Anotações sobre Johannes Brahms (Quarteto Op. 26) e Astor Piazzolla (Libertango)

Johannes Brahms (1833-1897): pequena biografia e Quarteto para Piano, Op. 26

Este Trio Nº 1, Op. 8, é uma comprovação de que Brahms nasceu pronto. É obra de um jovem compositor maduro. Como se não bastasse o trocadilho infame que o nome Brahms sugere a nós, brasileiros, ele era filho de um contrabaixista de Hamburgo que tocava em cervejarias… E, a partir dos dez anos de idade, o pequeno Johannes passou a trabalhar como pianista com seu pai, nas tabernas. Não sabemos se estas atividades foram nocivas à saúde do menino, sabemos apenas que ele, mais tarde, fez bom uso de seu conhecimento sobre o repertório popular alemão. Brahms teve apenas dois professores, ambos durante a infância e adolescência. Ainda muito jovem, ficou pronto para compor após estudar Bach, Mozart e Beethoven.

Começou a compor cedo e, antes de completar 20 anos, seu Scherzo opus 4 já tinha entusiasmado e revelado afinidades com Schumann, a quem Brahms ainda desconhecia. Foi visitar Schumann e então os fatos são mais conhecidos: primeiro, Schumann escreve em seu diário “Visita de Brahms, um gênio!”, depois publica artigo altamente elogioso ao compositor, fazendo com que o jovem Brahms tivesse a melhor publicidade que um artista pudesse desejar. Schumann o considerava um filho espiritual e a esposa de Schumann, Clara, chamava-o de seu “deus loiro”. Muitas hipóteses são possíveis sobre a relação entre Clara e Brahms, mas só uma coisa é certa: eles destruíram a maior parte das cartas que dizia respeito a ela. Porém, a versão de que houve um forte componente amoroso na relação entre os dois dá margem a muitas conjeturas e ficções.

O Quarteto para Piano é uma formação que envolve um piano e três outros instrumentos. Durante o período clássico, usualmente os outros instrumentos eram um trio de cordas – violino, viola e violoncelo. Para esta formação, Mozart, Schumann, Brahms, Mendelssohn, Schubert, Dvorak, Berwald e Fauré, entre outros, escreveram obras. Mais modernamente, Mahler e Messiaen utilizaram a mesma formação, sendo que o Quarteto para o Fim dos Tempos de Messiaen envolve piano, violino, cello e um clarinete em lugar da viola.

Brahms compôs três quartetos para piano. Curiosamente, o último foi o primeiro a ser escrito, nos anos de 1855-1856, quando o compositor tinha 22-23 anos e estava hospedado na casa dos Schumann. Só que ele foi revisado e estreado apenas trinta anos depois, em 1875. O segundo a ser escrito e primeiro a ser estreado é o que recebeu o Nº1, Op. 25 (escrito em 1861 – Brahms com 28 anos) e o terceiro é o Nº 2, Op. 26 (1862 – Brahms com 29 anos).

Foi um compositor originalíssimo. Suas obras representam uma tentativa única de fusão entre a expressividade romântica e as preocupações formais clássicas. O resultado é uma música de grande densidade e intensidade. Foi, em sua época, adotado pelos conservadores. Ele colaborou bastante com esta adoção ao assinar um manifesto contra a chamada escola neo-alemã de Liszt e Wagner. Porém… teve tal imerecido estigma quebrado pelo famoso ensaio de Schoenberg: “Brahms, o Progressista”.

Em seus últimos anos de vida, Brahms afirmava que suas maiores obras de câmara teriam sido as da juventude e citava nominalmente o Sexteto, Op. 18, e os Quartetos para Piano, Op. 25 e 26, como as suas preferidas.

Astor Piazzolla (1921-1992): pequena biografia e Libertango

Certamente, a maioria de nós não tem a mesma imagem do tango que os argentinos têm. Eu, por exemplo, comecei a ouvi Piazzolla nos anos 70 e fico surpreso de ainda ler, sempre associada a seu nome, a palavra revolução. Por exemplo, a página oficial de Astor Piazzolla na Internet, na parte de sua biografia, começa com letras garrafais: Astor Piazzolla: Cronología de una Revolución, ou seja, a briga com os tangueiros tradicionais ainda é importante e quando leio que os deuses de Piazzolla eram Stravinski, Bartók e o jazzista Stan Kenton e, mais, que ele estudou com Nadia Boulanger em Paris nos anos 50, começo a entender alguma coisa…

Piazzola nasceu em Mar Del Plata e sua família mudou-se para Nova Iorque quando tinha 3 anos. Foi lá, aos 8 anos de idade, que ganhou de seu pai o primeiro bandoneón e que, em 1933, começou a ter aulas de piano com o húngaro Bela Wilda, discípulo de Rachmaninov e do qual Piazzolla diria mais tarde “Com ele, aprendi a amar Bach”. Pouco depois – imaginem! – conheceu Carlos Gardel que se fez amigo da familia e com quem, ainda menino, tomou parte em uma cena do filme El Dia em que me quieras como um pequeno vendedor de jornais. Desnecessário dizer que esta cena possui um poderoso valor emblemático na história do tango.

Após voltar a Buenos Aires e de ter participado de vários grupos de tango – compondo e tocando -, Piazzolla, em 1953, estreou Buenos Aires, três movimentos sinfônicos. Quando a obra foi interpretada na Faculdade de Direito de Buenos Aires por Orquestra Sinfônica acompanhada de dois bandoneons, estourou o escândalo. O setor “culto” da platéia ficou indignado pela incorporação dos bandoneons à orquestra e os tradicionalistas o acusaram de não fazer mais tango e sim música erudita…

Se os eruditos foram rapidamente dobrados pela qualidade de sua música, o mesmo não se pode dizer dos tradicionalistas. Começou então uma revolução solitária contra os tangueiros ortodoxos que faziam-lhe críticas sistemáticas e impiedosas. Era quase um problema de estado. Os meios de comunicação e até alguns palcos negavam-se a receber Piazzolla. Ele não colaborava muito para a paz, mantendo sua postura e respondendo com ironias. Voltou então ao exterior onde foi recebido como autor de tangos e começa uma nova experiência, o tango-canção, com Amelita Baltar, sua mulher na época.

Na Argentina, a controvérsia sobre se sua música seria tango ou não seguiu seu curso, mas agora seu sucesso no exterior começa a gerar inveja entre a comunidade tangueira. Ele acena com a possibilidade de paz ao chamar sua música de “música contemporânea da cidade de Buenos Aires” mas continua provocando com sua vestimenta informal, com sua pose para tocar o bandoneón (tocava de pé, quando a tradição mandava segurar o fole sentado) e com suas respostas muito pouco reverentes.

Em 1974, Piazzolla gravou em Milão, dois de seus maiores discos, em ambos acompanhado por músicos italianos: o primeiro foi Libertango e o segundo Summit, em parceria com o saxofonista americano Gerry Mulligan. Curiosamente, estes trabalhos nasceram a partir da pressão de seu agente europeu, que lhe pedia para continuar compondo normalmente suas peças instrumentais, só que deixando-as mais curtas. O resultado levou Piazzolla a um amplo reconhecimento, deixando as querelas argentinas em segundo plano.

Libertango é o disco mais vendido de Piazzolla, seguido do segundo disco milanês. Ele gostava de criar neologismos com tango, tanto que escreveu “estudos tanguísticos”, produziu “tanguédias” e os nomes das obras de Libertango chamam-se Meditango, Violentango, Tristango, Undertango, etc.

Puccini une as pessoas, sempre

Fato 1:

Há alguns meses, li esta citação no P.Q.P. Bach:

Em setembro de 1962, Igor Stravinski visitou a União Soviética por 3 semanas. Recebeu muitas homenagens e seu único encontro mais demorado foi com Shostakovich. Porém, quando foram apresentados, o mortalmente tímido Shostakovich respondia com monossílabos as muitas tentativas de conversação feitas por Stravinski. Isso só até o momento em que eles encontraram algo para detestar juntos. “Você gosta de Puccini?”, perguntou Stravinski. “Não o suporto”, respondeu Shostakovich. A partir daí, eles encontraram do que falar e conversaram animadamente a noite inteira.

Lauro Machado Coelho, em Shostakovich: Vida, Música, Tempo

Os dois compositores puderam unir-se em seu ódio a Puccini. Final feliz.

Fato 2:

Ontem, um amigo meu, estudante de matemática em Viena, mandou-me este e-mail:

Meu caro Milton, como essa vida é curiosa. Acabei de voltar da Ópera de Viena com uma história engraçada que me fez lembrar de você.

Eu e um colega compramos dois ingressos para A Flauta Mágica, mas acabei sozinho pois o colega descobriu que tinha uma aula importante no mesmo horário. Decidi então convidar uma amiga, pela qual tenho certa queda, para ir no lugar dele. Ela aceitou, fiquei eufórico. Devo salientar que as vienenses são frias e tímidas e ter conseguido convencer uma a sair comigo após nos termos conhecido há somente alguns dias é algo incrível por aqui. Enfim, chegamos à Ópera, entregamos os ingressos, mas ao entrar na sala de espetáculo encontramos nossos lugares ocupados. Fomos verificar o que acontecera e descobrimos que eu tinha confundido o dia da ópera… “A Flauta Mágica é amanhã, hoje é La Bohème“.

Como você, eu tenho muitos problemas com o senhor Puccini…

Mas, para minha sorte, ela era apaixonada por Puccini e La Bohème é sua ópera favorita. Nós conseguimos uns lugares vagos para assistir a gritaria. E a coisa parece que funcionou muito bem, melhor do que com Mozart talvez. Ela estava totalmente extasiada ao final da ópera e gostando mais de mim. Ainda não logrei nenhum avanço concreto, mas caso eu venha a ter, irei agradecer muito ao senhor Giacomo. O que não se faz por uma mulher?

Enfim, só queria compartilhar a história. Sei que você também não gosta dos PucciVerdi.

Abração!

Os dois possíveis amantes puderam aproximar-se graças ao amor da moça por Puccini aliado ao fingimento do rapaz. Aguardo por um final feliz. Com muita gritaria.

Conclusão: É duro de agüentar, mas parece que Puccini resolve sempre.

Obs.: este é outro post que tinha migrado misteriosamente de “Published” para “Pending Review”. É o último.

Wynton Marsalis Septet – "The Holy Ghost", de "In this house, on this morning"

The Holy Ghost está no início do segundo CD (faixa 3) da espetacular Suíte In this house, on this morning, um dos melhores discos de jazz que conheço. A qualidade das composições é algo difícil de repetir. E este é o momento mais alegre — talvez o único — de um trabalho muito difícil e sombrio de Wynton Marsalis. O septeto do Wynton…. sem comentários. Veja e ouça: é e-le-tri-zan-te.

Aqui, para os destituídos de Firefox.

Se este CD está a venda por US$ 1,45 na Amazon e você não o possui… Bem, ao menos você goza de boa saúde, não?

P.S.- Agradeço a meu filho Bernardo por ter me apresentado o filme. Eu apresentei a ele o álbum. E assim nós vamos vivendo de amor…

Dois tesouros e uma rotina

Eu não desejo provocar reações hostis daquele comentarista do blog. A descoberta foi obra de Augusto Maurer. Cliquem aqui. É o céu.

Mas há igualmente consolo para quem busca outros horizontes. Está aqui outro GRANDE tesouro, na verdade o que mais ouço, pois é sensacional trabalhar no micro com uma janela dessas em background.

Copa Suruga. Sim, foi minha atividade matinal, claro. Não confundam com outras atividades. A Suruga de hoje pela manhã foi esta.

Quando o discípulo revela o mestre

A meu amigo Luiz Blasi, que adora David Oistrakh

Otto Maria Carpeaux foi um intelectual muito importante na vida cultural brasileira do século passado. Foi respeitadíssimo e com merecimento. Não apenas foi o autor de uma imensa História da Literatura Ocidental em 8 volumes, como foi importante crítico literário. Escreveu também livros de crônicas, foi colunista em revistas, enfim, teve a popularidade possível a quem de dedica seriamente à cultura; ou seja, quase nenhuma. Carpeaux tinha algo de incomum: uma infalível sensibilidade para identificar já na estreia quem se tornaria destaque literário em nosso país. Mas tantos méritos lhe davam crédito para cometer erros imensos e raros em outros lugares, principalmente na tal História da Literatura. A forma como descartou alguns escritores — como, por exemplo, Laurence Sterne — certamente lhe causa problemas póstumos.

Lá pelo final dos anos 50, Carpeaux escreveu uma Nova História da Música. É um livro utilíssimo para quem está começando a gostar de música erudita, pois traz um vasto painel cronológico da evolução da música desde a época medieval, mas é curioso como as pessoas que avançam no conhecimento do assunto, passam a rejeitar o livro como se fosse um mero Eu e a Música. E com razão. Em sua história da música, ele foi bastante agressivo com alguns compositores que detestava e muito indulgente com quem adorava. (Neste minuto, penso que minha devoção à Bach e Bartók deve-se em boa parte a ele). Sua avaliação de Tchaikovski é simples. Em mais ou menos duas páginas, Carpeaux detona o famoso russo. Tchaikovski era mau orquestrador, desrespeitava algumas convenções, “jogava fora” temas de uma forma meio incompreensível — por que Tchai não retoma o motivo das quatro notas iniciais de seu Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra?, aquilo é um achado!

E nos anos 70 eu era um adolescente e lia Carpeaux. Por inexperiência, assumia todos os seus gostos. Como Carpeaux escrevia maravilhosamente e era inteligente, sedutor, radical na medida certa e sofisticado para a época, a leitura da Nova História parecia uma forma de criar uma ponte sobre minha vasta insegurança. Obviamente, assumi seu desprezo por Tchaikovski.

Muitas águas passaram e, anos depois, me apaixonei pela música de Shostakovich. Quem acompanha meu blog talvez lembre da série que escrevi em 2006, ano do centenário de Shosta. (A propósito, um dia juntei tudo aquilo, deu 36 folhas A4…).  Bem, mas digo isso apenas para deixar claro que eu tenho suficiente vivência com a obra de Shosta para reouvir com atenção algumas obras de Tchaikovski e cair do cavalo.

Pois hoje sei que o compositor Dmitri Shostakovich, tal como o conhecemos, não existiria sem Piotr Tchaikovski. Pois as ideias que aparecem prontas em Shosta nasceram em Tchai. Pois Shosta só pode ser tão, mas tão emocional, colorido e maluco porque Tchai fez quase o mesmo antes. Pois Tchai era o aval para Shosta ser tão expressivo e exagerado, principalmente nas Sinfonias.

Relendo muitas entrevistas de Shostakovich, li o que antes pensara ser mera manifestação de ufanismo: ele conhecia minuciosamente a obra de Tchaikovski. Grande parte daquilo que Shosta desenvolveu em suas sinfonias estão em Tchai, nas sinfonias e Abertura de Romeu e Julieta. Há ali todo um Shostakovich a ser amadurecido, ali está a alma russa e as melodias russas segundo Shostakovich. Resultado: não falo mais mal de Tchaikovski. Passou a ser, da noite para o dia, um compositor fundamental… Confiram! Ouçam a Abertura Romeu e Julieta e digam-me se não há nela um Shosta mais meloso, mais delicado. Hein? Hein? Nunca o amor de Shosta por Tchai foi tão tangível para mim antes de ouvir a citada Abertura. É um tapa na cara, é estupefaciente.

Abaixo, mostro um dos melhores vídeos de todo o YouTube. Trata-se de uma gravação do Concerto Nº 1 para Violino e Orquestra de Shostakovich. O violinista é David Oistrakh, a quem o concerto é dedicado. Há várias versões no YouTube. A que escolhi está completa, mas o que me interessa mostrar começa aos 4 minutos do vídeo abaixo (o 3º de cinco). É o terceiro movimento do concerto e seu segundo movimento lento. Começa altamente dramático e, aos seis minutos, torna-se perfeitamente tchaikovskiano,

e abaixo (1min50) começará a longa cadenza do mesmo movimento, notem a inversão em relação ao habitual: o movimento que começa arrebatado termina tristíssimo. Puro Shostakovich em continuidade a Tchai.

E aqui começa o típico finale de Shostakovich. Espetacular e emocionado como aquele Capricho Italiano.

Este concerto, como já disse, foi dedicado a David Oistrakh, o violinista desta gravação que vocês viram, se viram. Existe o registro do telefonema que Oistrakh fez para Shosta logo após a estreia. O tom da conversa é de amizade formal, respeitosa. O compositor diz que o concerto foi melhorado. David começa a se desculpar por ter acelerado aqui e ali, faz algumas perguntas, nota-se que está constrangido, que entendeu a resposta de Shostakovich como uma ironia e que aceitará a reprimenda. Ouve Shosta dizer:

— O concerto é teu, estava tudo certo, cada andamento. Eu não sabia que era tão bom, sabe? Você iluminou a partitura, ouvi coisas que não imaginara.
— Mas não incluí nada, Dmitri…
— Claro que não, David. Eu fiquei muito feliz, você entendeu a música melhor do que eu.

E deve ser verdade. Shostakovich foi um tremendo compositor, mas sabemos que o um grande executante pode fazer por uma música. Quem ouviu o vídeo pode comprovar.

(A gravação desta conversa — que transcrevi de memória sujeita a chuvas e trovoadas — é o último som que se ouve no filme de Alesandr Sokurov, dedicado a Shostakovich, Sonata para Viola).

Então, o título do post se manteve: Shosta revelou Tchai para mim e talvez para outros e Oistrakh revelou o Concerto para Violino e Orquestra a Shostakovich. Não, eu não revelei nada de Carpeaux.

Quinteto Villa-Lobos de graça em Porto Alegre

O Quinteto Villa-Lobos traz de volta seu amor, desata macumbaria, doenças mandadas e da carne. Traz seu emprego de volta — assim como o desejo –, cura doenças e faz com que ela chame seu nome mesmo que esteja junto de outro homem. Faz tudo ao contrário e vice-versa se você for mulher.

Não perca, imbecil!

Anúncio copiado de PQP Bach.

Michael Jackson é um vírus / Semelhanças

Sim, e meu antivírus já ficou todo eriçado com a possibilidade de ele penetrar em meu notebook, mesmo ele sendo um Dell púbere de mais de três anos.

Michael Jackson era um gênero de ruína moderna que nunca conseguiu me interessar. Mesmo com toda a sedução que a palavra “decadência” possui para todos os leitores, Jackson parecia estar em outro mundo, só compreendido por Liz Taylor e seus fãs. Além do embranquecimento, do nariz de múmia, das bolhas (pois ele dormiu em bolhas de vidro numa época, não?), de balançar bebês em sacadas, de comprar e perder os direitos sobre a obra dos Beatles, das acusações de pedofilia, do casamento com a filha de Elvis Presley, do seu sítio Peter Pan-like, do casamento com sua enfermeira e de um monte de loucuras, pijamas, roupas, fantasias e excentricidades, o que havia nele? Ah, também tinha sua belíssima dança e, lá atrás, bem lá atrás, talvez alguma música.

Delas só consigo lembrar de Thriller e Black or White e mesmo assim só acho legal os videoclipes. Caetano Veloso costumava cantar Billy Jean, porém, francamente, nunca entendi direito a melodia, até porque nunca ouvi o original. Sou um ET que quase só ouve eruditos — agora mesmo estou ouvindo Fasch — e jazz. Além do mais, não compreendo um negro que fica branco, alegadamente em razão do vitiligo. Aliás, toda sua figura transformada por operações, mais a roupa, o rancho e a cobertura insistente da imprensa, sempre me mostraram que Michael era um jeca enlouquecido.

O fim de Michael Jackson e o de Farrah Fawcett, aos 50 e 62 anos, não me causam nenhuma comoção, mas fico encasquetado com uma coisa: são ídolos que explodiram quando eu já tinha idade para rejeitá-los. Ou seja, são pessoas para mim muito jovens e próximas de meus 51 anos.

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Ontem, estávamos vendo As Confissões de Henry Fool e meu filho apontou semelhanças entre:

O ator James Urbaniak (figura comum nos filmes de Hal Hartley) e Dmitri Shostakovich

De novo, como contraprova:

E, em linha menos artística, Mahmoud Ahmadinejad e eu:

Para que recontar os votos, porra?

Da Beleza das Analogias e Simetrias (entre 1905 e 2005)

Porém, desde então, Gejfin foi morar no Rio…

1. Béla Bartók (1881-1945) foi um compositor húngaro.
2. Leandro Gejfinbein está vivo e é um blogueiro gaúcho, conforme vocês podem notar clicando sobre seu nome.
3. Tiago Casagrande também e é amigo do Gejfin.
4. Zoltán Kodály (1882-1967) foi um compositor húngaro amigo de Bartók.

Tiagón / Gejfin: Eu e o amigo-gêmeo Gejfin partilhamos da mesma fascinação pela memória humana. Pensar que cada pessoa tem uma História pessoal riquíssima, não importa quem seja ou onde vive, nossa – é o que os antigos definem como “muito louco”. Encontramos diversos pontos de contato quando começamos a conhecer a ficção um do outro; descobrimos que ambos usamos as lentes nada convencionais para observar o que está ao redor – pelo contrário, nos fascina o lado interno, a possibilidade escondida pela objetividade do dia-a-dia… E da ficção para os chopes de boteco, e deles certo dia imaginamos quantas histórias não estão enterradas pelas pequenas cidades do Rio Grande (só pra ficar dentro da nossa galáxia), à margem da capital, e logo, dos holofotes. Porque, mesmo que não haja glamour algum nisso, a verdade é que em algum momento nos perguntamos: o que as pessoas dessas cidades fazem quando a mídia não está olhando? E fomos curiosos o suficiente para ir lá espiar.

Bartók / Kodály: Em 1901, fascinados pela música do também húngaro Liszt, Bartók e Kodály tomaram consciência das relações de seu predecessor com a cultura popular da Europa Oriental. Ambos jovens compositores, resolveram estudar a música dos camponeses da região. Em 1905, Bartók pleiteou uma bolsa que lhes facultou recursos para recolher essas canções “em sua própria fonte” e partiu para anotá-las em companhia de Kodály. Então souberam que seus conhecimentos sobre tal assunto – e os de outros compositores – eram desfigurados, quase paródias da realidade. Na verdade, o que habitualmente se chamava de música cigana (tzigane) e danças húngaras não passavam de garatujas desengonçadas perto da caligrafia original.

Tiagón / Gejfin: Nossa idéia é compor ficção como um patchwork das diversas histórias e memórias colhidas. Não é um livro de curiosidades, é um livro sobre vida de pessoas, com a ressalva de que não é a nossa. Deixemos o encantamento para o leitor, a nós resta tentar ser o mais puros possível. Sua estrutura prevê que as pequenas cidades visitadas (no início, o parâmetro era 10 mil habitantes, mas reduzimos para metade) sejam capítulos, e junto delas, há um ensaio fotográfico. Em maio do ano passado fizemos a viagem-piloto: para Agudo, centro geográfico do Estado – embora a escolha tenha sido aleatória, na base do “e que tal…?” Jamais poderíamos imaginar tamanho êxito. Também pelos resultados práticos, mas principalmente pela sensação de olhar correspondido num flerte; chegamos lá querendo enxergar, e tudo abriu-se à observação e fruição. A acolhida foi fantástica. Conhecemos o interior da cidade, fotografamos, gravamos os diálogos entre nós; conversamos com as pessoas mais importantes e cheias de histórias da cidade, que, na verdade, poderiam ser qualquer cidadão. O cuidado que tomamos é o de deixar a curiosidade sobre “o outro”, “o estranho”, nos domínios da motivação de todo o esforço; mas na hora de transpor tudo que absorvemos, e mesmo a forma como absorvemos, há de ser a mais legítima possível, como se fôssemos também parte daquilo tudo desde sempre.

Bartók / Kodály: A partir de publicação das Canções Populares Húngaras, eles inauguram uma nova disciplina científica – a etnomusicologia. Nos anos posteriores, ampliaram seus progressivamente o horizonte geográfico de seus trabalhos: primeiro a Romênia, depois a Ucrânia, a Bulgária, até a África do Norte (Argélia e Egito) e a Anatólia (Turquia). Com o tempo, tornaram-se alvo da galhofa de certos críticos que não compreendiam a necessidade dos dois de alimentarem suas linguagens musicais com matéria viva. Estes críticos, ridicularizavam especiamente (e incompreensivamente) o último movimento da Música para Cordas, Percussão e Celesta, de Bartók, que hoje é uma das peças fundamentais do repertório erudito do século XX.

Tiagón / Gejfin: Voltamos a Porto Alegre com as sinapses lotadas de encantamento, mas não conseguimos transformá-las em texto. A experiência vivenciada repercute ainda hoje em conversa sim, conversa não; pequenos pedaços da viagem a Agudo seguidamente irrompem sobre a mesa de bar e criam lembranças de sorrisos divagantes. O projeto está interrompido por diversos motivos – um emprego fixo e verba são motivos nada originais, mas que se aplicam; mas também acho que há um frio na barriga causado pelo medo de que a próxima viagem não seja perfeita como a primeira foi. Além da viabilidade técnica para tocar o projeto adiante, precisamos romper a aura fantástica que se criou em torno do piloto.

Bartók / Kodály: O resultado, para a arte de Bartók e Kodály, foi um estilo originalíssimo. Em seus trabalhos, eles utilizavam elementos alheios à música da Europa Ocidental. Depois, conseguiram uma gloriosa união de seus estilos com o da grande tradição européia, sobretudo com Bach (caso de Bartók). Kodály foi um enorme compositor, porém – como os dramaturgos elisabetanos que tiveram o “azar” de serem contemporâneos de Shakespeare – foi sufocado pela genialidade do amigo Bartók. Bartók tornou-se subitamente célebre em 1911, quando da publicação da curtíssima peça para piano Allegro Barbaro. A música do povo era mais interessante, selvagem e intrincada do que qualquer scholar da época imaginava. O espírito científico de ambos não deve ser comparado ao dos compositores ditos “nacionalistas”, que se contentavam em tomar de empréstimo à música popular seus trejeitos para que suas obras ganhassem um colorido folclórico.

Tiagón / Gejfin: No momento em que conversávamos com nossos entrevistados, sentíamos um travo amargo – como um vinho tânico demais que passa dois dias na garrafa aberta. Porque embora jamais tenhamos nos revestido de uma posição oficialesca ou jornalística, soava ingrato e até injusto o fato de que macularemos os relatos com nossa ficção. As histórias, por si só, já são fascinantes o suficiente, e nos foram entregues com a paixão do protagonista; como evitar o medo de desapontar tantas pessoas? Não só pessoas, mas a própria história da cidade; pois não havia história simples. Nem o hotel – tu morrerias de rir se visse minha expressão no momento em que dona Eda me contou que o hotel onde estávamos hospedados, de sua propriedade, fora um hospital até os anos 40; e que a sala de tevê era, antigamente, a varanda onde os doentes tomavam sol – o que explicava as clarabóias improvisadas no teto. Pudéssemos, e sairíamos cobrindo todos os cantos de todas as cidades, escutando todas as histórias de todas as pessoas com o mesmo interesse e devoção, e transcrevendo-as depois para a eternidade das bibliotecas; porque na raiz somos apaixonados por colecionar a si mesmos, e disso vem a percepção de que todas as histórias são infinitamente ricas e multicoloridas, e que, sempre que alguma delas morre com alguém, o mundo fica um pouquinho mais árido.

Bartók / Kodály: Eles assimilaram o espírito da música camponesa, aplicando, ao criar, estruturas forjadas no conhecimento aprofundado dos esquemas populares. Descobriram, por exemplo, que a improvisação melódica se realizava por um processo que é o mesmo em todas as músicas populares: partindo de uma curta fórmula de base – que pode ser de apenas duas notas – os músicos vão ampliando progressivamente esta fórmula, e a elas retornam periodicamente no decorrer de uma peça, como se o fizessem para ganhar, a cada vez, um novo impulso. Este fato – que pode parecer uma simples definição do jazz – era desconhecido há 100 anos atrás. É inegável o mérito de Bartók de observar a realidade, depreendendo dela as leis internas de seu funcionamento para, então, empregá-las em suas obras, no sentido de que estas passassem a ser uma profunda reflexão.

Tiagón / Gejfin: Queremos reunir o material de três localidades para batermos em algumas portas – empresas patrocinadoras ou editoras – para realizar as outras sete viagens e publicar o livro. Há como ficar indiferente quando se tem nas mãos uma arte que tem como matéria-prima uma realidade distante, mas que se aproxima de qualquer ser humano na medida em que são coleções de pedaços de vida? Esse é o espírito. Queremos que o livro incentive as pessoas a fazer o mesmo consigo, praticando no seu próprio universo. Ter como retorno pessoas encantadas como nos encantamos por tudo isso. Acreditar que será possível nos move. Como pensar o contrário – que o encantamento é uma prática rara – dá medo. Vivemos conflitando essas coisas. Não raro os papos sobre o projeto chegam neste ponto, embora o fim da conversa sempre aconteça do mesmo jeito: “a gente sabe, né amigo, mesmo se nada disso acontecer – nem mais viagens, nem livro, nem nada -, pra gente, ter colocado câmera e gravador no carro e pegado a estrada rumo a Agudo, já valeu o que foi e será das mais incríveis experiências que vivemos”.

Observações finais: Bartók sentiu-se atingido quando o ministro da Educação Popular e Propaganda Nazista Goebbels, em 1936, organizou uma exposição de “Música degenerada” incluindo os nomes de Stravinsky, Schönberg e Milhaud. Escreveu ao ministro para que este inscrevesse seu nome e sua música nesse grupo. Depois, em 1938, chegou mesmo a declarar que pretendia converter-se à religião judaica como forma de ficar ao lado dos perseguidos. Expôs-se de tal maneira, que foi obrigado a aceitar os insistentes pedidos dos amigos – entre eles o de Benny Goodman – para que emigrasse, o que fez apenas em 1940. Foi para os Estados Unidos, onde morreu em 1945. Kodály viveu na Hungria até 1967. Além de compositor, era professor universitário e presidente da International Society for Music Education, da Hungarian Academy of Sciences e da International Folk Music Council.

Fontes consultadas: Leandro Gejfinbein e Tiago Casagrande escreveram a quatro mãos suas seções. As de Bartók e Kodály foram escritas por mim com o sempre providencial auxílio da memória de livros e discos e – muito mais importante – o da História da Música Ocidental de Jean e Brigitte Massin, um calhamaço de quase 1300 páginas, da Nova Fronteira, 1997 e o da Música da Modernidade de J. Jota de Moraes, Ed. Brasiliense, 1983.

Gioacchino Rossini: uma belíssima adaptação para orquestra do Kyrie da Pequena Missa Solene

Para a Claudia, como tudo o que faço.

Este é o Kyrie, primeiro movimento da Pequena Missa Solene de Rossini, personagem deste conto. O original foi escrito para coro, solistas, dois pianos e harmônica. A gravação — da Orquestra da Gewandhaus de Leipzig e do Coro da Ópera de Leipzig, sob a regência de Riccardo Chailly — é bastante anabolizada, mas, céus, está linda.

Os Sem-Firefox devem clicar aqui.

Rock and roll

Sou uma pessoa que quase só ouve música erudita mas que não vê o resto do mundo com superioridade, coisa tão comum entre meus pares… Ouvi rock somente até a adolescência e ainda tenho, em vinil, um bom acervo de “dinossauros”, o qual muitas vezes provoca ohs e uaus nos amigos de meu filho. Ele, Bernardo, hoje com 18 anos, costumava reclamar de mim por ter abandonado o rock que ainda ama e queria que eu voltasse à minha adolescência pondo só Beatles, Led Zeppelin, Deep Purple, Rolling Stones e mesmo o medonho Pink Floyd pós-Dark Side no CD player — ele é um voraz consumidor de música e ficava carente entre seus muitos amigos por não encontrar, entre eles, outros que fossem tão “cultos” musicalmente.

Eu ficava pasmo de ser tão atualizado. Afinal, Bernardo e seus amigos ouviam embevecidos as novidades do tio Milton: Quadrophenia (1973) do Who, Fragile (1972) do Yes, A Night at the Opera (1976?) do Queen, e mais uns 100 bolachões inéditos para a petizada.

A cena era assim. Em pleno 2000 e alguma coisa, Bernardo se atirava sobre meus velhos vinis e desencavava uns Alice Cooper, uns The Who (legal!), uns Queen (bom), Gentle Giant (que voz horrorosa a daquele cantor) e até Slade. Por outro lado, sou casado com uma mulher que ama as óperas, principalmente as de Mozart e Rossini, e que tem baixa tolerância aos grupos de som mais agressivo e que começa a berrar (sério!) quando pressente a iminência de Pink Floyd, pois foi traumatizada por seu irmão que ouvia The Wall cinco vezes ao dia — era deprimido, claro. (A propósito, comprei The Wall no dia em que foi lançado no Brasil e o vendi com lucro dois dias depois. Era muita adolescência). E, para piorar, ouço insistente a voz de meu pai que sempre me dizia que era importante não perder a contemporaneidade.

O único acordo possível seria o de ficar ouvindo Tom Jobim, Chico Buarque, Elis Regina, bebop e esquecer meu pai. Neste caso, todos ficariam felizes, mas o espectro se limitaria muito e estaríamos definitivamente fora das paixões de uns e outros. Ou seja, não dá.

Sou um cara de gosto musical eclético e até desejo ser tolerante, então só fecho a porta para as músicas absolutamente imbecis — ou seja, quase tudo –, além de boleros, alguns tangos cantados e reggaes, que não suporto. Por exemplo, ontem, fiquei bem feliz ouvindo com a Claudia a ópera L´Italiana in Algeri de Rossini. Porém, para aumentar a confusão sonora da casa, nos últimos dias fiz pesados esforços com roqueiros contemporâneos tais como Beck, Radiohead, Oasis e outros. Estes três são artistas ou grupos de produção muito boa e civilizada, porém… como são convencionais! Será que não há mais para onde ir? Cadê a vanguarda? Será que a indústria a sufocou?

Beck escreve as mesmas letras de gosto duvidoso que quase sempre caracterizaram o rock, mas é um grande inventor de melodias. Já o Radiohead se preocupa demais com a estrutura dos arranjos e perde a fluência. É um bom grupo que tem o problema de repetir-se ad nauseaum. O Oasis é um epígono dos Beatles e do T. Rex, mas quem se importa? Acho que a canção Cigarettes and Alcohol, do CD Definitely Maybe, é o máximo que se pode exigir de um rock — poucas vezes me deparei com uma letra que combinasse tão bem com música e interpretação.

Mas, olha, não adianta, todos eles parecem um pouco aprendizes (podemos incluir Pearl Jam aí também). Não há no horizonte nada parecido com Beatles, Stones, Led, Who, etc. E não apenas uma questão de postura, trata-se de qualidade musical mesmo. Escrevi toda esta coisa confusa porque ontem recebi o seguinte torpedo do Bernardo:

Tchê, descobri um puta álbum dos Stones, Sticky Fingers. Tu deve conhecer.

Imagina se não! Tal fato foi uma espécie de involução… (*) De resto, ele está descobrindo Charlie Mingus (Aleluia!), Ligeti (três Ave-Marias), Shostakovich (dez Pais-Nossos) e, compreensivelmente, não sabe onde botar Wynton Marsalis na história do jazz. Miles Davis sabia bem onde enfiá-lo. Mas, já que o assunto é rock, volto ao tema para finalizar: chego à conclusão de que os dinossauros ainda dominam esta área do mundo. O céu do rock está lotado de pterodáctilos.

(*) Ato falho de origem controlada.

Concerto de Brandenburgo Nº 3, de J. S. Bach

… com a esplêndida Orquestra Barroca de Freiburg. O primeiro movimento e o terceiro — quase não há o segundo — foram uma revelação para o menino que eu era lá pelos 13-14 anos. Julgara não ser possível haver maior perfeição. E há?

Se você não vê a imagem acima, clique aqui.

O adágio quase inexistente…

Os sem Firefox devem clicar aqui.

Eu não disse que era quase inexistente? São poucas notas que servem de introdução ao vertiginoso terceiro movimento.

Uhu!

Os cegos clicam aqui.

Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra de Brahms (1º Mvto: Maestoso – em 3 partes)

Abaixo, um registro antológico do imenso primeiro movimento do Concerto Nº 1 para Piano e Orquestra de Brahms, com um Arthur Rubinstein velhíssimo e o Concertgebow de Amsterdam, sob a regência de um jovem e já calvo Bernard Haitink. É, na minha opinião, o melhor dos concertos para piano. Melhor ver e ouvir de joelhos o fantasmagórico primeiro tema e seu lírico desenvolvimento. Ainda mais em tão boas mãos.

Ou clique AQUI para ver a primeira parte.

Ou clique AQUI para ver a segunda parte.

Ou clique AQUI para ver a terceira e última parte.

A um Escritor que Amo

Quando o li pela primeira vez, foi por exigência do colégio. Tinha 14 anos e foi uma revelação. Nunca antes me deparara com nenhuma atividade que me interessasse de verdade. Não queria ser médico ou engenheiro – tinha eu 14 anos de idade… – mas poderia ser aquilo. Escreveria livros! A partir daquele, comecei a procurar outros do mesmo autor e notei como ele frequentemente citava músicas. Ora, meu pai era um homem de muitos discos, então era fácil conhecer as coisas de Beethoven, Mozart, Brahms e Bach de que ele falava. Depois, conheci Herbert Caro, que — amigo de Erico — fez-me uma relação verbal das músicas que ele ouvia repetidamente em casa, enquanto escrevia ou nos intervalos. Sabe-se hoje que Erico Verissimo deixou por escrito a recomendação de que, se quisessem lembrá-lo no futuro, não precisariam fazer grandes homenagens e discursos, bastaria reunir seus amigos e leitores “numa noite, qualquer noite” e tocar um “dos últimos quartetos de Beethoven, algumas sonatas de Mozart e qualquer coisa do velho Bach. E o resto – que diabo! – o resto é silêncio.”

Ontem à noite, fui a um concerto em homenagem aos 100 anos de nascimento de Erico Verissimo – ele nasceu em 17 de dezembro de 1905. Executou-se um quarteto de Mozart, outro de Beethoven e o esplêndido Op. 25 de Brahms. Foram apresentados por membros do Salzburg Chamber Soloists Ensemble. O fundador e regente desta orquestra é um portoalegrense chamado Lavard Skou-Larsen. Lavard é um violinista filho de mãe brasileira e pai dinamarquês e, mesmo morando desde os 4 anos em Viena, conhece a obra de Erico por influência de sua mãe. O concerto foi espetacular, com destaque para a violoncelista – e mulher de Lavard – Adriane Savytzky, para a pianista israelense Revital Hachamoff e para o entusiasmo, tesão e alegria de todos. Não houve discursos. Com fotos de Erico por todo o lado, ouvimos música. A empresa patrocinadora fez das suas apresentando um vídeo institucional, mas sabemos que sem patrocínio não tem concerto. Se todas as homenagens a Erico forem deste porte, teremos um grande final de ano em Porto Alegre.

Erico viajava muito ao exterior e costumava dizer aos que não conheciam Porto Alegre: “Moro numa cidade que tem Orquestra Sinfônica”. Para ele, isto demonstraria inequivocamente nosso tamanho, civilidade e humanismo. Tinha razão. Espero que a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre não esqueça dele.

P.S.- Esta pequena crônica foi escrita em abril de 2005. Sim, a Ospa homenageou Erico no concerto do dia 13 de setembro de 2005. O programa não foi um horror, mas também não incluiu nada que o escritor especialmente admirasse: começou com a Abertura da ópera “Fosca” de Carlos Gomes, depois veio o Concerto para Piano e Orquestra em lá menor de Schumann e finalizou com a Sinfonia nº 4 em ré menor, também de Schumann. Poderiam ter lido trechos de seus livros, apresentando as músicas depois, mas como são uns béocios, perderam a oportunidade. Uma pena.