A Ospa numa noite de sonho no Theatro São Pedro

A Ospa numa noite de sonho no Theatro São Pedro

bach mais umaNa semana passada, tivemos o dia 21 de março de 2015, data no qual o mundo comemorava os 330 anos de Johann Sebastian Bach. E a Ospa, sempre ligada, fez o que se esperava, dedicando seu concerto à obras do Mestre de Eisenach, queridão pai de 20 filhos e de de uma obra interminável em número e tamanho.

Mas, Milton, não foi nada disso que acont… Cala a boca! Tudo começou quando adentraram o palco os 11 músicos que interpretariam o Concerto de Brandemburgo Nº 3, peça de abertura da noite. A concepção era antigo-moderna: 10 instrumentos de cordas mais o cravo de Fernando Cordella. Sobrava espaço no palco com esta formação rarefeita. Foi algo deste gênero:

Mas, pô, Milton, tu tá louco… Calado! Pois bem, foi um lindo e sensível começo de uma noite gloriosa, dedicada ao compositor preferido deste que vos escreve e do presidente da Ospa, Dr. Ivo Nesralla — segundo confidência feita há três anos no Instituto de Cardiologia. Depois, Cordella mandou bala no solo do Concerto Nº 5 de Brandemburgo, para cravo e orquestra.

Não, sete leitores, o pogrom, opa, o programa era outr… Depois, tivemos uma seleção de árias de Cantatas de Bach. Elisa Machado foi a primeira cantora convidada. O soprano cantou a famosa ária Bist du bei mir BWV 508, encantando o público do teatro. (Na verdade, ao que tudo indica, esta ária avulsa é de Gottfried Heinrich Stölzel, um aluno de Bach cuja ária foi copiada para Caderno de Notas de Anna Magdalena Bach, mas a tradição diz que é de Bach). O belo acompanhamento veio através do Quinteto de Metais da orquestra. Afinal, o maestro Sotelo é especialista em sopros. A coisa foi mais ou menos assim:

Milton, tu estás delirando. O concerto de ontem foi uma m… Continuando a noite, depois tivemos a mezzo-soprano Angela Diehl cantando a ária Erbarme dich, da Paixão Segundo São Mateus, acompanhada do maestro convidado, que empunhou o violino. (Bem, chega de exemplos, quem não conhece as árias que as procure no Youtube!).

Mas, caralho, Miton, para com is… Ora, para tu, eu é que escrevo, e dá trabalho. E estou fazendo a correção de um grave equívoco. Juremir Vieira foi o convidado seguinte. Ele esmerilhou na ária Der Ewigkeit saphirnes Haus, da Cantata Trauerode BWV 198. Logo após, Ricardo Barpp mostrou o esplendor de sua careca fechando a parte dedicada à música vocal de Bach. Ele elevou o público alguns centímetros do chão ao interpretar a ária inicial da Cantata Ich habe genug, BWV 82. Amigos, que noite!

Espere por mim, no final, eu vou dizer a verdad… Conforme a tradição da Ospa, a segunda parte dos concertos são de solo de batuta. Então, o de ontem foi finalizado com algumas fugas de A Arte da Fuga arranjadas para orquestra — versão de Karl Münchinger

— e com a Suíte Orquestral Nº 3. Um programa de enorme, de sonho, uma noite perfeita!

Deixa eu falar… Não ainda! Como bis, tivemos a Ária da Suíte Nº 3, ouvida entre suspiros do público. Agora sim, podes falar.

Na verdade, digo a vocês que foi um concerto bem diferente e pobre. Gente, a OSPA deu um concerto no dia dos 330 anos de nascimento de Bach e o programa foi de obras de Milhaud, Beethoven, Villani-Côrtes e Schubert! Há coerência. Afinal, no dia dos 50 anos de morte de Villa-Lobos, em 2009, a orquestra programou um Festival Mendelssohn.

Bem, o Milhaud foi excelente com um show do percussionista Douglas Gutjahr. Beethoven.. Putz, a Egmont pela 247ª vez? O Villani-Côrtes foi aceitável e o Schubert foi fraco, com direito a erro do maestro que entrou e desistiu, fazendo a orquestra parar sem entender nada. A quem estava sentado onde eu estava, num camarote bem em cima dos músicos, só restou rir. O melhor do concerto foram os solos de Klaus Volkmann e a cara de alívio de Emerson Kretschmer quando tudo acabou. Aliás, a cara dos músicos… Os violinos chegaram a fazer uma breve reunião no palco após o concerto, certamente para comemorar a rapidez com que reagiram à mancada do regente Dario Sotelo. Tudo o que o Milton descreveu seria totalmente possível e lindo, só que a criatividade e a ousadia andam tomando um pau que nem lhes conto.

Um excelente concerto bachiano que acontecerá novamente amanhã

Um excelente concerto bachiano que acontecerá novamente amanhã

Eu não tinha muita fé na coisa. Domingo passado, no início da noite, fui ao Concerto de Aniversário de 80 anos de uma comunidade luterana ali na João Obino. Tudo porque estavam tocando um Bach que eu adoro – a Cantata BWV 137 – , mais a Glória de Vivaldi, um Telemann e uma pequena e expressiva obra coral de Mendelssohn. Também tinha um interesse extra e nada secundário que devo declinar ao longo do texto, mas, enfim, lá fui eu, apesar de estar perdendo mais um jogo do time de giovanni luigi Calvário.

A primeira surpresa é que, apesar de ter chegado quinze minutos antes do horário, a igreja estava lotada. Sentei numa cadeira extra, dessas brancas, de plástico, que parecem que podem cair a qualquer momento. A função iniciou pontualmente. A congregação – é assim que chamamos a plateia de uma igreja, os fiéis, não? – começou a cantar um hino onde reconheci a melodia-base da Cantata de Bach que viria logo a seguir, certamente uma tradicional melodia luterana. A surpresa é que a plateia cantava com entusiasmo e estranha afinação. Será que os alemães ou os luteranos já vêm com afinação e espírito bachiano pré-instalados? A verificar. Claro que eles cantam melhor que o comum dos mortais. A segunda surpresa é que a acústica da pequena igreja era boa, uma raridade em Porto Alegre.

Passados os primeiro e bons sustos, veio a Gloria, RV 589, de Vivaldi. A música é bonita, conhecidíssima e foi muito bem tocada. Mesmo com uma orquestra formada de improviso, o trabalho do regente Manfredo Schmiedt voltou a aparecer. A orquestra desempenhava bem seu papel e os cantores Elisa Machado, Rose Carvalho, Eduardo Bighelini e Ricardo Barpp mostravam suas habituais competências. Sobrava cantor.

Depois veio Jauchzet ihr Himmel, de Telemann, uma obrinha curiosa que não conhecia. E o filé estava logo ali, vindo.

Collegium-Aureum-C04-3a[Orbis-LP]E chegou. A Cantata BWV 137 Lobe den Herren, de J. S. Bach, recebeu minha admiração mais profunda desde que a conheci naquele vinil da Harmonia Mundi alemã com o Tölzer Knabenchor e a compreensiva regência de Franzjosef Maier. É daquelas pequenas joias que Bach deixou escondidas entre obras maiores. Não há nada que não seja absolutamente perfeito nela. Cioran não disse que foi Bach quem inventou Deus? Deve ter sido mesmo. O primeiro coral saiu belíssimo , mas estava me preparando para a ária para contralto, violino solo e contínuo que viria logo a seguir.

E aqui completo o motivo de minha ida ao concerto, de meu abandono do futebol e da leve indireção da qual sou refém aos finais das tardes de domingo. (Ah, o dia seguinte, a segunda-feira… Como voltar ao trabalho? De onde recomeçar e para quê? Por que não seguir desfrutando a vida e descansando como a mente e o corpo pedem de forma tão persuasiva?)

Mas tergiverso. A linda voz de contralto de Rose Carvalho foi acompanhada pelo solo de Elena Romanov. A Elena – spalla da orquestra e, para quem não sabe, minha namorada, o que me torna certamente suspeito – já tinha me dito: “Coube a mim acompanhar a Rose, que tem uma voz incrível, gosto muito”. A mim cabia apenas ouvi-las. A ária é realmente estupenda, com o solo de violino ornamentando a melodia cantada pelo contralto, que é uma variação do coral inicial e da melodia entoada pela congregação lá no início. Fechei os olhos e realmente fiquei feliz com o que ouvi. Foi maravilhoso e um ateu sabe a quem agradecer aqui na terra. Obrigado, Manfredo, Rose e Liênatchka – sim, este é o “diminutivo” de Elena em russo. Afinal, fui eu quem encheu o saco da Lienka – outro diminutivo, menos carinhoso – para que ela aceitasse o convite…

Sim, este foi o momento da ária a que me referi acima.
Este é um registro fotográfico da ária a que me referi acima. À esquerda do maestro, Elena; à direita, o baixo contínuo acompanhando Rose. (Clique na foto para ampliar)

Depois veio a ária para soprano e baixo acompanhados pelos oboés de Rômulo Chimelli e Anelise Kindel e a ária para tenor com o Bighelini, os violoncelos e os comentários do Elieser Ribeiro no trompete. Tudo foi muito bonito até o coral que fecha a Cantata.

No final, o coral envolveu a congregação e cantou o Verleih uns Frieden gnädiglich, de Mendelssohn, que tem início soturno a cargo do operoso violoncelo de Fábio Chagas e do contrabaixo de Renate Kollarz até que o coral alivia o peso.

Na saída, eu esperava por Elena e via na cara das pessoas o sucesso do concerto. E tudo isso que aconteceu em Porto Alegre será repetido amanhã (sábado, 30/11) na Capela da Ulbra, em Canoas, às 20h. Vão lá! Quem for, não vai dizer que eu sou suspeito e menti, tenho certeza.

(A Elena detesta aparecer fora do ambiente musical– “Milton, tu não és nada discreto. Liênatchka, por exemplo, pra quê?” – e vai querer me matar por este merecido texto. Intimamente, desejo-me sorte nos momentos da pós-leitura dela…)

Ospa: algumas anotações sobre Fidélio

Ospa: algumas anotações sobre Fidélio

Por puro pragmatismo ou esquisitice mental, toda vez que vejo o esforço necessário à montagem de uma obra de grandes proporções, penso nos motivos que levam as pessoas àquilo. No caso de Fidélio, ópera filha única de Beethoven, o caso me parecia mais grave. Uma ópera longa, de um compositor pouco afeito ao gênero, porque não investir em algo mais moderno ou nos cânones Mozart, Rossini ou Wagner? Ademais, acho que nossa época tem pleno direito — e dever — de dar sua interpretação a obras do passado, mas confesso meu preconceito para com óperas. Até Eric Hobsbawm em seu maravilhoso Tempos Fraturados escreve que “… nenhuma das óperas do repertório atual tem menos de oitenta anos, e praticamente nenhuma terá sido escrita por compositores nascidos depois de 1914. (…) A produção operística (…) consiste, na maioria esmagadora, em tentativas de refrescar túmulos eminentes depositando sobre eles diferentes conjuntos de flores”.

Só que meu amado historiador esqueceu de dizer que, não obstante a idade e os trechos do enredo fora de moda ou decididamente tolos, algumas óperas, como Fidélio, têm muito a dizer aos dias atuais. Com toda a razão, o flautista Artur Elias escreveu no Facebook da Associação de Amigos da Ospa que Fidélio trata de temas como “abuso de autoridade, violência de estado, liberdade de expressão, protagonismo da mulher”. Acrescento à lista de Artur pitadas de presos políticos, tudo isso misturado a uma música de primeira linha. Então, este chatíssimo resenhista hostil às óperas foi lá e teve que admitir que ouviu Beethoven… Ops, que gostou muito do que ouviu. Então, recuando de sua posição atacante, vamos a alguns comentários a respeito do que vimos e ouvimos no Theatro São Pedro no último sábado.

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