski e talvez Alexander Sokurov ainda mantêm viva aquela curiosidade que no passado tinha cada lançamento de Bergman, Truffaut, Tarkovski ou Antonioni. Destes, dos modernos, apenas von Trier, Kiarostami e Polanski têm vida comercial em cinema. Os outros estão em DVD e olhe lá.
Ontem, ao sair do cinema, depois de ver o filme pela segunda vez, minha mulher pôs em palavras minha opinião. Ela disse que achara Melancolia mais simples e inferior a Anticristo. Estou de acordo. Mas a produção cinematográfica de nosso tempo é tão lastimável que não me surpreendo com as loas que tecem à Melancolia como obra-prima e candidato a “filme do ano”.
A ação do filme centra-se menos no fim do mundo — o planeta chamado Melancolia aproxima-se da Terra e os cientistas são cétidos sobre se Melancolia vai passar ou bater… — , mas na relação entre as irmãs Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). O início é muito bonito plasticamente — momento em que lembramos da deslumbrante abertura de Anticristo. São dez minutos com a música de Wagner (Tristão e Isolda) que terminam com o maior dos spoilers: o choque entre Melancolia e a Terra. Ou seja, já de saída somos informados do provável final. Quem vê o filme pela segunda vez nota claramente a simbologia da abertura. Justine, vestida de noiva, tenta avançar mas está amarrada pelas pernas. Claire, charfurdando, leva o filho no colo para não se sabe onde, nem ela. Justine constrói com o sobrinho a “proteção” para o fim do mundo. Novamente Justine, de vestido de casamento, é levada pelas águas. Os planetas chocam-se.
Como ocorre com tantos bons filmes (lembrar de voltar a este assunto), Melancolia está dividido em duas partes. Estas têm os nomes das irmãs. Na primeira, Justine casa-se numa cerimônia de opereta. Poucas vezes vi uma depressão ser tão bem caracterizada. Justine não quer casar, não parece interessada, está de saco cheio de tudo, da vida, do chefe, do futuro marido e parece apenas dar importância ao pai brincalhão (John Hurt) e à irmã. Neste trecho do filme há muito que observar. É notável como retorna ali, perfeitamente reconhecível, o cineasta que criou o Dogma 95. A câmera está na mão de alguém nervoso, os cortes ocorrem com frequência e em momentos pouco habituais, as crises são resumidas por von Trier em “apresentação da situação” e “consequência”. Neste modo cinematográfico de mostrar os fatos, as falas nunca são longas. E como rende!
A narrativa aproxima-se do clássico na segunda parte. É quando Claire, que ama a vida, desespera-se. Justine, pelo contrário, parece conformada e ciente de tudo o que ocorrerá. Porém, seu bom senso e inteligência é complementado por desconcertante passividade, a mesma utilizada para entrar na fria de sua festa de casamento. Ela sabe de seu destino. E sabe que nada pode fazer a respeito. Cética, fatalista e paralisada, faz uma adivinhação surpreendente e, transformada em oráculo (Respondendo a meu filho Bernardo: acho que o número de feijões adivinhado apenas quer dizer “eu sei tudo”), revela para a irmã a verdade fatal: “a humanidade é má, a Terra não merece existir, não há deus, nem vida em outro planeta, esqueça”. Quando Claire balbucia uma reclamação sobre o futuro de Leo, seu filho, Justine não responde.
À medida que von Trier envelhece, fica cada vez mais claras suas influências: Tarkovski e Strindberg. Se Anticristo é dedicado a Andrei Tarkovski e é tão próximo a O Espelho (1975), Melancolia parece vir de Solaris (1972). Lá também a ficção científica foi utilizada para cogitar e interrogar o humano e a humanidade. Como nos filmes do russo, o olhar dos personagens para o céu e o para que não entendem reflete um mergulho em suas interioridades. Muitos, como o marido de Claire (Kiefer Sutherland), não suportam conviver com ela. É Tarkovski e não é; trata-se é uma continuidade. Uma vez, com entrevistadores mais inteligentes que os de Cannes, Trier disse algo mais ou menos assim: “Tarkovski é um deus real para mim. Quando eu vi O Espelho, Stalker e Andrei Rublev, mesmo num televisor pequeno, fiquei em êxtase. Se você quiser falar sobre religião, eu te respondo que minha relação religiosa é com Tarkovski. Ele viu o meu primeiro filme e o odiou… Mas eu me sinto muito próximo a ele”. O deus de Trier é punitivo…
Não estou com pressa de terminar hoje. Ontem, publicamos no Sul21 uma entrevista que fiz com o escritor Charles Kiefer e vejam só. Na entrevista também havia uma questão de troca identidade e revelação da verdade do leito de morte da mãe. Quando a mãe de Trier morreu, ela lhe contou que seu pai não era o judeu Trier, mas Fritz Michael Hartmann, de família católica alemã. Vários de seus novos parentes eram renomados músicos, etc. Após quatro encontros nada felizes, o alemão recusou-se seguir mantendo contato com o filho. Isso não explicaria a entrevista de Cannes, quando ele se disse “nazista” e não judeu? E como fazer para não olhar para a melancolia e Melancolia, quando ela aparece como uma enorma esfera pronta a nos aniquilar?
Os grandes jornais brasileiros têm venda notavelmente decrescente — perdi o site que demonstrava cabalmente o fato, mas há comprovações medianamente aceitáveis aqui. Enquanto isso, prosperam os jornais destinados às classes C e D. Acho que podemos considerar que a internet começa a fazer baixas. Eu sou um consumidor médio de notícias e acho que sou exemplo claro disso. Exceção feita ao jornal de literatura Rascunho, não vejo outra publicação à qual cobiçasse receber em casa ou comprar. E sou um leitor compulsivo. Não obstante os fatos estatísticos, a maioria das pessoas continuam pensando na Folha, no Estadão e no Globo, por exemplo, como jornais muito influentes. OK, talvez eles influenciem aos leitores das classes A e B das zonas urbanas de Rio e São Paulo, mas e o resto? Eles simplesmente não existem fora das regiões-sedes. Sua presença no interior do país é rarefeita e sua capacidade de mudar uma eleição nacional é risível. Porém, a gente fala muito neles. Muito! Talvez nosso silêncio fosse mais adequado.
(O mesmo vale para o RS a “nossa” Zero Hora.)
É claro que todos estes órgãos têm seu equivalente na rede, mas — e volto a tirar os outros por mim — prefiro a página de esportes do Terra, as tabelas do Infobola, o Impedimento, o Todoprosa e leio sobre política num, modéstia à parte, bem-montado mix de blogs e sites constantes no meu Google Reader. Este sim, o Google Reader, é meu jornal. E não pensem que só inscrevo publicações e colunistas de mesma coloração política.
Em faixa contrária, o Instituto Millenium reuniu em São Paulo os representantes da mídia jornalão-style e a conclusão foi… bem, sou obrigado a rir novamente. Ignorando a ameaça da rede e sem conseguir refletir sobre o fato de todos serem exatamente iguais, tais órgãos realizaram uma reunião pública, chegando à patética conclusão de que Dilma Rousseff, o PT e Lula são stalinistas e contrários à liberdade de expressão. Pior: se Dilma ganhar a eleição, vamos retornar às brumas da ditadura. É notável e vale a pena dar risadas aqui.
O absolutamente lastimável Arnaldo Jabor — ex-cineasta que escolheu vagar e ser influente na Rede Globo — , que costuma ser tão admirado pela classe média spammer, fez uma das declarações mais paranóicas:
“O que está na cabeça de quem pode assumir em definitivo o poder no país é um patrimonialismo de Estado. Lula, com seu temperamento conciliador, teve o mérito real de manter os bolcheviques e jacobinos fora do poder. Mas conheço a cabeça de comunistas, fui do PC, e isso não muda, é feito pedra. O perigo é que a cabeça deste novo patrimonialismo de estado acha que a sociedade não merece confiança. Se sentem realmente superiores a nós, donos de uma linha justa, com direito de dominar e corrigir a sociedade segundo seus direitos ideológicos”, afirma o cineasta e comentarista da Rede Globo, Arnaldo Jabor. “Minha preocupação é que se o próximo governo for da Dilma, será uma infiltração infinitas de formigas neste país. Quem vai mandar no país é o Zé Dirceu e o Vaccarezza. A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”, alerta Jabor.
Tudo isso é dito desconhecendo a liberdade que a Veja teve e tem, que a Folha Ditabranda teve e tem, a liberdade do Estadão para ofender os blogs e toda a mídia eletrônica, etc. Jabor quer assumir o papel de Regina “eu tenho medo” Duarte 2002, porém, olha, com aquela cara de louco vai ser difícil que o levem à sério. Em textos efetivamente brilhantes, Tchékhov e Thomas Mann demonstraram que a forma clássica de decadência é fazer de conta que nada está acontecendo, que o mundo não gira e que há, ainda, hordas de guerrilheiros prontos para voltarem ao Araguaia.