Ospa, o mau humor, o frio e a reconciliação

Ospa, o mau humor, o frio e a reconciliação
Albrechtsberger, o Cléo Kühn da música
Albrechtsberger, o Cléo Kuhn da música

Fui de mau humor ao concerto da Ospa de ontem. Tinha uma certeza: seria péssimo. E me enganei totalmente. Acontece que o programa não era nada estimulante…

R. Schumann: Abertura Manfred
J. G. Albrechtsberger: Concerto para Trombone Alto e Cordas
L. v. Beethoven: Sinfonia nº 6 “Pastoral”
Regente: Guilherme Mannis
Solista: José Milton Vieira (trombone)

… e vou tentar explicar o motivo. A conhecida Abertura Manfred, de Schumann, é verdadeiramente um horror. Ela não melhorou ontem à noite e só fez com que eu afundasse ainda mais em minha cadeira. Mas ali, ouvindo aquela mediocridade vinda de um Schumann cheio de alucinações em seu caminho para a loucura, pude notar que — coisa de luteranos — a Igreja da Reconciliação tem boa acústica. Outra óbvia observação que pude fazer, enquanto esperava que acabasse a tortura, foi de que tínhamos pouco mais de meia casa de lotação, o que, naquele momento, achei justificado em razão do programa e do frio.

Bem, quando finalmente Schumann despediu-se e foi para o sanatório, entrou Albrechtsberger. Este sujeito de nome longo, ao qual doravante chamaremos de A. foi professor de Beethoven. Pois é, Ludwig van chegou em 1792 a Viena recomendado por Haydn para procurar aulas com seu amigo Albrechtsberger (OK, eu escrevo). Com ele, Beethoven estudou harmonia e contraponto. Alguns anos mais tarde, Albrechtsberger fez questão de entrar na história da música com uma das maiores bobagens já proferidas por um professor: “Beethoven não aprendeu absolutamente nada e nunca vai conseguir compor nada decente”… Isso é que é uma previsão! Sim, foi o que ele disse, demonstrando confiança e dando feedback positivo a seu pupilo. Para completar minha desconfiança, certa vez um CD de A. ganhou o prêmio de um dos 3 piores publicados pelo PQP Bach, dentre mais de 3 mil.

E, dizia eu, entrou o compositor com José Milton Vieira seu trombone de vara. Senti o drama. Ele vinha para enfiar-nos Albrechtsberger com todas as letras. Só que eu gostei. A música era surpreendentemente boa, tinha um lindo Andante e um Finale muito divertido. Miltinho, para variar, tocou demais. Diego Biasibetti mostrou-se um belo cravista, fazendo um baixo-contínuo seguro e discreto, como deve ser. Foi muito animador receber aquela ducha de boa música após (argh!) Manfred.

Sem intervalo, fomos para a programática Pastoral com seus 5 movimentos divididos em 3 seções. Já dera para sentir nas primeiras peças do programa que o regente Guilherme Mannis tirara as cordas da letargia. E elas dominaram bem a trabalhosa sinfonia do mestre de Bonn, pois se o flautim toca 6 notas, elas tocam milhares naquele tagatagatagataga beethoveniano que a gente adora. Aliás, mantive meu olho atento às cordas.

O tranquilo spalla Omar Aguirre era bem acompanhado, mas The Usual Suspects estavam lá, dando cruéis desformatadas a golpes de arco. Nem tudo é perfeito. No terceiro movimento também houve uma trompa que derrubou alguns obstáculos e caiu na pista, mas nada grave — a concepção de Mannis e o núcleo duro da orquestra seguraram bem a coisa. Chamo de núcleo duro as duas linhas de excelentes músicos que ontem estavam formadas por Marcelo Piraíno (clarinete), Diego Grendene (idem) e Adolfo Almeida Jr. (fagote), tendo mais à frente Klaus Volkmann (flauta e chorinho especial para moças no pós-concerto), Viktoria Tatour (oboé) e Paulo Calloni (corne inglês). Eram as duas linhas de três do técnico Mannis.

No final, só me sobrava rir de meu engano. O concerto fora muito bom.

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Aguardando mais fotos da festa de ontem…

Aguardando mais fotos da festa de ontem…

Ontem, houve uma baita festa para a Beatriz Gossweiler, clarinetista que se aposentou da Ospa no final de 2014. Todos os naipes estavam representados, à exceção das violas e da percussão — hum… piano não é percussão? A Beatriz é a mais querida das pessoas. Além dos músicos, estavam lá dois de seus filhos, mais noras e neto. Só que eu tirei poucas, pouquíssimas fotos e estas ficaram lamentáveis. Não em razão dos fotografados, mas da crise de minha pequena Sony. O Augusto é quem estava como uma máquina decente e deve ter muitas. Aqui vão duas e mais uma de nossas diversões da noite: o filme que o Philip Gastal Mayer mostrou para a gente lá no meio da madrugada. Alguém imagina como a orquestra consegue entrar junto na início da Quinta de Beethoven?

A ideia e a organização da festa foram da Astrid Müller e do Augusto Maurer, só para variar. Foi uma noite carinhosa e muito, mas muito engraçada.

Beatriz Gossweiler, Klaus Volkmann e Elena Romanov
Beatriz Gossweiler, Klaus Volkmann e Elena Romanov

Festa Beatriz 2

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A Ospa numa noite de sonho no Theatro São Pedro

A Ospa numa noite de sonho no Theatro São Pedro

bach mais umaNa semana passada, tivemos o dia 21 de março de 2015, data no qual o mundo comemorava os 330 anos de Johann Sebastian Bach. E a Ospa, sempre ligada, fez o que se esperava, dedicando seu concerto à obras do Mestre de Eisenach, queridão pai de 20 filhos e de de uma obra interminável em número e tamanho.

Mas, Milton, não foi nada disso que acont… Cala a boca! Tudo começou quando adentraram o palco os 11 músicos que interpretariam o Concerto de Brandemburgo Nº 3, peça de abertura da noite. A concepção era antigo-moderna: 10 instrumentos de cordas mais o cravo de Fernando Cordella. Sobrava espaço no palco com esta formação rarefeita. Foi algo deste gênero:

Mas, pô, Milton, tu tá louco… Calado! Pois bem, foi um lindo e sensível começo de uma noite gloriosa, dedicada ao compositor preferido deste que vos escreve e do presidente da Ospa, Dr. Ivo Nesralla — segundo confidência feita há três anos no Instituto de Cardiologia. Depois, Cordella mandou bala no solo do Concerto Nº 5 de Brandemburgo, para cravo e orquestra.

Não, sete leitores, o pogrom, opa, o programa era outr… Depois, tivemos uma seleção de árias de Cantatas de Bach. Elisa Machado foi a primeira cantora convidada. O soprano cantou a famosa ária Bist du bei mir BWV 508, encantando o público do teatro. (Na verdade, ao que tudo indica, esta ária avulsa é de Gottfried Heinrich Stölzel, um aluno de Bach cuja ária foi copiada para Caderno de Notas de Anna Magdalena Bach, mas a tradição diz que é de Bach). O belo acompanhamento veio através do Quinteto de Metais da orquestra. Afinal, o maestro Sotelo é especialista em sopros. A coisa foi mais ou menos assim:

Milton, tu estás delirando. O concerto de ontem foi uma m… Continuando a noite, depois tivemos a mezzo-soprano Angela Diehl cantando a ária Erbarme dich, da Paixão Segundo São Mateus, acompanhada do maestro convidado, que empunhou o violino. (Bem, chega de exemplos, quem não conhece as árias que as procure no Youtube!).

Mas, caralho, Miton, para com is… Ora, para tu, eu é que escrevo, e dá trabalho. E estou fazendo a correção de um grave equívoco. Juremir Vieira foi o convidado seguinte. Ele esmerilhou na ária Der Ewigkeit saphirnes Haus, da Cantata Trauerode BWV 198. Logo após, Ricardo Barpp mostrou o esplendor de sua careca fechando a parte dedicada à música vocal de Bach. Ele elevou o público alguns centímetros do chão ao interpretar a ária inicial da Cantata Ich habe genug, BWV 82. Amigos, que noite!

Espere por mim, no final, eu vou dizer a verdad… Conforme a tradição da Ospa, a segunda parte dos concertos são de solo de batuta. Então, o de ontem foi finalizado com algumas fugas de A Arte da Fuga arranjadas para orquestra — versão de Karl Münchinger

— e com a Suíte Orquestral Nº 3. Um programa de enorme, de sonho, uma noite perfeita!

Deixa eu falar… Não ainda! Como bis, tivemos a Ária da Suíte Nº 3, ouvida entre suspiros do público. Agora sim, podes falar.

Na verdade, digo a vocês que foi um concerto bem diferente e pobre. Gente, a OSPA deu um concerto no dia dos 330 anos de nascimento de Bach e o programa foi de obras de Milhaud, Beethoven, Villani-Côrtes e Schubert! Há coerência. Afinal, no dia dos 50 anos de morte de Villa-Lobos, em 2009, a orquestra programou um Festival Mendelssohn.

Bem, o Milhaud foi excelente com um show do percussionista Douglas Gutjahr. Beethoven.. Putz, a Egmont pela 247ª vez? O Villani-Côrtes foi aceitável e o Schubert foi fraco, com direito a erro do maestro que entrou e desistiu, fazendo a orquestra parar sem entender nada. A quem estava sentado onde eu estava, num camarote bem em cima dos músicos, só restou rir. O melhor do concerto foram os solos de Klaus Volkmann e a cara de alívio de Emerson Kretschmer quando tudo acabou. Aliás, a cara dos músicos… Os violinos chegaram a fazer uma breve reunião no palco após o concerto, certamente para comemorar a rapidez com que reagiram à mancada do regente Dario Sotelo. Tudo o que o Milton descreveu seria totalmente possível e lindo, só que a criatividade e a ousadia andam tomando um pau que nem lhes conto.

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Ospa, Shosta e as grandes Nonas (não confundir com as vovós italianas)

Ospa, Shosta e as grandes Nonas (não confundir com as vovós italianas)
Vamos falar de outro assunto, Milton?
Hum… Prefiro falar sobre o Plano Quinquenal.

Escreveria um texto muito longo sobre o concerto de ontem à noite do teatro Dante Barone, porém, como o tempo é curto, vou tentar organizar o pensamento em itens e dar uma geral depois.

1. A acústica do Dante Barone não pode ser culpada de todos os males do mundo, mas que é uma porcaria, é.

2. Se a acústica é de má qualidade, esta é brilhantemente complementada por um palco pequeno. Então, o pessoal da cozinha — sopros, metais, percussão, etc. — tem que ficar na mesma “horizontalidade” do restante da orquestra, pois não há lugar para os praticáveis.

3. O programa de ontem à noite era esplêndido, talvez por isso merecesse mais dias de ensaio. Dois Shostakovich, um Lutosławski e dois Camargo Guarnieri juntos são complicados. Um programa desses requereria mais trabalho artístico antes de ir para o palco.

4. O concerto foi bom, as notas estavam lá. Mas Shostakovich e seu sarcasmo não compareceram.

Programa

Camargo Guarnieri: Abertura Festiva
Witold Lutosławski: Pequena Suíte
Camargo Guarnieri: Três Danças Brasileiras
Dmitri Shostakovich: Abertura Festiva
Dmitri Shostakovich: Sinfonia nº 9, Op. 70
Regente: Tobias Volkmann

Escreverei acerca do concerto sem fazer críticas ao maestro — que creio ser muito bom — ou aos músicos, que algumas vezes bateram na trave. Mas elogiarei alguns que realmente se destacaram na interpretação de peças nada triviais. Por exemplo, na Dança Negra, segunda das excelentes Três Danças Brasileiras de Guarnieri, tivemos momentos extraordinários proporcionados pelos solos de Paulo Calloni (corne inglês) e de Javier Balbinder (oboé), assim como de Diego Grendene de Souza (clarinete). Aliás, as Três Danças me pareceram a parte mais bem interpretada de ontem à noite.

Na Abertura Festiva de Shostakovich houve uma verdadeira celebração ao Partido Comunista, ao cumprimento do Plano Quinquenal em um ano, às futuras vitórias da classe trabalhadora e à safra recorde de trigo. Tudo devido ao socialismo. Ou seja, a coisa foi bem tocada. A Abertura Festiva (1971) de Camargo Guarnieri trouxe-nos nossa ditadura militar, o Milagre Brasileiro e as maravilhas dos anos Médici. Tudo devido aos milicos. Ou seja, a coisa foi bem tocada.

E vou direto ao ponto. A Sinfonia nº 9, Op. 70, de Shostakovich é puro deboche, sarcasmo, escárnio. Desde Schubert, com sua Sinfonia Nº 9 “A Grande”, passando pela Nona de Beethoven e pelas Nonas de Dvorak, Bruckner e Mahler, espera-se muito das Nonas. Há até uma maldição que diz que o compositor morre após a Nona sinfonia, o que, casualmente ou não, ocorreu com todos os citados menos Shostakovitch. Esta sinfonia – por ser a “Nona” – foi muito aguardada.  Em 1945, a Segunda Guerra mundial tinha recém acabado, com a União Soviética vitoriosa. Era de se esperar que Shostakovich compusesse uma Nona sinfonia imponente, grandiosa, cheia de heroísmo e nacionalismo. Ademais, desde a Quarta Sinfonia o compositor vinha enfileirando enormidades musicais que continham profundas observações pessoais ou sociais. Na verdade, esperava-se mais uma Sinfonia que se referisse de forma dramática à Guerra, desta vez saudando a vitória. Para piorar, Shosta declarou que faria uma música que espelharia “a luta contra a barbárie e a grandeza dos combatentes soviéticos”… Bem, enquanto isso, ele preparava uma sátira.

Leonard Bernstein ria desta partitura. Os severos críticos soviéticos, adeptos do realismo socialista, não acharam graça e apontaram que a obra seria debochada, irônica e — pecado mortal — de influência stravinskiana. Eu, dono de um humor anárquico, ouço-a como uma das composições mais agradáveis que conheço. O material temático pode ser bizarro e bem humorado (primeiro e terceiro movimentos), mas é também terno e melancólico (segundo e largo introdutório do quarto), terminando por explodir numa engraçadíssima coda. Stálin foi assistir a estreia de uma Nona grandiosa… Não foi o que viu e ouviu. Teve inteira razão ao ver escoteiros marchando marchas bizarras com temas curtos e ridículos. Teve provavelmente razão ao ver o tema inicial como uma variação da marcha dos nazistas da Sétima, só que dançada por soldadinhos de brinquedo, ao estilo Forte Apache de minha infância.

A inesperada sinfonia possui cerca de 25 minutos e foi ouvida como um protesto tanto contra os terrores de Stálin quanto contra a necessidade dos compositores ao criarem Nonas tão boas quanto as de Beethoven, Mahler, Bruckner, Schubert, Dvorak… Como era de se esperar, Shostakovich foi censurado pelo Partido Comunista — cadê o Realismo Socialista? — e Stálin chegou a dizer que “a peça não passava de mero capricho burguês”. Como resultado, Shostakovich apenas lançou a Décima após a morte do líder, dedicando-se à música de câmara e a um miraculoso retorno à Bach, com a composição de Quartetos de Cordas e dos 24 Prelúdios e Fugas.

Destaques. Leonardo Winter (flautim) foi extraordinário em toda a sinfonia. Ele e o fagotista Adolfo Almeida Jr. mostraram total compreensão da música e estavam se divertindo. O mesmo vale para Klaus Volkmann (flauta). Adolfo Almeida Jr., repito, foi espantoso no Largo e na passagem para a seção final. José Milton Vieira (trombone) e Elieser Ribeiro (trompete), assim como os clarinetes estiveram maravilhosos, mas houve várias bolas na trave disparadas de outros pontos da orquestra. Não sou contra estas, acho naturais os erros — meus sete leitores sabem o quanto erro –, o problema é que a concepção da Sinfonia não estava madura. O sarcasmo e a profundidade expressiva de Shosta estiveram ausentes e isto matou a interpretação. Saí contrariado — grande coisa, né? — e conversei com amigos sobre o número insuficiente de ensaios, sobre a vida, as doenças e de como Shostakovich sofreu e buscou mais sofrimento ao manter sua integridade como artista  e ser humano em troca da integridade partidária.

No fim do concerto, meu amigo Vinícius Flores, que AMA E CONHECE Shostakovich como poucos, disse-me: “Lição do dia: se você gosta muito de uma obra, pense duas vezes antes de ir ao concerto”.

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Ospa em noite de trocadilhos fáceis e de um flute hero

Ospa em noite de trocadilhos fáceis e de um flute hero
Após o concerto de ontem, a Ospa mereceria este sorriso e charuto do mestre.
Após o concerto de ontem, a Ospa mereceria este sorriso e charuto do mestre.

Não terei tempo para escrever com maiores cuidados a resenha do concerto de ontem à noite no Salão de Atos da UFRGS. Então, vou iniciar pelo final: foi muito bom. O maestro Carlos Prazeres entregou-se à música e o resultado foi bom para mim e para todos. Mas poderia ter sido ainda mais satisfatório… O público cometeu um grande erro. O excelente pianista georgiano Guigla Katsarava daria seu bis se voltasse pela terceira vez ao palco, puxado pelos aplausos. É a praxe, gente! E falamos com ele! Como o pessoal cessou de aplaudir logo após a segunda entrada, ficamos chupando o dedo. Ele tocou maravilhosamente o Concerto para piano nº 1, Op. 23, de Pyotr Ilyich Tchaikovsky.

Este concerto abriu a função. Foi composto entre novembro 1874 e fevereiro de 1875 e revisto no verão de 1879 e novamente em dezembro de 1888. É uma das mais populares composições de Tchaikovsky e está entre os mais conhecidos concertos para piano. Embora a estreia tivesse sido um sucesso de público, os críticos não ficaram nada felizes. Um deles escreveu que “não estava destinado a se tornar famoso”. Errou feio.

A execução da obra foi magnífica. Katsarava  trouxe um sotaque autenticamente russo a Tchaikovsky. A orquestra esteve muito bem e, logo após o segundo movimento, anotei apressadamente no programa: “Klaus Volkmann, que bonito, que delicadeza! Javier tb mto bem!”.

O feito de Klaus é digno de nota, ainda mais que eu soube depois, através de fontes ligadas à orquestra, que ele tinha deixado cair no chão o estojo de sua flauta, avariando o instrumento. Imaginem que ele tocou num INSTRUMENTO EMPRESTADO do segundo flautista! Com todos os solos que fez — era uma noite em que Klaus seria especialmente exigido — e com a extraordinária qualidade deles, dá para se ter uma ideia da magnitude do feito. Poucos conseguiriam. É como se ele tivesse saído do banco de reservas, após longa lesão, para virar o jogo. Porra, Klaus, foi demais!

Depois veio Batuque, de Alberto Nepomuceno (1864-1920), espécie de micro-Bolero de Ravel. O cearense Nepomuceno tem o mérito de ter sido um dos precursores do nacionalismo musical, que explodiu mesmo com o talento de Heitor Villa-Lobos

Por falar nele… E veio a melhor peça da noite, o Choros N° 6, de Villa-Lobos. Escrita para orquestra em 1926, a peça só foi estreada no Rio em 1942. É irresistível. Meus sete leitores sabem, tenho o coração duro e o derramamento de mel promovido por Tchaikovsky apenas me agradou parcialmente. Gostei mesmo foi do Choros, espécie de passeio musical — de trem, como Villa gostava de trens! — por bairros e cidades da periferia do Rio de Janeiro. É uma obra de primeira linha, com episódios muito belos, seresteiros, carnavalescos, chorados e contrastantes. O que anotei apressadamente no meu programa? “Klaus de novo, abrindo maravilhosamente os trabalhos. Não esquecer do Calloni (corne-inglês), do Tiago (trompete), o belo sax soprano do Carlos Gontijo e o clarinete do Samuel de Oliveira.”. Porra, Klaus!

Grande concerto.

Ao centro da foto, Elena Romanov, com Klaus logo atrás.
Ao centro da foto, Elena Romanov, com Klaus logo atrás, à direita | Foto: Olga Markelova Medeiros

Programa:
Pyotr Ilyich Tchaikovsky: Concerto para piano nº 1, Op. 23
Alberto Nepomuceno: Batuque
Heitor Villa-Lobos: Choros n° 6

Regente: Carlos Prazeres
Solista: Guigla Katsarava (piano)

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Ospa com Teraoka e um trompista do outro mundo

Ospa com Teraoka e um trompista do outro mundo

Mais um concerto da Ospa com o excelente Kiyotaka Teraoka, maestro que parece receber aceitação plena de um grupo de músicos que, sistematicamente, rende muito sob sua sorridente direção. Prova de que se pode obter desempenho superior com gentileza e argumentos. Conheci o maestro em um jantar na noite de domingo. Pude comprovar seu nenhum estrelismo e sua consideração isonômica por todos.

O programa de ontem à noite era enganador. Não parecia muito promissor, mas rendeu.

Francisco Braga foi um carioca que viveu muito 77 anos, tendo construído sua obra entre os séculos XIX e XX. Episódio sinfônico é de 1898, quando o compositor residia na Alemanha. Apesar de curta, a peça possui forte influência wagneriana e foi baseada num poema do xaroposo romântico brasileiro Gonçalves Dias. Claro que mais da metade de meus sete leitores não lerão o trecho abaixo, mas foi nele que Francisco Braga baseou-se para escrever seu Episódio sinfônico. Trata-se de um fragmento da segunda parte e do final de O Templo. Eu facilito a não-leitura, colocando uns estratégicos negritos aqui e ali.

Só tu, Senhor, só tu no meu deserto
Escutas minha voz que te suplica;
Só tu, nutres minha alma de esperança;
Só tu, oh meu Senhor, em mim derramas
Torrentes de harmonia, que me abrasam.

Qual órgão, que ressoa mavioso,
Quando segura mão lhe oprime as teclas,
Assim minha alma quando a ti se achega
Hinos de ardente amor disfere grata:
E, quando mais serena, ainda conserva
E flúvios deste canto, que me guia
No caminho da vida áspero e duro.

Assim por muito tempo reboando
Vão no recinto do sagrado templo
Sons, que o órgão soltou, que o ouvido escuta”.

Se Braga realmente inspirou-se em Gonçalves Dias, Braga tentaria usar a orquestra como se fosse um órgão tocando uma oração curta, como se rezasse, comunicando algo importante para Deus. Como Deus de Braga não responde mesmo, ele fala só por cinco minutinhos. A música, que eu desconhecia, é melodiosa, e recebeu dois belos solos de Rodrigo Alquati ao violoncelo e boas participações de Klaus Volkmann (flauta) e Augusto Maurer (clarinete).

Richard Strauss nasceu 4 anos antes que Francisco Braga e morreu depois. Era filho do primeiro trompista da Ópera de Munique. Strauss compôs dois concertos para trompa e, mesmo que eles tenham surgido bem depois da morte de papai Franz Strauss, este deve ter influenciado a opção do filho. O Concerto Nº 2 para Trompa e Orquestra surgiu quando Strauss estava com mais de 75 anos de idade. É da mesma época de das extraordinárias Metamorphosen, de seu Concerto para Oboé e das lindíssimas Quatro Últimas Canções.

Francamente, não gosto deste Concerto. Mas fui obrigado a gostar ontem, tal a qualidade do trompista croata Radovan Vlatković, dono de enorme musicalidade e capaz de arrancar timbres insuspeitados de seu instrumento. No bis, Vlatković surpreendeu a todos ao interpretar um trecho de Chamada Interestelar, retirado de “Des canyons aux étoiles”, de Messiaen. Explico: é raro um solista interpretar uma obra contemporânea em um bis, tradicionalmente um momento de pecinhas conhecidas. Mas o croata atacou as belas e variadas sonoridades pianofortes de Olivier Messiaen, assim como seus estranhos silêncios. Foi um momento arrepiante, verdadeiramente único.

Teraoka Vlatković durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer
O maestro Kiyotaka Teraoka e o trompista Radovan Vlatković durante os ensaios | Foto: Augusto Maurer

Ludwig van Beethoven compôs sua Segunda sinfonia, Op. 36, entre 1801 e 1802. Na época, o compositor notara os primeiros sinais de que estava ficando surdo. Porém, desmentindo a noção de que a arte necessariamente reflete aquilo porque passa o artista, nada se nota de sua aflição na sinfonia. Ela possui quatro movimentos: Adagio molto – Allegro con brio; Larghetto; Scherzo. Allegro; Allegro molto.

O primeiro movimento é realmente sensacional — e recebeu luxuosa interpretação por parte de Teroaka e da orquestra. O Larghetto é bem chatinho, mas tudo melhora no delicioso e indiscutível Scherzo. Creio que a execução do Allegro molto foi demasiado rápida, obrigando as cordas a um tour de force que pode ser espetacular (e foi!) e adequado para finalizar um concerto, mas que não beneficia muito a sinfonia.

Sobre o Dante Barone, o que dizer? Sei lá como, parece que encontrei um lugar que minimiza a acústica terrível do local…

Programa de 29 de outubro de 2013::

Francisco Braga – Episódio Sinfônico
Richard Strauss – Concerto para trompa nº 2
Ludwig van Beethoven – Sinfonia n° 2, em Ré Maior, Op. 36

Regente: Kiyotaka Teraoka
Solista: Radovan Vlatković (trompa)

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Ospa com programa jazzístico, poético e zombeteiro

Ospa com programa jazzístico, poético e zombeteiro
Cristina Capparelli mandou bem e sobreviveu
Cristina Capparelli mandou bem e sobreviveu ao concerto que “matou” Gershwin

Com o tempo, a gente vai aprendendo. Os concertos regidos por Manfredo Schmiedt obedecem à seguinte lei de formação: são bem trabalhados, minuciosos, seguros, além de ousados e equilibrados. Não foi diferente ontem. A Ospa rendeu muito frente a boa parte da comunidade musical de Porto Alegre, lá presente para saudar a pianista Cristina Capparelli, solista do Concerto em Fá, de George Gershwin.

O programa começou com Evocação de Augusto Meyer, peça do crasso porto-alegrense Armando Albuquerque, amigo de Meyer, o bom poeta e melhor ensaísta que colocou o mulato Machado de Assis no lugar onde está merecidamente até hoje, ou seja, no Olimpo das letras nacionais. Albuquerque é grande compositor. Tenho seus discos Mosso e Uma ideia de café — títulos sujeitos às flutuações de uma memória vagabunda — e afirmo que são boníssimos. Evocação é um peça curta e muito interessante, com a surpresa de vermos o pianista André Carrara arranhando bastante bem um acordeon durante um solo com a percussão. O diálogo poético entre Meyer e Albuquerque foi um início promissor de concerto.

Não tem problema, ele sabia disso. O norte-americano George Gershwin tinha uma cultura musical limitada, mas era um imenso melodista. Escreveu centenas de canções, sendo uma espécie de Schubert com seus mais de 500 lieder negros. Certo preconceito dos representantes da alta cultura de sua época hesitava em considerá-lo “erudito”. Não foi o caso do grande Maurice Ravel, admirador da música e da fortuna de Gershwin. Há muitas piadas a respeito. Ora, o Concerto em Fá é bem conhecido. Foi uma encomenda da Filarmônica de Nova Iorque, estreada pelo próprio compositor ao piano em 3 de dezembro de 1925 no Carnegie Hall em Nova Iorque. O curioso é que, em fevereiro de 1937, Gershwin tocava o Concerto Em Fá com a Filarmônica de Los Angeles quando sofreu um desmaio. Levado ao hospital, recebeu o diagnóstico de tumor cerebral. Morreu cinco meses depois, aos 39 anos, no auge.

Porém, Cristina Capparelli saiu caminhando após o concerto — não foi necessária a intervenção dos maqueiros — e espero que esteja tão bem quanto esteve como solista. Excelente interpretação do concerto de Gershwin. Gostei muito de todos na interpretação do segundo movimento (Adagio — Andante com moto). Os sopros soaram tristes, dignos de uma big band de Duke Ellington, com destaque para o trompetista Tiago Linck, secundados pelo trio de clarinete, flauta e trompa, pilotados por Augusto Maurer, Klaus Volkmann e Israel Oliveira.

A diversão da noite veio por conta de Jacques Ibert e seu Divertissement. Raros “Divertimentos” são tão alegres e zombeteiros quanto este. Para orquestra reduzida, tem início agitado e atlético ao estilo do melhor Hindemith, boa escrita para sopros — e os atuais sopros da Ospa sempre respondem bem às demandas mais complicadas –, citações da Marcha Nupcial, a tangos e tem no coração uma incrível valsinha, bem burlesca, além de um solo anárquico, talvez inspirado no Bloco de Lutas, a cargo de André Carrara. Mais um show dos sopros numa música tão boa e feliz que nem parece francesa.

A Sinfonietta Prima de Ernani Aguiar, finalizou com dignidade o belíssimo programa. Depois de um severo primeiro movimento, temos um lastimoso Lento assai, seguido de uma magoada Marcha-rancho que vai desembocar num Finale daqueles que parecem formar uma mola nas cadeiras de parte da plateia, o que leva algumas pessoas a imediatamente erguerem-se e aplaudirem. E foi feito para isso mesmo.

Então, quem foi à Reitoria da Ufrgs não se arrependeu.

O célebre gaiteiro André Carrara -- pão de queijo e carne de sol.
O célebre gaiteiro André Carrara — pão de queijo e carne de sol | Foto: Augusto Maurer

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Ospa: a trombonada que salva e liberta

Durante o ensaio, o trompista Israel Oliveira testa seu volume pulmonar. | Foto: Augusto Maurer
Durante os ensaios, o trompista Israel Oliveira testa sua capacidade pulmonar. | Foto: Augusto Maurer

Libertos da ditadura das cordas, derrubado o muro que separa madeiras e metais da plateia, os sopros utilizaram muito bem a liberdade de expressão que lhes foi concedida após anos de lutas. Eles deram um belíssimo concerto ontem no Salão de Atos da Ufrgs. É claro que o repertório ajudou muito. A fórmula Bernstein + Strauss + Stravinsky + o ainda desconhecido Ewazen demonstrou o quanto é saudável a expansão dos programas em direção ao ineditismo. Os aplausos após o concerto foram merecidíssimos. Afinal, foi um trabalho árduo enfrentado com brilhantismo pelo pessoal do barulho. Read More

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Ospa, Inge e um calor dos infernos

Foi um bonito concerto. A solista do Concerto para Violoncelo de Dvorák era Inge Volkmann. Inge foi por anos a primeira violoncelista da Ospa e aposentou-se há poucos meses. Ontem, era uma segura solista convidada. Como sempre, saiu-se muito bem. Espero que ela não pare de tocar apenas porque trabalhou tempo suficiente para poder ficar em casa, seria um absurdo. E Inge é jovem, não se parece em nada com os aposentados que conheço. Para completar a alta temperatura emocional, o regente era seu irmão Manfredo Schmiedt e, durante o Dvorák, dialogava com o flautista Klaus Volkmann, seu filho.

Por falar em alta temperatura… A Igreja da Reconciliação estava lotada e parecia o inferno na noite de ontem. O calor era insuportável e as pessoas ficam meio alucinadas. Sentamos no mezanino. Eu só via a orquestra se ficasse em pé, mas em qualquer posição que ficasse, suava feito como se tivesse voltado a jogar futebol. Nosso amigo Décio começou a brigar com os vizinhos. Ninguém tinha paciência e, de repente, um rádio ligou sozinho dentro da mochila de alguém. Entre o desconforto e a tentativa de concentrar-se no palco — afinal estamos lá para isso — , o dono da mochila não se deu conta. Então, outra pessoa avisou que “tem uma porra de um rádio ligado aí contigo”… O sujeito demorou dois minutos para encontrar e desligar a porra. Pediu desculpas. Bem na minha frente, um cidadão saltou no meio de outras pessoas a fim de ficar melhor posicionado. Um salto, entendem?, uma coisa de balé. Parou quando bateu ombro a ombro com alguém. Eu e minha mulher vimos a performance, que arrancou um oh do povo em volta. Céus!

E a temperatura subindo. No intervalo, fomos para a rua e perguntamos se a sauna era obrigatória ou se dava para ligar o ar condicionado da igreja. Resposta: se ligarmos o ar condicionado, cai a luz.

Com tudo assim resolvido, ouvimos o Te Deum de Bruckner lá de fora, onde estava instalado um telão mostrando o concerto em câmara estática. Lá fora estava muito bom, uns 17º e eu fiquei sentado com as pernas e braços abertos como se estivesse num varal. Mas não posso falar muito sobre a apresentação, que me pareceu boa, mesmo através do telão.

Espero que um dia a Ospa possa rir de 2013, um ano de extremas dificuldades, mas no qual a orquestra está sempre acompanhada de grande público. É um time que apanha, apanha e a torcida segue fiel e crescendo. E que nada nos desvie da Sala Sinfônica!  Todos estão irritados com a situação. Eu, que não tenho mais idade nem disposição para fofocas, apenas opino que desprezo a vacuidade dos posts daqueles que se deixam levar pela imaginação paranoica. Mas tergiverso: dizia que é um time que apanha, apanha e a torcida segue fiel e crescendo. E a gente trata de divulgar e ajudar de nosso modo. E de se alimentar depois:

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Ospa: o melhor concerto de 2012? Acho que sim

O maestro Pedro Calderón: volte sempre, viu?

Bom repertório, bom maestro, bom solista e uma orquestra inspirada fizeram ontem à noite um dos melhores concertos de 2012, talvez o melhor de todos. Foi o conserto do concerto, se me entendem. Chovia muito e a Assembleia Legislativa ficou com pouco mais da metade de suas dependências ocupadas, apesar do ingresso gratuito.

A primeira obra foi o famoso Concerto para Violino, Op. 64, de Felix Mendelssohn. É uma obra em três movimentos interligados que recebeu eficiente interpretação do solista nipo-germânico Koh Gabriel Kameda, sobre o qual tínhamos especial curiosidade. Afinal, o cara toca num Stradivarius de 1727. Kameda é um excelente violinista, as notas estão todas lá, mas acho que ele pecou na interpretação um pouco dura demais. Aquilo prejudica até o som privilegiado de seu violino. Meu entusiasmo por ele é limitado, mas tenho que dizer que o aplaudi muito. É que a memória do concerto de Mendelssohn ficou prejudicada pelo que veio depois e que foi muito, mas muito maior.

Ah, Kameda e a Ospa deram um bis com Oblivion de Astor Piazzolla. Engraçado, aqui Kameda perdeu a contenção, fazendo exatamente o que dele se esperava no Concerto. Enfim, coisas.

Tenho uma relação especial com a Sinfonia Nº 9 de Franz Schubert, apresentada após o intervalo. No dia 10 de dezembro de 1993, encontrei meu pai à noite num supermercado. Como sempre fazia com ele – e ele comigo – vim sorrateiramente por trás e fingi dar-lhe um encontrão. Depois, conversamos umas bobagens e nos despedimos. No dia seguinte, às 6h, ele estava estirado no banheiro de casa, morto, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Meio perdido, andei pela sala e resolvi abrir o CD Player para ver o que estava ali dentro. A última música que ele tinha ouvido fora a Sinfonia Nº 9, A Grande, de Schubert, com Claudio Abbado e a Chamber Orchestra of Europe. Nos dias posteriores, ouvi loucamente aquela música belíssima. Conheço-a em detalhes, claro. Qualquer psicólogo de farmácia dirá que eu tentei trazê-lo de volta através da Sinfonia, mas que ela não era tão grande assim. Mas, enfim, o concerto…

Ou o regente Pedro Calderón deu total liberdade ou foi muito bem compreendido pelos músicos. Isto era visível pela felicidade de todos. As cordas estiveram perfeitas numa obra longa em que elas trabalham o tempo inteiro.

O primeiro movimento inicia com um solo de trompa que foi executado na medida por Israel Oliveira. Todo o Andante – Allegro ma non Troppo recebeu a seriedade que merece, mas Calderón parecia ter a clara intenção de nos mostrar que seu Schubert era o dos lieder, o das canções. O segundo movimento (Andante con Moto)tem importante participação das madeiras e das flautas – destaques sempre e sempre para Viktória Tatour e Klaus Volkmann – e foi talvez o grande momento da noite. Há ali um tema puxado pelos segundos violinos que depois é “cantado” por toda a orquestra. Sim, ele foi “cantado” por todos os instrumentos como poucas vezes ouvi. Era pura felicidade dentro de uma melodia que nos remete novamente às canções schubertianas. Quem esteve lá ouviu. No Allegro Vivace que fecha a nona com algumas curtas referências a sua irmã de Beethoven, o entusiasmo de todos era tamanho que a batuta de Calderón acabou saltando de sua mão, voando sobre a cabeça dos spallas Omar Aguirre e Emerson Kretschmer, caindo atrás deles. Calderón seguiu o baile. Este Calderón – um argentino que deve ser octogenário — podia vir mais vezes, não? Ninguém vai se incomodar.

Foi maravilhoso. Gosto de observar a plateia na saída de shows, filmes e concertos. Ela saiu nas nuvens, vinda de um mundo absolutamente feliz. Estavam sem medo da chuva, também. Notei uma mulher que saiu à rua com total naturalidade e uma sombrinha na mão. Achei graça. Como prestar atenção a um mero guarda-chuva depois daquilo?

Programa

Felix Mendelssohn: Concerto para Violino, Op. 64
Bis: Astor Piazzolla: Oblivion
Franz Schubert: Sinfonia nº 9

Solista: Koh Gabriel Kameda
Regência: Pedro Calderón

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Ospa: noite de ventos

O concerto de ontem foi uma boa surpresa. Só obras para sopros e percussão. Sei que não dá para fazer isso sempre, mas abrir as janelas com a finalidade de arejar o repertório é uma coisa comum nas boas orquestras e a Ospa, com os músicos que tem, não deve dobrar-se a auto-indulgência, nem pensar que o público é tão amador que queira sempre mais do mesmo.

O concerto abriu com a simpática Fanfarra para preceder La Péri, de Paul Dukas. Obra para metais, serve como abertura do balé La Péri. Excelente interpretação do pelotão de metais da Ospa, disposto em linha na frente do público com o maestro na plateia. Um belo fuzilamento.

Stravinsky em momento pastoral (clique para ampliar)

Depois veio a música mais chatinha da noite, a Serenata para Sopros, de Richard Strauss, a qual demonstrou um mérito indiscutível: ser curta. A coisa ficou séria na Sinfonias (isso mesmo) para Sopros de Igor Stravinsky. Com uma única mulher no grupo e em toda a noite — a clarinetista Beatriz Gossweiler — o que se viu e ouviu foi música de primeira qualidade com um show particular de Leonardo Winter e Augusto Maurer, dançando nas tortuosas melodias do talentoso nanico russo amante da grana.

(Aqui, mais fotos eróticas de Igor Stravinsky).

Após o intervalo veio a música programática de David Gillingham, Waking Angels. Desconhecia totalmente esta bela composição de 1996 sobre a AIDS. Não é um tema leve e a música — assim como a composição de Stravinsky — não é nada trivial. A audição é realmente impactante, mas bonita de se ver. Enquanto Wilthon Matos botava e tirava gatos da tuba, o pessoal das madeiras alternavam intervenções de seus instrumentos com um coral. Isto é, eles cantaram e cantaram bem e com a seriedade requerida pelo tema. Apesar de tudo, não posso deixar de sorrir ao lembrar de Klaus Volkmann cantando com tanta seriedade, ele que parece ter o sorriso naturalmente estampado no rosto. (Impressão que tenho de longe, pois nunca falei com ele. Vai ver e é o maior dos mal humorados…).

Não me apaixonei pela Suíte cp200, de Edson Beltrami. Ela tem um final interessante, mas talvez rendesse melhor se não estivesse depois de Stravinsky e de Waking Angels. Destaque para a trompas e para o oboísta que não sei o nome (Javier Andres Balbinder?).

Além de bom músico, acho que o regente Dario Sotelo deu boas e necessárias explicações. Sabe falar em público, foi simpático, etc. Está caindo de madura a sugestão de imitar a Osesp. 30 minutos antes de cada concerto, um músico da orquestra dá uma pequena aula a respeito do que se vai ouvir. Quem não se interessar, chega só para o concerto; quem quer aprender e puder chegar mais cedo, aprende alguma coisa. A formação do público não deve ser apenas como ouvinte. Waking Angels cresceu muito após a sensível explicação do maestro. Pensem nisso. A Associação de Amigos da Ospa vai acabar acontecendo e espero que consigamos encaminhar coisinhas como essas. É o mínimo. A orquestra existe para o público e formá-lo é importante.

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Ospa: tudo é bom quando acaba bem

O programa de ontem da Ospa oferecia duas obras bem diferentes, um aquecimento com o subwagneriano Franz Schmidt (o Intermezzo da ópera Notre Dame) e um portento de Gustav Mahler, a Sinfonia n°4.

O tal Intermezzo era bem curtinho. Brumas wagnerianas adentraram o palco da Reitoria. Porém, logo foram desfeitas pelas cordas tentando tocar em uníssono. Não funcionou nada bem, mas perdeu-se pouco: o Intermezzo é um daqueles longos clímaces (plural de clímax, por favor?) que parecem desaguar em algum local muito longínquo, bem longe do Bonfim e de suas famílias judias. Mas vamos ao que interessa.

A Ospa estava preparada era para Mahler. A quarta sinfonia é uma pequena e leve composição quando comparada com suas irmãs. É uma sinfonia distinta das outras do compositor, assim como o são a sarcástica 9ª na obra de Shostakovich ou a haydniana 8ª na de Beethoven. Os temas da 4ª fluem com facilidade e humor. Porém, a orquestra não tem vida fácil. A orquestração é via de regra rarefeita; a música é levada por sub-grupos solistas que se revezam em diferentes combinações. Não é apenas música de primeira qualidade, é uma coisa interessante de ser assistida ao vivo, pois as melodias que começam aqui são continuadas ali; depois, são feitas variações timbrísticas acolá e finalizadas algures. A plateia perce que está num jogo de tênis, virando a cabeça a cada momento. É que, nesta sinfonia, Mahler fugiu dos grandes efeitos de massa, escolhendo combinações de câmara e o contraponto como fator de equilíbrio da obra. Os músicos estavam todos muito concentrados, sem os habituais saracoteios daqueles que regem e motivam a si mesmos. E o resultado foi maravilhoso.

Há muito a destacar. Começo pelo spalla Emerson Kretschmer e pelo concertino Omar Aguirre. Foram perfeitos em seus muitos solos. As intervenções do trompista Alexandre Ostrovski e da oboísta Viktória Tatour foram absolutamente impecáveis — sempre são! — , assim como as dos clarinetistas Augusto Maurer e Diego de Souza e as dos flautistas Klaus Volkmann, Leonardo Winter e de mais um do qual também não sei o nome. Impressionante a forma como os violoncelos cantaram no terceiro movimento sob o domínio da precoce aposentada Inge Volkman, que fazia… Sua última apresentação com a Ospa? Ah, brincadeira, né?

(Intermezzo: Querida Inge. Parabéns. Mas não pare de trabalhar. Mantenha projetos e siga tocando cello. A aposentadoria pode ser uma coisa terrível e digo isso por vários exemplos familiares. Mantenha-se ativa, até porque é um crime deixar tanto talento de pijamas ou chinelinhas em casa. Nada de ficar vendo TV e acompanhando séries americanas. Isso emburrece, certo? Fim do intermezzo).

Porém, meus amigos, nada foi comparável à regência compreensiva do imenso Kiyotaka Teraoka e, principalmente à delicadeza, à presença e ao canto do soprano Sara Kobayashi. Céus, aquilo foi espantoso desde a entrada — uma aparição saída dentre os violinos. Além de ser uma moça belíssima, Sara tem excelente voz e sabia que estava cantando A Vida Celeste palavra por palavra. Foi um momento arrepiante e inesquecível. É muito difícil fazer o simples que o lied parece exigir e tenho certeza que todos os que estiveram lá levaram bem gravada em seus olhos a imagem e a voz de Sara Kobayashi cantando o final da 4ª. Foi o máximo.

Sem dúvida, uma grande noite.

Sara Kobayashi (Foto de seu site)

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O excelente concerto da Ospa de hoje pela manhã

Muito bom iniciar o domingo com um concerto desses:

Ney Rosauro: Concerto para vibrafone e orquestra
Edward Elgar: Concerto para Cello, Op. 85
Nicolai Rimsky-Korsakov: A Grande Páscoa Russa

Fernando Bueno Menino saiu-se maravilhosamente no concerto para vibrafone, a mais contida e melodiosa das obras de Rosauro que conheço. Menino é um jovem percussionista da Orquestra Sinfônica de Santa Maria.

O concerto de Elgar ficou famoso nos anos 60 e início dos 70 por ser a pièce de résistance da violoncelista Jacqueline du Pré, a queridinha dos britânicos na época. O concerto grudou nela de tal forma que quase todos lembram de sua beleza, virtuosismo e da esclerose múltipla que a forçou deixar os palcos aos vinte e oito anos. Anderson Fiorelli não é tão bonito, mas levou muito bem o concerto do qual gosto do primeiro movimento e menos do resto.

A Grande Páscoa Russa foi o final perfeito para um concerto sem pontos baixos. A música ao vivo tem o poder de nos mostrar o motivo pelo qual amamos uma obra. As belas melodias, mas principalmente o dinâmico e colorido arranjo orquestral de Korsakov dão à Páscoa uma sedução que me é irresistível. Excelentes participações de Klaus Volkmann, Augusto Maurer, Omar Trinajstich, José Milton Vieira, Inge Volkmann e de todo o time de metais e percussionistas sob o comando .Manfredo Schmiedt

Sugestões para a série Concertos da Juventude:

— os concertos deveriam ser discretamente didáticos — isto é, com palestras sucintas e bem preparadas para não se tornarem belardianas, Seriam encontros pré-concerto sempre ministradas por algum músico da orquestra, não necessariamente o regente;

— alguma coisinha de etiqueta para o público, explicando de forma bem humorada o ritual concertístico. Afinal, a ideia é boa música + formação, certo?

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