Carta a um jovem poeta de 23 anos

Carta a um jovem poeta de 23 anos

Recebi este e-mail. Como ainda não pedi permissão para publicar o nome do autor, este fica por enquanto anônimo.

Olá, Milton. Há algum tempo que acompanho seu blog. Como vi no seu curriculum vitae que você possui uma certa sistematização de suas leituras, anotando cada livro lido (com seu número de páginas), e que possui uma vasta bagagem cultural, gostaria de saber como você concilia o trabalho e outras atividades pessoais à leitura de tantas obras literárias e quanto tempo por dia, em média, dedica-se a esse intento. Pergunto isso por me deparar com uma vasta quantidade de clássicos diante de mim e não possuir o tempo que gostaria para apreciá-los. Quantos livros é possível ler em 1 mês? Refiro-me aos grandes: Joyce, Proust, Thomas Mann, Musil, Faulkner… E, para finalizar, já que você sabe quantos livros e páginas leu desde 1971, poderia me dizer quantos foram? Curiosidade de um jovem de 23 anos diante de um abismo de ignorância a ser sobrepujado.

Georges Seurat [ Man Reading ] 1884
Georges Seurat [ Man Reading ] 1884

Em primeiro lugar, não acho que a tal bagagem seja tão grande. O tamanho que possa ter está mais ligado ao tempo em que estou vivo do que a uma suposta sistematização. Em segundo lugar, leio muita ficção e crítica literária, mas não sei nada de filosofia, política e de muitos outros assuntos. Posso ter conhecimentos hipertrofiados aqui e ali, mas fico constrangido quando me chamam de “pessoa culta” porque não ignoro minhas atrofias acolá. Elas me impedem muitos movimentos. O pouco que li e sei não é fruto de uma fórmula pré-determinada e clara, mas tenho certeza de que começa pelo pequeno hábito de ter SEMPRE um livro à mão. SEMPRE significa SEMPRE. Tá bom, não levo o livro que estou lendo ao futebol nem tomo banho com ele ao lado, mas nas outras circunstâncias há sempre um objeto desses por perto. Por exemplo, no último sábado à noite tive de ir a um bar buscar minha filha e amigas. Eu estava saindo de um cinema, era quase meia-noite. Os pessoas costumam perguntar “Para que sair em pleno sábado à noite com um livro?”. É, mas olha só: eu já estava chegando ao bar onde ela estava me esperando quando recebi um telefonema. Uma amiga tinha recém chegado e elas queriam ficar mais meia hora, uma hora. Sem problemas. Ganhei um tempo de leitura num café. Foi bom.

Na correria em que vivemos, sobram muitos espaços de espera. Fazemos inúmeros deslocamentos durante o dia. Garanto que hoje leio mais fora de casa do que sentado confortavelmente. Leio a qualquer hora e já me acostumei com as súbitas interrupções. Outra coisa, se conseguirmos sentar, os ônibus são locais muito bons para ler. Não consigo ler em pé no ônibus porque carrego uma tralha pesada demais e tenho medo que alguém aperte este notebook onde te escrevo. Já no metrô a coisa volta a ficar possível, desde que abraçado a uma daquelas colunas (“pole reading?”).

Aproveito também meu horário de almoço. A lei me dá 1 hora, por enquanto. Então, falo minha refeição em 30 min e subo correndo até a Biblioteca Pública, perto do meu emprego no centro de Porto Alegre, para ganhar 30 min de leitura. Isto me acalma e reorganiza. É um oásis em meio à loucura diária.

Não sei quanto tempo dedico-me a ler e nem me programo. Eu abandonei a leitura antes de dormir, pois o sono me vence facilmente. Há o time eater do facebook, quase inevitável, mas que deve ser dosado.

[ Charlotte Greenwood ] 1928
[ Charlotte Greenwood ] 1928

Quando jovem, fui mais obsessivo e cuidava para ler um mínimo de 30 páginas por dia. Hoje, um negócio desses é inviável. Leio o que dá, quando dá. Outra coisa: não se force a ler o que não gosta. Não adianta. A gente demora muito lendo coisas chatas, pois é penoso manter a atenção. Shakespeare ensina que “ONDE NÃO HÁ PRAZER NÃO HÁ PROVEITO”. É uma verdade. Se não houver prazer, você vai esquecer do que leu. Ler é diversão. Não adianta, se você achar algum Faulkner um saco, mude de livro ou de autor. Se você passar a amar, por exemplo, Kafka, atire-se sobre ele como se sua vida dependesse disso. Em algum momento, Kafka dialogará com outro livro e fará a indicação de quem deve ser lido logo após. Sim, os livros dialogam entre si. Um cita outro ou você, na sua ânsia de descobrir mais fatos sobre um autor de que gosta, pesquisará em qualquer lugar e encontrará outras obras afins pelo caminho. Terá curiosidade sobre elas e a impressão de que são eles, os livros, que te obrigam a lê-los, se formará. Meu who`s next é inteiramente regido por essas escolhas que “eles” fazem entre si.

Houve uma época em que li todos os romances de Balzac em sequência. Só que isso só pode ser feito se você gostar mesmo do autor. Se você não suportar a pieguice de Dickens, não o enfrente. Com o tempo, algum outro autor lhe dirá que há apenas dois Dickens que são muitíssimo bons: Pickwick e Grandes Esperanças. É importante uma boa primeira abordagem, por isso, inicie Flaubert por Madame Bovary, Balzac por Ilusões Perdidas ou Pai Goriot — talvez A Prima Bette — e Joyce por Ulisses ou Retrato do Artista Quando Jovem; evite começá-los pelo duvidoso Salambô, pelo ridículo A Mulher de Trinta Anos ou por Finnegans Wake, ilegível para 99,9% dos mortais mesmo em português, including me.

Eu só aconselho a amar de paixão dois autores que realmente são fundamentais para quem nasceu no Brasil: Machado de Assis e Guimarães Rosa. Não é difícil amá-los e mesmo a prosa à principio intrincada de Rosa passa a funcionar após algumas páginas de sofrimento. Ela requer alguma adaptação mental do leitor, mas o pequeno esforço vale a pena. E como!

Como escrevi no Curriculum Vitae, tinha anotados todos os livros que li. Parei com isso há uns 5 anos. Tinha tudo num caderno, não no Excel. Fazia uma espécie de tabulação anual. Cada louco com sua mania, OK? Posso te dizer é que lia de 18 a 20.000 páginas por ano quando tinha entre 16 e 30 anos, 3.000 páginas nos anos em que meus filhos nasceram, e que hoje fico lá pelas 7 ou 8.000 paginas. Escrever em 2 blogs toma algum tempo, mas escrever me é sempre prazeroso e sou rápido. É impossível dizer quantos livros se lê por mês, se for poesia dá para ler vários, se for Ulysses, dará mais de um.

Bom, era isso. Para ti, FP, o bom seria começar por Doutor Fausto, de Thomas Mann, traduzido por meu amigo Herbert Caro. É uma das maiores obras literárias que conheço e fala bastante de uma coisa que amamos muito.

Grande abraço.

Dora Carrington [ Portrait of Lytton Strachey ] 1916
Dora Carrington [ Portrait of Lytton Strachey ] 1916

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Há 50 anos, em Guarujá, aparecia o ‘Eliscóptero’ que faria nascer a MPB

Há 50 anos, em Guarujá, aparecia o ‘Eliscóptero’ que faria nascer a MPB
Elis Regina no I Festival da Excelsior

A fluidez e elegância do texto de Chega de Saudade — referimo-nos ao livro de Ruy Castro, não à belíssima canção de Tom e Vinícius — é interrompida quando o autor fala na MPB. Subitamente, Ruy torna-se agressivo. Em sua opinião, a MPB e sua popularidade vieram destruir aquela bela mistura de samba, cool jazz e bebop chamada Bossa Nova. Até hoje, cerca de 50 anos depois, alguns amantes do gênero manifestam-se com certo ressentimento sobre o fim do movimento que deu algum protagonismo, em âmbito mundial, à música produzida no Brasil.

Em meados da década de 1960, a Bossa Nova deu sinais de uma cizânia à esquerda. Estimulados pelo Centro Popular de Cultura da UNE, novos (e grandes) artistas trouxeram uma crítica à influência do jazz norte-americano na bossa nova, propondo uma reaproximação com compositores de morro, como o sambista Zé Ketti. Eram eles Edu Lobo, Marcos Valle, Dori Caymmi, Francis Hime e outros.

Tom, Edu e Vinícius: sem problemas.

Um dos pilares da Bossa Nova, Vinícius de Moraes, logo descobriu em Edu Lobo um possível parceiro e, de forma saudável, passou a circular tanto ao lado da Bossa como no outro lado. Carlos Lyra e Nara Leão, que promoveram parcerias com artistas do samba como Cartola e Nelson Cavaquinho e do baião e xote nordestinos como João do Vale, logo abraçaram a nova ideia. Foi uma fase riquíssima de nossa música. Em 1966, Vinícius estendia sua mão ao novo movimento lançando o antológico LP Os Afro-sambas, dele e Baden Powell.

Alguns dizem que a data de fundação da MPB foi o início do mês de abril de 1965, quando Arrastão venceu o 1º Festival Nacional da Musica Popular Brasileira da extinta TV Excelsior. Arrastão era uma parceria de Edu Lobo e Vinícius de Morais e realmente não tinha nenhuma feição bossanovista. Impossível cantá-la com um banquinho e violão. Elis Regina detona na interpretação não apenas em termos de potência vocal como de performance física. O coreógrafo Lennie Dale mandou que ela cortasse os cabelos e agitasse os braços. E ensinou-lhe como fazer.

“É, eu rodopiava os braços”, disse Elis, anos depois. Aquela natação um tanto ridícula valeu a ela o apelido de Eliscóptero ou de Hélice Regina. Poucos ousaram criticá-la, pois a qualidade da música de Edu era indiscutível. Um dos poucos foi Ronaldo Bôscoli, que casaria com Elis pouco tempo depois. Assim como Tom Jobim, Bôscoli achava a gaúcha meio brega. Outro foi um Caetano Veloso cuidadoso. “Aquela dança marcada me pareceu cafona, mas cheia de talento”. Depois todos eles mudaram de opinião. Os gestos exagerados de Elis tornaram-se assunto em todo o Brasil, principalmente pelo ineditismo visual: num movimento desengonçado e pouco natural, mas movido aparentemente pelo entusiasmo, os braços da cantora pareciam dois remos no ar.

Lamentavelmente, há apenas registros incompletos do eliscóptero, mas dá para ver facilmente no vídeo abaixo que Elis seguiu não apenas os conselhos de Dale como leu direitinho o bilhete de Vinícius que lhe foi passado minutos antes de entrar no palco. Este dizia: “Arrasta essa gente aí, Pimentinha”. A melodia agressiva e a letra de Vinícius (“Valha-me meu Nosso Senhor do Bonfim / Nunca, jamais, se viu tanto peixe assim”) não tinha nada a ver com a Bossa Nova.

É estranho que o sofisticado e melodioso Edu Lobo tenha ido para a história como um dos exterminadores da Bossa Nova. Mais estranha ainda é a lenda de que Vinícius escreveu a letra de Arrastão em dez minutos em sua casa, na companhia de Edu.

Porém, outros dizem que a MPB, expressão derivada de Música Popular Brasileira, teria nascido em 1966, com a também chamada segunda geração da Bossa Nova. A MPB teria nascido quando um grupo novo de artistas efetivamente tomou conta da cena musical brasileira. Gente como Geraldo Vandré, Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Milton Nascimento, etc. tornaram-se rapidamente famosos e alguém que tivesse ficado sem notícias do Brasil desde 1964 e aqui desembarcasse em 1966, não entenderia nada. Os novos ídolos eram muito jovens e recentes. Eles apareciam com frequência em festivais de música popular e na TV. Sua consistência e estabelecimento como figuras públicas teria feito naufragar a Bossa Nova. E pouco tinham de Bossa Nova.

Vencedoras do II Festival de Música Popular Brasileira, realizado em São Paulo em 1966, Disparada, de Vandré, e A Banda, de Chico, podem ser consideradas marcos desta ruptura e mutação da bossa em MPB.

Jair Rodrigues defendendo Disparada, de Vandré: “Prepare o seu coração / pras coisas que eu vou contar”

Na prática, não havia animosidade entre os movimentos. Assim como Vinícius, Chico Buarque trafegava em ambos. Mas o público discutia a manutenção da sofisticação musical ou a fidelidade à música de raiz brasileira. Quando a ditadura apertou, os dois movimentos se tornaram uma frente ampla cultural contra o regime militar, adotando a nova sigla MPB como uma de suas bandeiras de luta.

Zuza Homem de Melo afirma que o estilo da música dos Festivais foi o que sepultou a Bossa: “A grande transformação veio de um programa de televisão com competição de canções e participação do público torcendo abertamente. Ali, as canções da Bossa Nova não teriam êxito. Surgiu um novo formato”, conta. “O governo não percebeu que as canções poderiam se tornar uma bandeira da classe universitária contra a censura e contra a ditadura militar”, completa Zuza.

Exato. Os festivais perderiam sua força no momento em que o Governo Militar percebeu o poder de contestação que estava associado e eles, mas a MPB seguiu e segue até hoje.

Em 1967, na terceira edição do festival, já na Record, a Tropicália seria lançada, as mensagens políticas estariam mais cifradas e a MPB seria invadida por guitarras elétricas. Mas isso já é outra história.

Uma rápida lista de artistas que participam ou participaram da MPB demonstra um grande domínio qualitativo do gênero. Os críticos que votaram os 100 melhores discos brasileiros de todos os tempos da revista Rolling Stone, colocaram 52 discos de MPB na lista.

De memória e podendo cometer injustiças, listamos compositores, cantores e arranjadores ligados à MPB. Ele é impressionante: Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Edu Lobo, Jorge Ben Jor, Elis Regina, Paulinho da Viola, Vinícius de Moraes, Milton Nascimento, Gonzaguinha, Maria Bethânia, Rogério Duprat, Baden Powell, João Bosco, Gal Costa, Tom Zé, Guinga, Toquinho, Marisa Monte, Nara Leão, Cristóvão Bastos, Francis Hime, Mutantes, Mônica Salmaso, Paulo César Pinheiro, MPB-4, Carlos Lyra, Sidney Müller, Luiz Melodia, Marcos Valle, Geraldo Vandré, Belchior, Zizi Possi, Clara Nunes, Joyce, Sueli Costa, Moraes Moreira, Simone, Fagner, Lô Borges, Jards Macalé, Djavan, Lenine, Maria Rita, Sérgio Sampaio…

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Os loureiros estão cortados, de Édouard Dujardin

O belíssimo livro da editora Brejo

Édouard Dujardin é o inventor do monólogo interior, também chamado de fluxo de consciência. A técnica, cuja invenção e utilização são normalmente atribuídas a Joyce, foi creditada pelo irlandês a Dujardim (1861-1949), assim como também parte de sua inspiração para escrever Ulysses. E paramos por aí, pois o livro do simbolista francês não tem nada a ver com uma leitura de Joyce. Apesar de ser bem mais que um tuíte, o livro de Dujardin está mais para a curiosidade histórica ou para uma aula de como tudo isso começou. Publicado em 1888, Os loureiros estão cortados (Brejo Editora; 2005; 117 páginas) acompanha os pensamentos de um jovem que, durante seis horas, caminha por Paris à espera de sua amante. A história é interessante, pois o homem morre de medo da bela mulher que o suga financeiramente.

É um bom livro, simples, fácil de ler, mas é arqueologia literária, trampolim para escritores maiores, como Woolf, Faulkner, Joyce e meio mundo. O engraçado é que o autor francês definiu seu achado:

Discurso sem interlocutor e não pronunciado através do qual um personagem exprime seus pensamentos mais íntimos, mais próximos do inconsciente, anteriores a qualquer organização lógica, isto é, no seu estado original, por meio de frases diretas reduzidas à sintaxe mínima, de maneira a dar a impressão de não terem sido elaboradas.

Menos, Dujardin, menos. Quem conseguiu foram outros. Teu texto parece prosa poética. Menos.

P.S. — Ah, a capa do livrinho é linda!

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Noite paradoxal: Mi Querida e Poemúsica

Isabel Schipani e seu bom chá de Tchékhov

Às 18h, fomos lá para a Casa de Cultura Mario Quintana, mais exatamente para o Teatro Carlos Carvalho. Uma peça simples, um palco com uma mesa de chá e uma cadeira de balanço para um monólogo de 45 minutos da atriz uruguaia Isabel Schipani. Mi Querida é baseado no conto de Tchékhov conhecido entre nós como Queridinha ou O Coração de Olenka. É uma personagem que mimetiza seus amores, adotando suas opiniões e defendendo suas atividades, justificando-os. Dentro de uma espécie de conto circular sobre a perplexidade feminina de quem era chamada sempre de Minha Querida! e que nunca deixa de transitar entre a desolação e a felicidade, a personagem principal trata também a plateia com amor. Enquanto desfiava o belíssimo texto  de Griselda Gambarro / Anton Tchékhov, Olga servia chá e doces para a plateia. Eu, sentado na primeira fila, tomei chá — excelente — e comi uma bolachinha — idem — servidos por Olga. O texto passado ao teatro não deixa o original russo escapar. Toda a notável sofisticação e falsa despretensão de um conto que comenta com lirismo a condição feminina permanece intacta. Pena que pouca gente estava lá, cometendo uma enorme injustiça para com a arte. Ah, a peça ainda estará em cartaz hoje (19) e amanhã (20) às 18h. É mancada das grandes perder.

Poemúsica: exibição constrangedora de anacronismo sessentista

Meio apavorados com a chuva, aguardamos pelo Poemúsica, espetáculo inclassificável que reunia a poesia de Augusto de Campos para ser ouvista, seu filho músico e compositor Cid Campos e Adriana Calcanhotto. A coisa inicia com uma palestra de Augusto sobre poesia concreta nos anos 50 e 60. Nossa estupefação vem do fato de aquilo ter sido o melhor da noite. Logo depois, Cid Campos canta, acompanhando com pertinência o tempo medonho lá fora. Cantor pior é difícil. Calcanhotto entra no palco lá pela metade e comporta-se de forma reverente a Augusto de Campos, cantando pouco, permitindo até que Cid voltasse a soltar sua voz mesmo com ela no palco.

Meus sete leitores sabem o quanto gosto da vanguarda. Estou sempre disposto a rir de quem não ama Joyce, Carroll e Melville, só para citar três gênios utilizados por Campos. Mas o espetáculo de Campos foi 90 minutos de terror. Vendo Augusto de Campos atolado com os dois pés na vanguarda dos anos 60, notamos como esta envelheceu muito mais do que o poeta, ainda firme e em boa forma aos 81 anos. Fazendo referências a autores canônicos como Joyce, Carroll, Melville e Dickinson, mas deixando de lado toda a transcendência dos mesmos, reduzindo-os ao quase nada da descrição que Campos faz, por exemplo, de Moby Dick, a coisa toda é irritante. Sobre retalhos radicalmente desligados das obras originais, Cid compõe melodias prosaicas, de uma simplicidade que seria comovente se estivéssemos num sarau de uma velha viúva aposentada, esquecida mais ainda apaixonada pela grande literatura. Já Adriana deve gostar de poesia concreta e de modo algum a critico por isso. Também gosto. Só que sua presença acessória, cantando e imitando sons de baleia num cello — referência ao cachalote de Melville — fez-me lembrar de Cathy Berberian cantando Ticket to Ride e no valor do violoncelo, que — tão novo e bonito — estaria melhor na mão de um estudante do instrumento. Ora, já que havia tantos vídeos e sons gravados em Poemúsica, por que não foram mostrados sons reais de baleias? Tenho um amigo que tem um CD com mais de uma hora de baleias cantantes, posso repassar!

Abaixo, a Cathy Berberian a qual me refiro. Vejam com atenção a partir de 1min10.

Com disse no título, foi uma noite paradoxal. Na primeira parte, Tchékhov é homenageado de forma compreensiva (no sentido de compreensão). Na segunda, as homenagens são em forma de grife. Os Campos pai e filho pegam algumas grifes para si e Calcanhotto trata de por no seu currículo uma colaboração com o velho. Uma dica? Vão no Tchékhov, como já disse.

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Delírio dialógico polifônico matinal (após longo e literário telefonema que me impediu de escrever o post)

É? Então vai ver que persigo os polifônicos…

Eu defenderia Thomas Bernhard e Cunningham numa discussão, mas seria capaz de gritar por Virginia Woolf, de me escabelar por Guimarães Rosa, de ir às vias de fato por Melville, de roubar álcool, tabaco e papel para Faulkner, de rolar no chão pelo Mann de Doutor Fausto, de ter uma convulsão por Joyce, outra por Dostoiévski, de matar e roubar por Juliette Binoche, Emmanuelle Béart, Irène Jacob ou Cécile de France e faria minuciosamente TUDO O QUE ACABO DE CITAR por Tchékov, cujas peças te mostrariam, te mostraram ou te mostrarão grandes diálogos.

Diálogos? Ih, esqueci Shakespeare e… Deixa assim.

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