Enchi o saco de ser gaúcho y ahora estoy listo para ser uruguayo. Como escreveu o Samir Oliveira, colega do Sul21, as razões são múltiplas. Não, não queremos essa bobagem de meramente se separar do Brasil, queremos é ser anexados, queremos ser regidos por leis uruguaias e ter Mujica como presidente. Bem, chega de tanta euforia, vamos às razões:
— Senado uruguaio aprovou hoje a descriminalização do aborto.
— Nosso Presidente José Mujica já afirmou que irá sancionar a lei.
— O Mesmo Presidente enviará para nosso Congresso uma proposta de regularização do plantio e comércio de maconha pelo estado.
— Este é o Mesmo Presidente que circula por Montevidéu em um fusca, dispensando aparato de segurança e que vive tranquilamente em uma chácara com sua mulher.
— Como se não bastasse, doa mais da metade de seu salário.
Queremos ser o vigésimo departamento do Uruguay (com ípsilon). A ser periferia de Sâo Paulo, preferimos ser de Montevidéu.
O salto foi de uma altura de 39.045 metros, uma paisagem realmente vertiginosa (desculpem, desculpem). Felix Baumgartner, 43 anos, saiu de dentro de uma cápsula que fora içada por um imenso balão. De lá, ele saltou e acelerou até chegar a 1.342,8 km/h, ultrapassado a velocidade do som, batendo os recordes anteriores. O salto supersônico de Baumgartner é sensacional.
Enquanto Serra fala pejorativamente no kit-gay do Haddad — na verdade falando sobre o kit anti-homofobia, criado durante a gestão de Haddad no Ministério da Educação com a finalidade de combater a discriminação sexual nas escolas públicas –, enquanto Malafaia é personagem principal da campanha, fico pensando se estas distorções religiosas baseadas na desinformação resolvem alguma coisa. Será que Serra vai subir nas pesquisas? Espero que não. São Paulo não deve ter quase problemas, né?
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Gostaria que houvesse um IDH que pudesse medir as câmaras de vereadores recém eleitas. Podiam falar com com o Amartya Sen… A de Porto Alegre não recomenda muito. Tenho pena da Melchionna, do Ruas, da Cavedon, do Sgarbossa.
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Poucos sabem aqui, mas eu gosto de tênis tanto quanto de futebol. Ontem, saiu o novo ranking. Roger Federer está com 12.165 pontos contra 11.970 de Novak Djokovic nas últimas 52 semanas. São apenas 165 pontos de diferença, mas há um detalhe que beneficia o sérvio. Em 2012, Nole somou 11.410 pontos, contra 9.255 do suíço. São 2.155 de vantagem, com apenas três torneios restando no calendário: Basileia (500), Paris (1.000) e ATP Finals (1.500). Isto é, Federer tem muitos pontos a defender e provavelmente deixará de ser o número 1 nas próximas semanas. Mas isto é daquelas probabilidades das quais a gente duvida. Federer sempre tira um coelho da cartola, mesmo que Nole esteja voando.
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O Inter? Mas por que deveria falar dele? Gente, o ano acabou. Agora são as eleições. Fim.
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Na segunda quinzena de novembro, vou tirar férias com uma missão: a de arrumar os livros em casa. Não consigo encontrar nada. 15 dias para fazer tudo. A partir de hoje, tenho 30 dias para planejar a colocação das estantes e coisa e tal. Estou com férias em atraso, completando dois anos. (Mas, após uma procura insana, acabei encontrando o livro que queria emprestar para a Natália Otto, se ela ainda estiver interessada. De que vale uma biblioteca se não encontramos nada nela?)
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Brasil enfrenta o Japão neste momento. Escuta, alguém dá bola pra seleção do Mano?
Gustavo Dudamel conduz a Grande Orquestra Sinfônica Simón Bolívar, o Coro Juvenil Nacional da Grã-Bretanha, Miah Persson e Anna Larsson, na 2ª Sinfonia de Gustav Mahler “A Ressurreição”. Versão completa, com 94 minutos.
Este livro me foi enviado pelo poeta e amigo Fernando Monteiro com o seguinte recado: “Vosmicê vai adorar este anticlericalíssimo livro!”. E gostei mesmo. E dei risadas ou sorri dentro dos ônibus onde o li. O livro das coisas santas (Editora Fenda, Lisboa, 1995) tem apenas 150 páginas, mas há nele 258 capítulos, um dedicado a cada Papa. Como já tivemos 265 Papas, há um pequeno capítulo para praticamente cada um deles. Os capítulos consistem de trechos escritos pelos Santos Padres, ou depoimentos ou pequenas histórias que caracterizam o Bobão da vez. Há sequências absolutamente hilariantes, absurdos difíceis de se acreditar, mas que, quando fazemos uma breve conferência nas Histórias dos Papas disponíveis na rede, ficamos sabendo que o português Carlos Mota de Oliveira não está mentindo, apenas descrevendo as ações do santo homem sob uma perspectiva mais real. Homens como nós, há papas para todos os gostos. Austeros, sexualmente ativíssimos, violentos, assassinos, guerreiros, santos, gays como Martinho IV (1281-1285), simplesmente doidos varridos, os Papas são sempre engraçados. Como o seríssimo Papa Paulo VI (1963-1978), ao explicar a uma alegre delegação de padres africanos que lhe chegaram de Angola para uma visita, que ser um sacerdote é não ser um chocolate. “O sacerdote, mesmo os africanos, devem ser escutados pela congregação, nunca saboreados”.
Livro ideal para dar de presente àquele seu amigo católico. Faça-o já. Há seis exemplares disponíveis na Estante Virtual. A capa é maravilhosa ao demonstrar já de cara a irresistível pedofilia dos castos homens da igreja.
Tirado daqui, ó. Só não coloquei as fotos das cartas a serem leiloadas.
Um ano antes de morrer, o célebre físico Albert Einstein escreveu, em 24 de março de 1954, uma carta ao filósofo judeu Eric B. Gutkind, expressando sua visão sobre o povo judeu, as religiões e a existência de Deus. O documento estará em leilão no eBay de 8 a 18 de outubro, com lance inicial de US$ 3 milhões (mais de R$ 6 milhões).
“Estamos excitados por oferecer a uma pessoa ou organização a oportunidade de possuir um dos documentos mais intrigantes do século 20″, disse Eric Gazin, presidente da Auction House (agência que está cuidando da venda), em entrevista ao LiveScience. “Esta carta pessoal de Einstein representa um nexo entre ciência, teologia, razão e cultura”.
Einstein x Deus e as religiões
A carta era uma resposta do físico ao livro de Gutkind “Choose Life: The Biblical Call to Revolt” (“Escolha a Vida: A Chamada Bíblica à Revolta”), no qual o filósofo sustentava a ideia de que os judeus eram um povo de “alma incorruptível”. “A alma do povo judeu nunca foi uma alma de massas. A alma de Israel não poderia ser hipnotizada; nunca sucumbiu a ataques hipnóticos (…). A alma de Israel é incorruptível”, escreveu.
Einstein não concordava:
Para mim, a religião judaica é, da mesma forma que todas as outras, uma incarnação das superstições mais infantis. E o povo judeu, ao qual eu pertenço com boa vontade, e que tem uma mentalidade com a qual tenho uma afinidade profunda, não tem, para mim, uma qualidade que o difere de qualquer outro povo. Até onde minha experiência vai, ele também não é melhor que outros grupos humanos, embora esteja protegido dos piores cânceres por falta de poder. Fora isso, não consigo ver nada de ‘escolhido’ sobre ele.
No final de sua vida, Einstein se mostrou contrário às religiões. Mas ele acreditava em Deus? Não exatamente, como se lê em uma carta escrita em 24 de março daquele mesmo ano:
Foi, é claro, uma mentira o que você leu sobre minhas convicções religiosas, uma mentira que foi repetida de forma sistemática. Eu não acredito em um Deus pessoal, nunca neguei isso, mas expressei de forma clara. Se algo em mim pode ser chamado de religioso, é minha ilimitada admiração pela estrutura do mundo que nossa ciência é capaz de revelar.
Na carta a Gutkind, Einstein disse que a palavra “Deus” nada mais era do que “a expressão e produto da fraqueza humana, e a Bíblia, uma coleção de honoráveis, porém primitivas lendas que eram no entanto bastante infantis”.
Bom repertório, bom maestro, bom solista e uma orquestra inspirada fizeram ontem à noite um dos melhores concertos de 2012, talvez o melhor de todos. Foi o conserto do concerto, se me entendem. Chovia muito e a Assembleia Legislativa ficou com pouco mais da metade de suas dependências ocupadas, apesar do ingresso gratuito.
A primeira obra foi o famoso Concerto para Violino, Op. 64, de Felix Mendelssohn. É uma obra em três movimentos interligados que recebeu eficiente interpretação do solista nipo-germânico Koh Gabriel Kameda, sobre o qual tínhamos especial curiosidade. Afinal, o cara toca num Stradivarius de 1727. Kameda é um excelente violinista, as notas estão todas lá, mas acho que ele pecou na interpretação um pouco dura demais. Aquilo prejudica até o som privilegiado de seu violino. Meu entusiasmo por ele é limitado, mas tenho que dizer que o aplaudi muito. É que a memória do concerto de Mendelssohn ficou prejudicada pelo que veio depois e que foi muito, mas muito maior.
Ah, Kameda e a Ospa deram um bis com Oblivion de Astor Piazzolla. Engraçado, aqui Kameda perdeu a contenção, fazendo exatamente o que dele se esperava no Concerto. Enfim, coisas.
Tenho uma relação especial com a Sinfonia Nº 9 de Franz Schubert, apresentada após o intervalo. No dia 10 de dezembro de 1993, encontrei meu pai à noite num supermercado. Como sempre fazia com ele – e ele comigo – vim sorrateiramente por trás e fingi dar-lhe um encontrão. Depois, conversamos umas bobagens e nos despedimos. No dia seguinte, às 6h, ele estava estirado no banheiro de casa, morto, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Meio perdido, andei pela sala e resolvi abrir o CD Player para ver o que estava ali dentro. A última música que ele tinha ouvido fora a Sinfonia Nº 9, A Grande, de Schubert, com Claudio Abbado e a Chamber Orchestra of Europe. Nos dias posteriores, ouvi loucamente aquela música belíssima. Conheço-a em detalhes, claro. Qualquer psicólogo de farmácia dirá que eu tentei trazê-lo de volta através da Sinfonia, mas que ela não era tão grande assim. Mas, enfim, o concerto…
Ou o regente Pedro Calderón deu total liberdade ou foi muito bem compreendido pelos músicos. Isto era visível pela felicidade de todos. As cordas estiveram perfeitas numa obra longa em que elas trabalham o tempo inteiro.
O primeiro movimento inicia com um solo de trompa que foi executado na medida por Israel Oliveira. Todo o Andante – Allegro ma non Troppo recebeu a seriedade que merece, mas Calderón parecia ter a clara intenção de nos mostrar que seu Schubert era o dos lieder, o das canções. O segundo movimento (Andante con Moto)tem importante participação das madeiras e das flautas – destaques sempre e sempre para Viktória Tatour e Klaus Volkmann – e foi talvez o grande momento da noite. Há ali um tema puxado pelos segundos violinos que depois é “cantado” por toda a orquestra. Sim, ele foi “cantado” por todos os instrumentos como poucas vezes ouvi. Era pura felicidade dentro de uma melodia que nos remete novamente às canções schubertianas. Quem esteve lá ouviu. No Allegro Vivace que fecha a nona com algumas curtas referências a sua irmã de Beethoven, o entusiasmo de todos era tamanho que a batuta de Calderón acabou saltando de sua mão, voando sobre a cabeça dos spallas Omar Aguirre e Emerson Kretschmer, caindo atrás deles. Calderón seguiu o baile. Este Calderón – um argentino que deve ser octogenário — podia vir mais vezes, não? Ninguém vai se incomodar.
Foi maravilhoso. Gosto de observar a plateia na saída de shows, filmes e concertos. Ela saiu nas nuvens, vinda de um mundo absolutamente feliz. Estavam sem medo da chuva, também. Notei uma mulher que saiu à rua com total naturalidade e uma sombrinha na mão. Achei graça. Como prestar atenção a um mero guarda-chuva depois daquilo?
Programa
Felix Mendelssohn: Concerto para Violino, Op. 64
Bis: Astor Piazzolla: Oblivion
Franz Schubert: Sinfonia nº 9
Solista: Koh Gabriel Kameda
Regência: Pedro Calderón
Os monólogos interiores de Ulysses ainda eram uma novidade na época do lançamento do livro. Na verdade, o stream of consciousness não foi uma invenção de Joyce e sim do francês Édouard Dujardin, cujo livro Os loureiros estão cortados foi lançado pela editora porto-alegrense Brejo, em 2005, com prefácio explicativo de Donaldo Schüller. O monólogo interior permite ao leitor de Joyce, fazer o contraste entre a riqueza da vida imaginativa de um indivíduo contra o fundo da pobreza de suas relações sociais. Quando comparados com a vida interior dos personagens, os diálogos de Ulysses não são grandemente satisfatórios. Leopold Bloom não perdoa as traições de Molly verbalmente, porém sabemos detalhadamente, por seu íntimo, que ela está perdoada. Os personagens do Ulysses são enorme, imensamente fluentes em seus interiores, mas não são nada articulados verbalmente. Vão embora sem dizer o que têm em mente e é apenas na solidão que alcançam suas verdadeiras vozes. O que dizer do monólogo final de Molly Bloom? Ali ela expõe-se de uma forma muito transgressora — não está sozinha enquanto o marido dorme ao lado? — , tem fantasias que surpreendem mesmo um século depois. Joyce, escrevendo de dentro dos pensamentos do cérebro de Molly, constrói o gozo feminino com primeiro com liberdade e depois com humor, celebrando como nunca antes o desejo da mulher numa época em que a psicanálise ainda não o fazia.
Os encontros, como o de Bloom com Gerty MacDowell, são em geral sem palavras, conduzidos pelo corpo. Há muitas frases pela metade. Por exemplo, após masturbar-se na praia, Bloom escreve na areia “sou um”. O casamento com Molly também serve para ilustrar a falta de articulação. É uma ligação silenciosa de duas pessoas que compartilham uma casa, uma cama, quem sabe amor, mas não uma vida.
E Bloom, como dissemos, comporta-se estranhamente para um homem da virada do século. Arruma a cama, limpa o lençol, tem sentimentos de empatia para com uma mulher grávida, preocupa-se com a filha, morre de saudades do filho, têm fantasias de que está grávido. Mais: Bloom sente-se inconformado e invejoso pela centralidade da mulher no processo dar à luz. Seis semanas antes de seu filho Rudy nascer, é visto comprando uma lata de alimento infantil, o que prova para seus amigos que ele não é bem um homem. Pior: eles dizem que ele, uma vez por mês, fica com dor de cabeça “como uma franguinha com as regras”. Também como talvez uma mulher fizesse, ele evita que Gerty o veja de perfil, quer que ela o veja em seu melhor ângulo. Depois Gerty faz o mesmo.
Ulysses borra a distinção entre os sexos. No episódio “Penélope”, o leitor entra nos pensamentos de Molly enquanto ela se encontra na cama ao lado de Bloom, ao final do dia. O monólogo revela a promiscuidade de Molly, suas lembranças de relacionamentos anteriores e memórias de sua família. Quando lembra da amamentação de Milly, ela fala que algumas vezes amamentou simultaneamente também a Bloom: “Eu pedi para chupar meus seios, ele disse que o que saía era doce e mais espesso do que o das vacas”. Enquanto muitos acharam e ainda acham isso o cúmulo da pornografia, talvez seja melhor relacionar a cena à sugestão de que a mulher pode ser uma provedora familiar ou que pode rebaixar o homem a uma posição infantil. Nas duas hipóteses, o texto de Joyce subverte a masculinidade.
Em seu ensaio prévio à última edição do Ulysses, Declan Kiberd afirma que na verdade, Bloom e sua esposa comportam-se como verdadeiros andróginos. Eles seriam “encarnações das palavras de Freud de que mulheres dominadoras e viris são atraídas e atraentes para os homens femininos”. A sensibilidade associada à feminilidade e a agressividade associada à masculinidade não funcionam para o casal. No entanto, as qualidades femininas de Bloom e as dominadoras de Molly não garantem uma vida sexual em comum e a impressão que fica é de uma incompatibilidade confortável para ambos. No monólogo, Molly exibe suas características masculinas na recapitulação de seu primeiro encontro sexual com Bloom em Howth Head, em consonância com que já sabíamos de Bloom: “Ela me beijou. Fui beijado. Estava à sua mercê e ela arrumou meu cabelo. Beijado. Ela me beijou.” (A simbologia adquire mais força quando ele recorda que Molly, em seu primeiro encontro, mastigou um pedaço de bolo e, beijando-o, colocou-o quente e mastigado em sua boca), como se fosse uma mamãe pássaro.
Bloom não deseja impedir o adultério de Molly com Blazes Boylan. Ele chega a imaginar uma cena na qual entrega sua esposa a Boylan. Essencialmente, ele permite a infidelidade da esposa para que ela possa experimentar o prazer enquanto ele procura a sua própria e particular satisfação com as mulheres de Dublin.
Em Ulysses, Joyce tenta descrever outras situações da sexualidade humana, ainda não presentes em romances. Joyce não julga nem demonstra desejo de advogar como acertadas, entre aspas, determinadas práticas ou condutas sexuais, mas revela a inconsistência dos comportamentos estereotipados de gênero, ao mesmo tempo que coloca o desejo no centro de muitas, muitíssimas de nossas ações.
Além de contradizer a sociedade, Joyce igualmente contradiz a religião. A masturbação de Bloom é justaposta a um serviço religioso, claramente a fim de comentar as restrições que a religião coloca sobre as expressões sexuais pessoais. Descrevendo o Bloom onanista, com o serviço religioso ocorrendo em background, Joyce faz várias citações bíblicas, transformando Gerty num piedoso emblema de uma Virgem Maria de natureza libidinosa, que incita Bloom. Joyce parece fazer piada com a possibilidade da religião dominar o desejo carnal, apresentando a concupiscência como um componente óbvio e intrínseco a toda a existência humana. E segue desafiando modelos quando Bloom se envolve em encontros voyeuristas durante sua jornada em Dublin.
Joyce conhecia e respeitava Freud, porém Ulysses não necessariamente se encaixa nas obras dos psicanalistas da época. A incorporação da sexualidade pelo Ulysses exemplifica principalmente um não-conformismo. Durante todo aquele 16 de junho, os protagonistas do Ulysses tiveram que enfrentar muitas coisas. Porém, quando focamos uma lente crítica sobre as representações de sexo no romance, podemos notar como Joyce foi cuidadoso ao construir e apresentar os apetites sexuais de cada personagem. Ao usar o sexo como uma ligação entre seus personagens e leitores, James Joyce foi capaz de criar representações universais formadas por muitas camadas. Notem como o romance é finalizado com o orgásmico “sim” de Molly, algo que é final e evidentemente muito afirmativo. Foi certamente a primeira vez que tivemos acesso a tamanha interioridade. O recurso narrativo do fluxo de consciência, despregado das limitações dialogais, demonstra claramente cada identidade.
Segundo Álvaro Lins citado em artigo do escritor Franklin Cunha, Joyce foi “um revelador do caos num mundo em desordem”. Consciência e subconsciência, angelitude e animalidade, idéias e instintos, natureza física e natureza psíquica, é o ser humano sempre por inteiro que Joyce busca apresentar em sua obra. No imenso mar joyceânico nenhuma concepção é ignorada, elas estão no livro e nas mentes dos personagens bem como estão as realidades que as representam. Segundo Edmund Wilson, Joyce, a partir desses eventos,” edificou um quadro espantosamente vivo e fiel do mundo cotidiano, o qual possibilita uma devassa e um acompanhamento das variações e complexidades de tal mundo, como nunca foi feito antes.
Estilisticamente pantagruélico, Joyce, em Ulysses, não apenas constrói o romance moderno como o ameaça com um catálogo aparentemente interminável de temas e estilos. E, dentro deste amplo cenário, invoca Eros como metáfora universal da condição humana.
1. Haroldo de Souza está fora da câmara dos vereadores de Porto Alegre.
2. O Brasinha também.
3. Mônica Leal idem, mas acabará certamente em alguma secretaria.
4. Outra boa notícia é que Tarsila Crusius não emplacou.
5. Os jogadores de futebol que estrearam na política também não foram eleitos.
6. A Universal ficou de fora com Russomanno.
7. O vereador mais votado de Florianópolis é gay.
8. E, hoje, no Chile, estudantes anunciaram uma greve e convocaram manifestação nacional — Me gustan los estudiantes. Chances de ver novamente Camila Vallejo, mesmo ela não sendo mais a presidente da Fech? Saudades.
9. Bem lembrado, Lennon: e o Chávez ganhou!
O filme Diário de um Jornalista Bêbado reúne algumas importantes celebridades. A primeira é o autor do livro que deu origem ao filme, Hunter S. Thompson (1937-2005). Thompson não é apenas o autor do livro The Rum Diary, mas também um dos jornalistas que criou o gonzo. O jornalismo gonzo é um estilo de narrativa jornalística ou cinematográfica onde o autor abandona a objetividade ou o distanciamento, misturando-se à ação, argumentação ou enredo. Além de Thompson, o diretor Bruce Robinson é uma dupla ou tripla celebridade. Diretor de cinema de mão cheia, roteirista e dramaturgo de sucesso, Robinson também é ator – muitos devem lembrar-se dele como o ator principal do clássico A História de Adèle H., de François Truffaut. Como artista de múltiplos talentos, Robinson é competente porém bissexto em tudo o que faz, tanto que dirigiu apenas quatro filmes nos últimos 25 anos. E a terceira celebridade é o ator que encarna Thompson, Johnny Depp, que dispensa apresentações e que acumula em si o fato de ter sido amigo pessoal do jornalista. Em 1998, Depp atuou na adaptação de outro livro de Thompson, Medo e delírio (Fear end loathing in Las Vegas), lisérgico filme de Terry Gilliam.
Para além do jornalista e escritor, Thompson ficou conhecido pelo consumo intensivo de bebidas alcoólicas, LSD, mescalina e cocaína, entre outras substâncias. Também era sobejamente conhecido seu amor às armas de fogo, 0 ódio a Richard Nixon e o constante combate ao autoritarismo. Sofrendo graves problemas de saúde, cometeu suicídio em 2005, aos 67 anos.
O termo “gonzo” foi criado por Bill Cardoso, repórter do Boston Sunday Globe, para se referir a um artigo de Thompson. Segundo Cardoso, a palavra seria uma gíria irlandesa do sul de Boston para designar o último homem em pé após uma bebedeira generalizada. Por exemplo, a reportagem Fear and Loathing in Las Vegas — lançado em livro no Brasil em 1984 como Las Vegas na Cabeça – , era planejado como uma matéria sobre uma corrida no deserto, a Mint 400, que fora encomendada pela revista Rolling Stone. Porém Thompson gastou todo o dinheiro com drogas e álcool, fez dívidas, destruiu quartos e fugiu sem pagar. Em lugar da matéria que deveria escrever — sobre um evento esportivo — , o resultado foi a descrição de um ambiente, digamos, bastante distorcido pelo original ponto de vista do autor.
O jornalismo gonzo costuma favorecer o estilo em detrimento da realidade a fim de alcançar outro tipo de precisão, ou de imprecisão, permeada pelas experiências pessoais e as emoções do autor, fornecendo um contexto parcial — apesar de profundo — do evento ou tema que está sendo coberto. O equilíbrio e equidistância da edição são deixadas de lado em favor de uma abordagem participativa. A personalidade e a opinião do autor interagem com o tema e o uso de citações, sarcasmo, humor e palavrões é comum.
Thompson baseou seus trabalhos no conceito de William Faulkner de que “a ficção é frequentemente o melhor fato”. Apesar de Thompson não ter criado ficção, ele sempre fazia uso da sátira e do exagero em seus textos. O termo “gonzo” também é muitas vezes utilizado pejorativamente para descrever uma espécie de fluxo de consciência nada joyceano, regido menos pela erudição do que pelo álcool e as drogas. Na verdade, o New Journalism proposto por Thompson é uma radicalização do já existente jornalismo literário, uma abordagem que se utiliza da literatura, da arte e do humor negro a fim de afrontar o senso comum americano.
Tom Wolfe afirmou em entrevista que a cena jornalística entre os anos 60 e 70 estava cheia de literatos em busca de escrever “o grande romance”. O emprego numa redação era algo passageiro, algo que lhes daria inspiração para este texto seminal. Wolfe descreve aquele ambiente como “um enxame de fantasias fervendo, proliferando no húmus do ego da América”. Foi neste contexto que prosperou o talento de Thompson.
Obviamente, as tentativas de Thompson seriam ignoradas se ele fosse um escritor menor. Não era o caso. De escrita exagerada e sempre imerso no ambiente da notícia, Thompson era dotado de uma visão artística dos fatos que se aliava a um notável talento descritivo. Recorria muitas vezes às hipérboles, como dissemos. Thompson costumava fazer-se acompanhar não de um fotógrafo, mas de um ilustrador. Uma lente seria realista demais. Então, o desenhista Ralph Steadman dava-lhe um gênero de apoio que nenhum fotógrafo obteria, o de adaptar-se perfeitamente ao texto, vendo os acontecimentos sob a perspectiva dos exageros e da literatura do autor. Seus textos giravam basicamente sobre sexo, drogas, política e esportes – raramente saía deste quarteto – e habitualmente eram iniciados por uma citação literária, fruto de uma memória digna de outro grande jornalista que consumia toneladas de álcool, Christopher Hitchens. Ele também não recusava as aspas e travessões para explicitar diálogos. Como um romance.
O filme de Bruce Robinson é consistente e bastante fiel ao livro e à personalidade de Thompson. Paul Kemp é evidentemente um alter ego do autor. Assim como Kemp, Thompson foi a Porto Rico no começo dos anos 60 para trabalhar como jornalista num periódico que logo fechou. De início é complicado ver em Johnny Depp, de 48 anos, um jovem jornalista de menos de 30 anos, mas sua atuação é tão convincente que esquecemos rapidamente do fato. Vendo vídeos de Thompson no YouTube, notamos o quanto não são casuais os tiques nervosos de Deep no filme de Robinson. Deep era efetivamente íntimo do jornalista, tanto que foi ele quem incentivou a publicação de The Rum Diary, escrito nos anos 60 e só publicado em 1998.
A história é simples: Paul Kemp candidata-se a uma vaga num jornal de San Juan, Porto Rico. Sempre bêbado e provavelmente com o mercado fechado para ele nos EUA, Kemp é admitido, recebendo a missão de escrever a coluna de horóscopo. Então, é convidado por um investidor americano para auxiliar em um grande e abusivo empreendimento imobiliário. Ele escreveria textos que levariam a opinião pública a simpatizar com a mega-construção. Assim, ele passa a viver entre o trabalho, o frila, a péssima moradia que arranja, o interesse na mulher do investidor e o rum, principalmente o último. Várias cenas com seus colegas Sala e Moberg (Michael Rispoli e Giovanni Ribisi) são hilariantes, tanto pelas bebedeiras quanto pelas situações em que se metem. Como trata-se de um texto de juventude, Thompson ainda gira em torno do rum, sem experimentar as drogas presentes em Medo e Delírio, livro posterior e filme mais antigo.
Mas há uma cena que liga Medo e Delírio ao Diário. É quando Kemp experimenta ácido e, sob sua influência, vê o amigo Sala sob um formato delirante e engraçadíssimo. Se Medo e Delírio levava isso ao extremo, Diário de um Jornalista Bêbado encaminha o gonzo com maior sutileza, mas nunca sem defini-lo ou demonstrá-lo.
Parabéns à briosa Brigada Militar, que protegeu com valentia uma propaganda da Coca-Cola colocada em espaço público na Capital. Em outros locais falta contingente. Que coisa. E as autoridades todas estão lavando as mãos.
Em Ulysses, Leopold Bloom é um cidadão irlandês, pai e marido de Molly. Teve dois filhos, Milly e Rudy, sendo que o segundo morreu onze dias após o nascimento e Milly — que está com 15 anos em 16 de junho de 1904 — estuda em outra cidade. Ela aparece no romance apenas nas saudades de Bloom, o qual também lamenta muitíssimo a perda de Rudy. Ele é um bom pai de quase quarenta anos e começa o dia de forma tipicamente irlandesa. A primeira coisa que come são rins de carneiro grelhados, eles exalam um leve e inebriante perfume de urina. Porém, não vim aqui criticar a gastronomia irlandesa e britânica. Faço referência a este quarto capítulo porque nele Bloom aparece servindo sua mulher-ninfa na cama. É importante notar que é ele quem serve o breakfast, não o contrário. Bloom, que foi confessadamente criado por Joyce para ser o homem comum, o everyman, aparece sem heroísmos, com uma dimensão inteiramente humana, sem atitudes épicas.
Em 1905, Joyce escreveu a seu irmão Stanislaus:
Você não acha a busca pelo heroísmo uma tremenda vulgaridade? Tenho certeza de que toda a estrutura do heroísmo é, e sempre foi, uma mentira e que não há substituto para a paixão individual como força motriz de tudo.
O amor de Bloom manifesta-se diferentemente, ignorando posturas machistas, nas atitudes e nos pensamentos em relação à família, mas uma das surpresas de Ulysses é como esta rotina é contraposta à sexualidade que aparece no romance. Boa parte do enredo de Ulysses gira em torno do casal Molly e Leopold e de sua inaptidão para sentir prazer físico e emocional um com o outro. Seja através da narração onisciente, seja por monólogos interiores, o texto documenta minuciosamente as abordagens sexuais inteiramente diversas e as tentativas românticas do casal. E estas ocorrem sempre SEPARADAMENTE. Durante o curso do dia, Molly comete adultério com Blazes Boylan, enquanto Bloom envolve-se com práticas sexuais voyeuristas, masturbatórias e, por que não dizer?, masoquistas. Mesmo que Bloom participe ativamente destes encontros, é curioso como Joyce obtém mantê-lo longe do estereótipo do fauno sedento por sexo e prazer. Bloom é o anti-herói, o low profile, o personagem simpático, agradável, amistoso e apagado. Mesmo o erotismo evidente de certas participações de Bloom, acaba diluído em gentileza e bonomia. Ele é pai e marido, possuidor de qualidades maternas, pacifistas, até femininas.
Os limites rígidos que compunham a prática religiosa e as normas sociais na virada do século XX são demasiadamente sufocantes para a expressão de Joyce da individualidade e do desejo carnal. No episódio em que Bloom masturba-se na praia, observando Gerty MacDowell, tendo por fundo um culto religioso, Joyce não apenas justapõe religião e erotismo, mas incorpora uma prática sexual não convencional.
Com isto, ele desafia o senso comum do que seria a sexualidade na virada do século XX e utiliza seu romance como um veículo através do qual pode expressar seu desejo de fundamentar sua crença no instinto e no físico — não esqueçam que cada capítulo do Ulysses refere-se também a uma parte do corpo humano. Para Joyce, a sexualidade é um ato de expressão da natureza. Neste sentido, concordava inteiramente com D.H. Lawrence, o qual desejava conceder ao corpo um reconhecimento igual ao que era dado à mente. É claro que tais intenções do romance iam ao encontro das teorias de Freud — o desejo sexual como energia motivacional primária da vida humana –, mas ia contra a moral vigente da virada do século. Os encontros de Bloom com mulheres no livro parecem servir de alívio para a exclusão social e a traição de Molly, são o meio utilizado por ele para adquirir o equilíbrio ou equanimidade entre sua existência e a de Molly.
Ulysses é um texto que procura minar e redefinir as noções de gênero e de hierarquia na sociedade patriarcal da época. O romance não promove a superioridade masculina, mas eleva as mulheres e a feminilidade. Não só Joyce inverte a hierarquia social predominantemente masculina, como confunde e desafia a noção de gênero na dicotomia da criação de um casal formado por um homem delicado e feminino e uma mulher decidida. Nesta combinação, o casal Molly e Leopold, desafia os estereótipos que definem a masculinidade como agressiva e dominadora e a feminilidade como passiva e reservada.
Salman Rushdie escreveu em seu ensaio The Short Story: “Comumente o que é pornográfico para uma geração, é clássico para a geração seguinte”. A frase parece ser perfeita para Ulysses: enquanto a censura do início do século XX considerava o texto imoral e inadequado, ele agora oferece para nós um quadro riquíssimo para a exploração e análise da sexualidade de personagens extremamente bem construídos, sendo que um deles era “o homem comum”.
Eu poderia definir a pornografia como a apresentação de cenas destinadas a despertar desejo sexual no observador? Assim como num filme de sexo explícito, Uliyses rastreia movimentos e sensações corporais, realizando (ou escandalizando) o desejo do leitor de observar com precisão a mecânica do corpo. No entanto, Joyce não faz pornografia: aqui, a predição de Rushdie funciona perfeitamente: apesar de possuir elementos pornográficos, Ulysses oferece a transformação da pornografia em uma forma de arte clássica. Tendo lido e estudado psicanalistas como Freud, Joyce nos oferece não apenas uma nova ficção e linguagem, oferece-nos um ponto de vista original para entender o sexo. A atitude perante a sexualidade estava mudando após a virada do século, especialmente na esfera psicanalítica, e Joyce reflete em Ulysses este novo interesse na sexualidade, o crescimento de uma ciência sexual e o desenvolvimento de novos conceitos que rompiam cabalmente a associação entre sexualidade e reprodução. Joyce pertencia ao grupo de grandes pensadores da época, que procuravam entender e redefinir a sexualidade. Declan Kiberd afirma jocosamente que “Ulysses era não apenas um exemplo de um empreendimento comercial de alto risco, mas também um manual muito particular que extrapolava em muito questões literárias”.
É importante salientar a relação de Joyce com a tradição inglesa do romance. A Irlanda estava sob o domínio inglês. Os ancestrais de Joyce abandonaram lentamente o gaélico — ainda falado em regiões rurais da Irlanda — pelo inglês. Deste modo, os irlandeses viviam a uma certa distância da literatura inglesa ou ao menos utilizavam a língua com menor respeito, muitas vezes com insolência. Deste modo, há, além das ideias de Joyce, um aspecto sociológico que torna a quebra da tradição um ato até desejável de afirmação de nacionalidade. Joyce não falava mal de Dublin e da Irlanda, como alguns afirmam, mas era, sim, contra a sentimentalização do passado, revoltava-se contra o provincianismo de achar que o passado — mesmo um inventado, como o dos gaúchos tradicionalistas — ia voltar.
O tom do show foi dado sem que nenhuma canção fosse apresentada. Quando o locutor anunciou o espetáculo que fechava a edição de 2012 do Porto Alegre Em Cena, a Prefeitura foi citada, recebendo imediatamente uma vaia. Logo depois, sozinho, Tom Zé entrou lentamente no palco carregando um maço de jornais. Começou a ler algumas manchetes, agradecendo aos jornalistas que organizaram suas — segundo ele — disparatadas respostas, tornando-as bonitas matérias. Quando chegou ao nome de Zero Hora, outra vaia. Então Tom Zé jogou longe seus jornais e ficou claro que o show teria enorme participação de um público que ama o cantor e compositor.
Antes mesmo da banda entrar, ele tratou de organizar o movimento, pedindo respeito aos seguranças e que as pessoas em pé na frente do palco se retirassem porque senão todo o Araújo Vianna seria obrigado a levantar. Todos colaboraram e o show começou, não sem antes ouvirmos a explicação para o rabo que Tom Zé trazia atrás de si. Ele ensinou que os faraós egípcios, quando visitavam a divindade, colocavam um rabo a fim de demonstrarem sua inferioridade em relação aos deuses. Com o mesmo, Tom queria deixar clara sua posição em relação a Caetano e Gil, os principais nomes da Tropicália.
Falta uma semana para Tom Zé completar 76 anos, mas ele parece ter 36. Canta com voz potente, dança as danças do nordeste erguendo os pés até quase a altura de sua cabeça e demonstra enorme felicidade de estar ali. Afinal, o mais anárquico e injustiçado membro da Tropicália recebe desde os anos 90 a contrapartida que não tivera antes. Como dissemos, o público o adora — todos os CDs trazidos pelo artista foram comprados antes da apresentação — , canta junto, aplaude muito e, entre as músicas, Tom lê os recados que recebe e ouve pedidos de canções. Um dos recados mais aplaudidos foi aquele que reclamava que o elevador da Casa do Estudante não funciona há um ano.
A base do show é seu último CD, Tropicália Lixo Lógico. As canções são efetivamente ótimas, altamente criativas, com destaque para Não tenha ódio no verão, O motobói e Maria Clara, Marcha-enredo da Creche Tropical e De-de-dei Xá-xá-xá. Entre elas, homenagens à Aristóletes e citações das Metamorfoses de Ovídio. Foi quando, ao final de uma canção, inesperadamente, foram subitamente desfraldadas faixas pela plateia. As faixas diziam “Praças Vendidas”, “Não ponha o toque de recolher na alegria” e outras palavras de ordem do movimento porto-alegrense Defesa Pública da Alegria. Um gosto vidro e corte perpassou a espinha deste comentarista que pensou estar voltando aos tempos da ditadura.
Sensível ao momento, Tom Zé foi até a margem do palco, pegou um papel e começou a ler o manifesto do movimento. Foi um episódio belíssimo e, a partir dali, o compositor passou a uma revisão de sua obra em ordem cronológica descendente. Nesta viagem ao passado, ele apresentou algumas de suas músicas inspiradas por avisos — as hilariantes Não urine no chão, Atenção passageiro, antes de entrar no elevador, verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar — , até chegar ao clímax: a clássica 2001, imortalizada pelos Mutantes. No caminho passou por Augusta, Angélica e Consolação e muitas outras. O show foi encerrado por Xique-xique (“Sacode a cultura, sacode a cultura”). No bis, entre outras, Menina amanhã de manhã eJimi Hendrix.
Sobre o novo Araújo há que dizer que a amplificação do som esteve bastante boa. Caminhamos por todo o auditório e não percebemos aqueles ecos e retornos de som do passado.
Durante o show, Tom Zé mostrou um dos cartazes trazidos pelo público, o qual dizia “Praças vendidas”. Ao final do show, um grupo pôs fogo em um inflável da Coca-cola. Também alguns manifestantes sentaram no gramado ao lado do prédio — cercado por grade desde a reabertura — , e foram retirados do local com truculência, segundo relatos. A Brigada Militar informa que não houve registro de nenhuma ocorrência, seja sobre o protesto, seja sobre a queima do inflável.