O tempo é uma coisa medida com precisão, mas nossa impressão dele sofre grandes variações. As coisas boas voam, as ruins se arrastam. Quando trabalhamos demais, achamos surpreendente como o tempo passa lento — hoje é só quarta-feira?, costumo pensar. Quando temos prazos a cumprir, parece que aquele muro cresce inexoravelmente sobre nós. Quando estamos em férias, o tempo voa. Hoje, coloquei a foto abaixo no Facebook com a legenda “Neste 31 de agosto, 2 anos”.
Argel, como disse um amigo numa lista de discussões: “4 do Grêmio, 5 da Chapecoense, 5 do Grêmio, 3 do Avaí, isso de 2014 pra cá. Acho que nem nos anos 90 isso acontecia”. Verdade, Gérson. A gente perdia quase sempre de pouco naqueles desgraçados anos.
Mas, olha, o jogo de ontem — Avaí 3 x 0 Inter — foi muito estranho. O time estava até direitinho, à exceção da defesa, que voltou a fracassar. Primeiro, dominávamos o jogo quando houve um pênalti óbvio sobre Sasha que, aliás, deveria ter empurrado de primeira a bola para dentro do gol. Afinal, estava na pequena área sem goleiro. Pra que complicar? Depois, nossa defesa começou a dar sinais que era Dia de Paulão. Jamais vou entender porque o zagueiro, que é o Rei do Chutão, resolveu proteger aquela bola para que Alisson viesse de Sombrio para agarrá-la. Quase que saiu o primeiro gol do Avaí. Quem conhece o Inter disse na hora: Argel, tira o Paulão que hoje ele vai entregar. Não deu outra. Ele, tendo Nilton e Géferson como coadjuvantes, perturbou toda a defesa.
No segundo tempo, quando torcia por um golzinho qualquer que nos desse uma vitória mínima, o juiz inventa de dar um pênalti contra nós, daqueles que ninguém dá no mundo. Uma sutil puxada de Paulão, é claro, no braço de um atacante havaiano, quando a bola já estava longe, fora de perigo. Nem os jogadores do Avaí entenderam o que o árbitro marcara. Foi uma alegre surpresa do conhecido piadista Jean Pierre Lima.
Daí pra frente, Argel, teu time se desmanchou. (E, como tinha escrito sexta-feira, lá em Itu ninguém poupou forças…) Tomamos dois gols em chutões pra frente, um deles desferido pelo goleiro do Avaí. Não foi um jogo que condenasse teu trabalho, mas acho que tu deves decidir se o teu sétimo zagueiro em qualidade deve permanecer jogando (revisando: Juan, Ernando, Alan Costa, Réver, Eduardo, Moledo). No banco, Juan devia estar dando gargalhadas.
Melhor tentar esquecer o jogo de ontem pondo a culpa no juiz e no preparo físico.
Elena veio para o Brasil no começo de 1998. Era verão aqui, inverno na sua Bielorrússia e ela mal falava inglês. O português era-lhe inteiramente desconhecido, mas a vida estava difícil na Europa Oriental, às vezes era complicado até conseguir cumprir as necessidades mais básicas — como, por exemplo, comer –, mas ela tinha uma arma: uma sólida formação musical que a ensinara a tocar maravilhosamente o violino. E ela viajou algum tempo depois de seu marido na época, que já fora aceito na Orquestra do Teatro Amazonas, em Manaus. E Elena foi para o mesmo local a fim de fazer um teste.
Era uma jovem mãe com uma filha de 5 anos e uma gravidez de 5 meses. O avião da Aeroflot chegou 2 DIAS (!!!) atrasado ao Aeroporto de Congonhas, em São Paulo, fazendo-a, é claro, perder a conexão para a capital amazonense. Era uma bielorrussa falando russo em Congonhas. Ou seja, ampliando o quadro, era uma mulher falando russo num local onde ninguém a entedia, acompanhada de uma filha pequena, um inquilino na barriga e mais bagagem. A confusão e o nervosismo já tomava conta de nossa heroína quando apareceu uma pessoa que conhecia a língua num balcão que não tinha nada a ver com o problema. A moça se apresentou e encaminhou Elena para Manaus.
Lá chegando, ela não conseguia acreditar. Saíra de Minsk com -35°C e chegara a Manaus com 35°C. Mas não eram só os 70° de variação. Quando saiu do avião, ela teve a sensação de que se chocara contra uma desconhecida parede de calor úmido. E a inacreditável umidade tornava qualquer movimento difícil, ainda mais grávida, com filha e bagagem. Detalhe: e tendo que cuidar de dois violinos — o dela e o da filha –, o que não é o menor problema de um músico.
Mesmo com a notória barriga, foi aceita na orquestra como violinista. Cada vez mais grávida, por assim dizer, e sem saber uma palavra da língua que hoje fala tão bem, costumava tomar banho, levar a filha para passear nas calçadas quentes, sujas e esburacadas da cidade, e voltar para tomar outro banho. E a vida ia se ajeitando. Porém, um dia, ela saiu para a rua e voltou rapidamente para o apartamento. Estava em pânico. É que algo de muito grave tinha acontecido. Entrara em pânico. Não havia ninguém na rua. O que ocorrera? Do que eles, os russos, não sabiam?
De repente, ela ouviu explosões e ficou tão agitada que quase fez Nikolay nascer prematuramente. Viera certamente para um país em guerra. Começou a chorar e a pensar numa forma de proteger a si e à família. Mas as explosões eram apenas a comemoração de um gol.
Aqui no sul, muitos gostam de demonstrar uma vã macheza. Então, declaram desejar um Gre-Nal no sorteio para as quartas-de-final da Copa do Brasil. Eu gosto de futebol e também gostaria de ver dois clássicos decisivos como vimos nas semifinais de 1992. Mas, desta vez, gostaria que a disputa regional se desse numa FINAL.
Dentre os classificados — São Paulo, Fluminense, Figueirense, Santos, Palmeiras, Vasco, Inter e Grêmio –, o caminho mais fácil é pegar Vasco ou Figueirense, claro. O resto é pedreira e é burrice torcer para pegar, por exemplo, o Santos ou o Grêmio, que acaba de nos meter um 5 x 0.
Ontem, o jogo foi mais brigado do que eu esperava. Com um gol logo de cara, esperava que tocássemos a bola e fizéssemos viradas de jogo de um lado para outro, fazendo o adversário correr. Mas não, entramos numa histérica correria marcatória e numa insana erração de passes (beijinho no ombro, Guimarães Rosa). Esquecemos, Argel, da Primeira Lei de Andrade: “O time que está sem a bola corre o dobro”. E marcamos, tomamos cartões, cansamos e lesionamos Dourado. Tsc, tsc, tsc. Diagnóstico: não há ainda entrosamento suficiente para dosar as energias. Não há posse de bola. OK, recém chegaste e tal fato ainda não é culpa tua.
Mas tudo bem, passamos, a gurizada segue fazendo seus golzinhos e não vou reclamar. Encaremos o que aconteceu ontem como um treino puxado para o jogo de domingo, às 11h, contra o Avaí, time do grande Gustavo Kuerten. E quero mais três pontos, tá? O Avaí está descendo velozmente a ladeira em direção à Segunda Divisão e temos que ajudar a empurrá-lo para lá. Não gosto de times que vestem azul.
Estudos acadêmicos norte-americanos revelam que quem aniversaria muito vive mais tempo. Eu já contei 58 aniversários. E gosto tanto que pretendo seguir contando, pois as festas são cada vez melhores. Trata-se de um belo pretexto para juntar amigos queridos em torno de uma mesa. No caso de sábado, da mesa da Astrid e do Augusto. Claro, tenho de fazer um agradecimento especial a eles não apenas por noblesse oblige, mas por oblige d’amitié, uma obrigação motivada por profunda, antiga e especial amizade. Na verdade, a minha amizade com o Augusto é quase da idade da Astrid. Hum… Enfim.
Meus três últimos aniversários foram comemorados na casa deles. O primeiro deles foi realmente inesperado. Eu estava recém separado e a Elena me atraiu para lá. Era um domingo à noite e eu estava vestido com um humilhante abrigo e um blusão daqueles bem surrados e confortáveis. Na verdade, estava na versão chinelão de sempre. Quando cheguei, tinha uma pequena multidão me esperando.
As festas são boas e permanecem na cabeça da gente nos dias seguintes. Permanece o eco das conversas e das risadas, sejam benignas ou maldosas. E tínhamos assunto, nossa.
A meu pedido a Astrid fez pratos só de frutos do mar, como o famoso Filé de Namorado à MIlton Ribeiro. Estava fantástico, insuperável. O Henrique chamou o jantar de megafodástico. A Iracema falou em dedicação e amor às pessoas. A Rovena não sabe onde a Astrid vai parar. O Marshall disse que houve amor, talento e generosidade e completou que ela fez do encontro cordial uma cena memorável. Eu concordo com todos.
Bem, eu não sei para que este blog serve para vocês, mas para mim serve para, entre outras coisas, que eu me colecione. Gostem os amigos ou não, aqui estão algumas das fotos tiradas pelo Augusto. Como já disse algumas vezes, tenho um raro grupo de amigos. Um grupo que dá um rodião em qualquer time. Semana passada, alguém me escreveu no inbox que estava por conhecer alguém que eu lhe apresentasse e que não fosse legal. É verdade. E muita gente que eu adoro não esteve na festa. Fazer o quê? Se eu convido meia cidade os donos da casa são capazes de aceitar mas, vocês sabem, quem exagera o argumento prejudica a causa — ou a casa, sei lá.
O genial regente, pianista e compositor Leonard Bernstein (1918-1990) era uma figuraça. O que interessa é que, agindo assim, ele registrou o melhor Mahler que existe, dentre outros milagres:
Quando começou o show do último domingo no Araújo Vianna, lembrei de um toca-discos portátil azul e branco da Philips que ganhei de meus pais nos anos 70. Funcionava com 4 pilhas grandes e também ligado na luz. A tampa tinha um alto falante acoplado. Não dava para afastar muito a tampa do prato — o fio que os ligava era curto (ver foto ao lado) e ficava pelo lado de dentro quando se fechava a malinha. Era muito bonito, moderno e eu o carregava orgulhosamente para a casa de amigos, acompanhado de meus poucos discos. Bastaram 5 segundos para que o querido aparelho me viesse à memória. Onde andará hoje? Ele tinha um som de… vitrola, parecido com o que ouvi no início do concerto. Depois, o som amplificado da orquestra oscilou para melhor, mas nunca foi tudo aquilo.
Era natural, pois, que a Ospa não brilhasse muito no último domingo. Esta série do Araújo Vianna poderia ser chamada de “A Ospa convida”, porque a orquestra sempre será auxiliar para o brilho de solistas populares armados de instrumentos mais adequados ao espaço. Prova disso disso é o Cultura RS, espaço da Secretaria da Cultura do RSno Facebook. Um amigo me chamou atenção: das muitas fotos do show, apenas uma é da orquestra. Bem, o concerto aconteceu e foi excelente, mas apenas em razão da extraordinária banda formada por Cristian Sperandir (piano), Ricardo Arenhaldt (bateria), Ricardo Baumgarten (baixo) e Fernando do Ó (percussão). Ainda tivemos as participações dos cantores Luciah Helena e Marcelo Delacroix, músicos de raro brilho.
Foi um evento curioso. Olhei para os lados, o publico básico era o da Ospa, mas tinha muito mais gente. Muitos alunos de música estavam lá, além de frequentadores do Parque da Redenção e turistas com máquinas fotográficas. Movimentou muita gente mas não acredito que aquele formato crie público para a orquestra. Cria para a banda, a real estrela do show. Por isso, os músicos populares gostam tanto dos crossovers. É uma ótima divulgação. Claro, essa coisa de tocar Beatles in Concert promove… os Beatles. O Música de Filmes provoca lembranças de imagens de prazer cinematográfico na plateia. Os caras saem de lá com cenas na cabeça, loucos para rever os filmes, basta ouvir os comentários na saída. O fato gerador é o filme e o ponto de chegada também.
Como diz a música de Gil, eu tiro os outros por mim. Comecei a amar a música pelo Concerto de Brandemburgo Nº 3 e pela Sinfonia Nº 10 de Shostakovich. O primeiro me mostrou como um tema pode ser apresentado de muitas maneiras diferentes — pareceu uma interessante metáfora ao adolescente que eu era –, o segundo me assustou pelo poder de evocar o sofrimento de um povo. E ambos sugeriram um sistema linguístico como o da literatura, foco principal de minha modesta vida de sempre. Não creio que no Araújo Vianna, com som deficiente e protagonismo alheio, alguém vá se apaixonar pela orquestra como acontecia nos saudosos Concertos para a Juventude da época de meu toca-discos. Só a música erudita promove a música erudita, diz minha militância.
Porém, não obstante o caráter secundário da orquestra, gostei do show. Pelo que pude ouvir, os arranjos eram interessantes, assim como a música de Geraldo Flach. Mas olha, valeu pelo quarteto, que é sensacional, e por Marcelo Delacroix, que é mesmo estupendo.
Victor Miron está trabalhando para fazer com que as pessoas leiam mais livros. Recentemente, ele convenceu o prefeito de Cluj-Napoca (Romênia), Emil Boc, para aprovar uma lei que iria permitir que qualquer pessoa que lesse um livro no ônibus pudesse ser liberado do pagamento da passagem.
Ele levou um ano persuadindo a prefeitura e chegou lá. A partir do mês de junho, os passageiros que foram transportados lendo um livro não pagaram a tarifa de ônibus em Cluj-Napoca. Importante: o livro deve ser lido durante todo o percurso.
Miron pretende continuar a incentivar mais pessoas a lerem em espaços públicos, privados e em qualquer lugar. O ativista está atualmente trabalhando com seus amigos em outras campanhas relacionadas à literatura. Um dos quais é chamado Bookface, um programa para que as coloquem um livro como imagem de perfil do Facebook. Aqueles fizessem isso, receberiam descontos em incluindo livrarias, consultórios dentários e até mesmo salões de beleza.
E ele diz: “Nosso maior desafio agora é convencer Mark Zuckerberg. Estou cruzando os dedos”. Miron também quer criar em 23 de abril um feriado internacional: o Dia Mundial do Livro.
Teu time voltou a jogar bem e venceu o Atlético-PR por 2 x 0. Convenceu contra um time que está (ainda) a nossa frente na tabela. Os problemas físicos permanecem, mas há organização, jogadas preparadas e assimilação por parte de um grupo que pouco pode treinar. Vitinho, por exemplo, é outro jogador. Nada a ver com aquilo que mostrava com Aguirre. Até Paulão tem conseguido jogar bem dentro da remontagem que tu estás promovendo, Argel.
Com isso chegamos a modestos 28 pontos em 20 jogos, dos quais 7 foram conquistados nos últimos 3 jogos, já sem Aguirre. A tendência é subir, mas devem acontecer as tais instabilidades. Ontem, o acerto dos passes foi anormal. Não tinha ocorrido ainda neste ano. E o time joga sem centroavante, o que é uma novidade. Pelos poucos treinamentos, o entrosamento — que vem da repetição e da insistência — deve ser frágil e, no caminho para alcançá-lo, muitas vezes aparecem os erros. Veja o Grêmio, por exemplo, o time infernal que nos meteu cinco e venceu facilmente o Atlético-MG ganhou e empatou por milagre do Joinville e da Ponte.
O que estou achando legal neste teu início de trabalho é que estamos com “cara de Inter”. É uma personalidade difícil de explicar, mas que conjuga alguns jogadores altamente técnicos, com outros de velocidade e ainda outros que estão ali só para lutar mesmo. E todo mundo jogando sem violência, considerada burra pela maioria dos colorados, diferentemente dos gremistas, que vibram quando Geromel bate em D`Alessandro, por exemplo.
Por falar em D`Alessandro, ele não tem jogado bem, mas está perdoado integral e antecipadamente. O cara foi pai há uma semana e sei de fonte segura que se trata de um daqueles paizões que pegam junto. Isto é, ele, como acontecia comigo quando tive meus filhos, dorme pouco. Uma vez acertada a rotina do Gonzalo, teremos o futebol de nosso capitão de volta.
Entrando superficialmente em detalhes táticos, acho que a alternância na subida dos laterais está funcionando incrivelmente bem, e a troca da posição de Dourado — hoje um belo segundo homem — e a fixação de Nilton como primeiro home do meio-de-campo foi um providência simples, porém cirúrgica. Nosso meio é outro.
Entrei no cinema com medo de estar atrasada para a última sessão do dia de Azul é a cor mais quente na segunda-feira. Eu, minha irmã e uma amiga entramos quase correndo na sala e nos acomodamos na penúltima fileira. Além de nós, havia cerca de mais dez pessoas na Sala 1 do GNC Cinemas, no shopping Moinhos de Vento.
Bem ao lado da minha irmã, duas senhoras, uma de no mínimo 60 anos e a outra, 70. Chamou-nos a atenção a presença das duas, pois sabíamos do caráter lésbico e de certa forma erótico do filme. Logo começamos a confabular se seriam um casal, mas não parecia ser o caso.
Logo no início do filme, a personagem principal, uma garota de 15 anos (interpretada pela atriz Adèle Exarchopoulos, de 20), protagoniza uma cena de sexo com um rapaz do colégio. Neste momento, a senhora mais velha se inclinou para frente na cadeira e, olhando para os lados de olhos arregalados, exclamou:
Na tarde de 3 de março de 1936, após passar a noite anterior revisando o romance Angústia, Graciliano Ramos entregou o manuscrito para sua datilógrafa, Dona Jeni. Depois, às 19h, foi levado de sua casa, preso. O motivo era a suspeita – jamais formalizada – de que o escritor tivesse conspirado no malsucedido levante comunista de novembro de 1935. Preso em Maceió, Graciliano foi demitido do serviço público e enviado a Recife, onde embarcou com outros 115 presos no navio “Manaus”. O país estava sob a ditadura Vargas. No período em que esteve preso no Rio, que durou até janeiro de 1937, passou pelo Pavilhão dos Primários da Casa de Detenção e depois foi mandado para o presídio de Ilha Grande, onde passou a célebre temporada descrita em Memórias do Cárcere.
“Haviam desencadeado uma perseguição feroz. Tudo se desarticulava, sombrio pessimismo anuviava as almas, tínhamos a impressão de viver numa bárbara colônia alemã. Pior: numa colônia italiana”, escreveu Graciliano em Memórias do Cárcere, referindo-se ao nazismo e ao fascismo que tanta admiração causava ao governo brasileiro. Foi uma época terrível. Ou nem tanto. Afinal, ele esteva preso com Aparício Torelly, o Barão de Itararé, que garantia que tudo ia muito bem… No Capítulo 5 da Segunda Parte do livro, ainda descrevendo o que passou no Pavilhão dos Primários, há a comprovação de que a convivência com o Barão era bem mais efetiva que qualquer autoajuda de nosso tempo:
Apporelly sustentava que tudo ia muito bem [no Pavilhão dos Primários]. Fundava-se a demonstração no exame de um fato de que surgiam duas alternativas; excluía-se uma, desdobrava-se a segunda em outras duas; uma se eliminava, a outra se bipartia, e assim por diante, numa cadeia comprida. Ali onde vivíamos, Apporelly afirmava, utilizando seu método, que não havia motivo para receio. Que nos podia acontecer? Seríamos postos em liberdade ou continuaríamos presos. Se nos soltassem, bem: era o que desejávamos. Se ficássemos na prisão, deixar-nos-iam sem processo ou com processo. Se não nos processassem, bem: à falta de provas, cedo ou tarde nos mandariam embora. Se nos processassem, seríamos julgados, absolvidos ou condenados. Se nos absolvessem, bem: nada melhor esperávamos. Se nos condenassem, dar-nos-iam pena leve ou pena grande. Se se contentassem com a pena leve: descansaríamos algum tempo sustentados pelo governo, depois iríamos para a rua. Se nos arrumassem pena dura, seríamos anistiados, ou não seríamos. Se fôssemos anistiados, excelente: era como se não houvesse condenação. Se não nos anistiassem, cumpriríamos a sentença ou morreríamos. Se cumpríssemos a sentença, magnífico: voltaríamos para casa. Se morrêssemos, iríamos para o céu ou para o inferno. Se fôssemos para o céu, ótimo: era a suprema aspiração de cada um. E se fôssemos para o inferno? A cadeia findava aí. Realmente ignorávamos o que nos sucederia se fôssemos para o inferno. Mas ainda assim não convinha alarmar-nos, pois esta desgraça poderia chegar a qualquer pessoa, na Casa de Detenção ou fora dela.
Angústia foi lançado no mês de agosto de 1936, durante a prisão de Graciliano Ramos. Naquele ano, o autor recebeu o Prêmio Lima Barreto, conferido pela Revista Acadêmica numa atitude encarada como desafiadora do regime.
Escrito após Caetés e São Bernardo, Angústia foi o terceiro romance de Graciliano. Nele, radicaliza-se seu estilo seco e contundente, assim como o foco na produção de uma literatura que una a ética ao fazer literário. Trata-se de um romance de tom confessional que acompanha em primeira pessoa a vida de Luís da Silva, funcionário público de 35 anos, tímido e solitário, que vive num bairro distante em uma casa caindo aos pedaços, acompanhado por ratos e desespero. Da mesma forma que em seus dois romances anteriores, Caetés e São Bernardo, também narrados em primeira pessoa, Graciliano apresenta personagens em grande conflito interno, buscando explicações sobre como agir e motivos para os acontecimentos que o atingem.
Além de trabalhar o dia todo, Luís completa o orçamento escrevendo, à noite, textos por encomenda para um jornal. Após curar-se de uma doença, retorna ao trabalho. Num fluxo de consciência escrito de forma seca e direta, Luís tenta entender seu passado com tamanha fúria que somos obrigados a lembrar que, na verdade, o existencialismo não começou apenas com Sartre, Camus e seus grupos após a Segunda Guerra Mundial.
Luís detestava todos e principalmente a si mesmo. Insatisfeito e pobre, frustra-se por sua vida inútil. Entregando-se à análise de sua vida, repassa-a desde a infância. O avô é um bêbado decrépito; o pai é um preguiçoso que vivia lendo e do qual herdara várias características, como o gosto pelas letras. Porém Luís, em crise, não consegue mais escrever, assediado por estes fantasmas e pela onipresente angústia.
Um dia, conhece a loira Marina. Pede-a em casamento, usando todas as suas economias para um enxoval. Porém, o gordo e eufórico Julião Tavares, com mais dinheiro, ousadia, lábia, posição social e, sobretudo, despreocupação, conquista Marina, que passa a desconhecer Luís. Humilhado, ele passa a desejar a própria morte. Quando vê que Julião abandonou Marina e fica sabendo que ela fez um aborto, cobre-a de ofensas em plena rua. Completa a obra fazendo mais bobagens. Todo o sofrimento e humilhação desaparecem e Luís passa a sentir-se forte, capaz e ativo. Porém, logo volta a angustiá-lo com o temor de ser descoberto. Não vai mais trabalhar, procurando destruir os indícios do que fez. Lava tudo e lava-se. A água tem importante papel no romance; é a purificação que percorre os canos sujos, conhecidos dos ratos. Mas Luís permanece em desvario, aniquilado, sufocado pela angústia, como o Raskonikov de Dostoiévski.
É curioso que um livro dedicado a um profundo estudo da frustração receba tantas homenagens e seja tão festejado. Afinal de contas, falamos de uma obra sem saída, cruel e violenta, cheia de amargura. Por que Angústia é tão importante? Porque é notavelmente bem executado; porque pela primeira vez na literatura nacional há um monólogo interior que parece não dirigir-se a um leitor, mas a si mesmo; porque Luís é muito nordestino, brasileiro e universal; porque comprova brilhantemente a célebre frase de Tolstói: “Se queres ser universal começa por pintar a tua aldeia”. A essência do romance é Luís. Quase não há diálogos e as cenas parecem ser jogadas com certo descontrole pelo narrador, como se transbordassem dele. É um monólogo-pesadelo. “Ninguém dirá que sou vaidoso referindo-me a esses três indivíduos” – disse Graciliano em discurso no jantar de jantar de seus 50 anos, em 1942, referindo-se a seus três primeiros livros — “porque não sou Paulo Honório, não sou Luís da Silva, não sou Fabiano”.
Mas talvez o homem sério e duro que foi Graciliano se envaidecesse da permanência de seu personagem.
Como um doente que se recupera de uma operação grave, mas sem os dramas da UTI sartoriana, o Inter vai se reerguendo após a traumática eliminação da Libertadores e o não menos 0 x 5 no Gre-Nal. Tu, Argel, fizeste uma cirurgia interessante. Colocaste os jogadores num esquema conhecido de todos, o 4-4-2; injetou-lhes ânimo — as entrevistas mudaram muito –; cortaste os celulares nos almoços, jantares e cafés; isto é, obrigaste o grupo a interagir. E mandou todo mundo marcar em campo. De quebra, deve ter levado Nilton e Vitinho para um canto a fim de terem uma conversinha íntima. Sim, porque eles estão tão diferentes e pra lá de pra frente quanto a moça do Chico.
Mas é tudo muito inicial. Tu sabes que podem acontecer recaídas, febres e novas internações, mas a coisa sabe bem, parece ter direção e intenção claras. Eu e toda a torcida gostamos de ver, mesmo sendo um jogo contra o fraco Ituano. Acabaram os muxoxos e não acredito que o excelente Juan viesse agora aos microfones reclamar de um pequeno atraso. Se ocorresse, a nova (velha) forma de agir do clube talvez lhe respondesse para ir logo para o Flamengo, onde o mês tem 120 dias. E voltaria a se preocupar com futebol. (E com o Bom Senso FC, uma necessidade de todos).
No mais, o Inter parece ter encontrado um caminho. Haverá turbulências, só que agora está ficando parecido com o clube que conheço.