Ninguém merece um candidato desses

José Serra acusou o governo da Bolívia de facilitar a venda de cocaína. Isso é coisa que um futuro presidente diga assim no mais, sem provas e prejudicando uma futura relação com o país vizinho? Faltou ele dizer que até o sobrenome de um ministro boliviano é Coca… A seguir, trecho do texto de Clarissa Pont publicado hoje no Sul21.

Bolívia quer provas

A declaração repercutiu no país vizinho. Segundo divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo nesta quinta-feira, o ministro da Presidência de Evo Morales, Oscar Coca, disse que “se Serra sabe algo, que diga o que sabe e siga os trâmites legais para fazer a denúncia. Se não fizer, ele que é o cúmplice”.

(…)

O deputado federal Dr. Rosinha (PT-PR) também comentou, nesta quinta, em seu Twitter: “Alguém que há tempos quer ser presidente precisaria, no mínimo, aprender a respeitar governos e povos dos demais países. Serra ainda não aprendeu”.

Serra já acumula gafes neste princípio de eleição

As declarações de Serra foram feitas durante entrevista ao programa “Se liga, Brasil”, na rádio Globo, no Rio de Janeiro. Sem apresentar qualquer tipo de prova, o pré-candidato tucano disse que o governo boliviano é cúmplice das quadrilhas de traficantes que atuam no Rio. “A cocaína vem de 80% a 90% da Bolívia, que é um governo amigo, não é? Como se fala muito”, provocou.

“Você acha que a Bolívia iria exportar 90% da cocaína consumida no Brasil sem que o governo de lá fosse cúmplice? Impossível. O governo boliviano é cúmplice disto. Quem tem que enfrentar esta questão? O governo federal”, declarou Serra, sem apresentar provas.

O cara é doido varrido, só pode.

García Márquez e Fidel na última Bravo

A última Bravo! traz uma grande matéria de capa a respeito de um tema muito importante: “O Escritor e o Ditador — O Fascínio dos Intelectuais por Líderes Autoritários”. A matéria é centrada na relação Gabriel García Márquez com Fidel Castro. A amizade é não muito considerada e sim o fascínio, a obediência, o apoio incondicional. Está correto. Depois, o artigo avança na direção de outras relações de fascínio — o de Jorge Amado por Stálin, o de Ezra Pound por Mussolini e Mussolini , o de Camilo José Cela por Francisco Franco. Todos verdadeiramente escreveram odes a seus musos, algumas bastante constrangedoras. O autor do artigo, André Lahóz, procura manter um equilíbrio entre os políticos de direita e de esquerda, mas acho que perdeu uma bela oportunidade de falar no Brasil quando tocou levemente no tema da questão moral da complexa relação entre governantes e intelectuais. Também, coitado, Lahóz é editor-chefe da Exame…

Em nosso país de compadres, parece ser difícil falar nos escritores que buscam e buscaram cargos junto a governos ditatoriais. Mais importante do que o fascínio ou apoio que escritores destacados dão isolada e publicamente, talvez fosse analisar o mar de intelectuais que trabalham e trabalharam silenciosa e vergonhosamente para esses governos. No Brasil, meus caros, a coisa é disseminada até hoje. Eu mesmo conheço um importante escritor gaúcho que arranjou uma boquinha com a Yeda e, olhando mais para trás, quem não sabe que o ministro Gustavo Capanema tinha em seu time de assessores gente célebre e trabalhadora como Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade, Cândido Portinari, Manuel Bandeira, Heitor Villa-Lobos e Vinícius de Morais, entre outros? Ora, isso ocorre até hoje, é só prometer um cargo que nossos intelectuais aceitam ou dobram-se com a maior facilidade. Sim, poucos morrem em revoluções no Brasil… Por isso, acho absolutamente sem sentido o final do artigo no qual Lahóz declara que, hoje, passados os dias dos seguidores de Marx e Lênin, abençoadamente substituídos pelo seguidores de John Stuart Mill e Alexis de Tocqueville — repito aqui o ato falho de Lahóz ao citar o Karl Marx da primeira dupla (a dos esquecidos) apenas pelo sobrenome, enquanto que a segunda (a dos triunfantes) pelo nome completo, como se fosse necessário esclarecer quem fossem esses “famosos faróis” — , então,como dizia, passados os dias do seguidores de Marx e Lênin, hoje seria complicado para Hugo Chavéz, Evo Morales ou Kirschner (?) laçarem escritores que os bajulem e legitimem (mas ele acha mesmo que GGM legitimou Castro?). O final foi 100% Veja. Viva o Admirável Mundo Neoliberal!

Mas vale a leitura.

Logo após o artigo de Lahóz, há outro de Sérgio Rodrigues. Este faz uma excelente resenha sobre o livro Gabriel García Márquez: Uma Vida, notável investimento de 17 anos do inglês Gerald Martin, a ser lançado no Brasil em março. A biografia, apesar de autorizada, não contorna fatos embaraçosos — dentre os quais Omar Torrijos e Andrés Pastrana seriam os maiores, em minha opinião… — que foram descritos pelo inglês, segundo Sérgio, com compreensiva economia de adjetivos. Porém Sérgio também comete um pecado crasso.

(Certa vez, li um longo ensaio sobre a história do maxixe. Lá pela metade, o autor escrevia en passant que Pixinguinha era o maior compositor brasileiro de todos os tempos. A curta afirmativa parecia prescindir de quaisquer argumentos, pois era matéria transcorrida em julgado, assim como dizer que a água molha… Ora, sugeri educadamente ao autor que retirasse aquela frase que forçava uma verdade não tão clara assim. Houve concordância.)

A historinha acima adequa-se a Sérgio Rodrigues quando ele dá a entender que o conceito ou a ideia de “esquerda”, na política, está morto. Sem maiores explicações, ele decide que GGM tem uma atuação pública de esquerda que “sobreviveu à própria ideia de esquerda” (as aspas são minhas). Ora, este é um falso truísmo (Def.: Verdade trivial, tão evidente que não é necessário ser enunciada). Agora mesmo, a fim de ver se a matéria já tinha transcorrido em julgada, consultei teses contemporâneas de Ciências Políticas e vi que a validade de tais conceitos é efetivamente debatida, só que a maioria das teses, mesmo as de direita, reafirma que são conceitos válidos e mais, sugerem que dizer isso é uma espécie de vezo da direita mais truculenta.

Não sei exatamente o que Lahóz e Rodrigues escreveram. Ás vezes vem um editor e altera o texto, sei disso. Mas penso que a ideologia da Veja está pegando fundo em toda a Editora Abril. Ou a ideologia da Abril pegou na Veja, deu lucro e agora está sendo repassada, sei lá.