Faleceu hoje, depois de prolongada e dolorosa enfermidade,
a mãe do Milton, minha sogra, Maria Luiza Cunha Ribeiro.
Era uma mulher à frente de seu tempo,
formou-se dentista, quando a profissão era dominada pelo outro sexo,
trabalhou, quando lugar de mulher era em casa,
e certamente chefiava a família, quando o normal era a esposa se submeter.
Eu a conheci quando tinha 75 anos e já estava aposentada,
não era mais o furacão que todos relatavam.
Era generosa, carinhosa e, como todos diziam,
um exemplo de mulher, mãe e profissional.
O velório será na sala 04 do Crematório Metropolitano, na Av. Professor Oscar Pereira, 584, acerimônia de cremação será às 19h.
POEMA DA DESPEDIDA
[Mia Couto]
Não saberei nunca
dizer adeus
Afinal,
só os mortos sabem morrer
Resta ainda tudo,
só nós não podemos ser
Talvez o amor,
neste tempo,
seja ainda cedo
Não é este sossego
que eu queria,
este exílio de tudo,
esta solidão de todos
Agora
não resta de mim
o que seja meu
e quando tento
o magro invento de um sonho
todo o inferno me vem à boca
Nenhuma palavra
alcança o mundo, eu sei
Ainda assim,
escrevo.
Brasse era fotógrafo antes da guerra. Por este motivo, foi convocado à tarefa de tirar e revelar fotos dos judeus de Auschwitz. Elas serviam para documentação e controle dos nazistas. O resultado pessoal é que, após a guerra, Brasse teve de largar a profissão. Passou os últimos 67 anos de sua vida sem tocar numa máquina fotográfica. Estava traumatizado.
Quando recomecei a tirar fotos depois da guerra, vi os mortos. Eu estava tirando uma fotografia de uma menina, um retrato comum, mas por trás dela imaginava fantasmas de mortos. Eu vi todos aqueles grandes olhos, aterrorizados, olhando para mim. Eu simplesmente não podia ir em frente.
Poucos sabem aqui, mas eu gosto de tênis tanto quanto de futebol. Ontem, saiu o novo ranking. Roger Federer está com 12.165 pontos contra 11.970 de Novak Djokovic nas últimas 52 semanas. São apenas 165 pontos de diferença, mas há um detalhe que beneficia o sérvio. Em 2012, Nole somou 11.410 pontos, contra 9.255 do suíço. São 2.155 de vantagem, com apenas três torneios restando no calendário: Basileia (500), Paris (1.000) e ATP Finals (1.500). Isto é, Federer tem muitos pontos a defender e provavelmente deixará de ser o número 1 nas próximas semanas. Mas isto é daquelas probabilidades das quais a gente duvida. Federer sempre tira um coelho da cartola, mesmo que Nole esteja voando.
Pois bem, os dois tomaram atitudes diversas. Djokovic não disputou na Basileia, ficou treinando à espera de Federer em Paris. Sua sorte é que Federer não venceu na Basileia, perdendo a final para Del Potro. E agora, alegando cansaço — o que deve ser verdade — , o suíço desistiu de Paris. Ou seja, a estratégia deu certo. Até demais. A atitude tem duas consequências: (1) Na segunda-feira que vem, Djokovic será o novo número 1, pois, haja o que houver em Paris, Federer perderá os pontos parisienses do ano passado para efeito de ranking e (2) Federer usa a estratégia de Djokovic para o contra-ataque: vai descansar, priorizando o ATP Finals de Londres, evento que encerra a temporada do tênis masculino. Ou seja, Federer não está morto, podendo retomar a liderança em Londres. Bonita briga.
Neste domingo, o cantor em cuja certidão de nascimento consta o imenso nome de João Gilberto do Prado Pereira de Oliveira completa 81 anos. É um aniversário especial, pois coincide com o lançamento do livro João Gilberto, pela Cosac & Naify. Trata-se de um livro inteligente e oportuno — sua principal missão é a desfocar o João Gilberto como homem difícil, esquisito e maniático (palavra que não existe na língua portuguesas mas que faz uma falta tremenda), focalizando o músico, sua importância e originalidade. Já não era sem tempo. O livro não nega as confusões, hesitações, brigas, cancelamentos, nem o estilo de vida do cantor, apenas dá a devida importância a este fatos com os quais o ouvinte não tem contato quando este baiano de Juazeiro pega o violão, senta no banquinho e canta. E encanta, diríamos, em trocadilho que pisa a linha divisória e invade a área do mau gosto.
É um livro bastante esperado e que já nasce clássico — quanto mais não seja em razão de seu preço. Deverá figurar ao lado de outros clássicos como O Balanço da Bossa (1968), de Augusto de Campos, e Chega de Saudade (1990), de Ruy Castro. O livro da Cosac — lindíssimo, cheio de fotos como um livro de arte, valendo cada centavo de seus R$ 215 (512 páginas) — é organizado por Walter Garcia, professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, sob coordenação dos editores Milton Ohata e Augusto Massi. Dividido em quatro partes, João Gilberto traz ensaios e textos críticos escritos especialmente para o livro. Estes contextualizam a música de João na história da MPB e apontam afinidades entre sua produção e outras áreas da cultura brasileira. A obra também tem a proposta de ser uma compilação, um repositório de tudo o que já se escreveu de importante sobre João e que estava fora de circulação, além de apresentar uma seleção de entrevistas concedidas pelo cantor e reunir depoimentos de pessoas.
Num país onde muita gente não gosta de Elis Regina, por exemplo, por ela ter sido assim ou assado, e despreza João Gilberto por ele ser um ser humano complicado, o livro da Cosac parece ter vindo para equilibrar com ensaios sérios, o volume do farto anedotário que circula a respeito das esquisitices de João — tanto que possui um capítulo “desmitificador” chamado Antianedotário. “Este é um livro a favor”, diz Ohata. “Deixamos em segundo plano as histórias curiosas que aderiram à figura de João. Esqueça o homem que fez o gato se suicidar, que fala no telefone por código Morse, que só sabe reclamar do som e do ar-condicionado, que pede estranhos favores, que passa noites ao telefone, etc. Não por acaso, criamos a seção Antianedotário.
Na busca pela análise da música e das diferenças de João Gilberto, Milton Garcia trouxe o músico e professor Aderbal Duarte para demonstrar como se dá, na pauta musical, a famosa batida criada por João.
O livro leva a peito o que disse Vinicius de Moraes em 1964: “Eu sei que dentro da sua neurose, dentro da sua esquisitice, existe um lugar que ele rega diariamente com as lágrimas que chora por dentro. Um lugar que podemos chamar de Brasil, por exemplo”. Tem toda a razão. João Gilberto jamais deixou de traduzir o Brasil, de modernizá-lo em suas recriações musicais. Mas é complicado convencer o Brasil.
João ganhou um violão aos 14 anos e nunca mais largou. Nos anos 40, ouvia de Duke Ellington e Tommy Dorsey a Anjos do Inferno, Dorival Caymmi e Dalva de Oliveira. Aos 18 anos, foi para Salvador para cantar como crooner e logo depois para o Rio de Janeiro, onde fez parte do conjunto vocal Garotos da Lua. Sua história no grupo durou pouco. Cansados de seu comportamento — atrasos, faltas, etc. — os Garotos da Lua o demitiram num momento em que se tornava conhecido.
Em 1958, gravou dois compactos num estilo nunca antes ouvido e que inauguraram a bossa nova: “Chega de Saudade”/”Bim Bom” em julho, e “Desafinado”/”Oba-la-lá” em novembro. No mesmo ano, tinha acompanhado Elizeth Cardoso em duas faixas do LP “Canção do Amor Demais” (“Chega de Saudade”, de Tom Jobim e Vinicius de Moraes e “Outra Vez”, de Tom), considerado outro marco inaugural na história da bossa nova.
As características que mais o notabilizaram foram a maneira de cantar em voa baixa, fugindo da tradição dos cantores do rádio, famosos por seus “vozeirões”. Também a forma de tocar violão traz uma batida diferente, que desloca o acento da tradicional batida de samba. Até hoje, não há concordância a respeito de quando começou a bossa nova. Alguns dizem que foram os compactos de 1958; outros que foi Canção do Amor Demais; outros dizem que foi Chega de Saudade (1959), primeiro disco solo de João Gilberto. Há muitas coisas em comum entre os três fatos: há Tom, Vinícius, mas principalmente há a famosa batida de João Gilberto, presente no violão de todos os trabalhos. Pouco sabem que a faixa-título do disco de João, Chega de Saudade, já aparecia no álbum de Elizeth.
O surgimento de Chega de Saudade marcou uma revolução na música brasileira. Foi um estrondoso sucesso no Brasil — onde os cantores e até mesmo João ainda eram crooners de voz empostada — , lançando a carreira do cantor e de todo o movimento da bossa nova. Além de Chega de Saudade no lado A, o disco — que mais parece uma antologia de clássicos — abria o lado B com Desafinado, de Tom e Newton Mendonça, e ainda continha Brigas nunca mais (Tom e Vinícius), Maria Ninguém (Carlos Lyra), Rosa Morena (Dorival Caymmi) e É luxo só (Ary Barroso), entre outras. Este disco foi seguido de outros dois, em 1960 e 1961, nos quais ele continuou apresentando músicas inétitas de uma nova geração de cantores e compositores, como Carlos Lyra e Roberto Menescal.
A influência de João Gilberto foi fundamental para toda a MPB que veio depois. Chico Buarque, Caetano, Gil, Nara Leão, João Bosco, até os atuais Fernanda Takai, Luiz Tatit e toda uma geração de cantores de pouca potência vocal são seus rebentos.
Além de hábitos exóticos, João Gilberto e seu violão carregam a música em suas entranhas. Prescidem de distorções, mixagens ou estratégias de engenheiros de som. Perfeccionista, ele percebe qualquer semitom fora do lugar, corrigindo o que pensa ser a surdez de alguns. Seu trabalho é via de regra impecável, dentro do mais alto senso de estilo. João Gilberto possui enorme discografia, porém seu acervo de novas canções cresce lentamente. É que ele vai polindo as velhas canções de parceiros da bossa nova ad infinitum, extraindo novas sonoridades e divisões, sempre surpreendendo.
Conta-se muitas histórias — a maioria verdadeiras — de suas excentricidades. O cantor vive recluso, porém passa horas ao telefone durante a madrugada, conversando com amigos. Tem um jeito tranquilo e doce, mas já dispensou subitamente orquestras que ensaiaram com ele para tocar sozinho na hora do show. Também já fez muitas plateias passarem calor por não aceitar que o ar condicionado fosse ligado e costuma passar meses em casa, deixando os amigos preocupados por apenas alimentar-se através de teleentregas… Na noite de inauguração do Credicard Hall foi incompreensivelmente vaiado e chamou os espectadores de bêbados. Talvez seja um chato ou maluco, mas, desculpem, o maluco permanecerá como o maior marco de nossa música.
Obviamente, este comentarista considera pouco profissional cancelar shows subitamente e imotivadamente, mas pensa que não tolerar sons de celulares em shows, cochichos da platéia, ares-condicionados barulhentos ou caixas de som desreguladas não seja exatamente loucura.
Discografia:
Quando Você Recordar/Amar É Bom – 78 rpm single (Todamerica, 1951)
Anjo Cruel/Sem Ela – 78 rpm single (Todamerica, 1951)
Quando Ela Sai/Meia Luz – 78 rpm single (Copacabana, 1952)
Chega de Saudade/Bim Bom – 78 rpm single (Odeon, 1958)
Desafinado/Hô-bá-lá-lá – 78 rpm single (Odeon, 1958)
Chega de Saudade (Odeon, 1959)
O Amor, o Sorriso e a Flor (Odeon, 1960)
João Gilberto (Odeon, 1961)
Brazil’s Brilliant João Gilberto (Capitol, 1961)
João Gilberto Cantando as Músicas do Filme Orfeu do Carnaval (Odeon, 1962)
Boss of the Bossa Nova (Atlantic, 1962)
Bossa Nova at Carnegie Hall (Audo Fidelity, 1962)
The Warm World of João Gilberto (Atlantic, 1963)
Getz/Gilberto (Verve, 1963)
Herbie Mann & João Gilberto (Atlantic, 1965)
Getz/Gilberto vol. 2 (Verve, 1966)
João Gilberto en México (Orfeon, 1970)
João Gilberto (Philips, 1970)
João Gilberto (Polydor, 1973)
The Best of Two Worlds (CBS, 1976)
Amoroso (Warner/WEA, 1977)
Gilberto and Jobim (Capitol, 1977)
João Gilberto Prado Pereira de Oliveira (WEA, 1980)
Brasil (WEA, 1981)
Interpreta Tom Jobim (EMI/Odeon, 1985)
Meditação (EMI, 1985)
Live at the 19th Montreux Jazz Festival (WEA, 1986)
Indicação de Alexandre Constantino. Sol é argentina e há pouco gravou o espetacular CD Duo, com Hélène Grimaud. Para quem tem rudimentos de alemão – eu tenho dois semestres feitos há três décadas no Goethe — , a entrevista após a música é bem legal. Entendi 23% dela, mais ou menos.
— corrente filosófica que dá preferência à vontade mais que ao entendimento, corrente daqueles que acreditam em milagres, do “eu acredito que seja assim porque quero que assim seja” —
e do amadorismo
— Falcão e Fernandão inventados como técnicos, Luciano Davi como responsável pelo futebol, Fábio Maseridjan indo para o Corinthians —
instalados no departamento de futebol do Internacional.
Eu não.
Na boa, sou moderninho e prefiro o profissionalismo e os projetos mesmo. Gosto de vê-los seguidos e cumpridos. E aí está o Plano de Gestão da Convergência Colorada para o biênio 2013-2014. Clique no link abaixo e leia. É aberto, divulgável e claro. Dá até para copiar! Mas não esqueça da autoria.
Depois de tudo que escrevi sobre Ulysses em 2012 (ver lista de links abaixo), meus sete leitores poderiam prever facilmente sua reaparição nesta lista, não?
Bloom acorda. Prepara o café da manhã para sua mulher, Molly. Assiste a um enterro. Visita um editor de um jornal. Almoça. Olha um anúncio de jornal na biblioteca. Responde a uma carta recebida. Janta. Encontra o amigo Dedalus. Vagueia pela praia. Masturba-se olhando uma moça. Reencontra Dedalus. Vão a um puteiro. Encaminham-se para a casa de Bloom. Entabulam uma conversa filosófica. Dedalus vai embora e Bloom retorna ao leito conjugal, onde dormirá enquanto sua mulher tem fantasias quentíssimas.
Tudo isso em apenas um dia, 16 de junho de 1904. São 18 capítulos que cobrem aproximadamente 18 horas. Cada capítulo escrito de forma totalmente diferente, cada cena fazendo mil referências, principalmente à Odisseia de Homero. Não é uma epopeia do cotidiano, mas sim uma obra anti-épica, cujo naturalismo não se percebe no nível mais superficial da narrativa. As frequentes transgressões linguísticas, a justaposição de frases ostensivamente poliglotas, a mistura de estilos — épico, lírico, drama, comédia — são os percursos seguidos por Joyce com a finalidade de quebrar os protocolos estabelecidos do gênero do romance para chegar à essência das coisas e à exploração do inconsciente, escondido pelas aparências. O que mais me fascina são os 18 estilos diferentes, os 18 escritores chamados por Joyce para escreverem o maior romance do século XX.
Desde que acorda até voltar à cama — onde sua Penélope-Molly tece enorme teia de fantasias eróticas que nunca serão do conhecimento do marido –, Leopold Bloom protagoniza um monumento de rara sutileza, difícil de penetrar, mas só quem tenta obtém chegar a suas grandes iluminações.
O livro foi proibidíssimo e apenas chegou a nós por milagre. Por exemplo, um episódio do livro, entregue a uma datilógrafa, chocou de tal forma seu marido que este o arremessou às chamas. havia outra cópia menos revisada, com Joyce. Durante a Primeira Guerra Mundial, um capítulo inteiro — Sereias — foi interceptado por autoridades militares que desconfiaram que aquilo era uma longa mensagem escrita em código… Algo vital para o inimigo, certamente…
Suas características satíricas, viscerais e brutalmente depreciadoras do real, chocaram profundamente a sensibilidade do leitor médio, decepcionado ainda pela fascinação do autor pela linguagem, pelas várias formas narrativas, louca musicalidade e certamente pela descontrolada e incerta potencialidade semântica.
O mais extravagante, divertido e sujo dos livros.
Mais Ulysses: tem muito mais neste blog, mas pode ser aqui, aquie aqui, pra começar. Para o resto, é só pesquisar.
Em O Sétimo Selo, Antonius Block joga uma partida de xadrez com a Morte. Faz exatamente o que fazemos todos os dias: jogamos uma longa partida ao final da qual estaremos derrotados. A extraordinária cena em que Antonius Block vai a um confessionário e, em vez de um padre, é atendido pela própria Morte é das cenas mais notáveis criadas por Ingmar Bergman. O fim do diálogo, quando Antonius fica feliz por meramente jogar, é surpreendente e uma demonstração, digamos, de toda a irreligião e de todo o Strindberg que havia no meu diretor preferido.
Simbiosis, escultura em mármore de autoria de Pascale Archambault, vencedora do Primer Festival de Escultura de Guatemala “Guatemala Inmortal” de 2007, do qual participaram 256 artistas de 56 países.
A única chance para Giovanni Luigi permanecer como presidente do SC Internacional está em vencer as eleições para o Biênio 2013-14 no primeiro turno, ou seja, no Conselho. Ele tem apenas uma bala e seu tiro — perigosíssimo, letal — será desferido na reunião do dia 8 de novembro. Nesta data, os 346 conselheiros do Clube devem optar por uma das candidaturas a presidente. Avançarão ao segundo turno duas das chapas mais votadas, desde que obtenham mais de 25% dos votos. E nisto resumem-se as chances do presidente picolé de chuchu, alguém que não empolga ninguém, mas que possui o Conselho Deliberativo do clube na mão. Assim como Odone tem no Grêmio.
Mais sobre o maravilhoso Luigi e a situação do clube: aqui.
Para ultrapassar a cláusula de barreira, os citados 25%, são necessários 87 votos no Conselho. Em princípio, Giovanni Luigi teria aproximadamente 180 votos, Luiz Antonio Lopes, 60, e a Convergência Colorada, com seu candidato indefinido entre Sandro Farias e João Patrício Herrmann, 65. Acontece que Luiz Antonio Lopes tem o apoio de Vitorio Piffero, ex-presidente e ex-aliado de Luigi, que deve retirar votos do Banana. É possível que, deste modo, Lopes chegue ao segundo turno para disputar a presidência..
O Conselho
Pois, meus amigos, o Conselho muitas vezes não está preocupado com o futebol. Conheço muitos conselheiros. Há aqueles que vão aos jogos e sofrem com o marasmo cotidiano do clube — são o que chamo de conselheiros-torcedores — e aqueles que estão lá por serem políticos, jornalistas conhecidos ou pequenas celebridades da cidade — são os conselheiros-modinha. Estes são amigos de um amigo de Fernando Carvalho ou de outro membro menos notório da diretoria atual ou das anteriores. Foram convidados ao cargo por serem conhecidos, por serem ricos empresários ou por serem membros de diretorias de outras entidades; enfim, por suas relações extra-clube. Aceitaram concorrer por vaidade, vício, ou para ganhar mais um pontinho junto a sei lá quem. Pois, não sei por quê, é bacana ser Conselheiro, mas mesmo que não se saiba nada sobre futebol.
Estas figuras decorativas fazem o recheio dos sete (7) (!) movimentos que apoiam o futebolisticamente derrotado Luigi e podem levá-lo à vitória no primeiro turno. Um conselheiro-torcedor me disse que ontem (22/10) Luigi tinha votos suficientes para prescindir do segundo turno, o do pátio, o dos sócios, o dos torcedores que se escabelam com a realidade do clube.
Então, nos resta desejar que um dos dois adversários do presidente alcancem os tais 25%. Se alcançar, será o novo presidente do clube, pois Luigi perderá no pátio, assim como aconteceu com Odone no Grêmio.
O fundamental
Mas o mais importante desta eleição é o que ocorrerá no dia 15 de dezembro. Esta é a data não apenas para a realização do segundo turno das eleições presidenciais — se houver — mas para, FUNDAMENTALMENTE, o associado optar por uma chapa do Conselho. Este, num mundo ideal, deveria ser renovado com inteligência e maior critério por parte dos sócios.
Há 346 conselheiros. 300 são eleitos e 46 são ex-presidentes e membros do Conselho por mais de 30 anos. A gestão dos eleitos é de quatro anos e, a cada dois anos, a metade é renovada. Ou seja, no próximo dia 15 de dezembro, haverá a renovação de 150 conselheiros. Para que o clube fique mais arejado é necessário diluir a base aliada do Banana. Para quê? Ora, a fim de que tenhamos uma gestão menos amadora. A propósito, hoje a Convergência Colorada lança seu Plano de Gestão 2013/2014. É um evento aberto, qualquer um pode ir lá e conferir. Será às 20h, no auditório do Edel Trade Center (Av. Loureiro da Silva, 2001), em Porto Alegre. Logo após o lançamento ele estará no ar no site.
Sim, apoio a Convergência e convido a todos os interessados no Inter a se informarem sobre ela e os outros movimentos do clube. Depois, informados, decidam, ora! Por favor, chega de votar nas figurinhas mais simpáticas da cidade.
Em 17 de maio de 1890 estreava a Cavalleria Rusticana de Pietro Mascagni no Teatro Costanzi de Roma. Na mesma data nascia o Verismo musical italiano e, assim como na literatura, também na ópera a arte passava a imitar a vida, fugindo dos modelos históricos e míticos e mergulhando no cotidiano.
A violinista da OSPA, Elena Romanov, fez-me notar que, em 1892, apenas dois anos após a estréia na Itália, a Cavalleria já chegava ao Theatro São Pedro com a grande Companhia Lírica Italiana de Poltronieri e Bernardi. Achei interessante lembrar ao apreciadores da lírica que, no século XIX, era usual companhias profissionais de ópera italiana se deslocarem de navio para a América Latina iniciando seu circuito pelo Teatro da Paz de Belém, de 1869, descendo em direção ao Teatro de Santa Isabel de Recife, de 1850, Theatro São Pedro de Porto Alegre, de 1858 e Theatro Sete de Abril de Pelotas, de 1834. Depois seguiam para o Uruguai e Argentina. Em 1890, ainda não existiam o o Theatro Pedro II e o Municipal de São Paulo, o Teatro Amazonas, o Theatro Municipal do Rio e o Theatro José de Alencar de Fortaleza, entre outros.
Em 2012, durante este final de semana, no Theatro São Pedro, passados 120 anos, voltamos a ouvir a história de Turiddu Macca, um camponês siciliano que, ao retornar do serviço militar, encontra Lola, sua namorada, casada com Alfio, um rico caixeiro-viajante. Tomado pelo ciúme, ele seduz a jovem Santuzza e a usa para provocar a antiga namorada. Lola cai na armadilha e torna-se sua amante. Santuzza, ao descobrir a traição, denuncia os amantes para Alfio, que, para lavar sua honra, desafia Turiddu para um duelo que se conclui com a morte deste.
Foram 55 minutos de tensão e drama enriquecidos pela Ospa (Orquestra Sinfônica de Porto Alegre), coro e solistas.
O maestro Enrique Ricci transpirava segurança e carisma e, mesmo no espaço reduzido do pequeno teatro, o qual impedia movimentos de palco e limitava a atuação cênica, soube extrair interpretações emocionantes.
A orquestra e o coro estavam claramente seduzidos pelo maestro e havia congraçamento, integração, vontade. Quem estava na plateia sentia a música chegando como ondas, via-se as pessoas sendo transportadas pela obra. Eu mesmo, com a visão periférica, buscava meus vizinhos de platéia e via respirações, mãos e pernas que vibravam em sincronia com os acontecimentos do palco. A orquestra se transformou em praça e o coro sinfônico – com suas vozes treinadas pelo maestro Manfredo Schimiedt – foi o povo da Sicília, com sua religiosidade, alegria e drama.
A soprano Cláudia Riccitelli, foi uma apaixonada Santuzza, hipnotizando o público com uma expressividade sanguínea que a ajudou a superar as dificuldades do papel. A mezzo Luciane Bottona, destacou-se com uma mamma Lucia de ótima atuação cênica, voz segura, bem projetada e de lindo timbre. O barítono Sebastião Teixeira, apresentou um Alfio impecável com belos e sonoros graves. O tenor Richard Bauer, foi um bom Turiddu, destacando-se no dueto com Santuzza. A soprano Elisa Lopes encarnou satisfatoriamente a provocante Lola.
Momento memorável, casa lotada em todas as récitas, merecia mais e mais réplicas.
Acho sempre muito curioso quando as pessoas dizem que os antigos regimes comunistas matavam muito. Ah, matavam mesmo, não sou louco de negar. Eram tão democráticos e modernos quanto os regimes que vinham substituir, apesar de terem outra feição econômica. Acima, um militante comunista é executado por um policial nas ruas de Xangai, sob o olhar de soldados do Kuomintang (“Partido Nacionalista Chinês”). Dias depois, vocês sabem, as tropas de Mao controlariam a cidade e começariam outras mortes. Outra mania da época era a de retocar fotos, salientando contornos; às vezes retirando pessoas que caíam em desgraça.
No dia 27 de maio, há pouco mais de uma semana, publicamos A migração dos cinemas de Porto Alegre (Parte 1 – Centro). Ali, explicávamos que não houve o fim dos cinemas, mas uma migração deles em direção aos shoppings, Casas de Cultura, Sindicatos, etc. Tanto foi assim que o ano de 2011 marcou um novo recorde de vendas de ingressos.
Repetimos aqui que pretendemos fazer uma matéria apocalíptica, mas que um pouco de nostalgia é inevitável. Afinal, estamos mostrando como estão hoje alguns locais onde antes havia cinemas. Nossa coleção de cinemas do Centro da cidade revelou-se incompleta e nesta Parte 2 não esgotaremos os cinemas de bairro.
As fotos antigas foram retiradas de diversos, sites, blogs e do Facebook. Normalmente não são informados os autores destas fotos.
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O lento ocaso do Astor é das coisas mais tristes para a paisagem de nossa cidade. Localizado na Avenida Benjamin Constant, 1891, bairro Floresta, foi inaugurado em 6 de outubro de 1923. Abaixo, seu aspecto nos anos 20, em foto retirada daqui.
Foi reformado em 1963, ganhando o nome de Astor. A sala de 1.395 lugares fechou em 1994, década da foto abaixo.
Em 2007, o fotógrafo Diego de Leão Pufal fez belas fotos do que sobrou de sua fachada.
Hoje, o Astor é um estacionamento.
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Logo adiante, ainda na Benjamim, no nº 1773, temos o Presidente. Ele foi inaugurado em 15 de novembro de 1958 pelo filme A Mais Bela Mulher do Mundo, com Gina Lollobrigida.
Atualmente abriga o Centro de Avivamento para as Nações, uma igreja evangélica. Não é primeira igreja a alugar o prédio do velho Cine Teatro.
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Em 1928, foi aberto o Rosário, Av. Benjamin Constant, nº 305.
Este velho cinema de 1.180 lugares foi simplesmente pulverizado.
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No bairro Floresta, havia o Cine Theatro Ypiranga. Ficava na Cristóvão Colombo, 772. A sala tinha 1.159 cadeiras.
Transformou-se em garagem.
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Um importante cinema de Porto Alegre era o Vogue. A primeira sessão foi O Velho e o Mar, em 1º de agosto de 1959. Ficava na Av. Independência, nº 640 , no bairro Independência. Nos anos 70, mudou de nome para Cinema 1 – Sala Vogue. Durante anos, esta foi a sala dos filmes de arte em Porto Alegre. A foto abaixo, que anuncia O Gato, de Julien Bouin, é de 1971.
A foto abaixo, do filme Fanny e Alexandre, de Ingmar Bergman, é de 1982. Aqui, ele já é o Cinema 1.
Hoje, em lugar de Bergman, é um buffet livre / buffet kilo.
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Se o Vogue era cult, o que dizer da dupla Baltimore e Bristol? Os pranteados Baltimore e Bristol ficavam na Av. Osvaldo Aranha, nos números 1048 e 1058. O Baltimore nasceu em 3 de setembro de 1931. Em 1970, foi inaugurado o Mini Baltimore, no piso superior. Esta sala passou a se chamar Cine Bristol em 1º de maio de 1975.
A foto mais embaixo mostra a platéia do Baltimore e foi publicada na Revista do Globo em fevereiro de 1950.
Depois, a enorme sala do Baltimore, foi dividida em três cinemas menores. O Bristol permaneceu. As lotações das 4 salas de cinema eram: Baltimore 1, seiscentos lugares; Baltimore 2, duzentos e sessenta e quatro lugares; Baltimore 3, ex-Bristol, cento e oitenta e quatro lugares e Baltimore 4, com cento e trinta e oito lugares. Em 2000, a última sala de cinema deixou de funcionar.
No inicio de 2003, o prédio foi demolido, ficando apenas a fachada. A foto abaixo é de maio de 2003 quando restava apenas a fachada do prédio; essa fachada acabou desabando no Natal do mesmo ano.
No local será construído centro comercial com dezesseis andares que ocupará toda a extensão do Baltimore e do não menos lendário Bar do João. Tanto o cinema quanto o bar representaram, por muito tempo, a cena cultural não apenas do Bom Fim, mas de boa parte dos porto-alegrenses. Hoje é um canteiro de obras.
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Ah, as matinês do velho Rio Branco da Av. Protásio Alves.
Todas as famílias levavam seus filhos para ver filmes de entretenimento aos sábados, domingos e feriados à tarde. À noite, a coisa mudava.
Hoje, o Rio Branco é mais um dos pulverizados.
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É uma dificuldade conseguir fotos do grande, enorme Cinema Coral na 24 de outubro.
As fotos encontradas já são de sua decadência.
Hoje, o velho cinema é um Centro de Eventos.
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O Avenida é muito antigo. Foi inaugurado como América em 1923. Porém, uma ventania ocorrida durante uma exibição do filme mudo O Barqueiro do Volga (1926) deixou a sala bastante danificada, além de um morto e 5 feridos. Provavelmente, a foto abaixo retrate o prédio do cinema após a ventania, pois vê-se que há peças de madeira sustentando as paredes. O novo prédio do Cine Avenida foi inaugurado em 6 de junho de 1929.
O preferido da elite porto-alegrense anunciava suas atracções no jornal.
E hoje, após ter se dividido em Avenida 1 e 2 e de passar um período como bingo, procura compradores.
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O velho ABC parecia o modelo para o túnel do seriado O Túnel do Tempo. Tanto que seu melhor lugar era na primeira fila. No início, era chamado cinema Garibaldi. Foi inaugurado no dia 8 de dezembro de 1914 na rua Venâncio Aires, nº 77, bairro Cidade Baixa. Foi reinaugurado em 1º de janeiro de 1969com o nome de ABC. Fechou definitivamente suas portas no dia 10 de julho de 1994.
Hoje, é uma galeria de lojas.
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O cinema Castelo, na av. Azenha, nº 666, no bairro Azenha, foi inaugurado no dia 27 de abril de 1939. Funcionou por cerca de 40 anos, fechando em 1979. Era um imenso cinema. Teve dias gloriosos ao sediar os eventos e programas da Rádio Farroupilha. Destaque absoluto para shows de uma jovem cantora: Elis Regina. Depois, por mais de duas décadas, passou somente filmes B.
O prédio pintado e adornado pela parada de ônibus no meio da Azenha.
Hoje, há um prédio de apartamentos no local.
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A casa abaixo foi destruída para dar lugar ao cinema Roma, inaugurado em 24 de setembro de 1960. Não encontramos fotos desta época.
Hoje está fechado, disponível para aluguel ou venda.
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O dia 6 de setembro de 1948 marcou a inauguração do cinema Ritz, na Av. Protásio Alves, nº 2557, no bairro Petrópolis. O Ritz fechou em1994 e o prédio foi demolido em 2002…
… dando lugar a um edifício sem maior personalidade.
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Em 11 de setembro de 1960, tivemos a inauguração do cinema Atlas em um prédio localizado na esquina da av. Protásio Alves e rua Alcides Cruz, no bairro Petrópolis. A foto abaixo mostra a esquina em julho de 1997.
O Atlas era muito bonito por dentro, com escadarias que levavam ao mezanino.
É mais um cinema que foi substituído por um edifício.
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Utilizamos várias fontes, as principais estão listadas abaixo:
Quando Ana Cristina Cesar cometeu suicídio em 1983, aos 31 anos, atirando-se pela janela do apartamento dos pais, na rua Tonelero, em Copacabana, foi um pranto geral no mundo das letras. Era compreensível. Tratava-se de um raríssimo e precioso talento emergente na acanhada literatura e poesia brasileiras, era parte importante do futuro. Muito culta e bonita, Ana, nascida há 60 anos, em 2 de junho de 1952, recebeu as mais surpreendentes homenagens post mortem. Além dos obituários e do lamento de seus leitores, apareceu uma fila de ex-namorados e conhecidos escrevendo enlouquecidas colunas. Pessoas que conviveram com ela, que a viram uma ou outra vez, que beberam algo em sua companhia, que a beijaram ou ficaram com ela, muita gente desejou registrar o quanto gostava e admirava Ana C. Porém, o que mais estarrecia eram os citados namorados. Inacreditáveis, pareciam dispostos a uma competição de visceralidade e mau gosto, da qual estava livre Marcos Augusto Gonçalves e outros poucos. Desejavam comprovar sua (ou uma) intimidade com detalhes e mais detalhes. Tal fato é tanto mais espantoso quando comparado com a enorme elegância da poetisa.
Sinto ciúmes desse cigarro que você fuma
Tão distraidamente.
Tudo foi muito rápido para Ana Cristina Cesar. Aos seis anos, antes mesmo de ser alfabetizada, ditava poemas para sua mãe escrever. Em 1969, aos 17 anos, foi para Londres num intercâmbio, voltando apaixonada pela literatura de língua inglesa, e principalmente pelas obras de Katherine Mansfield, Sylvia Plath e Emily Dickinson. Aos 19, começou a cursar Letras na PUC-RJ, além de traduzir e escrever. Tornou-se uma espécie de musa da geração mimeógrafo, que distribuía poesia em folhas de ofício grampeadas, saídas das máquinas das universidades. Logo Ana começou a ser publicada pelos jornais alternativos e revistas e para depois aparecer em edições independentes. Seus livros, sempre pequenos, tinham o poder de multiplicar-se e podiam ser encontrados não somente no Rio de Janeiro. Enquanto isso, a autora fazia mestrado em comunicação na UFRJ e em tradução na Inglaterra. No ano de 1980, publicou o livro de crítica Literatura não é documento e, em 1982, A teus pés (1982), que reunia três livros independentes anteriormente publicados: Luvas de pelica, Correspondência completa e Cenas de Abril. A teus pés, publicado pela Brasiliense em 1982, é, na verdade, uma série de fragmentos que misturam poesia, cartas e diários em linguagem confessional. É leitura obrigatória em diversos concursos vestibulares pelo país.
Percebo que o lance de notações tipo agendinha tem a ver com certa briga entre fora e dentro, registro e psicologia, cenografia e interioridade. Registrar com um muxoxo de quem não pudesse derramar. Mas para não ficar neo-realista só vale se a tensão passar. Tem mais aí? Ai, um batonzinho.
Ana teve outros volumes publicados após sua morte em 1983. Há Critica e tradução, um volume de 464 páginas lançado pela Ática em 1999 e que é outra reunião de livros menores — Escritos no Rio, Escritos da Inglaterra e Literatura não é documento — e que inclui uma tradução anotada do célebre conto Bliss, de Katherine Mansfield. Sobre traduções, ela escreveu:
A entrelinha quer dizer: tem aqui escrito uma coisa, tem aqui escrito outra, e o autor está insinuando uma terceira. Não tem insinuação nenhuma, não. (…) Eu acho que, no meu texto e acho que em poesia em geral, não existe entrelinha. (…) Existe a linha mesmo, o verso mesmo. O que é uma entrelinha? Você está buscando o quê? O que não está ali?
Apesar do fato de a palavra “marginal” parecer adequar-se muito pouco a esta mulher do século XIX, disfarçada em século XX, o periférico acompanha-a mesmo, hoje, 29 anos após sua morte. Ao lado dos estudos acadêmicos e livros a ela dedicados, além dos artigos publicados em revistas e jornais, uma consulta ao Google fará com que nos deparemos com algo muito mais forte e vivo: um número anormal de blogs que ora lhe são dedicados inteiramente ou com posts onde ela é citada com devoção. Nestes posts, o lado confessional de sua literatura é explorado nos mínimos detalhes.
Noite de Natal
Estou bonita que é um desperdício.
Não sinto nada
Não sinto nada, mamãe
Esqueci
Menti de dia
Antigamente eu sabia escrever
Hoje beijo os pacientes na entrada e na saída
com desvelo técnico.
Freud e eu brigamos muito.
Irene no céu desmente: deixou de
trepar aos 45 anos
Entretanto sou moça
estreando um bico fino que anda feio,
pisa mais que deve,
me leva indesejável pra perto das
botas pretas
pudera
(A teus pés, pág. 62)
Ana Cristina, ou Ana C., como é mais conhecida, não deixou bilhete de despedida. Deixou poesias. Sabe-se pouco dos motivos que a levaram ao suicídio. Ela recém voltara de Londres, estava deprimida, tentara matar-se dias antes afogando-se no mar, em episódio mal descrito pelos biógrafos, até chegar ao ato final no apartamento dos pais. Enquanto sua literatura desenha uma rarefeita fronteira entre o ficcional e o autobiográfico, suas fotos mostram uma moça muito sorridente. Quem conheceu Ana, fala de uma pessoa de poucas palavras, mas de expressão clara, cristalina. Heloísa Buarque de Hollanda foi uma das primeiras ensaístas a reconhecer o valor de seus trabalhos, “eles possuem um traço diferente, extremamente pessoal, que não dá para classificar de modo nenhum como marginália ou algo parecido”.
Enquanto leio meus textos se fazem descobertos. É difícil escondê-los no meio dessas letras. Então me nutro das tetas dos poetas pensados no meu seio”. (Ana Cristina Cesar, Inéditos e Dispersos).
Seus leitores procuram textos que se relacionem com seu suicídio. Mas qualquer certeza a esse respeito é fantasia. Ana desenvolveu alguns de seus melhores trabalhos ao traduzir as poesias de Sylvia Plath (1932-1963), outra poetisa, outra suicida. Um destino muito igual numa idade muito igual o dessas duas mulheres que não conseguiram viver, mas expressaram sua dor da forma mais pura possível.
Soneto
Pergunto aqui se sou louca
Quem quer saberá dizer
Pergunto mais, se sou sã
E ainda mais, se sou eu
Que uso o viés pra amar
E finjo fingir que finjo
Adorar o fingimento
Fingindo que sou fingida
Pergunto aqui meus senhores
quem é a loura donzela
que se chama Ana Cristina
E que se diz ser alguém
É um fenômeno maior
Ou é um lapso sutil?
Ainda provocando paixões por seus textos e poemas, esta filha da poesia marginal dos anos 70 traz e atualiza dois gêneros usualmente considerados literatura menor: a carta e o diário. São retalhos nostálgicos — quase sempre sucintos, sem beletrismo e adjetivação — que usam o coloquial, mas também exploram de forma muito original a interação entre o sujeito lírico e seu leitor implícito.
Tenho uma folha branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma cama branca
e limpa à minha espera:
mudo convite
tenho uma vida branca
e limpa à minha espera.
Inéditos e Dispersos é outra coletânea que a Brasiliense publicou no início dos 80. Há passagens esplêndidas, mas o livro é muito irregular, deixando claras a limpeza de suas gavetas e papéis. Até bilhetes foram publicados. Ana certamente cortaria muita coisa deste livro.
Ao lado dos textos que estão sendo publicados neste fim de semana nos jornais e sites, está marcada para o próximo dia 6 de junho, às 20h, o Instituto Moreira Salles, no Rio de Janeiro, uma homenagem a Ana Cristina Cesar. Ana 60 Cesar será um bate-papo entre o poeta Armando Freitas Filho, que foi grande amigo de Ana C., e a escritora e professora de teoria crítica da cultura da UFRJ Heloisa Buarque de Hollanda, de quem a homenageada foi aluna. O evento, aberto ao público, será gratuito, com distribuição de senhas a partir das 19h.
Olho muito tempo o corpo de um poema
olho muito tempo o corpo de um poema
até perder de vista o que não seja corpo
e sentir separado dentre os dentes
um filete de sangue
nas gengivas
Ausência
Por muito tempo achei que ausência é falta.
E lastimava, ignorante, a falta.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus braços,
Que rio e danço e invento exclamações alegres,
Porque a ausência, esta ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.
(Carlos Drummond de Andrade – Com o pensamento em Ana Cristina)