Uma lista dos melhores filmes de 2011

Juliette Binoche em Cópia Fiel | Foto: Divulgação

Adaptado do Sul21.

Uma lista é uma lista é uma lista, talvez dissesse Gertrude Stein. Elas pipocam por todo lado nos finais de ano e não vou me furtar a publicar a minha nesta virada de ano. Afinal, para alguns é quase impossível não lê-las, nem que seja para discordar ou para lembrar daquele filme que viu ou que deixou de ver e vai pegar numa locadora de vídeos. O mesmo vale para os livros.

Os 10 Melhores Filmes de 2011:

Aqui houve certa facilidade. Não foi nada difícil deixar de fora A Árvore de Vida, de Terrence Malick; Um pouco mais complicado foi alijar Cisne Negro dos dez mais, mas o grande problema foi a retirada de Medianeras da lista para deixar entrar Vincere, uma concessão da casa.

1. Submarino, de Thomas Vinterberg: o melhor filme do ano com alguma distância. Grande história de dois irmãos abusados e negligenciados pela mãe alcoólatra. Destaque absoluto para a dupla de atores que fazem os irmãos adultos. Imperdível.

2. Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami: o público de Porto Alegre deixou este jogo de espelhos oito meses em cartaz. Tinha razão.
3. Melancolia, de Lars von Trier: um incompreensível ataque secular acompanhou este Grande Filme Doente (definição aqui) de von Trier. Filme menor em sua obra, mas suficiente. Ficou fora de Cannes, o que é cômico, mas levou o European Film Award.
4. Diário de uma Busca, de Flávia Castro: documentário político e íntimo no qual a diretora conta a trajetória de seu pai, marcada pela militância política, pelo exílio e por um assassinato sem investigação policial.
5. Um Lugar Qualquer, de Sofia Coppola: um ator famoso, rico e vazio tem sua vida preenchida pela filha. Esqueça, não há clichês aqui. A vida vazia é descrita com rigor…
6. Um Conto Chinês, de Sebastián Borensztein: o público de Porto Alegre está deixando este filme sete meses em cartaz. Tem  razão.
7. Em um Mundo Melhor, de Susanne Bier: tantos temas entrelaçados que torna complicado caracterizar o filme numa frase. Vamos a uma palavra: arrebatador.
8. Poesia, de Lee Chang-dong: a velha Mija matricula-se num curso de poesia, algo totalmente inatigível para ela, que vê o Alzheimer desconetá-la do mundo.
9. Os Nomes do Amor, de Michel Leclerc: irresistível comédia política francesa. Uma tremenda gozação com os arquétipos de gente de esquerda como…. nós (?).
10. Vincere, de Marco Bellocchio: um grande filme, um grande tema meio perdido no tom grandiloquente escolhido por Bellocchio.

Melancolia, de Lars von Trier

Vi duas vezes Melancolia, de Lars von Trier. A primeira foi logo na pré-estreia, na primeira sessão do filme em Porto Alegre. Eu não podia deixar de fazer isso. Lars von Trier, Emir Kusturica, Peter Greenaway, Abbas Kiarostami, Roman Polanski e talvez Alexander Sokurov ainda mantêm viva aquela curiosidade que no passado tinha cada lançamento de Bergman, Truffaut, Tarkovski ou Antonioni. Destes, dos modernos, apenas von Trier, Kiarostami e Polanski têm vida comercial em cinema. Os outros estão em DVD e olhe lá.

Ontem, ao sair do cinema, depois de ver o filme pela segunda vez, minha mulher pôs em palavras minha opinião. Ela disse que achara Melancolia mais simples e inferior a Anticristo. Estou de acordo. Mas a produção cinematográfica de nosso tempo é tão lastimável que não me surpreendo com as loas que tecem à Melancolia como obra-prima e candidato a “filme do ano”.

A ação do filme centra-se menos no fim do mundo — o planeta chamado Melancolia aproxima-se da Terra e os cientistas são cétidos sobre se Melancolia vai passar ou bater…  — , mas na relação entre as irmãs Justine (Kirsten Dunst) e Claire (Charlotte Gainsbourg). O início é muito bonito plasticamente — momento em que lembramos da deslumbrante abertura de Anticristo. São dez minutos com a música de Wagner (Tristão e Isolda) que terminam com o maior dos spoilers: o choque entre Melancolia e a Terra. Ou seja, já de saída somos informados do provável final. Quem vê o filme pela segunda vez nota claramente a simbologia da abertura. Justine, vestida de noiva, tenta avançar mas está amarrada pelas pernas. Claire, charfurdando, leva o filho no colo para não se sabe onde, nem ela. Justine constrói com o sobrinho a “proteção” para o fim do mundo. Novamente Justine, de vestido de casamento, é levada pelas águas. Os planetas chocam-se.

Como ocorre com tantos bons filmes (lembrar de voltar a este assunto), Melancolia está dividido em duas partes. Estas têm os nomes das irmãs. Na primeira, Justine casa-se numa cerimônia de opereta. Poucas vezes vi uma depressão ser tão bem caracterizada. Justine não quer casar, não parece interessada, está de saco cheio de tudo, da vida, do chefe, do futuro marido e parece apenas dar importância ao pai brincalhão (John Hurt) e à irmã. Neste trecho do filme há muito que observar. É notável como retorna ali, perfeitamente reconhecível, o cineasta que criou o Dogma 95. A câmera está na mão de alguém nervoso, os cortes ocorrem com frequência e em momentos pouco habituais, as crises são resumidas por von Trier em “apresentação da situação” e “consequência”. Neste modo cinematográfico de mostrar os fatos, as falas nunca são longas. E como rende!

A narrativa aproxima-se do clássico na segunda parte. É quando Claire, que ama a vida, desespera-se. Justine, pelo contrário, parece conformada e ciente de tudo o que ocorrerá. Porém, seu bom senso e inteligência é complementado por desconcertante passividade, a mesma utilizada para entrar na fria de sua festa de casamento. Ela sabe de seu destino. E sabe que nada pode fazer a respeito. Cética, fatalista e paralisada, faz uma adivinhação surpreendente e, transformada em oráculo (Respondendo a meu filho Bernardo: acho que o número de feijões adivinhado apenas quer dizer “eu sei tudo”), revela para a irmã a verdade fatal: “a humanidade é má, a Terra não merece existir, não há deus, nem vida em outro planeta, esqueça”. Quando Claire balbucia uma reclamação sobre o futuro de Leo, seu filho, Justine não responde.

À medida que von Trier envelhece, fica cada vez mais claras suas influências: Tarkovski e Strindberg. Se Anticristo é dedicado a Andrei Tarkovski e é tão próximo a O Espelho (1975), Melancolia parece vir de Solaris (1972). Lá também a ficção científica foi utilizada para cogitar e interrogar o humano e a humanidade. Como nos filmes do russo, o olhar dos personagens para o céu e o para que não entendem reflete um mergulho em suas interioridades. Muitos, como o marido de Claire (Kiefer Sutherland), não suportam conviver com ela. É Tarkovski e não é; trata-se é uma continuidade. Uma vez, com entrevistadores mais inteligentes que os de Cannes, Trier disse algo mais ou menos assim: “Tarkovski é um deus real para mim. Quando eu vi O Espelho, Stalker e Andrei Rublev, mesmo num televisor pequeno, fiquei em êxtase. Se você quiser falar sobre religião, eu te respondo que minha relação religiosa é com Tarkovski. Ele viu o meu primeiro filme e o odiou… Mas eu me sinto muito próximo a ele”. O deus de Trier é punitivo…

Não estou com pressa de terminar hoje. Ontem, publicamos no Sul21 uma entrevista que fiz com o escritor Charles Kiefer e vejam só. Na entrevista também havia uma questão de troca identidade e revelação da verdade do leito de morte da mãe. Quando a mãe de Trier morreu, ela lhe contou que seu pai não era o judeu Trier, mas Fritz Michael Hartmann, de família católica alemã. Vários de seus novos parentes eram renomados músicos, etc. Após quatro encontros nada felizes, o alemão recusou-se seguir mantendo contato com o filho. Isso não explicaria a entrevista de Cannes, quando ele se disse “nazista” e não judeu? E como fazer para não olhar para a melancolia e Melancolia, quando ela aparece como uma enorma esfera pronta a nos aniquilar?

Cópia Fiel, de Abbas Kiarostami

Escrever poucas linhas sobre Cópia Fiel é muito mais complicado do que dedicar-lhe uma tese. Posso começar tergiversando, apesar de dizer uma verdade: é um filme que provoca reações apaixonadas, para o positivo e o negativo. Um sujeito, certamente um menino, crítico de cinema na internet, disse que o filme era chato porque as discussões de relacionamento são chatas. Sim, sei, ele deverá ter futuros. É uma opinião das mais primárias, mas demonstra o cerne de certo ódio ao filme. Porém, dizer que este belíssimo Cópia Fiel, de personagens que mudam de cena para cena, de imagens deslumbranres e atuações impecáveis, de roteiro moderno e até virtuosístico, dizer que o filme é apenas uma DR é uma redução muito emburrecedora.

Com pouquíssimos spoilers, certo? Não pretendo estragar o prazer de ninguém: durante uma visita à Toscana para lançar seu novo livro sobre história da arte e  a importância das cópias nas artes plásticas, o ensaísta inglês James (William Shimmel) é acompanhado por Elle (Juliette Binoche), uma franco-italiana proprietária de galeria de arte. Ela o leva em um passeio de carro para conhecer a região e o dois começam uma discussão — entre o irônico e o azedo — sobre os conceitos do livro. Sem que pareça crível, tudo começa a mudar depois da antológica cena com a dona de um café. Ela, cheia de experiência, admira e elogia a dupla com alguma sabedoria de vida. Então, os dois passam a se comportar como um experiente, velho e cansado casal, transformação que já vinha ocorrendo discretamente e que se completa no café. Aquilo que vimos antes era uma cópia? Ou aqui a temos? A má relação entre Elle e seu filho não é outra cópia fiel desta que nos será apresentada? Quantas cópias, quantos vezes repetimos nossos padrões de relacionamento? E o que tem isto a ver com o filtro interior através do qual analisamos um quadro ou uma realidade? A cena do café, onde até o idioma serve para separar, é central no roteiro de Kiarostami.

Neste filme desalentador, muitas dúvidas universais e humanas nos ocorrem. Como obra cinematográfica, o que me arrebata é o fato de que Kiarostami toca fundo na humanidade dos personagens e dos casais sem a menor afetação. Evitando inteiramente uma fácil abordagem pernóstica e “inteligente”, o iraniano nos leva por um tema universal de forma discreta e firme, mostrando-nos as camadas de realidade que há, umas sob as outras como um quadro repintado ou retocado. Binoche cumpre novamente uma atuação perfeita e os prêmios de Cannes e outros de melhor atriz por este filme são merecidos. A surpresa é a bela atuação de seu partner, William Shimell, que não é bem um ator e sim um conhecido barítono que, nos intervalos das fimagens com Binoche, viajava para contracenar com Anna Netrebko em Cosi fan tutte, de Mozart, já na pele do solteirão Don Alfonso. Ah, se a minha inveja fosse mortal, esse Shimell cairia morto agora.

Serviço: vi Cópia Fiel no fim-de-semana, em pré-estreia no Guion, claro.

~o~

Então, resumindo minha inveja:

Este William Shimell,

contracenava com Juliette Binoche

Juliette Binoche em Cópia Fiel

e, nos intervalos, cantava com Anna Netrebko.

Na boa, vai tomar no cu, Shimell.

A terceira idade em Cannes

— Abbas Kiarostami: 69 anos
— Jean-Luc Godard: 79 anos
— Manoel de Oliveira: 101 anos
— Mike Leigh: 64 anos
— Nikita Mikhalkov: 64 anos
— Oliver Stone: 63 anos
— Otar Iosseliani: 66 anos
— Ridley Scott: 73 anos
— Stephen Frears: 69 anos
— Woody Allen: 74 anos

Isso significa alguma coisa?