De volta ao forno

Imagem enviada por Sérgio Gonçalves.

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Estilo Zaffari radical

Depois do almoço, fui ao Zaffari da Otto Niemeyer comprar umas coisinhas. Gosto de ir lá. Era um início de tarde quente e pachorrento e as pessoas pareciam com vontade de ir logo para casa tirar uma sesta. Mas vá saber o que se passa nas almas torturadas dos porto-alegrenses? Estava no caixa quando vi duas moças a dois metros de mim — caixas ou empacotadoras do super-mercado, devidamente uniformizadas — pegarem-se a tapas, arranhões e puxões de cabelo. A luta, travada em rigoroso Estilo Zaffari radical, era silenciosa, quase elegante, e só pude ouvir um “o que tu tá pensando” proferido baixinho, quase uma confissão íntima de como “eu te odeio, sua vaca”.

Levei uns dois ou três segundos para me dar conta de que uma desejava a total eliminação física da outra e que deveria ter a hombridade de tentar separá-las. Durante a rápida refrega, nenhuma delas estabeleceu uma vantagem digna de encerrar a luta e um juiz isento teria que se decidir pelo empate. Bem, me meti na coisa e quase sobrou pra mim. Tomei um tapa na clavícula, de cima para baixo. Não machucou, mas a moça era forte. Logo vieram dois outros empacotadores ou fiscais ou superiores e agarraram as lutadoras. Rixa, litígio, querela, inimizade ou paixão? Foi quando uma delas, a menor e mais lisa, a que não bateu em mim, soltou-se de seu guarda e correu em direção à outra. Estava inconformada com o empate. Nada feito, nós a impedimos.

Uma cena certamente lamentável, porém, quando olhei para os lados, todos olhavam o caso deliciados, sorridentes, inclusive os colegas das contendoras. O ser humano não presta mesmo. Eu? Ora, vocês querem que eu narre e ainda exponha meus sentimentos?

Foi, como diria aquele jornal, mais um drama gaúcho.

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Um local de Porto Alegre: a Palavraria, local para livros e convivência

Uma livraria que não é apenas um local de compra e venda | Ramiro Furquim/Sul21

Publicado originalmente neste sábado (7) no Sul21

Os três sócios da Palavraria (Vasco da Gama, 165, Bonfim, Porto Alegre, (51) 3268 4260) têm algo em comum além dos nomes. Carla Osório, Carlos Luiz da Silva e Luiz Heron da Silva eram amigos que tinham diferentes profissões. Carla era advogada; Heron, professor de português, e Carlos, bibliotecário. Mas eles queriam ter uma livraria que não fosse apenas um local de compra e venda. “Há nove anos, criamos um projeto do qual não nos afastamos até hoje”, diz Carla. Eles procuravam e não conseguiam encontrar uma livraria que fosse um lugar onde quem vendesse os livros soubesse o que estava vendendo, que soubesse conversar sobre eles e sugerir alternativas se a obra procurada não estivesse disponível. Se agregasse um café, melhor. “Boas livrarias existiam e existem, a Bamboletras, o Gustavo da Ventura e outros estão aí, mas nós queríamos não apenas o acervo e a compra interessante, mas outras coisas que tornassem o ambiente mais agradável”.

Carla: “Há nove anos, criamos um projeto do qual não nos afastamos até hoje" | Ramiro Furquim/Sul21

A mistura de livraria com café foi desaconselhada em todas as consultas, mas o trio insistiu em colocar a livraria no mesmo ambiente do café. “Tínhamos razão nisso”. Nas livrarias convencionais só se pode levar os livros da livraria para a cafeteria se os mesmos já estiverem comprados. Na Palavraria não. Nela, o cliente pode namorar com calma os livros a fim de estabelecer uma relação antes do casamento. “O que nos interessa é deixar o cliente à vontade num ambiente agradável”, diz Heron. E se o cliente, durante a abordagem, sujar o livro de café? Bem, é o ônus. “Logo que inauguramos, um amigo nosso derrubou uma xícara cheia sobre livros de arte… Sobre vários livros… É um risco que a gente aceita correr porque as vantagens são imensas. Via de regra, nossos clientes cuidam muito bem dos livros”.

O primeiro café que Carla fez foi para Flávio Koutzii. “Eu recém estava aprendendo a fazer café expresso e me resolvi me arriscar com ele. Ele começou a bebê-lo e eu perguntei como estava. A resposta foi: ‘O café está bom, mas alguns diriam que está morno como o dia de hoje…’”.

Hoje, o café é servido quente... | Ramiro Furquim/Sul21

Heron diz que os sócios sempre quiseram estar num negócio do qual gostassem. “Há trabalhos em que tu fazes o que tens que fazer e outros em que tu consegues fazer o que gosta, sem muito ‘tarefismo’”. Atrair um público que gostasse de literatura, política e arte era algo motivador. Os clientes entenderam o espírito da coisa. “Muita gente vem aqui para conversar, para conviver num local agradável. Claro, as pessoas falam sobre qualquer assunto, mas a efervescência, a perspectiva cultural é mantida, o que torna tudo mais interessante, mesmo que se trate de assuntos comuns como o futebol ou uma nova cor de batom. Não raro se encontram escritores numa mesa, editores noutra, leitores noutra, além dos que vêm apenas tomar café e dar uma folheada nas novidades”.

Ou seja, a livraria é o suporte, o café é um local de encontro e isso faz sentido do ponto de vista antropológico, pois as pessoas se entendem melhor comendo e bebendo. Dentro deste clima, a Palavaria tornou-se um local de fomento cultural, de incentivo, de divulgação, um local onde os produtores culturais, artistas, cientistas, etc. apresentam trabalhos, expõem ideias e fazem interações com o público interessado. “Provemos a livraria de uma discussão, de uma conversa constante, programática ou não. Então, desde o projeto – procuramos uma casa de dois pisos para que pudéssemos viabilizar uma sala de aula – , previmos oficinas literárias, leituras, bate-papos e música. Mantemos um discurso cultural formal e informal”, explica Carla.

Heron: "Não raro se encontram escritores numa mesa, editores noutra, leitores noutra, além dos que vêm apenas tomar café e dar uma folhada nas novidades”. | Ramiro Furquim/Sul21

Atrás da mesa onde conversamos, há um microfone e um pequeno palco, mas a atmosfera de proximidade não é quebrada, “É uma ideia pretensiosa manter um espaço assim, ainda mais que não temos marketing profissional”.

No segundo andar da Palavraria, há uma sala que serve às duas oficinas mantidas atualmente: uma de Charles Kiefer, voltada ao romance e ao conto, e outra de Ronald Augusto, voltada à poesia. A sala também serve para seminários, cursos e está disponível para ser utilizada. Aliás, o Sul21 realizou suas primeiras reuniões e foi em parte concebido na sala da Palavraria. “Temos planos de ampliar a programação. Provocamos pessoas a ministrar cursos aqui. O público é muito variado. O perfil das turmas da manhã e da noite são diversos e a tentativa é fugir daquilo que se encontra na academia.”

“Um espaço como o nosso está na contramão da história. Não somos um oligopólio, uma megalivraria, não vamos vender eletrodomésticos… Somos uma pequena livraria de bairro, segmentada, de rua, não temos nem estacionamento. A gente privilegia as relações pessoais, o relacionamento direto, o conhecimento dos livros dos quais nossos clientes gostam. Também sugerimos presentes tendo por base o gosto do presenteado. Aqui ninguém vai levar um romance político para quem gosta de algo intimista. Pessoalmente, ter abrido a Palavraria foi muito enriquecedor do ponto de vista humano e intelectual. Aprendemos muito mais a lidar com a diversidade do que antes da livraria”, explica Carla.

Heron sublinha que há uma troca, que com o tempo os clientes também passam a indicar livros. Mas revela: “Temos a preocupação de respeitar o perfil do cliente, de não sermos invasivos. Mas valorizamos o vínculo”.

"A gente privilegia as relações pessoais, o relacionamento direto, o conhecimento dos livros dos quais nossos clientes gostam." | Ramiro Furquim/Sul21

A Palavraria também costuma apoiar os autores gaúchos e os que frequentam a livraria. Mas tampouco esta é atitude destituída de conceito. “Faz falta uma crítica confiável que possa auxiliar no julgamento de nossa contemporaneidade, que procure fazer uma síntese do que acontece em termos de ofertas culturais nesta cidade e no estado. Queremos contribuir com isso divulgando tais trabalhos. Acho que não nos cabe julgar, cabe é divulgar ao máximo os autores locais para que as coisas deixem de ser avaliadas pelas conhecidas perversões provincianas do tipo não-li-e-não-gostei. É difícil julgar o novo, mas para que a arte se desenvolva e possa ser avaliada no futuro, ela tem de ser apresentada e vendida”, afirma Heron.

E, se o visitante quiser arranjar uma discussão civilizada na Palavraria, basta rebaixar gratuitamente um autor novo. “Deixemos que a história julgue se é bom ou não. Temos que tornar os autores lidos a fim de possam construir uma história. Nós colocamos o escritor desconhecido ao lado de Tolstói. Não nos damos autoridade para retirar um autor novo da vitrine”.

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Lá vou eu de novo, agora na Feira

Porto Alegre, Feira do Livro, sábado, 12 de novembro, às 16 h, ocorrerá mais uma temeridade. O Sport Club Literatura estará na Tenda Pasárgada da Feira do Livro e eu, juntamente com Tatiana Tavares, serei o árbitro de As Cidades Invisíveis, de Italo Calvino x Ficções, de Jorge Luis Borges. A Tenda Pasárgada, para quem conhece a Praça da Alfândega de Porto Alegre, estará localizada de modo discreto e quase invisível como as cidades de Calvino na notória posição entre o Memorial do RGS e o Santander Cultural. Haverá um outro jogo, arbitrado por Joana Bosak e Rubem Castiglione reunindo Crônica de uma Morte Anunciada, de García Márquez e Travessuras da menina má, de Vargas Llosa. Dois jogaços. Dois clássicos de arrebentar… com os comentaristas.

Nestes dias, releio os livros que me couberam. Estou no Calvino, que é bem melhor do que eu lembrava. Logo após relerei Borges, mas talvez nem fosse necessário, pois Ficções parece estar instalado há mais de vinte anos em meu cérebro. À leitura!

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Fui expulso de Porto Alegre por José Fortunati

No último sábado, o prefeito de Porto Alegre participou de uma marcha evangélica (Marcha para Jesus) e entregou, de forma definitiva, a chave da cidade para deus. Sim, ele disse que entregava, de forma definitiva, o comando da cidade à divindade. Ignoramos se, na marcha para Jesus, este foi encontrado, mas certamente, em seu logo caminho, os comungantes foram obrigados a desviar de vários buracos e talvez, ao passarem por algumas de nossas ruas prenhes de escuridão, tenham ansiado fortemente pela luz do salvador.

Analisando a fala de nosso prefeito, constante nesta matéria do mui leal e valeroso Felipe Prestes, podemos depreender que Fortunati acha que foi colocado na prefeitura não pela descompatibilização do cargo feita por José Fogaça a fim de concorrer a governador, mas pelas mãos de deus. E, já que deus o havia colocado lá, Fortunati concluiu que deve servir de intermediário entre o ente imaginário e seu povo. O novo jeito de governar de Fortunati é super medieval e temo que a prefeitura se mude para um castelo com fosso.

José Fortunati tem 1,98m de altura e, portanto — o que sabemos nós? — , pode estar efetivamente privando da companhia de deus quando está em pé. Porém, quando põe a bunda em sua cadeira de prefeito fica da nossa altura. Nestes momentos, deve ver ateus, católicos, espíritas e todas as religiões africanas que pululam na cidade. Não gosto de nenhuma delas, pois sou fã dos ateus, mas afirmo ao prefeito que vi uma procissão por demais africana quando passei na Vila Cruzeiro na semana passada. Parece que havia outro deus na área, prefeito. Eu respeitei, claro. Os ateus têm disso, são gente discreta e educada, que não vende nada nem sabe fazê-lo.

Agora só me resta sair da cidade. Me prometaram um estado laico, mas depois entregaram a chave do lugar onde nasci a deus. Eu juro que a única vez que ataquei uma igreja foi há quase 40 anos atrás, eu era um adolescente de pichei um “Pubis pro nobis” numa igreja lá na praia. E foi só. Minha punição veio agora. Fui proscrito.

Prefiro o "Pubis pro nobis", prefeito | Foto: Ramiro Furquim / Sul21

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Neva, peça uruguaia apresentada no Porto Alegre Em Cena

No dia 9 de janeiro de 1905, um dos mais importantes da história do século XX, Olga Knipper e mais dois atores, Masha e Aleko, estão num teatro de São Petersburgo. Olga, viúva de Anton Tchékhov, morto seis meses antes, é uma pessoa de rigorosa frivolidade, ao contrário do ex-marido. Verdade, ela era mesmo assim. Era domingo, dia em que as tropas czaristas massacraram um grupo de trabalhadores que viera fazer um protesto pacífico e desarmado em frente ao Palácio de Inverno do Czar. O protesto, realizado após a missa e com a presença de muitas crianças, tinha a intenção de entregar uma petição — sim um papel — ao czar, solicitando coisas como redução do horário de trabalho para oito horas diárias, assistência médica, melhor tratamento, liberdade de religião, etc. Os trabalhadores não sabiam, mas o czar nem estava no Palácio. A resposta à petição foi dada pela artilharia, que matou mais de cem trabalhadores e feriu outros trezentos. Os Romanov acharam natural.

Porém, dentro do teatro, bem em frente ao rio Neva, Aleko e Masha ajudam Olga, a diva, a ensaiar O Jardim das Cerejeiras enquanto aguardam o diretor de peça, ou a Revolução, ou alguma outra coisa desconhecida. Olga quer apenas o reconhecimento de seu talento, Aleko é conservador e deseja que o mundo permaneça como está e Masha faz discursos inflamados de que mundo mudará para melhor com a Revolução. Mas não é tão simples. Após ensaiar por diversas vezes a morte de Tchékhov com Olga e Masha, Aleko às vezes parece encarnar o autor, agindo de forma diferente do habitual, caindo fora de seu ideário.

A peça Neva — absolutamente notável — é uma montagem uruguaia sobre texto do chileno Guillermo Calderón. É falada, evidentemente, em espanhol. Amigos, que atores e que texto! Nesta pequena anotação, é importante lembrar que o espetáculo traz, em 1h15, um contexto completo: há uma profunda reflexão sarcática a respeito da arte teatral, há a vida privada com foco nas vaidades dos atores e há o drama popular da revolução nascente.

Lembra alguns dos primeiros filmes de Nikita Mikhálkov, principalmente Olhos Negros e Peça Inacabada para Piano Mecânico, mas com muito mais peso. Aqui temos menos humor e muito mais sarcasmo. A peça também se utiliza de grandes fatias da realidade social e da vida pessoal de Olga e Anton. Conhecendo um pouco da história da Rússia e sendo Tchékhov um de meus autores preferidos, dá para notar claramente que o dramaturgo foi fundo na investigação das biografias e da época. As várias versões apresentadas para a morte de Anton são os momentos onde Olga é mais atacada. Indiretamente. O artifício de se fazer teatro dentro do teatro resultou muito eficaz.

A montagem de Neva é despojadíssima. São três personagens, um banco, uma janela por onde passam revoluções e ironias e iluminação mínima que sai de um spot manipulado pelos próprios atores. Os atores são Bettina Mondino, Paola Venditto e Moré.

Olha, recomendo fortemente. A peça ainda estará em cartaz hoje e amanhã, às 22h, no Teatro de Câmara Túlio Piva. Ontem estava quase lotado, o que significa que há ingressos disponíveis.

~o~

Antes das 22h, assistimos à primeira parte do Concerto da OSPA. A Sinfonia Nº 82 de Haydn e a Abertura Coriolano de Beethoven estiveram maravilhosas. Deu dó de sair no intervalo. Mas valeu a pena.

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Ah, pois é, informe-se do que está acontecendo e ainda ganhe livros

Aqui, ó.

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Recomendamos, com veemência, não ficar em casa no fim de semana

É.

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A briosa Porto Alegre se mexe…

Aqui.

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Olha, essa coisa da Ipanema deve ser mesmo uma campanha

Adeus!

Burra. Pois não há como sair bem dela. Se a rádio ficar assim, é apenas o fim da emissora; se for autopromoção, ninguém vai perdoar. Então, se essa caricatura que todos estão ouvindo for mesmo uma decisão de marketing, já estou curioso para saber o nome da agência e a identidade do gênio. Tudo porque a irritação maior será dos possivelmente ex-“fiéis ouvintes”.

Hum…

Com quantos anos morrem os roqueiros? 27 anos.
Quantos anos está fazendo a Ipanema? 27
Tá explicado, amanhã volta tudo ao normal.

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Ipanema FM: fiquei até com vergonha

Adeus!

A ex-Ipanema FM de Porto Alegre trocou The Who, Stones, Beatles, Radiohead, Amy Winehouse e todo o rock gaúcho e brasileiro por Luan Santana, Bruno Marrone e todo o sertanejo universitário. A importância da Ipanema, principalmente para os músicos do rock gaúcho era enorme. Eu gostava dos programas do Alemão Vitor Hugo — que sempre desencavava coisas surpreendentes — , Hot Club do Mutuca e, principalmente do Música Mundi, onde a gente podia saber das novidades do rock romeno, italiano ou da Malásia.

A morte da rádio é mais um indício da decadência cultural que solapa o RS, coisa que já vemos em outros contextos. O gaúcho emburrece e involui rapidamente, ao contrário do que vendem alguns meios de comunicação.

Quando a Rádio da UFRGS tocava algo que não me interessava, ouvia o Vitor Hugo de manhã. O Alemão era um baita programador musical, em minha opinião o melhor da rádio. Mas hoje pela manhã, fiquei com vergonha ao ouvir Begin the Beguine com Julio Iglesias e aquela música da “explosão de sentimentos, meteoro da paixão”. Fiquei fascinado pela ruindade. É tão ruim, mas tão ruim que até parece pegadinha. Quando entrei num posto de gasolina, mudei para a Rádio da Universidade. “O que o frentista pensaria?”, refletiu Milton Ribeiro de forma bastante idiota.

É claro que a Ipanema tem dono e este faz o que quiser com ela, mas também é verdade que não deveria ser assim. Porto Alegre trocará a diferença por mais do mesmo. E isto é medíocre.

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Preguiça

Por mim, se eu tivesse possibilidade de mandar no meu tempo, hoje ia passear na Redenção com a Juno. Ia ficar lá no local dos cachorreiros falando sobre Nietzsche, ops, sobre cachorros, é claro. Adoro. Levaria um monte de saquinhos para limpar os cocôs e ia dividir o mate de alguém, pois não sei montar aquela merda e aliás, nem tenho bomba e cuia. Mas fazer o quê? Acordei na maior correria. Tinha que levar um amigo com malas para o trabalho — ele ia para Buenos Aires para uma reunião de seu partido, o PD — e a Bárbara para o colégio. No fim-de-semana, tenho que ler dois livros para fazer uma resenha comparativa, mas… Não poderia lê-los numa praça com cachorro? É raríssima em mim esta vontade de fotossíntese. Acho que é o resultado de tanta chuva.

Hoje, recebi um convite para participar de uma Marcha pelo Sedentarismo. Sensacional. O evento se daria na Plataforma de Pesca de Cidreira no dia 7 de setembro. Confirmei minha presença no Facebook. Talvez haja cerveja lá, quem sabe? Vou tratar de esconder dos caras que corro 8 Km para vir aquela endorfina legal e ainda faço academia e regime. Pegaria mal pra caralho.

Parque da Redenção | Foto Ricardo Stricher/SMAM

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O que fazer no fim de semana em Porto Alegre?

Cinema, shows, música, etc. No Sul21.

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Recomendamos Melancolia para o fim de semana

No Sul21. Esqueça a tola polêmica que cercou o cineasta Lars von Trier no último Festival de Cannes, pois Melancolia é um imenso filme.

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A Ospa ontem

Atualizado às 17h15 (negritos).

Tem sido um bom concerto após o outro. Não ter maestro titular foi um grande acerto. A relação músicos x maestro x governo não desgasta e há alternância de repertório. Só lastimei o público. Com a qualidade da orquestra, os ótimos programas e os preços módicos, era para ter sala cheia. Sinceramente, será que merecemos uma sala de concertos?

Foi concerto com coreografia. O maestro carioca comandava com a ginga e não com a baqueta. Um dos trompistas (Israel Oliveira)– o belo mulato sentado mais a frente do qual desconheço o nome — chacoalhava alegremente sua trompa, e até o Vladimir Romanov, com toda sua fleuma bielorussa, por vezes não resistia e balançava a perna. Me diverti muitissimo!

~o~

Intervenção do “editor” do blog:

O programa de ontem foi o seguinte:

H. Villa-Lobos – Bachianas Brasileira nº 8
F. Mignone – Concertino para Fagote
H. Villa-Lobos – Choros nº 6
F. Mignone – Dança da Chico Rei e da Rainha Ginga

Solista: Alexandre Silverio – fagote
Regente: Roberto Duarte

Acho que todos estão se dando conta de que a ausência de um regente titular está fazendo a orquestra render muito mais. Como disse a Jussara Musse, a relação é “rápida e sem desgastes, de puro amor”. O cara vem, trabalha, dá uns beijos, mostra o que tem de melhor, sem precisar ouvir reclamações sobre não ter levado o lixo para a rua. Muito melhor, né? Não gosto muito da Bachiana nº 8, há melhores, mas a partir do Concertino de Mignone a coisa tomou um rumo tal que levou realmente a pequena (por quê?) plateia ao entusiasmo. O Choros nº 6 foi o ponto alto do concerto e a Dança final era bem o que se esperava de um finale de concerto, daqueles que faz o público feliz e agradecido.

Grande presença de Alexandre Silverio e, principalmente, do excelente Roberto Duarte no comando.

 

 

 

 

Roberto Duarte

 

 

 

 

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Mudança II

Relativamente ao post Mudança, o Ivo Moreno Neto completa (estou a 50 metros da esquina com a Riachuelo):

Entra à esquerda na Riachuelo tem o café do Cultural, outro Beco, Livraria Isasul, Livraria Mosaico, Martins Livreiro, Livraria Solaris, Livraria Vozes, Instituto Histórico Geografico, duas livrarias jurídicas, Kantô – comida japonesa , Casa do Estudante, 2 butecos, uma lotérica, e deve ter uns dois puteiros discretos, familiares, nos andares de cima.

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Mudança

O estranho em tudo isso é que nunca dei muita importância à localização de meu trabalho, sempre pegava minhas coisas, ia e fim. Mas agora é impossível ignorar. O Sul21 mudou-se para a Rua da Ladeira, também conhecida por seu nome oficial, Rua Gen. Câmara. Ficamos entre a Rua da Praia, de nome oficial Rua dos Andradas, e a Riachuelo.

Neste trajeto em subida, encontramos muitas atrações:

1. À direita, o Bar e Choperia Tuim (desde 1941).

2. Depois, ainda à direita, o sebo Ladeira Livros.

3. Atravessando a rua, o sebo Nova Roma.

4. Voltando ao lado direito da rua, um pequeno restaurante chamado Gramado Gold. Serve almoço ao custo de R$ 8,90 e, ao menos ontem, um café espresso aguado. Vão melhorar, espero.

5. No mesmo lado, o sebo Beco dos Livros.

6. Bem na frente, do outro lado da rua, claro, o prédio do Sul21.

7. Adiante, ao lado, o Cine Bancários.

8. Ainda à esquerda, o sebo Dante, que ou está em reformas ou está fechando.

9. Voltando ao lado direito, O sebo Estação Cultura e,

10. do outro lado, a Biblioteca Pública do Estado.

Nada a reclamar.

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Pra lavar a alma

Gustav Mahler

Lamento muito não ter podido escrever anteontem à noite, ainda sob o calor (sim, calor) do concerto, mas faço-o agora. Terça-feira, a OSPA apresentou a primeira sinfonia de Mahler sob a regência de Ira Levin no Salão de Atos da UFRGS. Olha, a tese de que é melhor para a orquestra não ter um regente titular torna-se cada vez mais vencedora. O concerto foi esplêndido e tudo o que aconteceu estava refletido nas caras de felicidade dos músicos logo após o titânico desempenho. A única coisa a lamentar foi o pequeno público. O gaúcho — e a tendência parece acentuar-se nas novas gerações — se borra ao menor friozinho, desistindo das poucas boas oportunidades culturais que a cidade oferece. Será que trocam Mahler pela TV? Céus…

Falar sobre Mahler falo outra hora. O momento é de saudar a orquestra que, animada, levou a sinfonia forma muito satisfatória e entusiasmada. Mahler é um problema: ele propõe grandes e súbitas alterações de humor. Passa do sublime à bandinha, da expansão ao intimismo, do desespero e da tragédia à mais pura alegria. Tudo em segundos. Não sei como Alma aguentava… Como se não bastasse, aprecia orquestrações rarefeitas, premiando muitos instrumentistas com solos que se alternam em ritmo que, se para nossos olhos já parece variado e rápido, imagina para quem tem de interpretar. Por mais paradoxal que pareça, ele dá um tratamento camarístico a suas enormes orquestras, fazendo-as tocar em pequenos grupos. Ou seja, nunca uma sinfonia sua é de execução trivial.

Por mais estranho que pareça, a puramente instrumental Sinfonia Nº 1 de Mahler é programática. Sim, o nada modesto compositor baseou seu programa no romance Titã, de Jean Paul. A história é a da tomada de consciência, por parte de uma criança, da fragilidade da condição humana e de sua morbidez atávica. Não é nada casual que o terceiro movimento — interpretado magnificamente pelo primeiro contrabaixista da orquestra (Walter Schinke?) — seja composto sobre a canção infantil francesa Frère Jacques.

Ira Levin

Então, quando a OSPA tira tudo isso de letra, apenas reafirma o que sabemos: a orquestra tem um bom grupo de músicos merecedores de uma sede, de novos concursos, de nosso respeito, gratidão e o resto da ladainha espero que meus sete leitores já tenham decorado.

P.S. — Ah, o regente Ira Levin? Podia vir mais vezes, não? Além de ser muito competente e de ter demonstrado domínio do repertório, é uma pessoa respeitosa e solidária. Como sei? Vou contar um segredo de concertos para vocês. Notem o momento dos aplausos. Se o cara primeiro destaca os músicos e, na hora de ser saudado pelo público, desce de sua bancadinha para receber o aplauso no mesmo nível do restante da orquestra, demonstra (1) não ter complexo de deus e (2) considerar que é um do time. Ira Levin, mesmo sendo um nanico, recebeu a saudação entusiasmada dos poucos e bons que lá estiveram bem ao lado do spalla.

P.P.S. – Peço-lhes desculpas pela nota rápida escrita sobre a perna. Deve conter erros. Corrijam!

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Anotações para o jogo Orgulho e Preconceito x Middlemarch

A estreia do Sport Club Literatura do StudioClio foi, acredito, um sucesso. Estavam lá uns 50 malucos, talvez mais, divertindo-se com pessoas que falavam sobre livros. Foi o cúmulo da civilização, com muito bom humor e as Corujas brilhando pelo auditório de caras sorridentes. O primeiro jogo foi duríssimo e acabou com 2666 (Roberto Bolaño) 1 x 0 Liberdade (Jonathan Franzen), sob a arbitagem de Antônio Xerxenesky e Carlos André Moreira. No jogo final, o placar que atrubuí a Orgulho e Preconceito x Middlemarch prevaleceu, apesar da tentativa de Joana Bosak de anular um gol de Jane Austen, escaramuça abortada pela plateia… Eu e Joana não nos conhecíamos, mas acho que nossa palestra conjunta acabou funcionando. Ela muito é bonita e não é mole — tem formação e mestrado em história e doutorado em literatura comparada pela UFRGS, onde já deu aulas nas duas áreas. Tinha tudo para acabar comigo, mas teve pena. Abaixo, minhas anotações para o evento.

Os árbitros de Middlemarch x Orgulho e Preconceito: eu e Joana Bosak

Boa noite.

A missão impossível que me pedem é a de realizar uma partida de futebol entre dois dos maiores romances da grande literatura inglesa – Middlemarch e Orgulho e Preconceito. Comparar dois livros que amo é, guardadas as proporções, fazer uma Escolha de Sofia, decidindo qual de meus filhos – tenho dois aos quais amo incondicionalmente – deve ser encaminhado para a câmara de gás. Então, para afastar os critérios meramente afetivos, criei regras próprias. Em primeiro lugar, elegi cinco itens que seriam caros à literatura que ambas as autoras praticam. Em segundo lugar, procurei deixar longe de mim a afirmativa do mestre E. M. Forster, outro britânico, no seu ensaio Aspectos do Romance: “O teste final de um romance será a nossa afeição por ele, como é o teste de nossos amigos e de qualquer outra coisa que não possamos definir”. Também desconsiderei o fato de que, para meu gosto, alguns quesitos têm importância superior a outros. Os quesitos:

0. (Zero, porque aqui as autoras não marcam gols). Notícia biográfica das equipes.
1. Linguagem, foco narrativo
2. Construção de conflitos e estrutura do romance
3. Construção de personagens
4. Relevância sociológica
5. Análise psicológica (relevância ontológica)

O número de quesitos que marcam gols é ímpar por um motivo muito simples: queria evitar o empate.

Começo então por uma notícia biográfica de ambas:

Jane Austen nasceu em 1775 e morreu em 1817. Viveu, portanto, 41 anos. Orgulho e Preconceito foi publicado em pela primeira vez em 1813, quando autora tinha 38 anos. É seu romance mais conhecido e popular. Austen escreveu apenas outros cinco, todos excelentes: Razão e Sensibilidade (1811), Mansfield Park (1814), Emma (1815) e os póstumos A Abadia de Northanger (1818) e Persuasão (1818). Austen nunca casou, sempre morou com os pais. Escrevia seus romances em seu quarto e tinha pudor de quando alguém abria a porta — escondendo imediatamente os cadernos. A vida de Jane Austen é um deserto de grandes acontecimentos. O fato mais próximo a um caso amoroso, foi um breve amor juvenil finalizado por problemas financeiros do pretendente.

Em comparação com a vida de Jane, a existência de George Eliot foi espetacular. Ela nasceu dois anos após a morte de Austen e viveu 20 anos mais, chegando aos 61. Middlemarch foi publicado quando ela tinha 53. George, que na verdade chamava-se Mary Ann Evans, apaixonou-se e fugiu com um homem casado, George Henry Lewes, com o qual viveu por quase vinte e cinco anos, até a morte do amante. Sete meses antes de falecer, George Eliot casou-se com seu primeiro biógrafo, John Walter Cross, vinte anos mais moço. Sua vida parece a de uma mulher moderna. Se Austen escreveu seis romances, Eliot produziu apenas um a mais.

Equivoca-se quem pensar que elas tinham pouco em comum. O jogo, apesar de reunir dois estilos muito pessoais e únicos, é duríssimo.

Então comecemos a peleja pela linguagem e foco narrativo:

Quem leu Orgulho e Preconceito ou outros de seus livros, sabe que Austen é leve e enganadora, a gente pensa que está numa tranquila mesa de chá quando, com a maior graça, ela nos apresenta abismos que, pensando bem, já estavam ali, mas dos quais não pressentíamos a profundidade. Austen não faz comédia, mas nos obriga a gargalhadas; expõe dramas, mas não é trágica; é grave, porém leve; é clássica, apesar de ousada. O romance não deixa transparecer claramente seu esquema por trás de diálogos absolutamente fluentes e de uma narradora de tom zombeteiro. Num espaço rural limitado, as pessoas fazem visitas, vão à bailes, tomam chá, iludem umas às outras, armam situações e divagam sobre suas vidas e planos. O refinado humor da escritora abrange tudo. É o próprio time do Barcelona. Troca passes em diálogos ininterruptos, seduz a todos, inclusive aos adversários, para depois vencê-los.

Milton Ribeiro, dizem

Enquanto isso George Eliot aposta numa vitória baseada em rigoroso esquema defensivo. Ela tece com obsessiva minúcia os panos de fundo de cada cena e, nesta particularidade, é menos moderna que Austen. Podemos dizer que tem alma de socióloga, o que poderá render-lhe gols mais à frente. É importante dizer que Orgulho e Preconceito tem aproximadamente 300 páginas, enquanto que Middlemarch tem quase 1000. As torcidas presentes hoje ao StudioClio dirão que isso não tem a menor importância, mas este árbitro discorda: tem tudo a ver pelo simples fato de que George Eliot enrola e joga no erro do adversário. Quando menos se espera, a tragédia econômica de Fred Vincy, por exemplo, fica-nos clara com tal riqueza de detalhes financeiros e psicológicos que adquirimos a certeza de que não lhe resta saída, se não houvesse uma boa moça para o salvar.
Porém, como estamos aqui para julgar e não para ficar na arquibancada comendo picolés ou bebendo cerveja sem álcool – pois o Estatuto do Torcedor criminosamente não permite o consumo de álcool nos estádios – decidimos que a linguagem de Jane Austen acaba de fazer um belo gol na impecável defesa de George Eliot, que não contava com uma falha individual. Pois na página 162, a autora, sim, ela mesmo, começa inesperadamente a falar na primeira pessoa do singular, deitando teses e atrapalhando a narrativa. Em contraposição, temos em Austen trechos de virtuosismo quase inalcançável como a cena em que Lydia fala besteiras sem parar, fazendo a atenção do leitor ir embora, para depois descobrimos confortavelmente que fomos acompanhados na fuga por Elizabeth, que também não faz a menor ideia do que Lydia falara. Virginia Woolf: escreveu: “Ali estava uma mulher, por volta de 1800, escrevendo sem ódio, sem amargura, sem medo, sem protestos, sem pregação. Orgulho e Preconceito 1 x 0 Middemarch.

Construção de Conflitos: Como já disse, Jane Austen, de modo hábil, cria conflitos que logo tornam-se abismos. O problema onde Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy equilibram-se até o final é muito rico. A forma como Austen coloca ambos em posição de vencer orgulho e preconceito através da rebeldia é digno de várias avalanches da torcida – calma, sou colorado. Também a posição do sarcástico Mr. Bennet como catalisador de conflitos é brilhante e Mrs. Bennet… Bem, Mrs. Bennet nem é catalisadora. Mrs. Bennet é dinamite pura. Podemos considerá-la uma chata, mas apelo à opinião de meu amigo historiador e escritor Luís Augusto Farinatti para defender sua posição no romance. Ela tem uma missão fundamental. Afinal, num regime sucessório onde as mulheres não herdam, é imprescindível ter um filho varão. É ele que vai herdar a propriedade, ajudar o pai a organizar os rendimentos, dotar uma ou mais irmãs para que possam casar e acolher as irremediavelmente rejeitadas. Ou seja, não ter um filho homem era uma catástrofe (imaginem que Mrs. Bennet, por única e exclusiva culpa sua, como se pensava na época, tinha cinco filhas). Então, “colocar” as filhas era uma obsessão. Mrs. Bennet é a maior das chatas, mas só queria resolver o problema que criara. Ou seja, é um tremendo problema que ela tenta resolver de sua maneira atrapalhada, quase vendendo as filhas.

Agora vejamos Middlemarch. George Eliot escrevia dois livros – um dedicado ao caso da grande personagem Dorothea Casaubon, que casa com um homem mais velho em busca de “conhecimento” e “erudição”, e outro ao caso de Rosamond Vincy, que casa com o Dr. Lydgate à espera de uma vida rica que acaba por levar a família à bancarrota – quando decidiu juntá-los em apenas um romance. A encruzilhada que une ambos os livros fica clara no Capítulo XI, página 110 na edição da Record, quando subitamente entra Lydgate e começa um segundo romance com outro set de personagens.

Os conflitos em Middlemarch são tantos que seria longo citá-los um por um , mas é absolutamente notável o fato de que Dorothea e Rosamund – as personagens principais do livro – passem 900 páginas sem trocar uma palavra, coisa que apenas fazem no final. Isso é tão espetacular, cria tamanha expectativa que, bem, o jogo fica empatado em 1 x 1.

Construção de personagens: Comecemos por Austen, já que acho difícil vencê-la neste quesito. Minha amiga e também historiadora e escritora Nikelen Witter uma vez escreveu, fazendo uma descrição de alguns personagens de Orgulho e Preconceito:

Elizabeth é uma das mais fantásticas heroínas que conheço. Ela não é uma mocinha romântica – esse papel é da sua irmã Jane – , sabe ser maliciosa, dura, debochada, tudo isso sem deixar de ter um bom coração. Envergonha-se de sua família, mas ama-os a ponto de defendê-los mesmo com seus imensos defeitos. O que poucos notam é quão revolucionário é este romance para a época e as pessoas para quem foi escrito. Ele é a reivindicação de uma possibilidade de escolha que nem as mulheres, nem os homens, tinham em sua época. Embora publicado no início do século XIX, o romance é de fins do século XVIII e está ancorado numa moral em que a família e as convenções ditam as escolhas e os destinos. Então Austen pega seus dois personagens principais – cheios de dúvidas, incapazes de um comportamento retilíneo – e os faz inteiramente rebeldes para o mundo em que vivem. Elizabeth é uma rebelde nata. Não quer se submeter a um homem apenas para ter um marido. Ela quer alguém que a respeite como o pai o faz (um Édipo bem resolvido, eu diria), e tem o apoio deste – que a considera acima de todas as filhas por ver nela uma mente irmã. E Darcy? Darcy é aparentemente convencional, preso aos costumes e a sua posição. E, então, de repente, Darcy também se rebela (contra si mesmo, como ele afirma) e passa a desejar o que não lhe seria permitido. O romance não é apenas uma aula sobre o convencionalismo inglês, mas também sobre a revolução nos costumes, marca desta virada de século. Os personagens são perfeitos para demonstrar como a família nuclear deixa de ser vista como uma entidade reprodutora de seres humanos com a finalidade de abastecer linhagens, passando a um núcleo formativo de indivíduos. Nisso, as ideias de harmonia e amor conjugal começam a aparecer. Daí o elemento revolucionário do romance e das personagens bem construídas de Austen.

Já em Middlemarch, a única personagem que realmente rivaliza com as de Orgulho e Preconceito é Mr. Casaubon, um intelectual que merece como poucos o epíteto de “pseudo”. Incapaz de dar atenção a nada que não seja a sua obra imortal teológica que ofereceria à eternidade, chamada simplesmente de “A chave de todos os mitos”, é o mais estéril dos seres humanos. Apesar disso, é admirado e respeitado por todos por seu conhecimento e rendimentos. Explico melhor: em Middlemarch, Edward Casaubon passa sua vida numa tentativa inútil de encontrar um quadro abrangente que sirva para explicar toda a mitologia. Ele mostraria que todas as mitologias do mundo são fragmentos de um antigo e corrupto corpus do conhecimento, para o qual só ele tem a chave. Dorothea deslumbra-se com seu brilhantismo e erudição para descobrir, no leito de morte do marido, que todo o plano era absurdo e que ela não pode fazer nada com os fragmentos do livro ao qual se propunha organizar.

Bem, já viram. Orgulho e Preconceito 2 x 1 Middlemarch.

Joana Bosak

Relevância sociológica: Aqui é o terreno de George Eliot. Middlemarch é um imbatível painel social. O romance nos oferece um completo, compreensível e sutil panorama de uma Inglaterra em transição. É o poder dos velhos proprietários de terra (Mr. Featherstone) passando para os capitães da indústria (Mr. Vincy). É o poderoso símbolo do trem que ameaça cortar as terras de Middlemarch ao meio. Os pobres seguem pobres, claro, e atormentam o coração de Dorothea. Os novos profissionais, personificados pelo médico Lydgate e pelo artista Ladislaw esculhambam a rotina. Além disso, há os negociantes espertalhões, os juizes inconsequentes, os médicos venais defensores de métodos antiquados por interesse, etc. Há muita astúcia, muitas palavras belas e vazias, cujo maior representante é o banqueiro Bulstrode. Porém, na literatura de Eliot, não há maniqueísmo em nenhuma análise. Todos têm méritos e defeitos, ninguém é bom ou mau por completo. Tudo isso é descrito com rigor e precisão, sem cansar o leitor com digressões “eruditas”, como fez, por exemplo, Tolstói no final de Guerra e Paz.

E estamos com o placar de 2 x 2.

Análise psicológica ou relevância ontológica

Virgínia Woolf dizia que Middlemarch fazia com que a maior parte dos outros romances ingleses de seu tempo parecessem destinar-se a um público juvenil. É um romance sério, absolutamente sério, e a psicologia dos personagens é esmiuçada até o último pensamento antes da frase ser pronunciada. Isto nos torna íntimos de todos eles, conhecendo seus raciocínios tortuosos e suas esquisitices. A seu modo, ainda lógico e organizado, Eliot inaugura o fluxo de consciência. Em razão disso é que o gol decisivo é de Jane Austen, pois ela faz o mesmo sem o apoio da miríade de detalhes necessários a George Eliot. Meu placar final é Orgulho e Preconceito 3 x 2 Middlemarch.

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