Prokofiev – 3º Movimento da Sonata Nº 7 (Precipitato)

Ontem, Bach fez 324 anos de nascimento, este é o 399º post deste blog e hoje escolhi um Prokofiev. Grigory Sokolov vai um pouco mais lento que Pollini e sem o descontrole da versão de Argerich. É espantoso o que faz aqui o russo Sokolov, nascido em Leningrado no ano de 1950. Toda a sétima sonata é extraordinária, mas esse finale, do qual a Medici TV apresenta os últimos 3 minutos…

Quem não vê nada acima, deve clicar ou passar o mouse aqui.

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Porque hoje é sábado, Kate Beckinsale

A belíssima atriz inglesa Kate Beckinsale cometeu um sério erro…

… ao viver Ava Gardner em O Aviador, equívoco de Martin Scorsese.

Desconsiderando a questão da beleza, Ava tinha aura, mistério, sinatra, fotos em preto e branco, …

… fama e mística invencíveis a uma simples mortal nascida em Londres no ano de 1973.

Quando assisti o esquecível filme de Scorsese, não notei Kate. Vi uma atriz fazendo-se de deusa.

Foi só numa comédia absolutamente idiota – Click, que assisti com meus filhos – …

… que notei como era bela a falsa Ava. Mas — sabe? — Kate Beckinsale, tal como eu, não é apenas mais um rostinho bonito, …

… ela possui um cérebro de respeito, parece. Durante a adolescência, ganhou dois prêmios de Young Writer, …

… uma vez na categoria “Contos” e outra na de “Poemas”, o que a faz muito superior à Luciana Gimenez.

Deve ter sido uma adolescente chatíssima: passou por períodos severos de anorexia, enquanto acendia um cigarro no outro.

Também estudou literatura francesa e russa em Oxford, mas nunca formou-se, pois Kenneth Branagh, …

… ao ver aquele “talento” perdendo-se nas letras, ofereceu-lhe um papel em seu filme shakespeareano …

Much Ado About Nothing e a moça virou atriz. Após estrelar Pearl Harbour, Kate permaneceu nos Estados Unidos …

… a fim de fazer aquela tradicional série de filmes ridículos que enchem os bolsos das mais talentosas beldades estrangeiras.

Intermezzo: Acho que Peter Greenaway aprovaria as fotos acima e abaixo. Não falta a mesa, os pratos e muito menos as frutas. Suponho que haja insetos.

Curiosamente e mesmo vivendo nos Estados Unidos, ela gosta de declarar-se fumante.

Detesto que fumem perto de mim, mas simpatizo com a postura desafiadora da minha homenageada …

… e acho que reveria meus conceitos, suportando seus eflúvios numa boa. Juro.

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Esses moços, pobres moços; ah, se soubessem o que eu sei

Os versos de Lupicínio Rodrigues — autor do hino do Grêmio — descrevem bem a incredulidade de que fui presa ontem, ao conversar com amigos de meu filho, todos na faixa dos 18 anos. Ele não sabiam que, nos anos 70, houvera uma torcida organizada gay que apoiava o Grêmio Futebol Portoalegrense. Ninguém tinha ouvido falar na Coligay. Como não? Verdadeiramente pioneiros, aqueles torcedores antecipavam a intimidade da atual avalanche ao demonstrar sua alegria pelas arquibancadas do estádio alusivo às Olimpíadas de Porto Alegre.

Mas os tricolores não souberam assimilar a novidade. Sentiram-se ameaçados e enxotaram aquela torcida vanguardista. Todos sabem que a homofobia é o produto do medo que as pessoas têm de um dia elas próprias descobrirem-se homossexuais ou de serem tomadas como tais. Em outras palavras, a homofobia é um mecanismo instintivo de defesa contra uma previsível possibilidade de desenvolver um sentimento de afeto por pessoas do mesmo sexo. Então, os homofóbicos tornam-se agressivos e podem até mesmo cometer violências para se preservarem do risco. É uma postura tão medieval quanto a das religiões que, ao tentar impedir os casamentos entre pessoas do mesmo sexo, acabam é pregando a mais pura aversão, que desemboca no ódio e depois na violência. Pô, deixem os gremistas seguirem suas inclinações naturais!

E a Coligay, conforme documentamos abaixo, ainda ensaiou um retorno. Sem seus tradicionais roupões, mas com propósitos firmes, tentaram dar novamente vazão à sexualidade latente que habita todo gremista.

Mas não deu certo, venceu o atraso. Clicando nas fotos abaixo, você poderá ler a reportagem de uma edição da revista Placar, se não me engano de 1977 onde mestre Divino Fonseca, com aquele tempero especial de um politicamente incorreto plenamente permitido, tira um sarro em três páginas antológicas. Para lê-las basta clicar sobre a foto, depois clicar novamente sobre o sinal positivo que sugirá sobre a imagem para depois “navegar” pelas colunas de Divino.

Em 1977, esta era a ditabranda tricolor.

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A biblioteca perdida de Goran Bregovic

Goran Bregovic está excursionando pela Espanha para apresentar o novo CD, Alkohol, já comentado por mim. Hoje, El Pais publicou uma entrevista sua. Há nela alguns aspectos comoventes e outros que me interessaram muito. Para variar, quem me enviou o link foi Helen Osório. Faço um resumo abaixo:

Goran considera-se iugoslavo: Si tu país desaparece, descubres que no era algo político ni geográfico, sino emocional. No me siento represente de una nación o un Estado. Sólo represento ese territorio emocional que no tiene nada que ver con la política.

O que diz sobre os criminosos de guerra: Creo que conozco a casi todos los criminales de guerra. Conozco a Radovan Karadzic, que antes de la guerra era poeta. Algunos de mis profesores de la Facultad de Filosofía están en La Haya. Eran políticos pequeños que creyeron interpretar personajes históricos. Los seres humanos están condicionados. Si les dejas la oportunidad de convertirse en animales se convertirán en animales. La cultura no nos protege.

Sobre o poder da arte mudar as pessoas: A los artistas occidentales les gusta decir grandes cosas, como que la música puede cambiar el mundo. Vengo de un país comunista y sé dónde está el poder. Aunque trabajo con la misma temperatura que los artistas occidentales, sé que hay un largo camino hasta ser iluminado. Las luces pequeñas ayudan, pero en el fondo no cambian nada.

Sobre uma destas pequenas luzes, ele narra um acontecimento quando de seu primeiro concerto em Buenos Aires: Al llegar al hotel me dieron un sobre que me habían dejado de parte de Sábato. Contenía un libro, Sobre héroes y tumbas, y una carta en la que me pedía disculpas por no acudir al concierto. Me explicaba que mi música le había salvado en momentos de depresión. Lo curioso es que cuando hice el servicio militar en Nis, en la época comunista, robé de la biblioteca del cuartel un ejemplar de ese libro. Lo tuve en mi casa de Sarajevo durante años y lo perdí. Con la guerra perdí todo, también mi biblioteca. Puedes empezar dos veces tu vida, pero no puedes empezar dos veces una biblioteca. Todas las cosas grandes que me han pasado están guiadas por cosas pequeñas que se vuelven grandes, como el libro de Sábato.

Ele surpreende ao falar sobre algumas acusações de plágio: Me llaman compositor porque compongo lo que ya existe. Así ha sido siempre, desde Stravinski, Gershwin, Bono, Lennon… Se trata de un viejo método: tomas algo de tu tradición, robas y dejas atrás cosas para que otros con talento roben también. La cultura es eso, una transformación continua.

E este filho de pai sérvio e mãe croata, casado com uma muçulmana, finaliza: La guerra no es sólo matar gente, quemar casas, la guerra mata una infraestructura cultural, edificada por los hombres con gran dificultad durante mucho tiempo.

É uma boa entrevista. O que me emocionou foi a referência que ele fez a sua biblioteca perdida:

Com a guerra perdi tudo e também minha biblioteca. Podes começar tua vida duas vezes, mas não podes começar duas vezes uma biblioteca.

Eu nunca tinha pensado nisso. Uma biblioteca pessoal é algo que não se recomeça. Ou ela é inteira ou é um amontoado. Uma biblioteca sem as tantas bobagens lidas durante a adolescência, sem as anotações que não consigo deixar de fazer nos livros e sem as anotações dos amigos, deixaria de contar à sua maneira minha história e a de meu tempo. Eu não iria morrer sem esses 3000 ou mais paralelepípedos cheios de pó mal organizados às minhas costas. Mas perderia o meu mais importante meio de recordações, pois só consigo chegar ao Milton de 15 anos quando abro O Lobo da Estepe e constato o quanto amei e manuseei aquele exato livro que hoje leria com enfado. E quando abro Baía dos Tigres sei onde estava e o que pensava enquanto o lia e o mesmo ocorre com quase todos os outros. Sei lá por quê, minha vida tem largos períodos sem fotos e minha memória associa-se sempre aos livros. Não sei se esta é uma sensação comum às pessoas que leem permanentemente. Não sei mesmo. Aliás, antes do dia de hoje nem sabia que uma biblioteca não se recomeçava…

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Uma polêmica suscitada pela Zero Hora

No sábado retrasado (07/03), o jornalista Gustavo Brigatti, meu amigo, deu novamente mostras de que não é nada tolo. Com sua cara de Gary Oldman bonzinho, escreveu o artigo de capa do Segundo Caderno — chamado Ópera? Só no cinema — sabendo que expunha dois corpos a leões barulhentos, irônicos e domiciliados fora do Rio Grande do Sul. (Conclusão minha, não falei com Gustavo). Não é responsabilidade dele se Fernando Mattos, compositor, violonista e professor do Departamento de Música da UFRGS, decidiu ter seu momento de tolice bem na frente do jornalista. E muito menos se Mônica Leal disse mais uma de suas bobagens, até porque é incapaz de outra coisa.

O fato é que pensei em mandar o artigo para dois outros amigos meus: o pianista Carlos Morejano e o tenor Flávio Leite. Eles saberiam destroçar os pobres argumentos de Mattos e, bem, não precisariam preocupar-se com Mônica Leal pois ela parece programada para apenas emitir destroços. É fato óbvio que o Rio Grande do Sul dá uma contribuição fundamental para a cena operística. Ele exporta — ou melhor seria dizer deporta, desterra, elimina, proscreve ou, quem sabe, expatria? — os muitos talentos que produz.

A declaração de Fernando Mattos …

— Aqui no Rio Grande do Sul não há gente especializada, principalmente solistas. E isso diminui muito o repertório, obrigando a usar um ou dois profissionais locais e trazer o resto de fora até do país.

… comprova sua dedicação exclusivíssima à UFRGS e à vida acadêmica, pois de cada 20 escolhidos para o Guaíra, dez são a metade (vide artigo abaixo).

E a declaração de Mônica Leal…

— Ocorre que o patrocinador, ao investir em determinado projeto, avalia o mercado e as suas demandas. Se há público em Porto Alegre interessado, certamente haverá patrocínio. Mas não cabe ao Estado promover estes eventos. Cabe, isso sim, incentivá-los.

… é mais um atestado de que o Rio Grande irá contrariar as expectativas de todos. Sim, nosso estado se tornará um deserto, mas primeiro virá o deserto cultural, só depois vindo o outro, o da Aracruz.

Contudo, eu não mandei e-mail nem para o Flávio nem para o Morejano. Fico feliz por saber que não precisava, pois Flávio conseguiu espaço no Caderno de Cultura de ZH do último sábado a fim de reduzir a pó os argumentos do re-putado professor e da putativa filha do coronel. Respondam a isso. Quero ver.

Por uma ópera não só no cinema

O tenor Flávio Leite critica a falta de uma temporada lírica regular no Estado, lembra que temos bons profissionais especializados e cobra uma reflexão mais séria sobre o tema.

A inserção de Porto Alegre no circuito internacional de transmissões nos cinemas das produções de óperas gravadas no Metropolitan de Nova York é um fato histórico na vida cultural da nossa cidade. Com um passado lírico glorioso, onde ouviu-se La Bohème de Puccini antes aqui do que em Viena ou no próprio Metropolitan, nossa capital vive em uma espécie de vácuo lírico há muitos anos por vários motivos – salvo heróicas iniciativas mesmo lutando contra as adversidades citadas na reportagem de sábado passado no Segundo Caderno (“Ópera? Só no Cinema”, de Gustavo Brigatti), não permitiram que o gênero que está lotando as salas de cinema em nossa cidade morresse.

Dentre essas adversidades citou-se a falta de apoio público no fomento e promoção da arte lírica. Lembremos que os casos nacionais de maior profissionalismo, sucesso e relevância internacional do gênero como o Festival Amazonas de Ópera, que atrai turistas do mundo todo a Manaus com uma temporada invejável e a temporada do Teatro Municipal de São Paulo, acompanhada pelas principais revistas especializadas da Europa, para citar somente dois exemplos, são iniciativas da Secretaria de Cultura do Estado do Amazonas e da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, respectivamente, contrariando a afirmação da filha do Coronel Pedro Américo Leal, atual Secretária da Cultura, que não cabe ao Estado promover estes eventos. Triste a má sorte dos gaúchos amantes de música, pois foi em um governo do mesmo partido de nossa governadora que São Paulo ganhou a revitalização e transformação da Osesp em uma das principais orquestras da atualidade.

Outro depoimento que me causou estranheza no mesmo artigo foi o do respeitado acadêmico Fernando Mattos, quando afirma que um dos motivos da impossibilidade de uma temporada lírica no Estado seria a falta de profissionais especializados, principalmente solistas, forçando a importação de tais profissionais encarecendo e impossibilitando o processo. Tal afirmação surpreendeu-me duplamente, pois na vida profissional ocorre exatamente o inverso. Somos muitos gaúchos em carreira pelo resto do país e exterior justamente porque aqui não temos um mercado profissional de atuação.

O número de cantores líricos gaúchos altamente especializados em carreira profissional no resto do país e no Exterior é mais do que significativo. Além de presença nas temporadas do Rio, São Paulo, Manaus, Belo Horizonte e Belém, citemos por exemplo a última montagem de L’Elisir D’Amore, de Donizetti, em Florianópolis, onde quatro dos principais solistas, escolhidos por concurso público, eram gaúchos. O soprano Cláudia Azevedo, que se alternava no papel de protagonista com a também gaúcha Carla Domingues, é detentora de feitos importantes, como seu título de especialista em ópera pelo Conservatorio Superior del Liceu em Barcelona, sua premiação no Concurso Internacional de Canto Bidu Sayão, sua atuação no mais importante festival de verão da Europa, Rossini Opera Festival de Pesaro na Itália e seu debut agendado ainda para este ano no mítico Teatro Colón de Buenos Aires.

Outra prova da qualidade dos artistas líricos gaúchos está ocorrendo no Teatro Guaíra, em Curitiba, onde está acontecendo o segundo módulo de um Ópera Estúdio, um curso de aprimoramento de alto nível para jovens cantores profissionais, inédito no país, com professores vindos da Itália, oriundos de teatros como alla Scala e La Fenice, onde das 20 vagas oferecidas para todo o país 10 dos participantes aceitos, também via concurso público, são gaúchos. Isso para citarmos alguns nomes da nova geração, sem mencionar profissionais gabaritados e com ampla experiência internacional da geração anterior, como o soprano Laura de Souza, os tenores Martin Mühle e Juremir Vieira e o baixo Luiz Molz, alguns não ouvidos aqui desde os tempos de estudante.

O outro motivo que cabe salientar é o fato de que em nenhuma casa de ópera importante do mundo se faz uma temporada somente com artistas locais, pois nem em Viena, Paris ou Londres existem especialistas locais para todos os papéis do repertório. Podemos não ter uma Lucia de Lammermoor de primeiro calibre em Porto Alegre, mas mesmo no Met, com os seus US$ 300 milhões de orçamento e sua centenária tradição, a estrela Anna Netrebko deixou a desejar em sua conhecida ária da loucura quando deixou de cantar um de seus esperados mi bemóis superagudos na performance conferida pelos porto-alegrenses no último domingo no cinema.

Cobrar a perfeição existente somente no Walhalla acadêmico e tachar as parcas tentativas de sobrevivência do gênero em Porto Alegre, de beirar o ridículo, não preenchem a lacuna deixada pela falta de regularidade de produções operísticas em nosso Estado. É necessária uma reflexão séria por parte de artistas, produtores, autoridades, patrocinadores, acadêmicos e público para que os gaúchos que superlotaram as salas de cinema e controlaram seu impulso de aplaudir uma ópera gravada, possam honrar o seu passado e voltar a se emocionar com o fenômeno da voz ao vivo.

FLÁVIO LEITE
Tenor gaúcho

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Glenn Gould "estudando" uma Toccata de Bach

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Todos os fogos o fogo, de Julio Cortázar

Querida filha.

Quando li a relação de livros que vocês leem no primeiro ano do ensino médio me surpreendi com a qualidade da lista: O Continente, Édipo Rei, Lisístrata, Hamlet, A Morte de Ivan Ilitch, Um Jogador, A Metamorfose, O Estrangeiro, Levantem bem alto a cumeeira, carpinteiros, enfim, um show de bola que me deixa até satisfeito de pagar a fortuna que pagamos todos os meses. Menos mal. Mas, o que me assustou mesmo foi a presença de Todos os Fogos o Fogo. Entendi melhor quando soube que era um dos livros para leitura em aula. O outro é o maravilhoso Nove Histórias.

É que… sabe? É um livro que requer vivência para ser entendido. Não é difícil, mas quem de vocês descobriria, por exemplo, que o narrador asmático de Reunião é Ernesto Che Guevara? Sim, aquele homem bonito cujo pôster está no quarto do teu irmão.

Todos os fogos o fogo não parece um livro de contos destes que o escritor junta e o editor publica, parece mais uma antologia de contos perfeitos. Vale a pena ler, viu?

O livro abre com o esplêndido A autoestrada do sul. Trata-se da narrativa sobre um engarrafamento numa rodovia que vai dar em Paris. Sim, é semelhante ao retornos da praia que NÃO costumamos fazer por sermos mais sensatos que a maioria. Sim, todos os carros parados. Mas tu sabes, Bárbara, que os gregos inventaram uma coisa genial chamada “hipérbole” que é a intensificação de um fato até o inconcebível. É um tipo de superexagero até que o fato torne-se uma caricatura e passe a significar outra coisa. Bom, Bárbara, os caras passam um ano inteiro engarrafados na estrada. Paradinhos. É genial. Criam outras relações, outro comércio, outra vida, outras disputas, outras lutas, outra forma de sobrevivência. Quando os carros andam, a gente chega a ficar um pouco triste. É genial, já disse. É uma idéia simples que o autor leva ao paroxismo.

Bárbara, o japa Inagaki mata a pau em sua análise de A autoestrada do sul. Clica aqui. E em linguagem clara e lúcida.

Depois vem A saúde dos doentes. É outra farsa. Uma família quer evitar transmitir más notícias a uma mãe enferma que parece estar com vontade de sobreviver a todos. Não é nada grandioso, mas é muito interessante.

Reunião comemora os primeiros dias da guerrilha cubana. É arrepiante, só que é preciso ter algum conhecimento da história de Cuba e de Che para descobrir a que se refere. Sabes que eu tenho a mania de escrever nos livros. Antes de Reunião escrevi: Bárbara, provavelmente o conto a seguir seja incompreensível para ti. Peça para que eu te conte sobre a Revolução Cubana, seus tiros, serras e charutos. Ah, o narrador — médico e asmático — é Che Guevara. Recomendo também o filme “Diários de Motocicleta” e talvez o “Che” com o Benício del Toro que logo vai passar nos cinemas.

A homenagem que Cortázar faz à Cuba revolucionária, neste livro de 1966, é belíssima.

Em Senhorita Cora a coisa complica. É uma história delicada e sensível sobre um jovem doente, sua mãe e uma enfermeira um pouco mais madura e muito atraente. Cortázar trabalha com vários personagens narradores, às vezes dentro de um mesmo parágrafo. É necessária toda a atenção. Quando a gente pensa que um está contando, é outro. Nunca esqueça que o cara gosta de jogos e está se divertindo ao não dar caminhos óbvios para a compreensão de quem é quem. Mas, com algum esforço, entende-se tudo e, puxa, como vale a pena!

A ilha ao meio-dia começa a flertar com os contos finais do livro ao contar a história de uma obsessão meio boba que acaba em drama. É o primeiro conto onde a paixão tomará conta do personagem.

Instruções a John Howell. Mais um jogo, este bem misterioso e que ocorre durante uma peça de teatro. Uma tentativa de deixar Howell mais ou menos como a tua avó…, ou seja, Howell deverá demonstrar características de duas ou mais personalidades, cada uma com sua maneira de ver as coisas e interagir com as pessoas. Sim, complicado.

Façamos um negrito em Todos os fogos o fogo, pois trata-se de outra obra-prima. A expressão significaria algo como “todas as paixões acabam em destruição e morte”. Duas histórias de final trágico são contadas paralelamente. A princípio tudo é meio louco e uma não tem relação com a outra – até porque a primeira se passa no Império Romano e outra na Paris do século XX – mas as paixões descritas tem o mesmo final. O efeito causado pelo conto é inesquecível. Tu vais gostar desse, tenho certeza.

O outro céu é, em minha opinião, o melhor conto do livro. O personagem principal tem uma vida entediante, mas dissocia-se a cada momento em outro, que vive em misteriosas galerias entre prostitutas – é apaixonado por uma delas –, cafetões, assassinos e revoluções. A forma como Cortázar muda de um mundo para outro é sempre de arrebatador virtuosismo. (Pobre Irma que nunca saberá dos céus de gesso sob os quais vive Josiane…). Todas as experiências com duas vozes realizadas durante o livro tem neste conto melhores resultados ainda.

Bom, evitei contar DEMAIS as histórias para não estragar o livro, que é MUITO BOM. Agora, vai ler, vai!

Beijo do pai.

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Trabalho Comunitário

Talvez um dia comente o absurdo de minha condenação em um acidente de trânsito em que estava com o carro parado em local permitido; talvez escreva sobre como se forja testemunhas com a finalidade única de conseguir algum dinheiro (uma ninharia) com uma ação, mas hoje vou escrever um pouco a respeito das duas turmas que estão sob minha responsabilidade. Explicação: cumpro minha pena ensinando matemática numa instituição religiosa — o Centro de Educação Profissional São João Calábria — na periferia de Porto Alegre. Faço questão de dizer a vocês que eu ensino mesmo; sei que sou um professor melhor do que aqueles que meus alunos têm em suas escolas. Não há grandes méritos, nem especial bondade e não sou candidato à Madre Teresa de Calcutá; afinal, escolhi fazer o que gostava e extraio prazer desta atividade. É para ser um descanso de atividades mais chatas. Então, se reclamasse, estaria na mesma falsa posição do político que escolheu ser político, mas diz sacrificar sua vida pessoal por seu estado ou eleitores… Sem que estes tenham lhe pedido nada. Não, não me sacrifico em hipótese alguma, apenas gasto sete horas semanais num trabalho pelo qual não recebo nada — contrariamente à atividade política. Este, o fato de não ser remunerado, seria minha única reclamação.

O que me impressiona é a notável diferença entre as duas turmas com as quais trabalho. A de terça-feira pela manhã é muito fraca e minha missão seria a de lhes ensinar a Regra de Três, pois fazem um curso profissionalizante em que é absolutamente indispensável ter noções de proporções, porcentagens, etc. Pensei que fosse fácil; um grande engano. Estes alunos cuja idade gira em torno de 15 e 17 anos, têm poucas noções de como se fazem multiplicações ou divisões. Ficou logo claro que eu teria que recuar e voltar aos conceitos fundamentais. Conversei com os orientadores e eles me explicaram que eu estava realizando um trabalho social e, portanto, tinha carta branca para descumprir o programa a fim de partir para aulas de conceitos fundamentais.

(Isso é tanto mais surpreendente quando comparo esta turma com aquela das sextas-feiras à tarde, que parece ser formada por doutores, apesar de serem da mesma classe social.)

Voltando a meus alunos de terça, faço uma pergunta: como é que eles puderam chegar à sétima ou à oitava série do primeiro grau – e alguns já estão no segundo grau – sem saber dividir 65.536 por 1000? Pois bem, exatamente este cálculo, que escrevi no quadro há quinze horas atrás, gerou um enorme debate em aula.

— Para onde vai a vírgula? Para a esquerda ou para a direita? – disse o mais culturalizado.
— Porra, que vírgula? Hahahahaha.
— Professor, isso é muito trabalhoso, vou ficar horas fazendo.
— Bota três zeros lá atrás e pronto!
— Mas tu tá dividindo, meu! O resultado não vai ser maior.
— Não, bota um zero só! Lá atrás.

Foram trinta minutos de exercícios só de multiplicação e divisão por múltiplos de 10. Uma incrível dificuldade.

Nos intervalos, a pedido deles, dou aula de matemática sobre os temas do colégio de cada um: um pede auxílio nas equações de primeiro grau, nas de segundo grau, na divisão de polinômios, no diabo… mas como é que vão entender esses tópicos se não dominam conceitos muito mais básicos? Olha, é complicado e, se extraio algum prazer em ajudá-los, sinto um enorme cansaço quando saio de lá – lembram que eu escolhi um trabalho para descansar? É um trabalho de Sífifo e, se depois estou buscando minha pedra um pouco mais acima com alguns de meus alunos, com outros a coisa parece piorar.

Conversando com outros professores, eles me informaram que aqueles jovens vêm de famílias paupérrimas, que muitas vezes dormem (ou não) em peças com um monte de gente, que brigam entre si, que alguns fazem o curso apenas pelo lanche e que têm um comportamento totalmente imprevisível, dependente muitas vezes dos acontecimentos noturnos. É óbvio, se o pai chegou bêbado ou drogado na noite anterior, se o irmão resolveu bater em todo mundo ou se vendeu a TV para o traficante, isto influencia o comportamento na aula da manhã seguinte. E muitas vezes o drogado é o próprio aluno.

A forma de controlá-los foi aprendida à base de muito sofrimento. Porém, um belo dia, vi um aluno beslicando o outro e perguntei sobre a conotação sexual daquilo:

— Conta pra nós. Ele te atrai tanto a ponto de tu sentires vontade de dar uns beliscõeszinhos? É tão gostoso assim?

Toda a aula riu e o cara ficou quieto, constrangido frente aos colegas. Noutro dia um maluco começou simplesmente a gritar na aula.

— Este é teu canto de acasalamento? Bonito…

Mais risadas e menos um aluno disposto a fazer loucuras na minha aula. Apliquei a tática várias vezes e eles passaram a me respeitar como alguém perigoso, que “tira com a cara do aluno”. Como não sei gritar, nem reclamar, nem expulsar de aula, o meu jeito de controlá-los é analisando-os de forma caricatural. Eles me veem com alguma simpatia e temor, quase pedindo para que eu não resolva atacar. É o meu jeitinho meigo… (Só preciso parar de inventar apelidos, sou criativo nisso e sei que uns se ofendem, pois seus colegas acabam adotando a coisa).

Como falava ontem ao Flavio Prada no MSN, nasci com uma incontrolável determinação germânica de tentar fazer tudo bem feito. Considero-me um baita preguiçoso e sou o mais inábil dos seres vivos, mas se é para me mexer, penso que devo -– com meu talento nenhum –- tentar fazer como meu único ídolo incondicional, Johann Sebastian Bach, fazia: apesar de viver numa época em que não havia noção de obra e em que poucos artistas criavam arte para expressar-se, ele tratava de fazer bem feito só por quê, talvez, se sentisse melhor assim, mesmo sabendo que amanhã os Concertos de Brandenburgo poderiam estar servindo de papel para enrolar carne –- o que realmente aconteceu. Então, eu, com minha inexistente aptidão, tento dar um jeito de melhorar a vida dos guris de terça.

Já os de sexta-feira são inteiramente diferentes. Devem ser tão pobres quanto os de terça, só que funcionam melhor. Um foi às finais das Olimpíadas de Matemática (não sei o que é isso e tenho preguiça de procurar saber) e quase todos os outros dizem ser os primeiros de suas turmas no colégio. Claro, pensei que pegaria um grupo de vileiros arrogantes, porém nada disso acontece. Dar aula para eles é muito estimulante e saio de lá com a certeza de que empurrei a pedra alguns metros acima. E, na sexta-feira seguinte, eles trazem o tema feito e não esquecem de nada! Ou seja, é uma hora e meia de diversão com a participação de todos.

Por que tanta diferença? São duas turmas homogêneas totalmente distintas. Não sei ainda a resposta. Na última sexta, aconteceu de estar tão alegre com os resultados dos da sexta que comecei a contar algumas piadas mais ou menos dentro de nosso assunto. Não deu muito certo; quando ninguém riu da primeira que me ocorreu, dei-me conta de que a dificuldade estava em entender algumas expressões que eu utilizara, como “Não obstante” e a terrível palavra “anacrônico”. Ele pediram que eu recontasse a piada com outras palavras, porém, com eles já conhecendo o final, acabaria fazendo papel de idiota. Então, mudei a anedota (anedota?, será que esta eles conhecema palavra?). Deu certo. O único problema é que agora eles já me pediram mais piadas para a próxima sexta. Me acham engraçado. Preparei alguma coisa sobre geometria e as malditas polegadas que eles precisam saber para seu curso de usinagem. Onde achar piadas sobre isso? Vou ter que dar um jeito de inventar.

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A propósito de um CD da Antares…

…que reúne músicas para violoncelo e piano de Schumann, Beethoven e Shostakovitch, por Rodrigo Alquati (violoncelo) e Luiz Gustavo Carvalho (piano).

Robert Schumann, Fantasiestücke, Op.73

Robert Schumann (1810-1856) adotou um curioso método para produzir sua obra musical. Até os 29 anos, ele apenas produzira composições para piano. Então, no ano de 1840, mudou, escrevendo 138 lieder, uma produção luminosa, que revela não apenas um enorme talento para o gênero como também a felicidade plena deste período de sua vida. Em 1841, Schumann mudou de novo dedicando-se somente à música sinfônica, a qual foi sempre pouco valorizada. No ano seguinte, 1842, voltou a mudar, produzindo novamente grande música: foi o ano da música de câmara.

Além de indicar para um cuidadoso alargamento de interesses e experiências, este método – ou esquisitice, ou obsessão – também facilita a abordagem de sua imensa obra. Sua música de câmara ficou aglutinada em quatro anos bem definidos: 1842, 1847, 1849 e 1851. Ele só quebrou esta disciplina para compor a Märchenerzählungen, op.132 (1853) e o belíssimo Andante e Variações para 2 pianos, 2 violoncelos e trompa, op.46 (1843).

Quando analisamos cada um destes quatro anos, notamos que eles possuem individualidades bem diversas. O primeiro, muito numeroso, é sereno e obedece às formas clássicas da música de câmara; importantes exemplos desta fase são o Quarteto para piano, violino, viola e violoncelo, op. 47, e o Quinteto para piano e quarteto de cordas, op. 44. Já os trios do segundo grupo são arrebatados e líricos. O terceiro período caracteriza-se pelas melodias leves e espontâneas, e as obras do quarto denunciam a decadência da produção de Schumann, já quase tombado pela sucessão de crises depressivas que o levariam à deterioração mental e à morte.

As Peças de Fantasia (Phantasiestücke), op.73, estão inseridas no terceiro grupo de obras de câmara e mostram a maestria do grande compositor de Lieder. Há ecos de voz humana nesta música que possui ainda outra versão, na qual o violoncelo é substituído pelo clarinete. A primeira peça – Zart mit Ausdruck (Terno com expressão) – é brilhante e através dela reconhecemos a óbvia relação de Schumann com a música que Brahms criaria depois. A seguinte, Lebhaft, leicht (Vivo, leve), é uma melodia tipicamente schumanniana que flui com absoluta tranqüilidade. A obra é finalizada por um Rasch und mit Feuer (Rápido e com fogo) com um andamento bem mais rápido e trovejante, característico dos finali românticos.

Ludwig van Beethoven, Sonata para Cello e Piano, Op. 5 Nro. 2

As primeiras sonatas para violoncelo e piano de Ludwig van Beethoven (1770-1827) foram compostas no ano de 1796. O compositor, que nunca exibiu a precocidade de um Mozart, tinha 25 anos e estava terminando sua formação de um modo inteiramente diverso de seus antecessores Mozart e Haydn: tinha assistido a cursos de literatura em Bonn com empenho maior do que o de um mero diletante e isto – em suas próprias palavras – “o estimularia a produzir e a tornar-se o verdadeiro Tondichter (poeta dos sons) da Alemanha”.

Em 1793, Beethoven foi para Viena a fim de tornar-se aluno de Haydn, entre outros mestres. A opinião destes acerca de seu aluno servem bem para mostrar que não era muito fácil conviver com o jovem gênio. Haydn, que o apelidara de “o grão-mogol”, disse que seu aluno era inadaptável a qualquer tipo de sistematização, pois era presa de uma indomável originalidade; já outro mestre, um precipitado Albrechtsberger, entrou direto pela porta dos fundos da história da música ao dar o seguinte conselho a seus outros alunos, acerca do jovem Ludwig: “É um exaltado livre-pensador musical, não o freqüentem. Ele nada aprendeu e nunca fará nada de grande”.

Apesar disto, os anos vienenses (1793-1802) foram especialmente felizes para Beethoven. Ele era um virtuose respeitado pelo público e estava começando a compor suas primeiras obras. São deste período as primeiras sonatas para piano e seu Opus 5, do qual fazem parte duas sonatas para violoncelo. Na época, o violoncelo não gozava de muito prestígio. O instrumento havia sobrevivido a uma demorada luta contra a viola-da-gamba e apenas Carl Philipp Emanuel Bach e Haydn haviam escrito grandes obras para ele. Neste sentido, o Op. 5 de Beethoven era uma novidade.

A Sonata em Sol menor Op. 5 Nro. 2 teve sua estréia em 1796 com Jean-Pierre Dupont ao violoncelo e o próprio Beethoven ao piano. A utilização da estrutura Adagio – Allegro – Rondó, já mostra que o jovem Beethoven tinha pouco do reverente respeito às normas estabelecidas pelo passado. O Adagio sostenuto espressivo tem grande parentesco com a solenidade dos episódios iniciais das sinfonias de Haydn. Porém, sua dilatada extensão, os silêncios que brotam em meio ao movimento e sua surpreendente tragicidade apontam para dramas mais profundos. Segue-se um Allegro molto piu tosto. Presto que faz contraponto ao movimento anterior e é um produto típico de Beethoven: há quebras de um tema para exposição de outro e também os célebres motivos concisos e enérgicos. A sonata termina com um rápido Rondo (Allegro), de grande efeito concertístico, que nos leva a pensar nos melhores movimentos de dança de Mozart e Haydn.

Dmitri Shostakovitch, Sonata para Cello e Piano Op. 40

A biografia e enorme obra de Shostakovitch (1906-1975) – toda composta dentro da ex-União Soviética – serviu de tema para várias controvérsias políticas durante a Guerra Fria. O Ocidente o descrevia como um dissidente do regime, sem liberdade para compor e sempre em luta contra Stálin, Jdanov e a União dos Compositores. Porém, apenas parte disto é verdade. Já a União Soviética gostaria de tê-lo como seu compositor oficial, o que nunca conseguiu.

Talvez incorrendo em uma simplificação demasiada, poderíamos dizer que hoje sabemos que Shostakovitch era um sincero comunista e patriota, mas que teve três graves lutas para ter sua obra divulgada dentro de seu país: a primeira contra Stálin que, em 1935, aborreceu-se com a ópera Lady Macbeth de Mzenski, chamando-a de “muito burguesa e decadente” – palavras comuns na época – e qualificando-a como uma “pornofonia”- expressão absolutamente incomum em qualquer época. (A ópera, que era um estrondoso sucesso, foi censurada e liberada apenas 27 anos depois…) A segunda luta foi contra o Relatório Jdanov, de 1948, que pretendia adequar a obra de todos os artistas do país aos moldes do severo realismo socialista; e a terceira, em 1962, em defesa de sua Sinfonia nro. 13, composta sobre o poema Babi Yar de Evgueni Evtuchenko, que denunciava a repressão stalinista.

Note-se que, mesmo com todo este ruído, registrado dentro e fora de seu país, os ataques a sua obra foram mínimos, pois esta é inatacável.

Shostakovitch foi um grande mestre. Suas obras, quase sempre de grandes proporções, procuram abarcar todo um mundo ao descreverem, dentro de si, diferentes situações e sentimentos. Na obra de Shostakovitch, podemos ouvir as vozes mais íntimas e profundas ao lado da alegria mais ingênua, da alegoria, da galhofa, da farsa, da grandiloqüência e da mais completa fúria.

A Sonata em Ré Menor Op. 40 foi composta em 1934, no período em que Shostakovitch apaixonara-se por uma jovem estudante, o que ocasionou um efêmero divórcio de sua esposa Nina. O compositor dedicou esta sonata ao violoncelista Victor Lubatski e ambos a estrearam em Moscou, no dia 25 de dezembro de 1934.

O primeiro movimento (Allegro non troppo) é escrito em forma sonata. O primeiro tema, bastante extenso, é apresentado pelo violoncelo, acompanhado por arpeggios do piano e depois desenvolvido por este até seu clímax; o segundo tema, muito mais delicado, é, contrariamente, apresentado pelo piano e imitado pelo violoncelo. Durante o desenvolvimento o primeiro tema ganha motivos rítmicos, mas logo o afetuoso segundo tema reaparece. Tudo parece em ordem, encaminhando-se para o final do movimento, mas Shostakovitch nos surpreende ao inserir alguns acordes em staccato do piano, acompanhados por notas sustentadas pelo violoncelo, o que faz com que a música torne-se quase estática. É uma estranha preparação para o que se ouvirá no segundo movimento (Allegro) o qual é um scherzo típico de Shostakovitch. Trata-se de um frenético ostinato que é interrompido por um tema apresentado pelo piano que, apesar de mais tranqüilo, é também muito pouco contemplativo. O terceiro movimento (Largo) faz-lhe intenso contraste, pois é uma melodia tranqüila e vocal, acompanhada pelo piano de forma introspectiva, dissonante e um tanto fúnebre. O Allegro final é um rondó bastante irônico no qual o tema principal é apresentado três vezes, ligados, a cada intervalo, por estranhas e vertiginosas cadenzas.

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El archivo de Roberto Bolaño contiene dos novelas inéditas

Además contiene un puzle de narraciones, diarios y poemas / Cinco años después de la muerte de Bolaño, comienza el inventario de su legado / “Estoy seguro de que moriré inédito”, anotó en su diario a los 44 años, desesperanzado.

Por Josep Massot, de Barcelona. Retirado daqui.

La primera vez que Roberto Bolaño escribió el nombre de Benno von Archimboldi fue en 1988, en Blanes, donde vivía como escritor inédito, a la edad de 35 años. Es el inicio de la trama de la novela 2666, publicada tras su muerte, pero el escritor chileno tenía en la cabeza un universo narrativo en el que más que de títulos individuales puede hablarse de una obra total. Una obra que ahora se recibe con entusiasmo febril en EE. UU., Gran Bretaña, Francia, Alemania o Italia, y que le ha convertido en nueva referencia internacional de las letras hispanas.

Bolaño falleció el 14 de julio del 2003. Cinco años después, el enorme puzle que constituye su archivo empieza a revelar sus tesoros. Su legado es el espejo de quien siempre escribía varias historias a la vez y desplegaba y replegaba sus relatos como cajas chinas, estructuras en vórtice, relatos yuxtapuestos. Hay notas manuscritas con los personajes que quince años más tarde emergerían en 2666.Y poemas que coinciden con sus narraciones, como El Gusano de Llamadas telefónicas. También hay diarios – de México, de Barcelona-,en cuyas hojas casi siempre aparecen operaciones aritméticas, quizás su contabilidad del número de líneas escritas o por escribir, y junto a anotaciones y reflexiones, la anotación de su menú del día.

Además de El Tercer Reich,la novela inédita anunciada por el agente Andrew Wylie, hay otras dos novelas, Diorama y Los sinsabores del verdadero policía o Asesinos de Sonora. El estudio del archivo Bolaño se realiza a efecto de catalogación e inventario y el único texto sobre el que existe por ahora la decisión de publicación es El Tercer Reich,inspirado en uno de esos wargames por los que Bolaño tenía – según confesión propia-una inexplicada debilidad. El escritor solía escribir primero a mano y después pasaba el texto a máquina. En 1995 se compró su primer ordenador y antes de morir llegó a tiempo de transcribir en formato digital unas 60 páginas de las 350 mecanoscritas, lo que indica su voluntad de dar por concluida la novela.

Sucede en la Costa Brava, donde Udo Berger, campeón de juegos de rol alemán, tras cruzarse con personajes siniestros, libra una partida a muerte con el enigmático y desfigurado Quemado.

El futuro del archivo, un mar de libretas y cuadernos de todos los tamaños, una vez inventariado, será seguramente una universidad. Adentrarse en sus páginas requiere la paciencia del paleólogo o del domador de pulgas. El estudioso recogerá algunas perlas. Por ejemplo, Bolaño fue vigilante del camping Estrella de Mar y soñaba (Diorama)la historia del vigilante nocturno de una sala de cine frecuentada por un público de tercera edad y cuyo propietario sentía el aliento de la mafia tras de él. El autor, que no empezó a publicar hasta los 44 años, escribía, desesperanzado: “Estoy seguro de que moriré inédito”.

Borges decía que el escritor que no publica está condenado a reescribir siempre el mismo libro y Bolaño acumulaba material narrativo, con tramas que se van metamorfoseando continuamente. De uno de los legajos con una ingente cantidad de folios (Los sinsabores…)salieron ni más ni menos que Estrella distante,Los detectives salvajes y las cinco novelas de 2666. Entre el laberinto de borradores, hay una versión más reducida de Los detectives salvajes y un bloque homogéneo, que podría considerarse la sexta novela de 2666.El escritor dejó en una nebulosa por qué Amalfitano, el especialista en la obra de Benno von Archimboldi, abandonó Barcelona para ir a dar clases al fin del mundo, a Santa Teresa (trasunto de Ciudad Juárez), “un oasis de horror en medio de un desierto de aburrimiento”. En el mecanoscrito hallado ahora se desvela el misterio de su fuga, un motivo sorprendente que explica muchos cabos sueltos del personaje, y que adquiere, así, a la luz de este texto, nueva dimensión.

Entre los papeles, destacan por su abundancia los poemas inéditos dejados por el escritor. Bolaño fundó en México, entre 1975 y 1976, antes de trasladarse a Barcelona, el movimiento infrarrealista. El texto de presentación del grupo, Déjenlo todo, nuevamente. Primer Manifiesto del Movimiento Infrarrealista,fue obra del escritor chileno, con tono de posvanguardia y anunciando ya su realismo visceral: “Cortinas de agua, cemento o lata, separan una maquinaria cultural, a la que lo mismo da servir de conciencia o culo de la clase dominante”, y donde el poeta es “héroe develador de héroes, como el árbol rojo caído que anuncia el principio del bosque”, pues “soñamos con utopía y nos despertamos gritando”.

Otra parte del archivo la forman los diarios. Los más importantes son los que abarcan hasta 1980, momento en que Bolaño se traslada de Barcelona a Girona y después a Blanes.

La caja que contenía los manuscritos antiguos quedó olvidada y sólo ha sido abierta ahora para el inventario. Muestran que la capacidad creativa de Bolaño era pasmosa: escribió desde textos sobre una virgen ninfómana de Barcelona hasta una sátira desternillante con el torero Fran Rivera como personaje.

El escritor tenía un inmenso orgullo literario – no confundir con vanidad-,una férrea confianza en sí mismo, asombrosamente llevada al límite en condiciones adversas. Fue un chileno de pelo greñoso que vendía bisutería para turistas en Blanes y que, aún sin obra publicada, tenía la osadía de despreciar no sólo a los literatos establecidos en su oficio como en una carrera burocrática o como competidores para encaramarse a las listas de más vendidos, sino que marcaba distancias con los grandes de la generación anterior. Siempre respetó a Cortázar, Borges y Bioy, y aun reconociendo, como lector, la grandeza del García Márquez de El coronel no tiene quien le escribaode la catedral literaria de Vargas Llosa, su necesidad de encontrar la audacia y la inventiva para distanciarse de los escritores del boom le hacía decir, como boutade,frases de este tenor: “García Márquez a mí cada día me resulta más semejante a Santos Chocano o en el mejor de los casos a Lugones”.

En busca de su madre fue Bolaño a Barcelona en 1977, después de descartar Suecia. Quería salir de México para huir de un mal de amores – una de sus constantes-y despedirse del continente. Había nacido en Santiago de Chile en 1953 y su familia le llevó en 1968 a México. Cuando triunfó la revolución de Allende recorrió América, por tierra, desde México a Santiago, para llegar en la víspera del golpe de Estado de Pinochet. Le detuvieron al distinguir la policía su cartuchera, pero se salvó gracias a que en comisaría se encontró a dos condiscípulos de Cauquenes. Regresó a México, donde fundó el grupo infrarrealista. Y sufrió el desengaño amoroso que le llevó a España.

En Barcelona vivió un tiempo en la entonces llamada avenida José Antonio, antes de mudarse a un cuchitril sin ducha cerca de la calle Tallers y del bar Céntrico, donde colaboraba con Antoni G. Porta en La Cloaca.En 1981 conoció en Girona a la que sería su mujer, Carolina. Sin más referencias uno del otro que comentarios de amigos comunes, la paró en la calle y, sin más, la invitó a cenar aquella misma noche, sirviéndose de esa seducción de romanticismo apasionado mezclado con un humor disparatado que caracterizaba a Bolaño. Al cabo de unos meses, ya salían juntos. En 1983, la madre de Bolaño, Victoria Ávalos,montó en Blanes una tienda de bisutería para turistas y Carolina obtuvo un puesto en los servicios sociales del Ayuntamiento. El escritor pudo dejar sus múltiples empleos para escribir. Lo hacía a diario con suma dificultad, de noche, durmiendo de día. Dejaba, ya al alba, una nota con alguna frase y su cosecha nocturna, unas desalentadoras escasas líneas. Todo cambió cuando envió el manuscrito La literatura nazi en América a varias editoriales de Barcelona. Ya la había aceptado Seix-Barral, cuando llegó una nota de Jorge Herralde interesándose por publicar la novela en Anagrama. Bolaño se sacó de la manga otro texto, escrito en tres semanas, extraído del último capítulo de La literatura nazi…,que tituló Estrella distante. A partir de entonces, las notas que Bolaño iba dejando cuando se retiraba a dormir fueron creciendo: en lugar de unas pocas líneas, varias páginas, 6, 9, 13, por noche.

Así fue como Bolaño fue forjando su literatura, una forma de narrar en la que se funden alta y baja cultura, la ficción con la realidad, y el amor, el humor, la muerte, la esperanza, el absurdo, la lucha humana por vivir, el compromiso o la pervivencia de un secreto. Todo eso se entremezcla con estructuras narrativas y puntos de vista yuxtapuestos, en los que, si hay una intransigencia, es con quienes traicionan la literatura, artistas mediocres que se venden al peor diablo sin luchar por la validez de un acto creativo.

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Dia Internacional da Mulher

Para Susana Castro, que a conhece,
e Roberto Markarian,
que a desconhecia.

Neste Dia Internacional da Mulher, homenageio Clara Schumann (1819-1896), née Wieck, pianista e compositora alemã do período romântico.

Seu pai, Friedrich Wieck, era professor de piano e foi com ele que a Clara começou seu aprendizado do instrumento. Era uma família de pianistas: a mãe, Marianne, era famosa concertista. Quando Clara tinha 4 anos, seus pais se divorciaram. Friedrich recebeu a custódia da filha e, um ano depois, começou a ensinar-lhe o instrumento. A partir dos 13 anos, ela já apresentava-se em concertos por toda a Europa. Destacava-se por suas interpretações de outros românticos da época, como Chopin e Weber. Ainda adolescente, compôs o Concerto para piano em lá menor, estreado por ela sob a regência de Felix Mendelssohn. Um merecido sucesso.

Foi neste período que conheceu Robert Schumann, nove anos mais velho, na época aluno de seu pai. Apaixonou-se por ele. Ao tomar conhecimento da ligação da filha com Robert, o velho Wieck ficou furioso, pois Schumann tinha problemas com bebida, fumo e era suscetível a crises depressivas. Assim sendo, foi contra o pai que Clara travou sua primeira batalha. Por fim, obteve autorização judicial para casar-se com quem quisesse, mas só após completar 21 anos.

Depois do casamento, Clara e Robert iniciaram longa colaboração, ele compondo e ela interpretando e divulgando a obra do marido. Clara seguia compondo, mas a vida em comum tornava pouco a pouco inviável tal atividade, pois, apesar de Schumann aparentemente encorajar sua criação musical, cada vez mais insistia para que ela interpretasse suas obras, o que a obrigava a deixar de lado sua carreira de compositora. Ademais, houve oito gestações com pequenos intervalos. A situação era agravada por outras diferenças: Clara adorava turnês, Robert as odiava; mais: ele precisava de silêncio e tranqüilidade para trabalhar em sua obra “maior e mais importante”, o que levava Clara novamente a um segundo plano, pois somente após as horas e horas de estudos do marido ela poderia ter as suas.

Outro problema eram as constantes crises nervosas do marido, que lentamemte fizeram Clara assumir o sustento familiar. Quando Schumann entrou em crise depressiva crônica, a família viu-se obrigada a interná-lo num manicômio, onde ficou até a morte, dois anos depois. Após 14 anos de casamento, Clara ficou sozinha com os filhos, tendo que dar aulas e apresentações para garantir o necessário à família.

Compreensivelmente, a partir daí, Clara ficou livre para compor, dar concertos e sua carreira reacendeu-se. A amizade com Johannes Brahms – quatorze anos mais moço – foi o principal sustentáculo nesse período, o que deu margem a suposições de que os dois teriam um romance. Para aumentar os boatos, Brahms dizia ser celibatário, mas a visitava muito. Ela revisava as obras dele e dava-lhe sugestões. Ele fazia o mesmo com as obras de Clara. Foram anos de colaboração mútua, ainda mais que os dois artistas eram defensores de uma estética romântica ligada a padrões mais formais, em oposição a Wagner, Bruckner e Liszt, românticos mais escabelados. (À exceção do careca Bruckner, é claro.)

Era uma mulher considerada muito bonita por seus contemporâneos. Não se sabe de nenhum outro caso amoroso posterior ao casamento com Schumann, além do suposto com Brahms. A amizade entre eles durou até o final da vida de Clara. Seus anos de maturidade foram marcados por uma brilhante carreira como professora e pelo reconhecimento como concertista.

É esta mulher extremamente digna, talentosa e de bela carreira num campo à sua época inteiramente masculino, que lembro neste dia. A citação de Fábio Danesi Rossi está ali por ser muito engraçada e não deve ser vista como algo de outro sentido que não seja o de fazer rir.

Principais Obras:

Para piano:
Quatro polonesas, Op. 1 (1828-30)
Etudes (década de 1830)
Valses romantiques, Op. 4 (1833-35)
Quatro peças características, Op. 5 (1835-6)
Soirées musicales, Op. 6 (1835-6)
Scherzo em Dó menor, Op. 14 (1845)
Quatre pièces fugitives, Op. 15 (1845)

Para orquestra:
Concerto para piano em lá menor, Op. 7 (1835-6)
Scherzo para orquestra (1830-31,perdido)

Obras de câmara:
Piano Trio em Sol menor, Op. 17 (1846)

Lieder:
Volkslied (1840)
Die gute Nacht, die ich dir sage(1841)
Gedichte aus Rückert’s Liebesfrühling Op. 12 (1841)
Lorelei -poema musicado de Heine-(1843)
Oh weh des Scheidens, das er tat(1843)
Mein Stern (1846)
Das Veilchen –sobre poema de Goethe-(1853)

Fontes: Nem vou detalhar, pois se trata de uma série de textos decididamente ruins que encontrei na rede e que me obrigaram a reformas radicais e a todo cruzamento de informações. Era tanta coisa errada que nem pude dar a muita atenção ao que estava escrevendo. Meus amados livros de música? Esqueça, estão empacotados para a mudança!

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Dia Internacional da Mulher

Eu também quero ser excomungada pelo arcebispo dom José Cardoso Sobrinho.

Assim começa o post da Flávia. E segue:

Médicos, mãe e envolvid@s no aborto legal de menina de 9 (NOVE) anos vítima de violência sexual por parte de padrasto são excomungad@s por arcebispo. Por isso, o Instituto de Estudos de Gênero criou a comunidade no orkut Eu quero ser excomungado já!

Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos são direitos humanos.

Saiba mais sobre o caso aqui. E aqui, assine manifesto.

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Tô nessa. Também QUERO ser excomungado. Aliás, faço questão.

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J. S. Bach – Ária da Cantata BWV 30, com Magdalena Kožená

A história contada pelo belo vídeo abaixo talvez não seja inteiramente compreendida por todos. Na época de Bach, era vetado às mulheres cantarem nas igrejas e, por isso, as vozes de contralto e soprano eram cantadas por meninos. Porém, como Bach estava em permanente atrito com seus empregadores, não seria de todo estranho se ele permitisse a uma mulher participar de um ensaio, mormente se esta fosse a divina tcheca Magdalena Kožená.

Se a imagem não aparecer, clique aqui.

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A "ditabranda" da Folha de São Paulo

Talvez por falta de assunto ou precisando de uma polêmica, o jornal Folha de São Paulo resolveu qualificar, em editorial, a ditadura brasileira de uma “ditabranda”, neologismo que seria de uso comum para qualificá-la. Eu vivo no Rio Grande do Sul, ouço notícias, converso com pessoas informadas e via de regra mais qualificadas do que eu, leio também alguns poucos jornais (são tão ruins), leio livros, blogs e confesso que o termo — além de mentiroso — me era desconhecido. Mas a Folha resolveu ampliar o erro ao colocar uma cereja consideravelmente podre sobre seu editorial. Ao ser veemente e educadamente questionada pelos professores Fabio Konder Comparato e Maria Victoria Benevides sobre a utilização do termo “ditabranda”, de uso tão corriqueiro entre nós, o jornal saiu distribuindo saraivadas a esmo, atribuindo simpatias aqui e ali e chamando os professores de cínicos e mentirosos. Um ataque e uma injustiça intoleráveis vindas de um jornal com milhares de assinantes e que, diga-se de passagem, de um jornal que saiu-se muito bem durante a “ditadura militar”, termo mais conhecido por mim.

Acho que a ditadura brasileira nunca antes havia sido qualificada como ditabranda, mas eu já vira a sigla da Folha, FSP, ser citada como Façamos Serra Presidente. Acho que nem o candidato concordaria com os ataques realizados por seu Comitê Eleitoral.

Por tudo isso, foi marcado para o dia 07/03, às 10h, um ato público bem na frente do Comitê Eleitoral de José Serra, na Alameda Barão de Limeira, 425, em São Paulo. É necessário? Sim, é; pois não podemos reduzir o incidente a um ataque à honra e à titulação de dois importantes professores, verdadeiros falos acadêmicos extra large. O que a Folha fez foi um ataque à memória do país e daqueles que sofreram nas mãos e sob a tortura e chumbo militares. Isso sem falar na censura, que parece não ter incomodado a indomável Folha de São Paulo. Então, quem estiver em São Paulo, procure agendar-se para o dia 7. O que a Folha fez foi transformar isto aqui…

… nisto aqui:

Obs.: Agradecimentos ao Latuff, ao Idelber Avelar que escreveu dois posts sobre o assunto (1 e 2) e aos numerosos blogs e fontes citadas por ele.

Atualização das 17h05: De forma mais ampla, Rachel Nunes também escreve hoje sobre o mesmo assunto. Neste post.

Atualização dos 15 minutos do dia 05/03: O Hipopótamo Zeno, o homem que jamais estará em posição digna de suborno…, fala com proximidade, inteligência, carinho e ironia a um importante jornalista que escreve para a Folha de São Paulo e que produziu uma monumental série de livros chamados A Ditadura Envergonhada, A Ditadura Escancarada, A Ditadura Derrotada e A Ditadura Encurralada. Nada de Ditabranda, ao menos nos títulos. Ler aqui.

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Alkohol (Sljivovica & Champagne), de Goran Bregović

Minha mãe divorciou-se de meu pai porque, como muitos oficiais, ele bebia exageradamente a Sljivovica (*). Depois que ela o deixou, ele começou um tratamento a fim de livrar-se da bebida. Pelos 15 anos seguintes ele não bebeu. Minha mãe morreu de leucemia.

A segunda mulher de meu pai contou-me que ela algumas vezes o seguia secretamente pelas ruas. Noite após noite, meu pai podia ser visto sentado, fumando até o nascer do sol debaixo da janela do hospital onde minha mãe agonizara no terceiro andar. Era um hospital militar localizado em Split.

Depois, ele retornou a sua vila na fronteira com a Hungria e plantou vinhedos com os quais produzia 1000 litros por ano. Ele sobreviveu 20 anos a minha mãe e bebia seus 1000 litros mais ou menos sozinho.

Eu dedico ALKOHOL a meus pais.

Texto introdutório do último CD de Goran Bregović, traduzido meio de qualquer jeito por mim.

Eu gosto muito de Goran Bregović. Como todo mundo, conheci-o como autor das trilhas sonoras de alguns dos principais filmes de Emir Kusturica. São trilhas alucinadas, de uma criatividade absolutamente estupefaciente — se há alguma dúvida, ouça a de Underground e a de Black Cat, White Cat –, sempre levadas por ritmos ciganos cujas melodias são ou conduzidas ou ornamentadas por um naipe de metais de contínuo e desencontrado vibrato. Um espanto. Depois de baixar uns dez de seus CDs na rede e de comprar outros seis, descobri que Bregović é menos prolífico como compositor do que eu imaginava e que a área onde é imbatível é a dos arranjos. Por exemplo, neste Alkohol há treze faixas, das quais 4 já estiveram em CDs anteriores e outras duas são de temas tradicionais sérvios. Só que as canções repetidas – e cada canção do CD – recebem uma roupagem tão diferente, original e individual que é impossível não admirar a arte de Bregović. O homem faz três ou quatro arranjos para cada uma e a gente gosta de todos.

Para seus padrões habituais, é um disco de camarístico: esta versão da Wedding and Funeral Band conta com apenas 5 metais (dois trompetes, sax, trompa e tuba), duas cantoras, um percussionista, um baixo e a guitarra e a voz de Bregović. Os destaques ficam para Yeremia, Truckers` song, On the back-seat of my car, Streets are drunk e Gas gas gas. Num disco chamado Alkohol, só há lugar para uma balada: For Esma. O resto é uma paulada atrás da outra.

Filho de um pai croata e uma mãe sérvia, Goran Bregovic nasceu em Sarajevo, é casado com uma bósnia mulçumana. Ou seja, a Guerra dos Balcãs poderia ter ocorrido dentro de casa… Sua música tem enorme influência cigana: “uma música moderna que reúne fusões diversas e que espelha o ecletismo natural da sua cultura” – mas ele também fez parte de um grupo de rock na ex-Iugoslávia… Na verdade, Bregovic alterna loucura cigana com momentos quase eruditos e umas pitadas de rock. É popularíssimo em toda a Europa. Os ingressos para seus concertos são disputados.

Para quem desconhece Bregovic, coloco abaixo a versão original do clássico Kalashnikov (sim, uma “homenagem” à arma favorita de nove entre dez guerrilheiros, criada por Mikhail Timofeevich Kalashnikov). A canção foi utilizada por Kusturica em Underground e esta interpretação é a mais indicada para quem não a conhece:

A versão do Wedding atual, ao vivo.

E uma inacreditável versão sinfônica deste hino da Sérvia.

Para baixar a bola, Cesária Évora cantando Ausência em seu português de Cabo Verde:

E finalizando, uma explicação sobre a Sljivovica:

(*)
Autumn has arrived, along with the need for comfort, delicious rich foods and of course hot plum brandy “sljivovica”. Before 5PM it is medicine, after 5PM it’s alcohol.

Como preparar:

Things you’ll need:

* 2 cups of plum brandy (Serbian or Croatian)
* 2 tbs. of sugar
* 1 tbs of water

Step1: Place sugar and water in a small-medium size pot. Cook it on medium temperature until golden brown. Stay next to the pot, since it may burn quickly.

Step2: Pour 2 cups of plum brandy over caramelized sugar. Turn the heat down a little.

Step3: Begin swirling the pot to slowly melt the sugar. This may take couple of minutes.

Step4: When sugar melts, pour into small glasses.

Step5: Serve with a smile.

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EXCLUSIVO: PSOL revela a carta-testamento de Marcelo Cavalcante

Revelamos a carta ipsis litteris, logo após recebê-la das mãos de Luciana Genro.

Querida Magda.

Ela era apenas uma mera duma Yeda Rorato quando conheceu a barbicha de Carlos Augusto Crusius. Tu sabes, desde jovenzinha ela não devia ser flor que se cheirasse, mas a coisa só piorou, pois às vezes é atrás do Crusius que o diabo se esconde. O casal ficou junto por 38 anos. Tiveram dois filhos, César e Tarsila, que geraram mais quatro netos. Porém, na parte final de seu casamento, nossa desgovernadora passou a me assediar, digo, a me perseguir sexualmente. Como homem, fiquei entre a Crusius e a espada, digo, entre a Crusius e o barbicha ou entre a Crusius e o Crusius, não sei. Bem que me disseste, Magda: “Cada um carrega sua Crusius, Marcelo; e a tua sou eu”; mas o que fazer contra alguém tão alta, inteligente e bonita quanto a desgovernadora?

Tentei te obedecer e passei a fugir dela. “Foge o diabo da Crusius e o morcego da luz”, mas ela ia à Brasilia atrás de mim. Passou a me chamar de seu embaixador na capital federal. Não gosto dessas coisas, Magda. E ela vinha com decotes profundos e pelancudos, sempre com aquele colar de onde pendia uma cruz. La Crusius en los pechos y el diablo en los hechos. A Crusius nos peitos e o diabo nos feitos. Então, ela me falava sobre o dia em que o Ministério Público me chamaria para depor. Tentava me acalmar, me tranquilizar. Era a Crusius sobre o peito e o diabo no coração. Ela dizia que não ia acontecer nada comigo, mas sei que a credulidade dos tolos é o patrimônio dos velhacos. A Polícia Federal e o MP deviam saber de tudo e para que o mal triunfasse, bastaria que os homens bons crusiusassem os braços… Em outras palavras, eu seria o boi de piranha.

Magda, antes de tomar esta decisão tinha medo. Não me acusarão, insultarão; não me combaterão, caluniarão! E não me darão o direito de defesa. Eu disse a ela:

— Cada um com sua Crusius, desgovernadora. Já carrego a minha e não desejo carregar a dos outros.

— A tua Crusius, benzinho, sou eu.

— A minha Crusius é Magda.

— Podes carregar duas ou mais. E minha Crusius não é pesada, o barbicha não sabia, mas posso ser leve como uma pantalha.

(Intermezzo)


Opa, cadê a pantalha que estava aqui?

(Fim do intermezzo)

— Prefiro fabricar minha Crusius com dois palitos do que com colunas do Piratini.

— Ai, não. Palitos são tão fininhos.

— Desgovernadora!

— Sabes qual é a diferença entre um japonês e cem mil reais, Marcelinho?

— Não, desgovernadora…

— É que os dois são quase 100 pau… E por cem mil eu nem levanto meu traseiro. Nem para ti…

— Des…

— Hahahaha, adoro piada de japonês!

— Sabemos disso, desgovernadora.

— Seja meu companheiro fiel e exemplar, Marcelo. Esqueçamos o barbicha dos churrascos dominicais.

Magda, sabes como é essa gente. Entre a honra e o dinheiro, o segundo é primeiro. Ela não queria que soubessem de nossas tramóias em hipótese alguma e estava disposta a trocar seu corpo pela manutenção de sua casa e vantagens. Ela passou a me perseguir, passou a me oferecer cargos e mais cargos. E sexo. Me queria junto dela. Um dia, anunciou que largara o barbicha DE VERDADE. Anunciaria para a RBS. A pressão aumentou. Era tudo tão difícil, Magda, que passei a refletir sobre as águas revoltas da paranóia, digo, do Paranoiá, putz, digo, do Paranoá.

Contei a ela de minhas intenções aquáticas, revelei a ela a possibilidade de eu sair da vida para entrar na História, e ela me respondeu que nunca deixaria que algas entrassem em meu pulmão. Confesso que não entendi.

Magda, eu tenho suportando tudo em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo e à minhas convicções… Agora chegou a hora de decidir. Falei com os caras do dinheiro, disse a eles que pediria exoneração de meu cargo de chefe da representação do governo gaúcho em Brasília. Seria menos uma Crusius para mim. Quando falei com aquele cara do PP que já andou na Procergs, no Banrisul e agora esconde-se no subúrbio, ele respondeu que pensaria. Por fim, recebi um torpedo:

— De cada dez políticos que conhecemos, cinco é a metade.

Confesso que novamente não entendi. Yeda, PP, PMDB e PSDB me fazem propostas. Porém, eu sei. Na verdade, queriam que eu — um homem acuado, incapaz de mentir — sumisse. Eu dei a eles a minha vida. Agora lhes ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

P.S.- Magda, meu amor, penso que deliro. É muita pressão. São necessários nervos de aço para suportar. Sim, deliro. Imagine que entrei há pouco na internet e a Nova Corja me pareceu de esquerda. Eu só sei é que quando vejo a desgovernadora me dá um desejo de morte ou de dor. A Yeda tem muito poder. Demais para mim. Ué, tem gente na porta a esta hora tardia?

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Annie Leibovitz – fotos das duplas e do solitário (Oscar 2009)

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Despretensiosamente, sobre All Things Must Pass

Há algumas décadas ouço pouco a chamada música popular. Meu filho Bernardo é quem acaba forçando meu retorno àquele tempo. Costumeiramente, ele explora meus antigos vinis e faz com que eu relembre os discos – são LPs mesmo e não CDs – que ouvia durante minha adolescência. Domingo passado, ele olhou bem sério para mim e disse: “Pai, quando tu morreres, quero o teu Quadrophenia em vinil”. Não me preocupei muito com este desejo post-mortem e, para ele não ficar interessado em antecipar nada, até poderia dar-lhe o álbum-duplo de presente. Let`s nor rush it, Dado.

Mas este não é meu assunto. Quase todos os CDs de música popular têm duas os três boas canções e o resto a gente apenas suporta. Por exemplo, com os Stones é assim; eles têm uns 4 discos em que conseguem superar esta média (Let it Bleed, Exile on Main Street, Sticky Fingers e Tatoo You?). Poucos artistas enfileiraram discos excepcionais: lembro dos Beatles, de Chico Buarque, do Led Zeppelin, The Who… Outros, produzem eventualmente tais raridades. Se forçasse, lembraria mais, certamente.

Todos aqueles que conhecem os discos dos Beatles sabem de sua estrutura. Em média, tínhamos cinco canções de Paul McCartney, cinco de John Lennon e duas de George Harrison. (Sim, as canções eram assinadas por Lennon e McCartney, mas todos sabem que raramente algum deles cantava uma música que não fosse de sua autoria. Assim, sabemos sempre quem foi o compositor.) Com tantos bons compositores em um mesmo grupo e com cada um deles gravando apenas o melhor de si, era difícil não criar uma obra-prima por ano. Porém, após a dissolução do grupo, as pessoas torceram o nariz para quase todos trabalhos individuais lançados por Paul, John e George. É óbvio: passando a divulgar dez ou doze canções por ano, da quais a metade nunca figuraria em discos dos Beatles, houve uma diluição.

Paul sempre foi combatido. Suas seqüências de canções açucaradas tornaram-se difíceis de engolir sem o contraponto salgado de John Lennon. Logo após a dissolução do grupo, McCartney apareceu com o duvidoso McCartney, onde havia… cinco canções muito boas. Lennon fez o maravilhoso (e curto) John Lennon and The Plastic Ono Band, que – apesar de ter sido recebido discretamente pelo público – fez algum sucesso de crítica com suas… cinco canções de primeira linha. Certa vez, Rafael Galvão fez um interessante levantamento sobre como seriam bons os próximos discos do grupo de Liverpool. Pegou, ano a ano após a separação, cinco boas músicas de Paul, cinco de Lennon e duas de George. O resultado foi espetacular. Isto é, através de um artifício inteligente, o Rafael fez os Beatles renascerem. Eles reviveram com grandes discos anuais e, se o Rafa tivesse algum tino comercial, venderia os trabalhos inéditos dos Beatles pós-separação… Mas houve a exceção: All Things Must Pass, o primeiro álbum-solo de George Harrison. Creio que é o único trabalho indiscutível, aquele que podemos chamar tranqüilamente de “um grande trabalho”, aquele que possui um volume inacreditável e coerente de boas canções.

Mas por que logo o terceiro beatle acabou por produzir o melhor disco individual? Ora, simples; o motivo é que a cota de Harrison estava mal calculada – ele crescera muito como compositor no período final dos Beatles – e o homem ficara com excelente material em suas gavetas. O álbum-duplo começa com duas músicas incompreensivelmente fracas, chatas até: I’d Have You Anytime e My Sweet Lord. A seguir, Harrison dá um verdadeiro show de competência com as extraordinárias Wah-Wah , a bela e triste Isn’t It A Pity (constrangedoramente semelhante a algumas composições do Oasis), a impossível de ouvir apenas uma vez What Is Life, If Not For You (de Bob Dylan), a raivosa Let It Down, a lenta Beware of Darkness, a inesperada The Ballad Of Sir Frankie Crisp (Let It Roll), a bobinha Apple Scruffs, a “realista” All Things Must Pass, a estranhamente feliz The Art Of Dying e a melodia inteligente (muito inteligente) de I Dig Love. Há outras mais fracas, mas que não chegam a prejudicar o efeito do conjunto.

Paro para consultar a internet. Alguns exagerados dizem que este seria o maior álbum de rock de todos os tempos. Não é. Porém, domingo à tarde, com os headphones a todo o volume, recordando o ano de 1971, quando tinha quatorze anos e ouvi All Things Must Pass pela primeira vez, foi.

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As Confissões de Lúcio, de Fernando Monteiro

Minha amizade com Fernando Monteiro começou quando citei, há três anos e aqui neste blog, seu livro Aspades, ETs, etc. como uma obra-prima ignorada pelo grande público. Ele me escreveu uma mensagem de agradecimento e, desde então, começamos farta troca de e-mails, CDs, livros, jornais, revistas, recortes e sei lá mais o quê, comprovando mais uma vez a capacidade da rede em criar e manter grandes amizades de eleição. Paralelamente aos intensivos e cada vez mais bem humorados contatos por e-mail, eu acompanhava seu trabalho na Rascunho – onde ele atualmente publica um romance em capítulos -, na Bravo e na pernambucana Continente.

Anos depois, Fernando Monteiro convidou-me para escrever a “orelha” de seu último livro. Foi uma surpresa e uma honra para mim. Em vez de convidar um figurão como das outras vezes, Fernando apareceria em versão despojada e me daria, em sua 15ª obra, a oportunidade de colocar algumas palavras em seu livro. Ele supôs que eu fosse um leitor capaz de apreender o que há de sério, de mordaz e de cômico em As Confissões de Lúcio. Após a leitura, eu apenas podia garantir que era o melhor de seus livros, um notável romance, como já o foram O Grau Graumann e o Aspades. É uma coisa que me persegue – as pessoas sempre acham que sou um leitor atento e sagaz, enquanto eu respondo “pff”, pois só eu sei o quanto divago.

Os romances de Fernando são desafiadores, sutis e surpreendentes, são biscoitos finos a serem saboreados em nossa rota de fuga do óbvio e do fácil. Mas não vejo melhor forma de apresentar As Confissões de Lúcio a meus 7 leitores do que transcrevendo a versão original da “orelha” enviada à editora. Digo “versão original” porque o primeiro parágrafo sofreu alguns cortes por razões de espaço. Alguns cortes? Não, muitos cortes! Não sei porque não me pediram para reduzir um pouco o texto.

São esperadas duas coisas de quem é convidado a escrever a orelha de um livro: um agradecimento pessoal ao autor pela honra concedida e a imediata produção de um cerrado discurso laudatório. Não creio que vá decepcioná-lo, caro leitor, que tem As Confissões de Lúcio em suas mãos, mas permita-me antes dar-lhe uma noção da obra. O livro tem início com uma notícia que certamente o deixará orgulhoso e um tanto escandalizado por seu desconhecimento sobre um fato fundamental para a cultura nacional: em 2001, o obscuro e difícil escritor gaúcho Lúcio Graumann recebeu o Prêmio Nobel de Literatura – o primeiro Nobel brasileiro! -, porém, tal qual aquele presidente, não pôde tomar posse da cobiçada láurea, tendo falecido onze dias antes da cerimônia. Narrado principalmente pelo jornalista e escritor Mauro Portela, grande amigo de Graumann, o livro poderia tornar-se uma comédia simplória sobre um país culpado e ignorante, sem conhecer ou saber o que fazer com seu recém-ilustre morto; contudo, As Confissões de Lúcio está longe, bem longe disso. Fernando Monteiro, valendo-se de um delicioso e ousado humor mozartiano que perpassa toda a obra, transita sua narrativa pelas risíveis reações oficiais da Academia Brasileira de Letras ao novo e autêntico imortal (ainda que morto), pelo trabalho de Mauro Portela como revisor do espólio literário de Graumann e pela vida pessoal e intelectual de ambos. Apesar de todos os segmentos que compõem o romance fotografarem microscopicamente cada detalhe, a vida cultural brasileira não é posta à margem e podemos ver Graumann – este escritor para escritores – e sua obra interagindo com personagens reais de nossa literatura, os quais são citados, sem maiores pudores, por seus nomes. A incompreensão e o desconcerto da intelectualidade brasileira poderiam ser resumidos por esta observação retirada quase ipsis litteris do romance: “Nossa cultura no vácuo compreende a outra, mas não se compreende. E Lúcio é o emblema de um pequeno mistério reluzente como um espelho em que qualquer um pode enxergar o que quer na superfície polida”.

Mauro começa a cuidar da memória de seu amigo fazendo publicar, na Folha de São Paulo, uma entrevista apócrifa… Depois, a namorada de Lúcio – pessoa desinteressada em assuntos tais como literatura e arte – envia-lhe uma caixa de papelão com anotações e fragmentos da produção graumanniana a fim de serem analisados. O espólio do escritor é estudado por um alguém deprimido e ressentido, pois Mauro, além de protagonizar complicada vida pessoal, julga-se plagiado em uma das principais obras do grande escritor… “Uma história é de quem melhor a conta?”.

Tais argumentos servem de arcabouço para As Confissões de Lúcio – a semelhança do título para com o do pequeno livro de Sá-Carneiro não é casual -, um fascinante mosaico que satisfaz plenamente as condições dos teoremas propostos nas obras de Graumann e que acrescenta a elas sinceridade e exposição raramente encontráveis.

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Duas Vezes Junho, de Martín Kohan

Como primeira observação, declaro o mais fundamental, ou seja, minha impressão ao fechar o livro: é excelente e muito bem traduzido – aleluia! – por Marcelo Barbão. (Eu ia comprar o livro em espanhol, mas recuei após saber do preço. Não me arrependi de ler a versão em português, da Amauta Editorial, com a bela e estimulante capa acima.)

Gostaria de delimitar algumas coisas relativas ao livro. Seu título refere-se a dois junhos de Copa do Mundo, o de 1978 (dias 10, 11 e 12 de junho) e o de 1982 (dia 29 de junho, penso eu). São dias – e isto não é casual – de derrotas do futebol argentino, porém, isto apenas serve para reforçar uma metáfora, pois Duas Vezes Junho fala é da Grande Derrota Moral da Argentina daquele período. E não, não é um livro apenas para futebolistas, é um livro que usa o futebol na sua mais gloriosa função periférica, a de servir como representação de nossas vidas. O futebol fica sempre no fundo do cenário, como a lembrar que, ali ou na vida, as coisas podem não sair confome o previsto.

Martín Kohan começa o livro com uma curiosa indagação presente numa espécie de diário de bordo de uma das prisões argentinas: A partir de que idade se pode começar a torturar uma criança? Esta pergunta, de um absurdo quase cômico para quem está fora do contexto, vai tomando proporções e significados diferentes à medida em que o relato avança. E o relato avança em dezenas de pequenos capítulos contrapontísticos, onde várias vozes vão contando e completando seus temas para estabelecer o todo. Raramente uma destas vozes exalta-se ou é confrontada; cada uma delas tem sua lógica, sua razão e a função de formar o mosaico de Kohan. O resultado deste mosaico é estarrecedor e a inconclusão do momento dramático mais importante do livro – a cena entre o soldado e a mulher torturada na prisão, ocorrida no mesmo momento em que os “médicos” discordam e que é o único capítulo em que o contraditório comparece plenamente – nos dá a medida de uma história que repetiu-se tantas vezes a ponto de tornar-se pedra de um outro mosaico ainda maior, o da verdadeira tragédia que representaram os governos militares daquele país.

Ao ler o som dessas vozes, algumas contando fatos que ficam inacabados, ao ler a forma como Kohan finaliza as duas seções de sua novela, ao perceber que não há excessos em Duas Vezes Junho não consigo deixar de pensar no Tchekhov dramaturgo. Isto é um dos maiores elogios que este modesto escriba pode fazer a alguém.

Todos nós sabemos que a posição do Brasil em relação à literatura argentina é o inverso de sua posição futebolística… Acho lamentável que o Brasil, que também sofreu uma ditadura duríssima – casualmente com um de seus piores períodos ocorrendo durante a Copa de 70 -, tenha tão poucos romances dedicados ao assunto. Os que li são da época dos “Romances de Resistência dos Anos 70”. Há bons romances – Quarup, Incidente em Antares, Bar Don Juan, a obra-prima esquecida Quatro-Olhos, de Renato Pompeu, e outros -, mas os poucos que atualmente dedicam-se àquele periodo preferem utilizar um tom emocionado muito próximo da indignação e do discurso político. A opção de Kohan por uma narrativa fria, distanciada e paradoxalmente nostálgica, causa um impacto muito maior. Vejam bem, escrevi distanciada, não escrevi cínica. Não se precisa descrever as entranhas e cada atitude de um monstro para sentir-se quão terrível ele é. Se espreitarmos algumas atitudes dele, nossa imaginação faz o resto de modo muito mais eficaz.

Final futebolístico: o que não assustava muito era aquela seleção argentina de 78, cujos zagueiros centrais eram dois pigmeus – Galván e Passarella – e cujo inexistente ponta-esquerda – Ortiz – fora dispensado do Grêmio por deficiência técnica. Lembro de Grenais em que Ortiz era vaiado pelos próprios torcedores bananas. Como os argentinos venceram aquela Copa? Ah, não sei; havia o Peru, havia Videla, havia a hinchada argentina e havia Claudio Coutinho preferindo Chicão a Falcão. É melhor nem pensar a respeito.

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